Análise físico-química, microbiológica e sensorial de frutos de manga
submetidos à desidratação osmótico-solar
Análise físico-química, microbiológica e sensorial de frutos de manga
submetidos à desidratação osmótico-solar1
Physical and chemical, microbiological and sensorial analysis of mango fruits
submitted to osmotic-solar dehydration
Maria Cristina Cabral BrandãoI; Geraldo Arraes MaiaII, 2; Dorasilvia Pontes
LimaII; Expedito José de Sá ParenteII; Claudio Cabral CampelloIII; Renata Tieko
NassuIV; Terezinha FeitosaIII; Paulo Henrique Machado de SousaV
IEngº. Alimentos; M. Sc., Universidade Federal do Ceará ' UFC
IIProfessor da Universidade Federal do Ceará - UFC ' Rua Silva Jatahy, 400 '
ap. 901A ' CEP: 60165-070 ' Varjota. frutos@ufc.br
IIIAluno do Doutorado em Bioquímica ' Universidade Federal do Ceará - UFC
IVPesquisadora da Embrapa Agroindústria Tropical - Rua Dra Sara Mesquita, 2270
- Planalto Pici - Cep: 60511-110 Fortaleza - Ceará ' Brasil
VQuímico, M. Sc., Dep. Tecnologia de Alimentos, DTA/UFC, phmachado@uol.com.br
INTRODUÇÃO
A manga (Mangifera indica L.) pertence à família Anacardiaceaee figura entre as
frutas tropicais de maior expressão econômica nos mercados brasileiro e
internacional (Silva et al., 1999). É uma fruta polposa, de aroma e cor muito
agradáveis, que faz parte do elenco das frutas tropicais de importância
econômica não só pela aparência exótica, mas também por ser uma rica fonte de
carotenóides, minerais e carboidratos (Jayaraman, 1988).
A desidratação osmótico-solar vem ganhando interesse, especialmente em países
onde existem grande variedade de frutas, ampla disponibilidade de açúcar e alta
incidência de raios solares durante todo o ano.
A secagem precedida de tratamento osmótico é uma técnica comumente utilizada na
industrialização de alimentos e baseia-se na redução de água disponível para os
microrganismos e reações químicas. Foi apontada por vários autores como uma
alternativa econômica e segura para a conservação de produtos alimentícios.
Esta combinação resulta também em melhores características sensoriais e
nutritivas, quando comparadas com os produtos diretamente desidratados. O
processo osmótico, como pré-tratamento, consiste na remoção parcial da água
pelo uso da pressão osmótica, colocando-se o produto em contato com uma solução
concentrada de solutos. Este pré-tratamento promove uma redução no tempo de
secagem. A produção de alimentos de umidade intermediária é especialmente
indicada para países em desenvolvimento, pois requer tecnologias simples, seus
produtos são bastante estáveis sob condições de ambiente, além da economia de
energia e baixo capital de investimento (Fito et al., 1996; Maltini et al.,
1991; Torreggiani, 1993).
O presente trabalho teve como objetivo o desenvolvimento de um método de
conservação para manga, utilizando-se de secagem solar precedida do
processamento osmótico. Foram testadas diferentes concentrações de solutos e
avaliaram-se as características físico-químicas tratadas com cada uma destas
concentrações. Os alimentos de umidade intermediária produzidos foram
analisados durante os 180 dias de armazenagem à temperatura ambiente (28º C).
MATERIAL E MÉTODOS
Os frutos de manga da variedade Coité foram adquiridos no mercado varejista de
Fortaleza (CE), recepcionados na unidade de processamento e selecionados de
acordo com seus atributos de qualidade, como cor, uniformidade, grau de
maturação e ausência de injúrias ou doenças. Em seguida, foram lavados com água
corrente e permaneceram em água clorada (10 ppm de cloro ativo) por 10 minutos.
