Enxertia de maracujazeiro-azedo em estacas herbáceas enraizadas de espécies de
passifloras nativas
PROPAGAÇÃO
Enxertia de maracujazeiro-azedo em estacas herbáceas enraizadas de espécies de
passifloras nativas1
Grafting of passion fruit on rooted-herbaceous cuttings of wild passiflora
species
Renata da Costa ChavesII; Nilton Tadeu Vilela JunqueiraI; Ivo ManicaIII; José
Ricardo PeixotoIII; Ailton Vitor PereiraI; Josefino de Freitas FialhoI
IPesquisadores da Embrapa Cerrados, C. Postal 08223, Planaltina-DF, e-mail:
junqueir@cpac.embrapa.br
IIMestranda em Fitopatologia, Departamento de Fitopatologia IB/UnB, C. Postal
04454, CEP 70910-970, Brasília-DF, e-mail: renatachaves@unb.br
IIIProfessores da Faculdade de Agronomia e Veterinária/UnB, C. Postal 04508,
CEP 70910-970, Brasília-DF, e- mail: peixoto@unb.br
INTRODUÇÃO
A baixa produtividade do maracujá-azedo no Brasil é devida, em grande parte, a
problemas fitossanitários, dos quais, as doenças provocadas por patógenos do
solo se constituem os mais importantes em termos de expressão econômica
(Meletti e Bruckner, 2001, Menezes et al., 1994). Vários autores (Pace, 1984;
Ruggiero, 2000; São José, 1991; Meletti e Bruckner, 2000, Menezes et al., 1994)
relatam a necessidade de se usar porta-enxertos resistentes para controlar a
fusariose e a morte prematura do maracujazeiro.
Segundo Terblanche (1986), citado por Menezes et al., (1994), em avaliações
efetuadas durante 3 anos, P. edulisenxertado sobre P.caerulea produziu 41% a
mais que P. edulis enxertado em P. edulis f. flavicarpae 74% a mais que P.
edulis pé-franco. A taxa de mortalidade das plantas foi de 8% paraP. edulis
sobre P.caerulea, 66% para P. edulis sobre P. edulis f. flavicarpa e de 58%
para plantas de pé-franco de P. edulis. Além de P. caerulea,outras espécies de
passifloras nativas, como Passiflora nitida, P. laurifolia e alguns acessos de
P. suberosa, P. alata, , P. coccinea, P. giberti e P. setaceavêm apresentando
resistência à morte precoce e à fusariose (Menezes et al., 1994, Oliveira et
al., 1994).No entanto, segundo Meletti e Bruckner (2001), os porta-enxertos
oriundos de sementes da maioria dessas espécies apresentam o inconveniente de
gerar plantas com caules muito finos e, portanto, incompatíveis com o diâmetro
dos garfos que são obtidos de plantas adultas. Esse fato dificulta a enxertia,
aumenta o custo de produção e o tempo requerido para a formação da muda
(Siqueira e Pereira, 2001). Dessa forma, visando à obtenção de porta-enxertos
clonais que possibilitem melhor contato entre porta-enxerto e enxerto e que
garantam a redução no tempo requerido para a formação das mudas, realizou-se
este estudo, com o objetivo de determinar-se a viabilidade da enxertia de
maracujá comercial em estacas herbáceas enraizadas de quatro espécies de
passifloras nativas e de um híbrido F1.
MATERIAL E MÉTODO
Foram conduzidos quatro experimentos em casa de vegetação na Embrapa Cerrados,
Planaltina-DF, no período de janeiro a novembro de 2002. Utilizaram-se as
estacas herbáceas de plantas de Passiflora setacea (acesso EC-PS 1)
provenientes de Janaúba-MG; P. nitida(acesso EC-PN 1) procedente de Itiquira-
MT; P. caerulea (acesso EC-PC 1) proveniente do Distrito Federal; P. actinia
(acesso EC-PA 1) procedente de Santa Terezinha-MT; e um híbrido F1 entre P.
setaceax P. edulis f. flavicarpa (Cv. Sul Brasil Marília), todas cultivadas no
Distrito Federal.
