Agricultura de precisão: mapeamento da produtividade em pomares cítricos usando
geoestatística
INTRODUÇÃO
O Brasil é o maior produtor mundial de laranja, detendo 36% do total produzido;
entretanto, essa produção distribui-se de forma desigual entre os Estados
brasileiros. Essa extraordinária riqueza, base da economia de 320 municípios do
Estado de São Paulo, está sendo ameaçada pelos altos custos dos insumos e pela
rápida propagação de doenças e pragas que elevam o custo de produção para US$
1,74/caixa (média dos últimos 5 anos). O preço médio pago aos citricultores na
safra de 2000/01 foi de US$ 1,76/caixa (Agrianual, 2002). A erradicação de
plantas também foi recorde no triênio compreendido entre 1999 e 2001. Estima-se
que os pomares tenham sido reduzidos em aproximadamente 23 milhões de árvores.
A maior parte dessa redução ocorreu por migração dos produtores para outras
culturas mais rentáveis. Calcula-se que, somente entre 2000 e 2001, a cana-de-
açúcar tenha invadido 80 mil hectares de antigos laranjais no Estado de São
Paulo (Nehmi Filho et al., 2002).
Através dos avanços tecnológicos na agropecuária, especialistas têm notado,
cada vez mais, que os diversos setores da agricultura não podem ser tratados de
maneira homogênea no que diz respeito à medição de variáveis nas áreas
agrícolas. Neste sentido, a variação espacial e temporal deve ser considerada
para que se possa ter melhor aplicação e aproveitamento dos insumos, podendo
assim melhorar a produtividade, reduzir o custo de produção e o impacto
ambiental causado pelo excesso utilizado.
Para representar a dependência espacial nas amostragens, utiliza-se de um tipo
de estatística chamada geoestatística, que surgiu na África do Sul, quando o
Engenheiro de Minas D. G. Krige, em 1951, trabalhando com dados de concentração
de ouro, concluiu que não conseguia encontrar sentidos nas variâncias se não
levasse em consideração a distância entre as amostras (Farias, 2002a). Matheron
(1963), baseado nestas observações, desenvolveu uma teoria, a que chamou de
Teoria das Variáveis Regionalizadas, que contém os fundamentos da
geoestatística.
Segundo Tokeshi (2000), quando domesticamos a planta e a cultivamos em
condições diferentes, em monocultura, com adubação química e utilizando
agrotóxicos, estamos destruindo o ecossistema original, a microflora e a fauna
benéfica que protegiam a planta. Esta destruição, principalmente da microflora
epífita e da rizosfera, cria condições para o surgimento de grandes epidemias
de doenças e pragas da atualidade. O mesmo autor exemplifica sua afirmação com
a Clorose Variegada dos Citros (Xylella fastidiosa) que, segundo ele, é um
reflexo do aumento de suscetibilidade da planta pelo uso exagerado e inadequado
de agroquímicos. Para tentar solucionar esse problema, Farias (2001) cita que a
aplicação de agrotóxicos no sistema produtivo agrícola mundial é uma das
operações mais dispendiosas de todo o processo produtivo agrícola. Sendo assim,
a introdução da tecnologia chamada "Agricultura de Precisão" é muito
bem-vinda, aproximando melhor as quantidades adequadas de agrotóxicos às
necessidades reais do local, no campo produtivo.
No começo da década de 90, começaram a ser desenvolvidas tecnologias e
princípios para manejar as variabilidades espacial e temporal associadas com os
aspectos da produção agrícola. A produtividade das culturas varia
espacialmente, e determinar as causas dessas variações é o desafio que enfrenta
a Agricultura de Precisão. As variações espaciais podem ser estudadas através
de técnicas geoestatísticas que permitem elaborar mapas e delimitar áreas de
manejo diferenciadas (Farias 2002a).
A Agricultura de Precisão poderá ser a principal ferramenta para implantação da
Produção Integrada de Cítrus (PIC) no Brasil. A PIC baseia-se em um sistema de
diretrizes técnicas e de normas, definidas por consenso por meio de um comitê
gestor voluntário, que permite a produção de alimentos e outros produtos de
alta qualidade (ISO 9002), o uso racional dos recursos naturais e de mecanismos
reguladores para controlar os insumos agrícolas e para assegurar uma produção
sustentada (ISO 14001) (Silva et al., 2000).
