Influência da soma térmica e da chuva durante o desenvolvimento de laranjas-
'Valência' e 'Natal' na relação entre sólidos solúveis e acidez e no índice
tecnológico do suco
INTRODUÇÃO
A produção de suco de laranja com alta qualidade necessita de frutos com alta
qualidade, a qual é avaliada através das suas características químicas e
físicas. As características físicas e químicas dos frutos variam durante o
período de maturação, e essa variação depende, entre outros fatores, das
condições meteorológicas durante a formação e maturação dos frutos.
O rendimento industrial é dado pelo índice tecnológico que considera as
características físicas e químicas do fruto, enquanto o método utilizado para
determinar a maturidade e a época da colheita dos frutos de laranja, é a razão
entre as porcentagens de sólidos solúveis totais (SST) e de acidez total
titulável (ATT), conhecida como índice de maturidade (SST/ATT) ou,
simplesmente, "ratio". O índice tecnológico, além de indicador da
maturidade, pode ser utilizado como indicador da qualidade do fruto (Sinclair,
1984; Soule e Grierson, 1986).
Na Califórnia, utiliza-se "ratio" de, no mínimo, 8 para o consumo do
fruto "in natura", e "ratio" igual a 10 para frutos
destinados à fabricação de suco concentrado congelado (SLCC). Na Flórida,
geralmente, os consumidores preferem o suco de laranja com "ratio"
entre 15 e 18, e a indústria começa a processar os frutos quando estes atingem
"ratio" igual a 13 (Kimball, 1991). No Brasil, apesar do consumo de
SLCC ser pequeno (5% do total produzido), verifica-se a preferência por sucos
com "ratio" acima de 14. Todavia, o processamento pode começar quando
o "ratio" alcança 12 ' 13, embora o preferido pelas indústrias esteja
entre 15 e 18 (Marchi, 1993).
Albrigo (1990) demonstrou que 60% a 70% da variabilidade entre anos agrícolas
para o índice tecnológico (kg de sólidos solúveis por caixa) e o total de
sólidos solúveis no suco podem ser devido às variações nas temperaturas do ar e
às chuvas durante a indução floral e o período de diferenciação, antes da
florada.
Chen (1990), na Califórnia e Flórida, mostrou que o acúmulo de graus-dia pode
representar o acúmulo de sólidos solúveis e o aumento no índice de maturidade
do suco a partir do mês de julho. Na região de Bebedouro-SP, em 5 anos de
estudo, Volpe (1992) verificou para a laranja-'Pêra', com idade superior a 10
anos, altos coeficientes de correlação entre o "ratio" e o acúmulo de
graus-dia, com temperatura base de 13ºC, sendo grande a variabilidade da
correlação de ano para ano.
As análises de regressão linear simples, quadráticas e múltiplas, entre as
características químicas e físicas dos frutos e as variáveis climáticas, têm
sido usadas na obtenção de modelos de previsão de colheita, no estabelecimento
de curvas de maturação e nos estudos que procuram estabelecer a importância dos
elementos meteorológicos na maturação do fruto (Kimball, 1984; Nuñes e
Iglesias, 1991). Para Volpe et al. (2000), a equação de regressão quadrática
com a variável independente graus-dia acumulados é a que apresenta o melhor
ajuste com os indicadores de qualidade, acidez e sólidos solúveis, dos frutos
de laranjeiras-'Natal' e 'Valência'.
O objetivo do presente trabalho foi determinar o grau de influência das
variáveis meteorológicas, soma térmica (graus-dia) e chuva, no índice de
maturidade ("ratio") e no índice tecnológico dos frutos da primeira
florada de laranjeiras-'Natal' e 'Valência' na região de Bebedouro-SP,
utilizando-se de dados de amostragens de rotina para processamento industrial.
MATERIAL E MÉTODOS
Foram utilizados pomares de laranjeiras-'Valência' e 'Natal' (Citrus sinensis,
L. Osbeck), enxertadas em limoeiro-'Cravo' (Citrus limonia, Osbeck),
localizados na região de Bebedouro-SP. As plantas foram cadastradas conforme o
ano de plantio, e divididas em 3 categorias de idade: (1) plantas com idade de
3 a 5 anos; (2) plantas com idade entre 6 e 10 anos; e (3) plantas com idade
superior a 10 anos.
Foram estudadas as curvas de maturação dos frutos da primeira florada de
laranjeiras das variedades tardias Valência e Natal, durante 4 anos, 1994,
1996, 1997 e 1998, que correspondem, respectivamente, às safras 94-95; 96-97;
97-98 e 98-99. Os frutos dessas variedades, na indústria de suco, são
analisados conjuntamente, pois não ocorrem grandes diferenças nas curvas de
maturação dessas duas variedades.
As amostragens de frutos iniciaram-se, em todos os anos, no mês de abril, e
estenderam-se até o mês da colheita, novembro ou dezembro. Em cada pomar, foram
demarcadas oito árvores para o acompanhamento da maturação dos frutos, e, em
cada árvore, foram coletados, mensalmente, cinco frutos para o acompanhamento
da curva de maturação.