Os experimentos 1 e 2 foram conduzidos para determinar a capacidade de
enraizamento de estacas dessas espécies antes da implantação dos experimentos 3
e 4 com enxertia. Utilizaram-se bandejas de poliestireno de 72 células, em
delineamento inteiramente casualizado, com 5 repetições de 12 estacas úteis com
um par de folhas, que foram retiradas da parte mediana de ramos sem gemas
brotadas. A seguir, as estacas tiveram suas bases imersas por um minuto, em
solução de Ácido Naftaleno Acético (ANA) a 0; 250; 500; 1.000 e 2.000 mg/L e
plantadas em substrato Plantmax HT umedecido, e mantidas em estufa protegida
com sombrite-50% , com nebulização intermitente a 18 ± 2ºC à noite e 25 ±2ºC ao
dia e umidade relativa de 70% a 100%. As avaliações foram efetuadas aos 60 dias
após o plantio das estacas, determinando-se o percentual de estacas enraizadas
e de estacas enraizadas e brotadas.
No experimento n. 3, para estudar a viabilidade como porta-enxertos, as estacas
tiveram suas bases imersas durante 1 minuto em ANA a 500 mg/L e plantadas em
sacos de polietileno de 22 x 12 cm x 0,01 mm, contendo, em 2/3 de seu volume,
um substrato à base de subsolo (Latossolo Amarelo de textura média) + esterco
de gado curtido, na proporção de 3:1 + 100g de calcário dolomítico (PRNT 65%) +
400g de NPK 4-30-16 para 100 litros de solo seco. Sobre esse substrato,
adicionou-se uma camada de 8cm de substrato comercial Plantmax HT em sua parte
superior. As estacas tiveram cerca de 3 a 5cm de suas bases enterradas na
camada de substrato Plantmax e mantidas nas mesmas condições do experimento
anterior. Após 30 dias, as estacas foram transferidas para um segundo ambiente
de casa de vegetação, a 23 ± 2ºC, 60 a 85% de U.R, protegida por sombrite 50%,
com ventilação e duas regas/dia de 4,0 litros/m2 por 15 minutos, sendo uma às
12 horas e a outra às 15 horas.
As enxertias foram efetuadas aos 40; 55 e 70 dias após a coleta e plantio das
estacas, com e sem proteção do enxerto com saco de plástico. O método de
enxertia utilizado foi o da "Garfagem lateral". Os garfos utilizados foram
retirados da parte mediana de ramos de uma mesma planta da Cv. Marília, com um
ano e seis meses de idade.
O delineamento experimental foi o inteiramente casualizado, com 3 repetições de
5 estacas, 3 épocas de enxertia com e sem a proteção do enxerto. Depois de 150
dias da coleta e plantio das estacas, avaliaram-se as seguintes variáveis:
porcentagem de pegamento da enxertia, comprimento dos brotos dos enxertos e
porcentagens de mudas com o enxerto brotado.
No experimento n. 4, utilizaram-se estacas herbáceas de Passiflora setacea
(acesso EC-PS 1) provenientes de Janaúba-MG; P. nítida(acesso EC-PN 1)
procedente de Itiquira-MT; P. caerulea (acesso EC-PC 1) proveniente do Distrito
Federal; P. actinia (acesso EC-PA 1) procedente de Santa Terezinha-MT e um
híbrido F1 entre P. setaceax P. edulis f. flavicarpa (Cv. Sul Brasil Marília).
Todas as estacas foram coletadas de plantas cultivadas e mantidas no Distrito
Federal. Utilizou-se a mesma metodologia do experimento 3, mas as estacas foram
enxertadas aos 55 dias após o plantio com garfos do clone "Rubi" (F1-
Passiflora edulisx P. edulis f. flavicarpa) sem proteção de saco de plástico. O
delineamento experimental foi o inteiramente casualizado, com 4 repetições de
20 plantas. As avaliações foram efetuadas aos 145 dias após a coleta e plantio
das estacas, e aos 90 dias após a enxertia.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Analisando os dados apresentados na Tabela_1, referentes ao experimento n. 1,
verifica-se que não houve efeito significativo das concentrações de ANA no
enraizamento de estacas de ambas as espécies, mas a concentração de 500 mg/
L promoveu um índice de enraizamento de 100% nas estacas de P. nitida,e,
portanto, foi a escolhida para o experimento com enxertia. Em média, o índice
de enraizamento das estacas nas bandejas foi de 82,8% para P. nitida e de 74%
para P. setacea. Pereira et al. (1998), citado por Siqueira e Pereira (2001),
obtiveram 78% de enraizamento de estacas herbáceas de P. nitida, aos 60 dias
após o plantio destas em caixas com vermiculita. Estes autores não constataram
efeitos do AIB no enraizamento das estacas.