O objetivo deste trabalho foi o de mostrar a variabilidade espacial e o
potencial de produtividade em pomares de citros georreferenciados com um
sistema de posicionamento global (GPS), usando como metodologia a
geoestatística.
MATERIAL E MÉTODOS
Localização da área
A área experimental está compreendida nas coordenadas geográficas: 21º 29'
41,43'' de latitude Sul, 47º 45' 47,11'' de longitude Oeste de Greenwich e
altitude de 590,36 m (sede da fazenda), localizada no município de Luiz
Antônio-SP. O solo da área é um Latossolo Vermelho-Escuro Distrófico A moderado
e textura argilosa. Nessa área, foram selecionadas duas quadras com plantas de
laranjeira 'Natal' (citrus sinensis [L.] Osbeck) enxertada em tangerineira
'Cleópatra' (Citrus reshnihort. ex. Tanaka) que é um porta-enxerto exigente em
água e responde bem à irrigação, com 14 anos de idade, espaçadas de 9m x 6 m.
Uma quadra é irrigada por um sistema autopropelido, com canhão hidráulico e
lâmina de irrigação aplicada de 45 mm, apresentando 3.560 plantas, e outra
quadra não irrigada com 2.918 plantas.
As fotografias aéreas (Figura_1A e 1B) foram obtidas com uma câmara fotográfica
Canon EOS com uma objetiva EF 50 mm Compact Macro. Os vôos foram contratados e
as fotos foram tiradas por um fotógrafo profissional. Não houve controle rígido
de altura de vôo, onde o parâmetro adotado foi a busca de enquadramento do
talhão da área de estudo em uma única fotografia. As coordenadas utilizadas no
trabalho foram transformadas para o sistema UTM (Universal Transversa de
Mercator), seguindo o sistema das coordenadas retangulares. Esse sistema de
coordenadas estabelece a divisão da Terra em 60 fusos de 6º cada.
Georreferenciamento dos talhões
Para o georreferenciamento dos talhões, utilizou-se um Sistema de
Posicionamento Global Diferencial (DGPS) geodésico com pós-processamento,
modelo Trimble 4600 LS, apresentando uma acurácia na horizontal (latitude e
longitude) de ±1 cm + 1ppm e na vertical (altimetria) de ±2 cm + 2ppm. Neste
sistema, um aparelho foi instalado em uma posição fixa (Base), cuja localização
é conhecida. Como a posição dos satélites é conhecida, é possível determinar o
erro na determinação da estação fixa. A diferença entre a distância exata da
estação fixa até o satélite e a distância determinada com o sinal recebido pelo
aparelho da estação fixa é denominada distância de correção diferencial. Se a
correção diferencial é calculada para cada sinal de satélite que a estação fixa
recebe, essa correção pode ser usada para melhorar a exatidão da posição
determinada por aparelhos receptores móveis. Como os satélites estão em
constante movimento, os valores de correção devem ser constantemente
armazenados pela estação fixa para depois serem usados no pós-processamento dos
sinais dos receptores móveis.
Digitalização das fotografias aéreas e amostragem
A digitalização não é um processo de obtenção de bases cartográficas e, sim, a
conversão de dados analógicos em dados digitais. Portanto, essa etapa pressupõe
a existência de bases cartográficas convencionais (fotografias ou mapas
impressos) que serão convertidas para meios digitais. As fotografias aéreas
foram convertidas para formato digital através de um Scanner HP 6300C com uma
resolução de 300 pontos por polegada (DPI) em formato JPEG (Figura_1A e 1B).
A digitalização das fotografias aéreas foi feita no programa SUFER 6.04 (Golden
Software, 1996), o qual permite que seja construída uma base da imagem. Essa
base toma como referência os pontos coletados pelo GPS nas quadras. Os pontos
usados para a construção da base da imagem foi a maior e a menor coordenada
(latitude e longitude) das quadras. As coordenadas utilizadas para a construção
da base cartográfica da quadra irrigada, foram de 834327.06 e 834818.23 de
longitude, 7616974.52 e 7617357.79 de latitude. Para quadra não irrigada, foram
de 833365.98 e 833834.88 de longitude, 7617235.74 e 7617603.89 de latitude.
Cada planta teve sua localização espacial conhecida e, conseqüentemente, todas
as informações das amostragens com precisão e confiabilidade (Figura_1C e 1D).
