Caracterização de gemas florais de pereira (Pyrus sp.) relacionada ao
abortamento floral
BOTÂNICA E FISIOLOGIA
Caracterização de gemas florais de pereira (Pyrus sp.) relacionada ao
abortamento floral1
Chacterizatin of pear flower bud (Pyrus sp.) and the relation with flower bud
abortion
Valtair VerrissimoI; Flavio Gilberto HerterII; Alexandre Couto RodriguesIII;
João Peterson GardinIV; João Batista da SilvaV
IEngº Agrº. MSc., Fruticultura, FAEM/UFPEL, Pelotas-RS/ Brasil, E-mail:
valtairverissimo@yahoo.com.br
IIEngº Agrº. Dr., pesquisador EMBRAPA Clima Temperado, Pelotas-RS, E-mail:
herter@cpact.embrapa.br
IIIEngº Agrº. Dr., pesquisador CNPq RD, E-mail: rcale@ufpel.edu.br
IVEngº Agrº., MSc., Fisiologia Vegetal, UFPEL
VEngº Agrº., Dr., livre docente, prof. Titular IMF-UFPEL, Pelotas-RS
INTRODUÇÃO
A cultura da pereira é uma alternativa para aumentar a eficiência e a
diversificação do sistema produtivo, na região Sul do Brasil. Porém, existem
fatores limitantes para a expansão da cultura, dentre os quais se destaca o
abortamento de gemas florais, que, em alguns anos, dependendo da cultivar,
varia de 30 a 100% (Nakasu & Leite, 1992).
Entre os fatores ecofisiológicos que podem ser a origem do problema, estão os
relacionados ao clima (flutuações de temperatura e falta de frio), fatores
nutricionais, com ênfase a carboidratos e micronutrientes, biologia floral e
estresse hídrico. Até o momento, nenhuma hipótese foi comprovada como sendo o
fator causal do distúrbio.
As gemas de flor e as inflorescências da pereira são similares às da macieira,
sendo que, na pereira, contêm de sete a oito primórdios florais e são
indeterminadas, enquanto as de macieira possuem cinco a seis primórdios e são
determinadas (Westwood, 1978). A formação das gemas reprodutivas ocorre em três
fases: a da indução; da diferenciação, que se caracteriza por modificações
morfológicas, no período de verão e outono; e do desenvolvimento floral, o qual
ocorre na primavera, após a superação da dormência. A iniciação floral ou
diferenciação floral é a fase em que o meristema sofre uma série de
modificações morfológicas que o transformam em flor ou inflorescência (Monet
& Bastard, 1970).
O trabalho teve por objetivo as caracterizações físicas, morfológicas e
fisiológicas de gemas florais de diferentes cvs. de pereira, em diferentes
condições climáticas no Sul do Brasil, visando a verificar possível
envolvimento com o abortamento floral.
MATERIAL E MÉTODOS
As avaliações foram realizadas em gemas de pereira de plantas adultas,
enxertadas sobre Pyrus calleryana, coletadas no inverno de 2000, em três
regiões diferentes no Sul do Brasil. Foram utilizadas as cultivares asiáticas
Nijisseiki, que exige 900-1000 horas de frio (HF), e Housui, que exige cerca de
721 HF, e o híbrido Kieffer, com exigência de 300 HF. Em Pelotas, as amostras
foram coletadas em plantas do pomar da Embrapa (224 m de altitude e coordenadas
52º 21'W e 31º 52"S). Em Vacaria, as coletas foram no pomar da Embrapa Uva e
Vinho (960 m, coordenadas 50º 42' W e 28º 33' S). Em São Joaquim-SC, as coletas
foram no pomar da Estação Exp. da EPAGRI (1.415 m, coordenadas 49º 55' 56" W e
28º 17' 39" S).
As regiões apresentam condições climáticas contrastantes: São Joaquim-SC,
considerada de clima temperado, com cerca de 920 HF, como média anual; Pelotas-
RS, apresenta variações bruscas de temperatura no inverno, com 550 HF; Vacaria-
RS, classificada como intermediária, com cerca de 809 HF. Em cada uma destas
regiões, o índice de abortamento floral final tem sido variável para uma mesma
cultivar e ano.
Foram conduzidos dois experimentos, sendo o primeiro com objetivo de estudar o
efeito do local, em três regiões, e, no segundo, o efeito da época de coleta
para um mesmo local nas variáveis analisadas.
Experimento 1- Foram coletadas no fim do inverno, gemas florais das cvs.
Nijisseiki e Housui, em três locais (São Joaquim, Vacaria e Pelotas), nas quais
foram analisadas as seguintes variáveis: peso túrgido, comprimento, diâmetro,
peso seco e volume das gemas, peso seco de escamas (brácteas), comprimento e
peso seco de inflorescência, número de primórdios florais e índice de necrose
das gemas. O delineamento experimental utilizado foi um fatorial 3 x 2, sendo
três locais e duas cultivares, inteiramente casualizado, com 9 repetições de 15
gemas para cada tratamento. Foram realizadas análises individuais para cada
local. Após, foi feito teste de homogeneidade das variâncias e, posteriormente,
realizada análise conjunta dos dados. Foi feita análise de variação, e a
comparação de médias pelo teste Duncan (p=0,05). Foram determinadas as
intensidades de ocorrência de abortamento floral para cada cultivar e local.