No experimento n. 2 (Tabela_2), constatou-se efeito significativo das
concentrações de ANA apenas para P. actinia. As demais espécies não responderam
ao tratamento com ANA. Dessa forma, utilizou-se, nos experimentos 3 e 4, o ANA
na concentração de 500 mg/L por ser menor e por ter promovido índices de
enraizamento maiores em algumas espécies.
No experimento n. 3, não se verificou efeito significativo da proteção do
enxerto com saco de plástico no índice de pegamento da enxertia, no comprimento
do broto do enxerto e na porcentagem de enxertos brotados (Tabela_3). Por outro
lado, houve efeito altamente significativo da idade da estaca ou época da
enxertia no pegamento dos enxertos sobre estacas de P. nitida(Tabela_3). A
época da enxertia também influenciou significativamente no comprimento do broto
dos enxertos sobre P. nitida. Verifica-se que, sobre porta-enxertos de P.
nitida, os melhores índices de pegamento da enxertia (86,7%, 93,3% e 100,0%)
ocorreram quando as estacas foram enxertadas aos 40 e 55 dias após a sua coleta
e plantio, mas esse índice diminuiu aos 70 dias para 60,0% de pegamento (Tabela
3). Essa redução pode ter sido devida ao envelhecimento dos tecidos da estaca,
que se tornaram mais lignificados. O maior comprimento do broto do enxerto
também foi verificado em enxertias efetuadas aos 40 dias após o plantio das
estacas, o que já era esperado pelo fato de as enxertias terem sido feitas
antes. Verifica-se, na Tabela_3, que os períodos de permanência dos enxertos
até a época da avaliação, ou seja, aos 150 dias após a coleta e plantio das
estacas, foram de 110; 95 e 80 dias, respectivamente, para as enxertias
efetuadas aos 40; 55 e 70 dias após o plantio das estacas. Não se verificou
efeito significativo da época da enxertia no percentual de mudas com enxertos
brotados. Aos 150 dias após a coleta e plantio das estacas, cerca de 50% a 73%
das estacas de P. nitida tinham enxertos com brotos com mais de 10 centímetros
de comprimento. Em média, os índices de pega de enxertos, de mudas com enxertos
brotados e de comprimento do broto do enxerto aos 150 dias foram de 78,9%,
65,6% e de 20,1 cm, respectivamente.
Quanto ao P. setacea,não se verificaram diferenças significativas entre os
tratamentos (Tabela_3). O desempenho dessa espécie como porta-enxerto a partir
de estacas herbáceas enraizadas não foi bom quando comparado com o da P.
nitida.Embora o percentual de pegamento da enxertia nessa espécie esteja em
torno de 55,5% e o comprimento do broto do enxerto de 15,7 cm, o percentual de
enxertos brotados (10,18%) foi muito baixo.
No experimento n. 4 (Tabela_4), verificou-se um bom desempenho das espécies
P.nitida e do híbrido F1 (P setacea x P. edulis f. flavicarpa), ambas com mais
de 86% de enxertos brotados e com comprimento dos brotos do enxerto de 38,6 a
48,6 cm em média. Esses resultados confirmam a viabilidade do P. nitida e do
híbrido F1 como porta-enxerto produzido a partir de estacas herbáceas. O menor
desempenho de P. actinia, P. caerulea e P. setacea pode ter sido devido ao
ataque de larvas do díptero Fungus gnat na base das estacas, o que provocou
alto índice de mortalidade de porta-enxertos após o pegamento dos enxertos.