A partir dessas informações, foram selecionadas 101 plantas, no mês de setembro
do ano de 2000, destacadas com um círculo em cada quadra (Figura_1C e 1D), nas
quais foi amostrado o tamanho médio dos frutos através da medição de 10 frutos
por planta, medindo o seu diâmetro equatorial com um paquímetro.
A produtividade foi obtida pela colheita total das plantas selecionadas. Essas
plantas foram colhidas por apanhadores que depositavam os frutos de cada planta
em caixas, as quais eram pesadas, para, posteriormente, serem transformadas em
número de caixas de 40,8 kg/planta.
Análise da dependência espacial (Geoestatística)
Os procedimentos a serem descritos seguem a metodologia de Vieira et al. (1983)
e utilizam-se da informação da posição da amostra e o valor que as variáveis
(produtividade e tamanho do fruto) assumiram em cada ponto (planta). Desta
forma, de cada ponto de amostragem tem-se o valor das variáveis e as
coordenadas (latitude, longitude e altitude) do ponto onde foi realizada a
amostragem.
O semivariograma experimental
Quando se calcula o semivariograma, obtêm-se pares de valores de semivariâncias
[g(h)] e distâncias (h), os quais deverão ser dispostos em um gráfico de
dispersão, tendo como valores de y, as semivariâncias, e de x, as distâncias. A
esses pontos, deverá ser ajustado um modelo. Para propriedades espacialmente
dependentes, espera-se que a diferença entre valores [Z(xi)-Z(xi+h)], em média,
seja crescente com a distância até um determinado ponto, a partir do qual se
estabiliza num valor, denominado patamar (C1 ) e aproximadamente igual a
variância dos dados. Esta distância recebe o nome de alcance (a) e representa o
raio de um círculo, dentro do qual os valores são tão parecidos uns com os
outros que são correlacionados. O valor da semivariância na interseção do eixo
Y tem o nome de efeito pepita (C0) e representa a variabilidade da propriedade
em estudo em espaçamentos menores do que o amostrado. Assim, quanto maior o
efeito pepita, mais fraca é a dependência espacial de um atributo (Vieira et
al., 1983). O semivariograma é estimado por:
onde N(h)é o número de pares experimentais de valores medidos Z(xi), Z(xi+h),
separados por um vetor h. O gráfico de g*(h)"versus" os valores
correspondentes de h, chamado semivariograma, é uma função do vetor h e,
portanto, depende da magnitude e direção de h.
Krigagem
Muitas vezes, o interesse da análise não se esgota em modelar a estrutura de
variabilidade. Em diversas situações, o interesse está na estimação de valores
em pontos não amostrados, seja por um interesse local, seja pela intenção de
obter um detalhamento da área que vai além do permitido pela amostra. Nestes
casos, é preciso lançar mão de algum interpolador (preditor) dentre os
existentes na literatura (Farias et al., 2002b).
Supondo-se que se queira estimar valores z*, para qualquer local, x0, onde não
se tem valores medidos, e que a estimativa deve ser uma combinação linear dos
valores medidos, tem-se:
onde N é o número de vizinhos medidos, Z(xi), utilizados na estimativa da
propriedade e li são os ponderadores aplicados a cadaZ(xi),os quais são
selecionados de forma que a estimativa obtida seja não tendenciosa.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Nas amostragens de produtividade e de tamanho de fruto, observou-se uma alta
variabilidade nas duas áreas estudas (Figura_2). A quadra irrigada mostrou uma
produção variando de 5,0 a 10,5 caixas de 40,8 kg/planta, sendo que a média de
produtividade foi de 8,0 caixas. Da produtividade total, 55% é representado por
plantas com mais de 8 caixas (Figura_2A). Na quadra não irrigada, a
produtividade variou de 1,5 a 7,5 caixas, com uma média de produtividade de 3,4
caixas, sendo que 62,5% da produtividade total é representada por plantas com
menos de 3,4 caixas (Figura_2C). Essas diferenças também foram observadas para
o tamanho dos frutos que, na quadra irrigada, apresentou um tamanho médio de
frutos variando de 56 a 71 mm, com uma média de 63 mm, sendo que 60% dos frutos
apresentaram tamanho médio inferior a 63 mm (Figura_2B). Esses resultados foram
superiores aos da quadra não irrigada, que teve uma variação de tamanho de
fruto de 55 a 65 mm, com uma média de 59,7 mm, com 50% dos frutos menores que a
média (Figura_2D).
