Produtividade e qualidade de uva, cv. Isabel, em dois sistemas de produção
FITOTECNIA
Produtividade e qualidade de uva, cv. Isabel, em dois sistemas de produção1
Vineyard yield and grape quality in two diferent cultivation systems
Cesar Valmor RombaldiI; Mariano BergamasquiII; Luciano LucchettaIII; Marcio
ZanuzoIII; Jorge Adolfo SilvaIV
IPh. D., UFPEL/FAEM/DCTA, Cx. Postal 354, CEP: 96010900 - Pelotas - RS,
cesarvrf@ufpel.tche.br
IIM. Sc.,Rua Pinheiro Machado, 25, CEP: 95180000 - Farroupilha ' RS
IIIMestrandos no Programa de Pós-Graduação em Ciência e Tecnologia
Agroindustrial, UFPEL/FAEM/DCTA, Cx. Postal 354, CEP: 96010900 - Pelotas - RS
IVProf. Adj. Dr., UFPEL/FAEM/DCTA, Cx. Postal 354, CEP: 96010900 - Pelotas ' RS
INTRODUÇÃO
A 'Isabel' é uma das principais cultivares de Vitis labrusca, espécie
originária do Sul dos Estados Unidos e de onde foi difundida para outras
regiões. Na década de 1850, despertou interesse dos viticultores europeus
devido à resistência ao oídio, doença que naquela época causava enorme prejuízo
à viticultura mundial (Grigoletti Jr. & Sônego, 1993).
Foi introduzida no Rio Grande do Sul entre 1839 e 1842 por Thomas Maister,
através da Ilha dos Marinheiros e, na atualidade, representa aproximadamente
40% de toda a uva produzida no RS. Os principais destinos da uva Isabel são a
produção de vinho tinto comum, suco de uva, vinagre, geléias e comercializada
como fruta in natura (Zanuz, 1991; Rizzon et al., 2000).
A expansão do cultivo com a cv. Isabel deu-se devido à sua fácil adaptação à
variabilidade de condições edafoclimáticas, à elevada produtividade, à
longevidade e à relativa rusticidade (Zanuz, 1991; Grigoletti Jr. & Sônego,
1993).
O efeito do manejo da desbrota na produtividade e na qualidade da uva, da ação
de bioestimulantes na produção da uva e na qualidade do mosto, e da maturação
na qualidade da uva para vinho e suco já foi estudado (Passos & Trintin,
1982; Miele, 1987; Zanuz, 1991).
O vinho produzido a partir da cv. Isabel apresenta aroma e gosto foxados. Mesmo
assim, pelo hábito de consumo, associado às informações indicando os benefícios
de pigmentos e taninos existentes nesse vinho, faz com que ainda seja o mais
consumido no País e tenha grande potencial de expansão. Essa mesma lógica é
válida para outros produtos derivados dessa cultivar, como vinagre, suco,
geléia e a própria uva para consumo direto (Zanuz, 1991; Rizzon et al., 2000).
Porém, acompanhando as tendências mundiais, o consumidor nacional passou a
valorizar cada vez mais aqueles alimentos produzidos em sistemas que
estabeleçam um compromisso com a preservação do meio ambiente, da saúde do
produtor e da estrutura de produção, sempre valorizando a interação consumidor-
produtor, com produto final que atenda aos requisitos de segurança alimentar
(Harker, 2003; Mars, 2003; Skuras & Dimara, 2003). Daí a evolução dos
sistemas de produção integrada, orgânica, biodinâmica, agroecológica e
participativa de alimentos (Mars, 2003).
Neste contexto, embora se trate de uma cultivar relativamente rústica e
produtiva, tem suscetibilidade à antracnose (Elsinoe ampelina) e míldio
(Plasmopara viticola,L.). O emprego de fungicidas previne a ocorrência dessas
fitopatias, mas, nas sucessivas safras, tem-se detectado indução de resistência
e, em muitos casos, o incremento no número de pulverizações e de princípios
ativos (Grigoletti Jr. & Sônego, 1993). Por essas razões, os produtores têm
buscado, junto às instituições de pesquisa e extensão, alternativas para
evoluir em termos de sistema de produção, passando do estágio atual
(convencional), onde se empregam capinas e/ou herbicidas e elevado número
pulverizações com fungicidas sintéticos orgânicos e não orgânicos, para um
sistema tecnologicamente mais "inteligente", onde se reduzam os insumos, o
impacto ambiental e os riscos de intoxicação. Essa etapa tem sido denominada
alternativa (Lapolli et al., 1995).
Pela importância socioeconômica que essa cultivar tem e pela necessidade de
evoluir-se o sistema de produção, compararam-se dois sistemas de produção,
convencional e alternativo, esse último sem a aplicação de herbicida e
fungicidas orgânicos sintéticos, avaliando-se o potencial de produção e a
qualidade da uva produzida.