Estes foram descascados e a polpa cortada manualmente em cubos, que foram
branqueados em vapor saturado a 100º C por 2 minutos e submetidos ao pré-
tratamento osmótico, visando à redução parcial da atividade de água. No
tratamento osmótico, foram testadas diferentes concentrações do xarope para
imersão dos frutos: 45o Brix, 55o Brix, 65o Brix e tratamento seqüenciado de
45o'55o' 65o Brix. Nestes xaropes, foram adicionados como conservantes 600 ppm
de dióxido de enxofre e 600 ppm de benzoato de sódio, 600 ppm de ácido
ascórbico como antioxidante e fonte de vitamina C, e como fonte de íons Ca+2,
utilizaram-se 100 ppm de cloreto de cálcio; todos os reagentes tinham grau de
pureza P.A. Em seguida, os pedaços de cada tratamento foram cozidos a 65o C por
15 minutos, seguido de resfriamento até a temperatura ambiente, e manutenção em
repouso por 24 horas. O tratamento seqüenciado sofreu três ciclos de cozimento
e repouso (um ciclo após cada imersão em xarope).
Depois do tratamento por osmose, os frutos foram distribuídos em secador solar
de construção doméstica dotado de bandejas teladas e sistema de ventilação
artificial (ventilador), onde permaneceram por um período variável, entre 48 e
72 horas, até atingir a atividade de água desejada (entre 0,65 e 0,85). Os
produtos foram retirados e embalados em bandejas de isopor e acondicionados em
sacos de polietileno de alta densidade (20 mm de espessura). Em seguida, as
embalagens foram termosseladas com retirada parcial de ar e armazenadas à
temperatura ambiente (28º C), sob ventilação e condições higiênico-sanitárias
adequadas, para serem submetidas a um estudo de estabilidade por 180 dias.
Porém, foi realizado um teste sensorial de aceitação global nos produtos
finais, e diante dos resultados sensoriais, optou-se em estudar a estabilidade
somente dos tratamentos com 45o Brix e 55o Brix, pois os outros dois
tratamentos (com 65o Brix e o seqüenciado) apresentaram rejeição por partes dos
provadores.
As determinações realizadas foram: atividade de água (instrumental Aqualab CX-
2 Decagon); pH (pHmetro digital); acidez total titulável expressa em % de ácido
cítrico (Instituto Adolfo Lutz, 1985); teor de dióxido de enxofre total (AOAC
1992); Vitamina C (Pearson, 1976); sólidos solúveis totais em refratômetro de
bancada modelo ABEÉ; umidade (AOAC, 1992); açúcares totais pela somatória dos
teores de açucares redutores e não-redutores (Adolfo Lutz, 1985);
microbiológicas de contagem padrão, bolores e leveduras, coliformes totais e
fecais (ICMSF, 1988), e sensorial através de teste de aceitação, utilizando-se
de escala hedônica de 9 pontos ancorados em extremos de "gostei
muitíssimo" (9) e "desgostei muitíssimo" (1), aplicados a 30
provadores. Os resultados foram avaliados estatisticamente quanto à análise de
variância, e a comparação de médias, pelo teste de Tukey. Foi feita utilizando-
se o SAS (1996).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Os valores de pH não apresentaram variação substancial entre o estado in natura
e os produtos processados osmoticamente (Tabela_1); entretanto, houve um
aumento na acidez com o uso de solução mais concentrada. Estes resultados
diferem do apresentado por Ribeiro & Sabaa-Srur (1999), onde se observou
semelhante tendência de aumento da acidez, porém associada a uma redução de pH,
que foi atribuída a um possível processo de autofermentação. Provavelmente, o
uso do ácido cítrico tenha sido a principal causa da elevação no nível de
acidez. Os sólidos presentes no xarope podem ter interferido nos resultados de
pH, exercendo ação tamponante e evitando a sua alteração.
Quanto à retenção de SO2 pelos pedaços de polpa de manga pré-tratados, foi
verificada uma tendência de reter-se aproximadamente 40% nos tratamentos
simples e 75% no seqüenciado (Tabela_1). Valores mais altos no tratamento
seqüenciado eram esperados, em decorrência da quantidade residual retida após
cada imersão em xarope (Fennema, 1993; Mesquita, 1999; Pina, 1999).
A manga em pedaços apresentava teores de vitamina C de 18,0mg. 100g-1, que
aumentou para 59-64mg.100g-1 com os tratamentos, com exceção do tratamento
seqüencial em xaropes, no qual a imersão produziu um somatório final de 82
mg.100g-1, que se deve à concentração desta vitamina devido à maior retirada de
água neste tratamento (Tabela_1).