Os teores de sólidos solúveis totais (g/100 ml) foram determinados por
refratometria a 20ºC, e a acidez total titulável (% de ácido cítrico) foi
determinada por titulometria, usando-se como titulante NaOH a 0,3125 M (Read et
al., 1986).
O "ratio" foi calculado pela relação entre os teores de sólidos
solúveis totais e a acidez total titulável, enquanto o índice tecnológico
(sólidos solúveis/caixa) foi obtido pela expressão:
IT = (RS .SST .40,8) . 10-4
onde, IT é o índice tecnológico; RS, em %, é o rendimento em suco; SST, em g/
100 ml, é o teor de sólidos solúveis; e 40,8 é peso padrão da caixa de colheita
de laranja (kg).
Os dados diários de temperaturas máxima e mínima, e de chuva dos anos de 1993 a
1998, foram obtidos na Estação Meteorológica da Estação Experimental de
Citricultura de Bebedouro, cujas coordenadas geográficas são 20º58'18"S,
48º28'11"W, 600 m.
A soma de graus-dia para os períodos compreendidos entre o florescimento e a
data de amostragem foi obtida de acordo com a expressão:
onde, , d é o dia considerado do florescimento e n é a data da amostragem; Tm,
em °C, é a temperatura média diária; Tb, em °C, é a temperatura base inferior,
igual a 13,0 °C (Monselise, 1986). A Tm foi determinada através da média
aritmética entre as temperaturas máxima e mínima diárias.
Os dados obtidos foram ajustados a vários modelos de regressão, e o grau de
ajuste foi medido através do teste F da análise de variância, e do coeficiente
de determinação ajustado ao número de parâmetros (R2AJ). Para a análise dos
dados, utilizou-se o "software" Statistical Analysis System (SAS),
através do Procedimento Regressão (PROC REG). Destaca-se que as análises de
regressão foram feitas considerando-se todas as amostras, e não a média dessas.
O número de amostras variou de 117 (1998, idade 1) a 828 (1994, idade 3).
Em todas as equações, a variável dependente representa as características
"ratio" ou índice tecnológico, e a variável independente representa,
na equação linear e quadrática, graus-dia acumulados, do florescimento até a
data da amostragem. Na regressão múltipla, as variáveis independentes
representam a soma de graus-dia e o acúmulo de chuva, do florescimento até a
data da amostragem.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As temperaturas médias anuais dos anos em estudo, de 1993 a 1998, variaram de
23,5ºC, em 1993, a 24,0ºC, em 1994, e a temperatura média mensal variou de
19,4ºC, em junho de 1996, a 27,7ºC, em janeiro de 1998. Nos meses mais frios,
junho e julho, a temperatura média ficou entre 19,4ºC, em 1996, e 20,6ºC, em
1997. As maiores temperaturas máximas médias mensais variaram de 27,1ºC a
35,3ºC. Nos meses de maio, junho e julho, durante as fases de pré-
florescimento, de crescimento e de maturação do fruto, as temperaturas mínimas
médias mensais ficaram abaixo de 13,0ºC, alcançando valores superiores a 18,0ºC
de outubro a março, período de crescimento e maturação dos frutos, não sendo
verificado dano de geada em pomares de laranja nos anos do estudo.
As precipitações dos meses de junho, julho e agosto foram inferiores a 30 mm,
exceto nos ano de 1994 e 1997, quando, em junho, o total de chuva foi de 44 e
157 mm, respectivamente, e, em agosto de 1998, com um total de 88,6 mm. O ano
menos chuvoso foi o ano de 1994, com 1146 m, e o mais chuvoso foi o de 1998,
com 1701 mm.
As regressões entre "ratio" e as variáveis meteorológicas graus-dia e
chuva foram todas estatisticamente significativas pelo teste F (p < 0,01),
independentemente do ano e categoria de idade, indicando que existe uma relação
funcional entre o "ratio" e as variáveis estudadas. Não são
apresentados os valores obtidos para a regressão quadrática, com graus-dia como
variável independente, porque o ajuste dessas equações foi demasiadamente
pequeno, em relação ao ajuste das outras equações.
Os valores do coeficiente de determinação ajustado das regressões encontram-se
na Tabela_1. De acordo os valores de R2AJ da regressão linear simples, no pior
ajuste, a variável graus-dia explicou cerca de 69% da variação do
"ratio", no melhor ajuste, 88%, e que, em média explicou 82%. Forte
correlação linear entre "ratio" e graus-dia acumulados foi observada
por Kimball (1984) em laranja-'Valência', na Califórnia, com R2 atingindo até
0,96.
A análise de regressão múltipla com graus-dia e chuva, praticamente, não
alterou os valores de R2AJ. Isto mostra que a inclusão da chuva não provocou
grandes benefícios ao ajuste da equação de regressão.
Correlação significativa entre o "ratio" e o mês de análise,
obedecendo a uma função linear positiva, foi verificada por vários autores,
entre os quais Chitarra e Chitarra (1979) e Chitarra e Campos (1981).