MATERIAL E MÉTODOS
O trabalho foi realizado em cinco vinhedos, localizados na mesma propriedade,
no município de Farroupilha-RS, nas safras de 2001-2002 e 2002-2003. Utilizou-
se 1 hectare de cada vinhedo, todos da cv. Isabel, formados de pé-franco,
implantados entre 1958 e 1962, conduzidos no sistema de latada, num espaçamento
de 1,5 a 2,0m entre plantas e 3,0 a 3,5m entre fileiras. O sistema de poda seca
adotado foi o de cordão esporonado. A partir da floração, realizou-se a poda
verde, que consistiu na retirada de folhas e brotos sem frutificação.
Em 1996, em todos os vinhedos, foi realizada correção do solo com a aplicação
de 12 t.ha-1 de calcário e 1,2 t.ha-1de adubo NPK 5-20-20, atendendo às
recomendações técnicas da análise de solo.
Até a safra de 1997, os vinhedos eram conduzidos pelo sistema convencional, ou
seja, no mês de setembro, aplicava-se herbicida Glifosato, e iniciavam-se as
pulverizações com Mancozeb, Metalaxil, Cymoxamil e Tiofanato Metílico, em
intervalos de 6 a 8 dias, dependendo das condições climáticas. A partir da
segunda quinzena de dezembro, realizavam-se aplicações de calda bordalesa, em
número de 2 a 4. A partir de 1998, 1ha de cada vinhedo foi mantido nesse
sistema, sendo denominado convencional. O outro foi conduzido mantendo-se a
cobertura do solo, associada à introdução de aveia-preta (Avena sativa,L.), no
mês de março. No mês de setembro, efetuou-se uma roçada e não se aplicou
herbicida. Para o controle de doenças, empregou-se somente calda bordalesa, na
concentração de 1% a 2%. Esse mesmo procedimento foi adotado nos anos
seguintes.
O registro de dados, no que se refere à produtividade, foi estabelecido a
partir de 1998, mas somente a partir de 2001-2002 passou-se a avaliar a
qualidade da uva nos dois sistemas. Por essa razão, serão apresentados apenas
os dados referentes às duas últimas safras.
A produtividade foi determinada por pesagem, por ocasião da colheita, de toda a
uva colhida por hectare, em cada um dos cinco vinhedos. Cada vinhedo
constituiu-se numa repetição.
A avaliação da uva foi realizada, determinando-se, no mosto obtido após o
desengace e esmagamento das bagas, a densidade, os sólidos solúveis totais, a
acidez total titulável, o pH, a concentração de ácido tartárico, ácido málico,
taninos e antocianinas. A metodologia seguiu exatamente os procedimentos
descritos por Rizzon et al. (2000). Para cada variável analisada, realizaram-se
5 repetições. Para a comparação de médias, empregou-se o teste de Duncan a 5%.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Ao analisarem-se os dados da Tabela_1, pode-se verificar que o efeito das
condições de safra foi mais pronunciado do que o sistema de produção. Assim,
por exemplo, em 2001-2002, a colheita pôde ser realizada entre 12 e 15-03, já
que as condições climáticas permitiram, em função da não-ocorrência de chuvas e
da baixa umidade relativa. Já, em 2002-2003, embora se tenha realizado um maior
número de aplicações, houve necessidade de antecipar-se a colheita, em ambos os
sistemas de produção. Isso se deu devido às condições climáticas adversas nesse
ano agrícola, no qual foi detectada uma elevada incidência de chuvas no período
de floração, enchimento do cacho e maturação. Isso resultou, também, numa menor
qualidade da uva (Tabela_2). Mesmo com o aumento das pulverizações na safra
2002-2003, houve queda de produtividade, superior a 50%, nos dois sistemas de
produção. No sistema convencional realizaram-se 16 pulverizações, associando,
em algumas delas, mais de um princípio ativo, e, mesmo assim, colheram-se
apenas 13,25 toneladas por hectare. No sistema alternativo, a produtividade foi
semelhante ao convencional, mesmo com o uso de apenas calda bordalesa.
Quando se comparam os sistemas de produção, verifica-se que eles não
influenciaram na produtividade. Isso também foi verificado em anos anteriores
(dados não apresentados), indicando que, para essa cultivar, e provavelmente
para outras cultivares do grupo das Vitis labrusca, podem-se buscar
alternativas, a curto prazo, para a substituição e subtração de insumos,
reduzindo custos, impacto ambiental e riscos de contaminação. Na seqüência dos
trabalhos, deverão ser realizadas análises complementares para detecção de
resíduos dos princípios ativos empregados (Mancozeb, Metalaxil, Cymoxamil,
Tiofanato Metílico e Cobre), além de micotoxinas e principais microrganismos de
importância em termos de segurança alimentar. É importante destacar que, além
da preocupação com segurança alimentar relacionada com fungicidas orgânicos
sintéticos e herbicidas, o uso de produtos à base de cobre, nesse caso calda
bordalesa, também preocupa pelas sucessivas aplicações e safras, que resulta em
acúmulo no solo, elevando os riscos de toxicidade e contaminação dos lençóis
freáticos.