A variabilidade dentro de um pomar de citros também foi verificada nos
trabalhos de Whitney et al. (1998) e Schueller et al. (1999), que relatam que,
sob desigualdade de produção, o aproveitamento dos insumos aplicados
uniformemente torna-se ineficiente em algumas áreas. Além do desperdício desses
produtos químicos, a contaminação do meio ambiente pode ser incrementada nessas
condições.
Para determinar se o tamanho do fruto influenciou na produtividade, foram
feitas correlações entre a produtividade e o tamanho do fruto para as duas
áreas dos experimentos. Pelos resultados obtidos, observa-se que não houve
correlação significativa para a área irrigada (r = 0,16) e para a área não
irrigada (r = - 0,09) (Figura_3). Portanto, a produtividade não foi
influenciada pelo tamanho do fruto e, sim, pelo número de fruto por plantas.
Nas análises geoestatísticas, as variáveis regionalizadas utilizadas foram a
produtividade e o tamanho do fruto. As análises da dependência espacial para a
produtividade e tamanho de frutos por meio do semivariograma foram ajustadas
considerando o modelo que proporcionou o maior coeficiente de determinação (R2)
(Figura_4). O modelo que melhor representou os valores observados nas
amostragens de campo para a quadra irrigada e não irrigada foi o esférico
(Esf), tanto para produtividade como para tamanho de frutos.
Os semivariogramas da quadra irrigada apresentaram um alcance da dependência
espacial para a produtividade (Figura_4A) e para o tamanho dos frutos (Figura
4B) de 65 m. A quadra não irrigada mostrou uma dependência espacial de 185 m
para a produtividade (Figura_4C) e 60 m para o tamanho de frutos (Figura_4D).
Esses alcances da dependência espacial estão indicando o raio de agregação da
variável estudada.
Através dos modelos ajustados aos semivariogramas, foi possível realizar a
estimação dos valores amostrados pelo método da krigagem para a construção dos
mapas da produtividade e do tamanho do fruto das quadras irrigada (Figura_5) e
não irrigada (Figura_6). Pelos mapas temáticos de produtividade e de tamanho de
fruto, podem-se observar as variabilidades espaciais, caracterizando as áreas
de risco existentes nas quadras irrigadas e não irrigadas. Na área não
irrigada, as áreas de altas produtividades mostradas no mapa localizam-se
próximas a um córrego onde existe maior umidade no solo, indicando a
importância da irrigação na produtividade da cultura de citros, em especial
para o porta-enxerto 'Cleópatra'.
Pela Figura_5A, podemos visualizar que a irrigação, provavelmente, não foi o
único fator responsável pela alta variabilidade de produção no pomar. Neste
caso, se fosse somente o fator irrigação, o mapa apresentar-se-ia mais
homogêneo quanto à produtividade. A representação gráfica mostra que outros
fatores, como o tipo de solo, fertilidade, pragas, etc, podem influenciar na
produtividade.
Novos estudos estão sendo conduzidos na área, tais como: distribuição espacial
de pragas, nematóides e fertilidade de solo, para que possamos manejar a
variabilidade espacial da produtividade e de tamanho de fruto através de um
programa de Agricultura de Precisão.
CONCLUSÕES
1) Os mapas de produtividade e de tamanho de fruto mostraram alta variabilidade
espacial. A quadra irrigada apresentou uma produção variando de 5,0 a 10,5
caixas e tamanho médio dos frutos variando de 56 a 71 mm. Na quadra não
irrigada, a produtividade variou de 1,5 a 7,5 caixas e tamanho de fruto de 55 a
65 mm.
2) Através dos dados amostrados, foi possível determinar o potencial de
produtividade e de tamanho de fruto, principais características para
comercialização de frutos "in natura".
3) A produtividade não foi influenciada pelo tamanho do fruto e, sim, pelo
número de frutos por planta.
4) A geoestatística foi utilizada com eficiência para mostrar a variabilidade,
mapear e analisar as áreas de risco, mostrando-se ser uma ferramenta
extremamente útil para auxiliar em Programa de Agricultura de Precisão para a
citricultura.