Através das Figuras_1; 2 e 3, verificam-se diferenças entre os anos estudados
nas equações de regressão. Isto, provavelmente, se deve às diferenças
meteorológicas ocorridas entre os anos.
Essa variabilidade de ano para ano tem sido relatada na literatura (Kimball,
1984; Volpe, 1992). As variações meteorológicas de ano para ano, que alteram o
comportamento da variação dos sólidos solúveis e, principalmente, dos ácidos,
causam mudanças no valor do "ratio" (Nuñez et al., 1987; Volpe et
al., 2000). Um fator importante que influi no "ratio", é o vigor da
planta, representado pela carga de frutos durante a maturação, que pode,
inclusive, ser avaliada através da produtividade (caixas/árvore). Eles podem
ser utilizados para o ajuste das inclinações das retas, de diferentes anos,
pois elas refletem a taxa de desenvolvimento do "ratio".
Os resultados obtidos no presente trabalho estão em concordância com Di Giorgi
et al. (1991). Eles relatam que a evolução do "ratio" de laranjas-
doces no Estado de São Paulo, em parte, pode ser explicado pela relação porta-
enxerto/copa, idade das árvores, florada e produtividade, mas que,
principalmente, o clima é de extrema importância na variação de ano para ano.
Não se verificou diferença significativa entre as inclinações das retas das
categorias de idades 2 (6 a 10 anos) e 3 (> 10 anos). Elas foram maiores nessas
idades, e diferiram da categoria 1 (plantas mais jovens). Mesmo assim, as
plantas jovens atingem o "ratio" 12 antes das plantas mais velhas, em
virtude de que elas apresentam um maior crescimento inicial dos frutos, como
pode ser verificado pelos interceptos. Isto está de acordo com Di Giorgi et al.
(1991), que verificaram maturação mais precoce dos frutos de plantas jovens.
Baseado neste fato, a colheita das plantas jovens é planejado para o início da
safra, cerca de 20 dias antes da colheita das idades 2 e 3.
As regressões entre o índice tecnológico e as variáveis meteorológicas graus-
dia e chuva foram todas estatisticamente significativas pelo teste F (p <
0,01), indicando que existe uma relação funcional entre o índice tecnológico e
as variáveis meteorológicas estudadas.
Observa-se, através dos dados de R2AJ da Tabela_2, que, para a regressão linear
simples , a variável graus-dia explicou em média 52% da variação do índice
tecnológico. Os valores de R2AJ da regressão quadrática, com graus-dia como
variável independente, variaram entre 0,811 a 0,372, com valor médio de 0,600,
apresentando, assim, melhor ajuste.
A inclusão da chuva como variável independente, juntamente com graus-dia, na
regressão múltipla, não melhorou o ajuste da regressão. Neste caso, o R2AJ
variou de 0,710 a 0,443, com valor médio de 0,566.
São raros, na literatura, trabalhos que correlacionam o índice tecnológico com
as variáveis climáticas. Na Califórnia, Albrigo (1990), analisando essa
característica ao longo de 20 anos, verificou que o índice tecnológico
apresentou uma variabilidade de ano para ano de 1,132 kg, sendo essas
oscilações explicadas em 70 % pelos efeitos da chuva e da temperatura.
O índice tecnológico não constitui o resultado de uma medida e, sim, de um
cálculo, cujos parâmetros são o teor de sólidos solúveis e o rendimento em
suco; portanto, ele é influenciado por todos os fatores que afetam o
comportamento desses parâmetros.
Nas Figuras_4; 5 e 6, respectivamente, para as idades 1; 2 e 3, estão
representadas as equações e os gráficos das regressões linear e quadrática,
onde se percebe que houve diferenças nos parâmetros de ajustes entre anos e
categorias de idade.
Do ponto de vista prático, o índice tecnológico constitui um parâmetro seletivo
para a escolha de pomares a serem colhidos, pois o planejamento da colheita
visa à otimização dos sólidos solúveis e palatabilidade do fruto (Marchi,
1993). Dessa forma, equações de regressão de melhor ajuste devem ser obtidas,
quando se deseja fazer previsão do índice tecnológico. De acordo com os
resultados obtidos nesse trabalho, a temperatura do ar, representada por graus-
dia, deve ser considerada nos modelos de previsão do índice tecnológico.
CONCLUSÕES
1. Para o índice tecnológico, a equação de regressão quadrática, com a variável
independente graus-dia, acumulados a partir do florescimento, foi a que
apresentou melhor ajuste, avaliado através do coeficiente de determinação
ajustado. Para o "ratio", a equação de regressão linear simples foi a
que mostrou melhor desempenho.
2. A inclusão da chuva não melhorou o ajuste das equações, indicando que a
temperatura do ar, representada por graus-dia, foi a variável que exerceu maior
efeito na taxa de maturação dos frutos da 1° florada de variedades de laranjas
de maturação tardia, 'Natal' e 'Valência', na região de Bebedouro, durante os 4
anos estudados.
3. Os valores dos coeficientes de determinação obtidos e a falta de validação
dos modelos não permitem que as equações de regressão obtidas sejam utilizadas
como modelos de previsão.