As principais características da uva 'Isabel', nos dois sistemas de produção,
estão apresentadas na Tabela_2. No sistema convencional, a densidade do mosto
da uva produzida foi de 1,099gmL-1 em 2001-2002 e 1,061gmL-1 em 2002-2003, e o
conteúdo de sólidos solúveis totais foi de 18,2 ºBrix em 2001-2002 e 16,5 ºBrix
em 2002-2003. Já, no sistema alternativo, a densidade do mosto da uva produzida
foi de 2,002gmL-1 em 2001-2002 e 1,051gmL-1 em 2002-2003, e o conteúdo de
sólidos solúveis totais foi de 18,5 ºBrix em 2001-2002 e 15,5 ºBrix em 2002-
2003.
O conteúdo de sólidos solúveis totais é o principal fator que afeta a densidade
do mosto de uva (Amerine & Ough, 1976), por essa razão foi observada maior
densidade no mosto da safra 2001-2002, quando a uva evoluiu mais adequadamente
à maturação. Os valores médios de sólidos solúveis totais observados podem ser
considerados bons, já que a maioria das cultivares de Vitis labrusca geralmente
apresentam menor potencial de produção de açúcar do que as cultivares de Vitis
vinifera (Rizzon et al., 2000; Rizzon & Miele, 2001). Quando se comparam as
safras, também se verifica que, em 2002-2003, houve menor acúmulo de açúcares e
menor densidade do mosto. Esse fato está relacionado com as condições
climáticas nessa safra, quando, além da intensa ocorrência de chuvas no período
da floração, houve elevada pluviosidade nos meses de janeiro a março (580mm no
total do trimestre), dificultando a maturação normal da uva.
A acidez total titulável também variou em função da safra, ou seja, em 2001-
2002, quando as condições climáticas foram mais favoráveis à maturação,
detectaram-se os menores valores de acidez, entre 68 e 74 meq. L-1, já na safra
2002-2003, a acidez foi maior, entre 83 e 92 meq. L-1. Quanto ao pH, o valor
mais elevado, de 3,44, foi detectado em 2001-2002 e o mais baixo de 3,24, em
2002-2003. Esses valores são elevados se comparados com os valores de pH de
mostos de cultivares tintas de Vitis vinifera (Boulton, 1980; Rizzon et al.,
1998; Rizzon et al., 2000; Rizzon & Miele, 2001). O teor médio de ácido
tartárico e málico também variou em função da safra, tendo apresentado maiores
valores na safra 2002-2003 do que na de 2001-2002, dentro do mesmo sistema de
produção.
No que tange aos taninos, os mostos apresentaram teores baixos, o que mostra o
reduzido teor desses componentes nessa cultivar. As antocianinas, que são os
principais componentes responsáveis pela coloração da uva e seus derivados
(Ribéreau-Gayon & Stonestreet, 1965), foram afetadas pelas condições de
cada safra, ou seja, quanto mais madura a uva estava, maior a concentração
desse componente. Assim, em média, a uva da safra 2001-2002 continha duas vezes
mais compostos antociânicos do que a da safra 2002-2003.
De maneira geral, na medida em que há evolução da maturação da uva, há
tendência ao incremento do conteúdo de sólidos solúveis e redução da acidez. O
aumento do conteúdo de sólidos solúveis se deve principalmente ao acúmulo de
açúcares e pigmentos, à diminuição da acidez e à redução dos principais ácidos
orgânicos da uva (Zanuz, 1991; Tamborra, 1992; Rizzon et al., 2000). O que foi
observado nesse trabalho. No ano agrícola em que as condições climáticas foram
melhores (2001-2002), pôde-se colher a uva mais tardiamente, o que permitiu a
evolução da maturação, tendo-se obtido maior concentração de sólidos solúveis e
pigmentos, menor acidez e menor concentração de ácidos tartárico e málico.
No que concerne aos sistemas de produção, não se observou efeito significativo
das práticas de manejo sobre as principais variáveis de avaliação do mosto da
uva cv. Isabel. Isso demonstra a possibilidade da redução e da substituição de
insumos no sistema de produção, sem prejuízos em termos de produtividade
(Tabela_1) e qualidade da uva (Tabela_2).
CONCLUSÕES
A produtividade e a qualidade da uva não foram afetadas pelos sistemas de
produção, indicando que o sistema de produção alternativo, que empregou menor
número de pulverizações, sem herbicida, nem fungicida orgânico sintético, pode
ser adotado para essa cultivar.