Os teores de sólidos solúveis, que na manga eram de 16,0o Brix, aumentaram com
o tratamento em xaropes a 45ºBrix, 55ºBrix e 65ºBrix para 33-37o Brix,
observando-se discreta elevação com o aumento da concentração do xarope. O teor
nos pedaços após o tratamento seqüenciado foi quase o dobro (60o Brix) do valor
nos frutos tratados com imersões simples (Tabela_1). Este resultado era
esperado, pois a imersão sucessiva em xaropes concentrados de sacarose acarreta
maior ganho de sólidos e maior perda de água (Mesquita, 1999; Pina, 1999).
O teor de umidade dos pedaços, que era de 83,03%, reduziu-se para 59-69% com os
produtos tratados com os xaropes simples, enquanto a atividade de água se
reduziu de 0,982 para 0,944-0,961. Tais resultados encontram-se dentro da faixa
esperada para alimentos de alta umidade (Chirife & Faveto, 1992).
Entretanto, a umidade verificada após o tratamento seqüenciado foi bem menor
(32,6%), assim como a atividade de água (0,874), devido ao aumento do tempo de
desidratação e à exposição dos frutos à seqüência de xaropes concentrados
(Tabela_1).
Não houve alteração acentuada no teor de açúcares redutores com o pré-
tratamento osmótico, o que pode ser creditado às características do peso
específico dos açúcares redutores e à permeabilidade das membranas celulares à
penetração destes açúcares (Ribeiro & Sabaa-Srur, 1999). Porém, os valores
correspondentes ao teor de açúcar total aumentaram de 12,2% para 28-30% nos
tratamentos com imersões simples, e para 39% no tratamento seqüenciado, no qual
houve aumento gradativo na concentração de sacarose (Tabela_1). Trabalhos
realizados anteriormente demonstraram haver aumento no conteúdo de açúcares
redutores em função do tratamento térmico e do aumento da acidez, que
contribuem para que ocorra a inversão da sacarose durante a osmose (Mesquita,
1999; Pina, 1999).
Logo após a secagem, foi realizada a análise microbiológica dos produtos, a
qual revelou baixos valores de contagem padrão (<10 UFC/g), bolores e leveduras
(<10 UFC/g) e coliformes totais e fecais (<3 NMP/g). Tais resultados estão de
acordo com a legislação vigente (Brasil, 2001).
Os produtos com umidade intermediária foram submetidos à análise sensorial, com
o intuito de avaliar-se o grau de aceitação global pelos potenciais
consumidores. A análise sensorial (aceitação global) não mostrou diferença
significativa (p<0,05) entre os produtos (Tabela_2). O produto proveniente do
tratamento IV, ou imersão seqüenciada, não foi incluído no painel em virtude de
problemas com a sua textura, excessivamente rígida. Os provadores demonstraram
ainda, em caráter voluntário, insatisfação com o sabor doce acentuado e a
textura rígida dos produtos com o tratamento a 65º Brix (Tratamento III). Com
base nesses resultados, foram eleitas somente as duas amostras mais atrativas
(TI e TII) para a avaliação da estabilidade por 180 dias.
Os valores de pH não apresentaram variação substancial entre os dois produtos
após a secagem. Os valores relativos à acidez total titulável também foram
semelhantes para os dois produtos (Tabela_3).
A retenção de SO2 nos pedaços de manga diferiu consideravelmente entre os
produtos secos após imersão em xarope com 45º Brix e 55º Brix (Tabela_3).
Comparados com os dados obtidos logo após o pré-tratamento osmótico, verifica-
se que os valores são bastante similares. Já, após 180 dias de armazenagem, os
valores de SO2 chegaram a zero nos dois tratamentos, o que se deve à degradação
química do mesmo.
O teor de vitamina C aumentou no produto final desidratado; com umidade
intermediária, foi comparando aos dados obtidos do fruto em estado in natura
(Tabela_3). A diferença entre os teores de vitamina C nos dois tratamentos
analisados foi de pequena magnitude. Após 180 dias de armazenamento, o valor de
vitamina C chegou a zero, o mesmo acontecendo com Alzamora et al. (1989) em
estudo com abacaxi processado por métodos combinados, em que o teor inicial de
15,35 mg/100 g de ácido ascórbico, após 180 dias de armazenamento, chegou a
zero, sendo devido à degradação química da mesma.
