Estimativa do consumo hídrico da goiabeira, utilizando estações
agrometeorológicas automática e convencional
FITOTECNIA
Estimativa do consumo hídrico da goiabeira, utilizando estações
agrometeorológicas automática e convencional1
Evaluation of water consumption of guava trees by automatic and conventional
agrometeorological stations
Antônio Heriberto de Castro TeixeiraI; Luís Henrique BassoiI; Valdecira
Carneiro da Silva ReisII; Thieres George Freire da SilvaIII; Marcelo de Novaes
Lima FerreiraIV; Joselanne Luiza Trajano MaiaV
IPesquisador, Embrapa Semi-Árido, C. P. 23, CEP 56302-970, Petrolina-PE,
Telefone: (87) 38621711 heribert@cpatsa.embrapa.br, lhbassoi@cpatsa.embrapa.br
IIEng. Agrônomo, Fazenda Fruitfort, Projeto de Irrigação Senador Nilo Coelho N-
2, CEP 56300-000, Petrolina-PE
IIIGraduando em Agronomia, UNEB-DCTS, Av. Edgard Chastinet, s/n, CEP 48900-000,
Juazeiro-BA
IVPós-graduando em Irrigação e Drenagem, ESALQ-USP, Depto Eng. Rural, C. P. 9,
CEP 13418-900, Piracicaba-SP
VBolsista do CNPq, Embrapa Semi-Árido
INTRODUÇÃO
No Vale do São Francisco, em Petrolina-PE e Juazeiro-BA, a goiabeira é uma das
culturas frutíferas mais exploradas, com uma área de plantas em formação e
produção superior a 3.700 ha (CODEVASF, 1999). Pode-se ter o início de produção
dois anos após o plantio, com duas safras por ano, sendo a cultivar Paluma a
mais plantada (Gonzaga Neto et al., 1991).
A importância de estudos sobre evapotranspiração das espécies frutíferas no
Vale do São Francisco deve-se à necessidade, por parte dos fruticultores, da
adoção de critérios definidos no local para o manejo da irrigação, com o uso
eficiente de água e energia.
O conceito de evapotranspiração de referência (ETo) refere-se à transferência
do vapor d'água de uma área gramada para a atmosfera. A grama deve estar em
crescimento ativo, mantida a uma altura uniforme de 0,08 a 0,12 m, sombreando
completamente o solo e sem deficiência de água. A evapotranspiração de uma
cultura (ETc) acontece quando as plantas se encontram em áreas extensas, sem a
incidência de pragas, doenças e deficiência nutricional, com disponibilidade de
água que não seja limitante ao desenvolvimento, e de modo que o potencial de
produção seja atingido, para a condição climática em que se encontram. A razão
entre a ETc e ETo origina o coeficiente de cultura (Kc), que depende do estádio
de desenvolvimento das plantas, do sistema de irrigação, da configuração de
plantio e das condições meteorológicas reinantes (Allen et al., 1998).
No Vale do São Francisco, a estimativa de ETo vem sendo obtida através de dados
de estações agrometeorológicas convencionais, porém as estações automatizadas
estão sendo difundidas junto aos produtores. Segundo Sentelhas et al. (1997), o
tipo de estação meteorológica utilizado para a medição de elementos climáticos
deve ser considerado, pois, para um mesmo elemento, existem diferenças nos
resultados obtidos por estações convencionais e automáticas, principalmente em
escala diária.
Dessa forma, há a necessidade de comparação entre os dados obtidos por esses
diferentes tipos de estações. Assim, o presente trabalho teve como objetivo a
obtenção e comparação dos valores de coeficiente de cultura (Kc) no decorrer
das fases fenológicas da goiabeira irrigada em Petrolina- PE, com a utilização
de estações agrometeorológicas convencionais e automáticas.
MATERIAL E MÉTODOS
O experimento foi conduzido no Campo Experimental da Embrapa Semi-Árido, em
Petrolina-PE (latitude 09o09' S, longitude 40o22' W, altitude 365,5 m). O clima
da região é do tipo BSwh', segundo a classificação de Köeppen, que corresponde
a uma região árida. A cultura da goiabeira (Psidium guajava L.), cv. Paluma,
foi plantada em março de 1999, em um Latossolo Vermelho-Amarelo, textura média
(Pereira & Souza, 1967). O espaçamento da cultura foi de 5 X 6m, e o
sistema de irrigação utilizado foi o de microaspersão. O manejo de irrigação
baseou-se no monitoramento do potencial matricial (Ym) do solo por tensiômetros
instalados nas profundidades de 20; 40; 60; 80 e 100 cm. O manejo de irrigação
baseou-se no monitoramento do potencial matricial (Ym) do solo por tensiômetros
instalados nas profundidades de 20; 40; 60; 80 e 100 cm. O momento de irrigação
foi determinado quando o potencial matricial atingiu o valor próximo a - 0,03
MPa, na profundidade efetiva das raízes (60 cm) (Bassoi et al., 2002). Os
valores de umidade do solo (q) correspondente aos valores de Ym foram obtidos
pelas curvas de retenção de água em cada profundidade de instalação dos
tensiômetros. As curvas foram determinadas em laboratório com amostras
deformadas de solo e descritas pelo modelo de Van Genutchen (1980). A lâmina de
irrigação a ser aplicada foi determinada para elevar q próximo à capacidade de
campo (Ym = -0,01 MPa), e o tempo de irrigação foi estimado pelas expressões:
em que LL é a lâmina líquida de irrigação (mm); qcc a umidade do solo à
capacidade de campo (m³m-³); qatual a umidade atual do solo (m³m-³); Z a
profundidade da camada de solo considerada (60 mm); Ti o tempo de irrigação
(h); E1 e E2 os espaçamentos entre plantas e entre linhas de plantas,
respectivamente (6m x 5m); P a fração de solo molhada pelos microaspersores
(0,42); Ei a eficiência do sistema de irrigação (0,9); n o número de
microaspersores por planta (1), e Q é a vazão do microaspersor (L.h-1), medida
em teste de campo.