Meletti e Bruckner (2001) citam que P. edulis, P. setacea, P. alata, P.giberti
e P. caerulea são passíveis de serem utilizadas como porta-enxertos para o
maracujá-azedo, mas as plantas oriundas de sementes de P. giberti e P. setacea
apresentaram dificuldades na enxertia por possuírem caules muito finos,
portanto incompatíveis em termos de diâmetro, com os enxertos do maracujazeiro-
azedo comercial. Este problema não foi observado nesse experimento em virtude
das possibilidades de escolha de estacas com diâmetros semelhantes aos do
enxerto da cultivar comercial. Menezes et al. (1994) verificaram que os porta-
enxertos oriundos de sementes de P. nitida mostraram-se inviáveis para o
maracujazeiro-azedo devido à baixíssima taxa de sobrevivência e desenvolvimento
muito lento dos enxertos que sobreviveram, mas obtiveram bons resultados com o
P. caerulea.Neste experimento, apenas o acesso de P. nitida e o híbrido F1
mostraram-se viáveis como porta-enxerto produzido a partir de estacas herbáceas
enraizadas.
Analisando-se as taxas de pegamento de enxertos obtidas por Menezes et al.
(1994), sobre porta-enxertos oriundos de sementes de diferentes espécies de
passifloras, verifica-se que, aos 90 dias após a enxertia, havia apenas 18,7 %
de enxertos pegos sobre P. nitida e 100 % sobre P. caerulea. No presente
experimento, as taxas de pegamento de enxertos sobre estacas enraizadas de P.
nítida, aos 80; 95 e 110 dias após a enxertia, variaram de 60% a 100%, com uma
média 78,88% e comprimento do broto do enxerto de 38,6 cm, enquanto sobre P.
caerulea, aos 90 dias após a enxertia, essa taxa foi de 67,2% e comprimento do
broto do enxerto de 14,3 cm em média. Segundo Menezes et al. (1994), a P.
nitidaapresenta grande potencial para utilização em programas de melhoramento
que incluam hibridação interespecífica em virtude de sua rusticidade e
resistência a vários patógenos e pragas do maracujá. Oliveira et al. (1994),
analisando o comportamento de várias espécies de maracujazeiro em relação à
morte precoce do maracujazeiro, verificaram que Passiflora nitida, P.
laurifoliae alguns acessos de P. suberosa, P. alata, P. caerulea, P. giberti e
P setaceamostraram-se resistentes. Esses autores sugerem o uso de P. nitida e
P. laurifolia como porta-enxerto para o maracujá-amarelo. Baccarin (1988) e
Ferreira (2000) consideram a produção de mudas de maracujá por meio de estaquia
ou enxertia uma técnica vantajosa, pois permite a conservação das
características da planta-mãe, o controle de doenças causadas por patógenos do
solo, resistência à seca e à morte prematura das plantas, podendo conferir
maior longevidade à cultura e melhor qualidade aos frutos.
Maldonado (1991) verificou que as mudas enxertadas em porta-enxertos oriundos
de sementes levaram, pelo menos, cinco meses da semeadura até o plantio em
local definitivo, enquanto as mudas pés-francos demoraram cerca de dois meses.
Já Menezes et al. (1994) implantaram as mudas enxertadas em P. giberti, P.
caerulea, P. edulis aos três meses após a enxertia e aos 7 meses após a
semeadura e tiveram dificuldades na germinação de sementes de P. nitida e P.
alata. Siqueira e Pereira (2001) afirmam que a enxertia em escala comercial
ainda é inviável economicamente, devido ao maior tempo requerido para a
formação da muda, aos maiores custos de produção, às dificuldades e
irregularidades na germinação e à pequena disponibilidade de sementes das
espécies não comerciais. Por outro lado, com base nos dados obtidos no presente
experimento, o tempo necessário para a formação de uma muda enxertada sobre
estacas herbáceas enraizadas está em torno de 120 dias, ou seja, 40 dias para o
enraizamento da estaca e mais 80-90 dias para o pegamento e desenvolvimento do
broto do enxerto, não havendo, portanto, os problemas relatados acima. As mudas
oriundas de sementes, semeadas e desenvolvidas nas mesmas condições, ficaram
aptas para o plantio definitivo de 80 a 90 dias após a semeadura.
CONCLUSÕES
A produção de mudas de maracujazeiro-azedo por enxertia em estacas herbáceas
enraizadas de Passiflora nitida, acesso EC-PN1, e do híbrido F1 entre P.
setacea x P. edulis f. flavicarpa é tecnicamente viável, não havendo, portanto,
problemas de baixo índice de pega da enxertia , devido a diferenças entre os
diâmetros do caule do porta-enxerto e do enxerto ou garfo da cultivar
comercial.