O aumento nos teores de sólidos solúveis durante o armazenamento pode ser
atribuído ao efeito da incorporação de sólidos e à concentração do xarope. Os
resultados referentes à umidade e atividade de água após a secagem solar
encontram-se dentro dos padrões estabelecidos para produtos de umidade
intermediária (Tabela_3) (Chirife & Faveto, 1992; Karel, 1975).
Os teores de açúcares totais e açúcares redutores aumentaram nos frutos de
manga submetidos à secagem após o pré-tratamento osmótico (Tabelas_2 e 3). Este
fato pode ser atribuído ao efeito da remoção de água em função da secagem.
Uma nova análise sensorial foi realizada somente nos tratamentos selecionados
para estudo da estabilidade (com 45 ºBrix e 55ºBrix) para caracterizar de forma
mais precisa o material recém-processado com o objetivo de obter-se dados para
avaliar o produto sob condições de armazenamento.
Os pedaços de manga processados obtiveram média de aceitação entre 6 e 7 na
escala hedônica, que correspondem a "gostei ligeiramente" e
"gostei moderadamente". A análise feita pelo teste de Tukey revelou
não ter havido diferença significativa (p<0,05) entre as amostras (Tabela_4).
A textura resultante de mudanças ocorridas nas substâncias pécticas da parede
celular do tecido vegetal, associada à doçura dada pela relação Brix/acidez,
conferiu características agradáveis ao produto final. A aparência foi
provavelmente favorecida pelo brilho característico dos produtos açucarados de
umidade intermediária, superior aos produtos completamente desidratados. Estes
resultados encontram concordância com estudos realizados anteriormente por Aska
et al. (1996), que avaliaram a ação da osmose e da secagem solar sobre pedaços
de frutas e sobre o seu efeito positivo na cor e sabor dos produtos
desidratados. A osmose reduz o conteúdo de água e promove a melhoria das
características textura, aroma e aumento no teor de açúcar da fruta.
Durante a estocagem, os resultados microbiológicos apresentaram valores para
contagem padrão, < 10 UFC/g, bolores e leveduras, < 10 UFC/g e coliformes
totais e fecais, < 3 NMP/g. Estão, portanto, dentro dos padrões estabelecidos
pela legislação vigente (Brasil, 2001). Tais resultados demonstram que a
armazenagem de 180 dias à temperatura ambiente (28º C) não afetou o número de
microrganismos e confirmam dados de estudos anteriores (Jamayaraman, 1988).
Os atributos aroma, sabor, textura e aceitação global também não apresentaram
diferenças significativas (p<0,05) para os dois produtos de manga em função do
tempo de estocagem (Tabela_4). Flutuações entre as notas durante o período de
estocagem podem ser explicadas pelo fato de a equipe de provadores não ter sido
treinada para análise destes produtos especificamente.
Entre os produtos desidratados de manga, não houve diferença significativa
(p<0,05) em relação aos atributos aroma, sabor, textura e aceitação global
(Tabela_4).
Estes resultados demonstram a validade do processo osmótico-solar e
estabilidade durante a armazenagem, confirmando a efetividade da redução da
atividade de água combinada com o uso de conservantes e com a redução do pH
para inibição da proliferação de microrganismos. Estes resultados confirmam
observações feitas por Jayaraman (1988), que considerou os produtos de umidade
intermediária como estáveis à temperatura ambiente, podendo ser conservados sem
necessidade de refrigeração.
CONCLUSÕES
Os resultados obtidos neste trabalho permitem concluir que os processo
selecionados (TI e TII) para compor o estudo da estabilidade dos produtos foram
efetivos na conservação dos produtos, considerando-se que, em todas as etapas
dos experimentos, os resultados microbiológicos foram satisfatórios a ponto de
serem indicados como método de conservação de manga. Desse modo, os produtos
finais poderiam ser incluídos na categoria de alimentos de umidade
intermediária, passíveis de utilização como ingredientes para sobremesas e
gelados comestíveis.