Para a determinação da ETc, a partir de dados do saldo de radiação, do fluxo de
calor no solo, dos gradientes de temperatura do ar (DT) e temperatura do bulbo
úmido (DTU), e da equação do balanço de energia (equação 3), foram obtidos os
fluxos de calor latente de evaporação (LE) (equação 4) e de calor sensível H
(equação 5), empregando-se a razão de Bowen (b) (equação 6), segundo Webb
(1965):
sendo Ä a tangente à curva de saturação do vapor d'água no ar (mb oC 1) em
função da temperatura média dos termômetros de bulbo úmido, entre os dois
níveis, onde os psicrômetros foram instalados, e g é o coeficiente
psicrométrico (0,66 mb oC).
Para o cálculo de ETo pelo método de Penman-Monteith, foram utilizados dados
obtidos nas estações agrometeorológicas convencional e automática (Campbell),
junto à área experimental, e a seguinte equação (Allen et al., 1998):
em que ETo é a evapotranspiração de referência (mm.dia-1); Rn é o saldo de
radiação à superfície (MJ.m2.dia-1); G é o fluxo de calor sensível no solo (MJ
m-2 dia-1); T a temperatura média do ar (oC); U2 a velocidade do vento a 2m de
altura (m.s-1); (es ea) o déficit de pressão do vapor d'água (kPa); D a
declividade da curva de pressão de vapor de saturação (kPa oC-1), e 900 um
fator de conversão. A declividade da curva da pressão de saturação do vapor foi
obtida em função da temperatura média do ar (média aritmética entre as
temperaturas máximas e mínimas diárias).
Para a estimativa do saldo de radiação sobre a superfície de referência, foi
utilizada a seguinte fórmula:
sendo Rns e Rnl os saldos de radiação de ondas curtas e ondas longas,
respectivamente.
Por sua vez, estes foram obtidos através das expressões:
onde a é o coeficiente de reflexão que é 0,23 para a superfície de grama de
referência e Rs a radiação solar global incidente.
em que ó é a constante de Stefan Boltzmann (4,903.10-9 M J K-4 m-2 dia-1);
Tmax,K e Tmin,K são as temperaturas máximas e mínimas no período de 24 horas (K
= oC + 273,16); ea é a pressão atual do vapor d'água (kPa); Rs é a radiação
solar global incidente (M J m-2 dia-1), e Rso é a radiação solar global
incidente em dias totalmente sem nuvens (M J m-2 dia-1).
Na estação automática, as temperaturas máximas e mínimas foram obtidas
programando-se o sistema de aquisição de dados para armazenar os valores
máximos e mínimos em 24 horas, enquanto, na estação convencional, essas
temperaturas foram provenientes de leituras diárias dos termômetros de máxima e
de mínima.
A pressão atual do vapor d'água na estação automática foi calculada da seguinte
forma:
onde es(Tmin) e es(Tmax) são as pressões de saturação do vapor d'água às
temperaturas mínimas e máximas, respectivamente; URmáx e URmín são os valores
máximos e mínimos para a umidade relativa do ar no período de 24 horas, obtidos
também por meio da programação do sistema de aquisição de dados.
Na estação convencional, a pressão atual do vapor foi obtida através da
expressão:
onde URmed é a média compensada da umidade relativa do ar, obtida por meio de
psicrômetro com aspiração, para os três horários diários de observações
agrometeorológicas sinópticas.
Para a obtenção da radiação solar global incidente (Rs) na estação
convencional, realizou-se a planimetria diária de diagramas de actinógrafo
bimetálico, enquanto, na estação automática, se obteve esse parâmetro através
do piranômetro acoplado ao sistema de aquisição de dados.
A radiação solar global para dia de céu claro foi calculada por :
sendo Ra a radiação solar incidente no topo da atmosfera e (a + b) a fração
dessa radiação que chega na superfície terrestre em dias claros. Os
coeficientes a e b utilizados para cada mês foram os obtidos por Teixeira
(1999).
Com os dados climáticos provenientes tanto da estação agrometeorológica
automática como da convencional, foram obtidos pela relação ETc/ETo os valores
de Kc para a cultura da goiabeira, no período compreendido desde a poda, em 7
de junho de 2001, até o término da colheita, em 24 de dezembro de 2001. Na
colheita, o peso dos frutos foi determinado para a estimativa da produção (kg
ha-1). A eficiência do uso de água (EUA) foi estimada pela relação entre a
produção (kg ha-1) e a quantidade de água evapotranspirada (mm).
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Entre a poda de frutificação e o término da colheita, a evapotranspiração
acumulada da cultura foi de 906 mm (valor médio de 4,53 ± 0,68 mm dia-1), e o
diâmetro de copa variou de 3 a 4,7 m. A produção de frutos foi de 24.097 kg ha-
1, o que resulta em uma EUA de 26,6 kg ha-1 mm-1. As fases fenológicas da
goiabeira estão apresentadas na Tabela_1.
A Figura_1 apresenta as médias decendiais da evapotranspiração da cultura, a
partir de 60 dias após a poda (DAP). Antes de 60 DAP, na fase fenológica de
brotação e crescimento vegetativo, a evapotranspiração foi elevada, devido à
evaporação direta do solo. Após o início do crescimento vegetativo, o valor
mínimo de 2,83 mm dia-1 ocorreu no período de 60 a 70 DAP (6 a 16 de agosto),
compreendendo as fases de crescimento vegetativo e início de florescimento. O
valor máximo foi de 5,51 mm dia-1 e ocorreu entre 150 e 160 DAP (4 a 11 de
novembro), durante a fase fenológica de crescimento dos frutos, coincidindo com
a época de grande demanda evapotranspiratória na região.
Os valores do Kc, obtidos com utilização de estações automática e convencional,
apresentaram variações entre as fases de crescimento vegetativo (60 DAP) e o
término da colheita dos frutos (200 DAP), podendo ser estimados por equações
(Figura_2). Para a estação automática, o valor de Kc aumentou de 0,61 a 0,84,
com média 0,73, enquanto, na convencional, de 0,75 a 0,93, com média 0,84. Os
valores mínimos ocorreram na fase de crescimento vegetativo e os valores
máximos na fase de crescimento dos frutos. Os menores valores de Kc da estação
automática foram devidos aos maiores valores de ETo obtidos com a mesma
estação.
Devido às diferenças na precisão e da freqüência de amostragem dos sensores,
para o cálculo dos valores médios, as estimativa de temperatura do ar, umidade
relativa e radiação solar incidente por estações agrometeorológicas
convencional e automática apresentam discrepâncias. Entretanto, os índices
estatísticos mostram uma boa concordância entre os elementos observados pelas
duas estações (Sentelhas et al., 1997).
No presente trabalho, os valores de temperatura e umidade do ar foram obtidos
de maneiras diferentes, e ambos os elementos são considerados na determinação
da pressão do vapor d'água (ea e es; equações 11 e 12). A radiação solar
incidente (Rs) também foi obtida de forma diferencial, e é considerada na
estimativa do saldo de radiação (Rn; equações 8 a 10). Como o método de Penman-
Monteith (equação 7) leva em consideração, entre outros, o déficit de pressão
do vapor d'água (es - ea) e o saldo de radiação (Rn), os valores de ETo obtidos
dessas estações apresentam discrepâncias; conseqüentemente, os valores de Kc
são diferentes durante o ciclo da cultura (Figura_2).
A relação entre os valores de Kc obtidos com a estação automática e a estação
convencional pode ser descrita por uma equação (Figura_3). Isto demonstra a
possibilidade de correção nos valores desse parâmetro obtidos com estação
agrometeorológica convencional, para uso com valores de ETo provenientes de
estação automática. Isto pode ser explicado pela boa correlação de elementos
climáticos medidos pelas estações convencionais e automáticas, como observado
por Sentelhas et al. (1997)
Moura (2001) determinou o consumo de água e o Kc para a goiabeira cv Paluma
irrigada em Petrolina-PE, aos 2 anos e 8 meses após o plantio, no espaçamento
de 6 x 6 m, e conduzida no sistema "poda sobre poda" ou poda contínua. Esse
tipo de condução caracteriza-se pela poda de ramos em que os frutos já foram
colhidos para o início de outro ciclo, concomitante com a existência de ramos
com frutos na fase de maturação na mesma planta. Conseqüentemente, são
encontrados frutos em vários estádios de crescimento. Assim, os valores de Kc
obtidos com dados de estação agrometeorológica convencional apresentaram menor
amplitude (0,76 a 0,81) que os apresentados nesse trabalho, sendo os valores
mínimo e máximo de ETc de 2,9 e 6,3 mm dia-1, respectivamente.
CONCLUSÕES
Na estimativa da ETc da goiabeira, devem-se considerar os valores de Kc
específicos para as estações agrometeorológicas convencional e automática,
devido às diferenças nas estimativas de ETo. Entretanto, ao longo do ciclo da
goiabeira, ocorre um comportamento similar desses coeficientes obtidos com
dados das duas estações, com alta correlação entre ambos. Portanto, podem-se
corrigir os valores de Kc obtidos pela estação convencional, quando se dispõe
de dados de ETo provenientes da estação automática.