Experimento 2 - O experimento foi conduzido em Pelotas-RS, nas cvs. Nijisseiki,
Housui e Kieffer. As gemas florais foram coletadas em seis épocas diferentes
(de agosto a início de setembro de 2000). Foram analisadas as mesmas variáveis
do experimento anterior. O experimento foi um fatorial 3 x 6, sendo os fatores
Cultivar (Nijisseiki, Housui e Kieffer) e Épocas (E1=03-08; E2=11-08; E3=17-08;
E4=24-08; E5=31-08 e E6=08-09), inteiramente casualizado, com 4 repetições de
10 gemas para cada tratamento. Foi feita a análise de variação, e a comparação
de médias pelo teste Duncan (p=0,05). Foram determinadas as intensidades de
ocorrência de abortamento floral para cada cultivar e época de coleta.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com base na análise estatística, foi possível verificar a ocorrência de
variação nos parâmetros analisados, entre os diferentes locais estudados, bem
como entre as diferentes épocas de coletas das gemas florais.
Em resultados relativos à comparação entre locais, verificou-se que em Pelotas
o número de primórdios florais foi alto (aproximadamente 16/por gema) nas cvs.
Housui e Nijisseiki, diferindo da região de São Joaquim, que teve menor número
de primórdios. Em Vacaria, na 'Nijisseiki', o número de primórdios foi ainda
menor comparado a São Joaquim (Tab._1).
A cv. 'Nijisseiki' em Pelotas apresentou maiores valores em quase todos os
parâmetros analisados. Em São Joaquim, esta mesma cultivar apresentou menor
peso seco de inflorescências e menor peso seco total, comparado a Pelotas, além
de número de primórdios menor. A região de Vacaria diferiu ainda de São
Joaquim, apresentando menor peso seco de escamas, volume de gemas, peso seco de
inflorescência, peso seco de escamas e peso seco total. Parte dessa diferença,
possivelmente, seja devida ao menor número de primórdios. Por outro lado,
apresentou maior comprimento das inflorescências (Tab._1).
Em Pelotas, na 'Housui', houve maior número de primórdio, maior peso seco de
escamas e peso seco total das gemas. Contrariamente, em São Joaquim, ocorreu
menor número de primórdios, menor diâmetro das gemas, peso seco de
inflorescências e peso seco total (Tab.1).
Resultados similares foram obtidos por Verissimo et al. (2002), no qual foi
verificado, em 1999, em Pelotas, um grande número de primórdios florais por
gema, e os índices de abortamento floral foram superiores a 90%. Em São
Joaquim, os autores observaram menores índices de abortamento e melhores
parâmetros de qualidade de gemas.
Quanto aos índices de necrose em função do local, com base nas análises de
gemas em laboratório, verificou-se que na cv. Housui, em Pelotas, ocorreram os
maiores índices de necrose, seguido por São Joaquim e Vacaria. Para a
'Nijisseiki', os maiores índices de necrose ocorreram em Vacaria, seguido por
São Joaquim, e os menores em Pelotas (Fig._1). Há que considerar que os danos
de necroses em São Joaquim, provavelmente, sejam ainda menores, pois a
endodormência se completa mais cedo que as outras duas regiões. Em Pelotas, a
'Nijisseiki' apresentou a maior parte dos primórdios sadios até agosto. Sabe-se
que as necroses podem ser observadas ainda no outono. Porém, de acordo com
GARDIN (2002), nesta cultivar, o abortamento intensifica-se na fase que
antecede a floração.
Quanto aos índices de necrose em função da época, nas três primeiras coletas,
verificou-se que a 'Nijisseiki' apresentou gemas florais sadias (Fig._2). A
partir da quarta época de avaliação (24-08), começaram a aparecer gemas com
necrose parcial. Nas últimas coletas (31-08 e 08-09), o problema se
intensificou, sendo que nas inflorescências duplicadas muitas apresentavam
apenas um lado necrosado (Fig._3a e 3b). Já em 'Housui', na primeira coleta,
foram observadas muitas gemas com necrose parcial e inclusive necrose severa
(Fig._2), enquanto na 'Kieffer', a necrose ocorreu a partir da terceira coleta
(17-08), mas em poucas gemas.
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Esses resultados levam a crer que há maior gasto de energia na formação das
gemas e de maior número de primórdios, o que pode estar levando ao esgotamento
das reservas nutricionais das plantas. Na cv. Nijisseiki, o número máximo de
primórdios observados ocorreu em Pelotas-RS (região com menor acúmulo de horas
de frio), com até 31 primórdios florais por gema, e não raro a ocorrência de 20
ou mais primórdios por gema. O esperado seria entre 7 e 8 primórdios florais
por gema.
Nesse estudo, como foi visto, verificou-se um grande número de primórdios
florais por gema, especialmente nas cvs. asiáticas, fato acompanhado pela
ocorrência de duplicação ou bifurcação de inflorescências, e mais freqüente nas
regiões de Pelotas e Vacaria. Isto coincidiu também com índices de abortamento
a campo bastante elevados em Pelotas. Entretanto, em São Joaquim, as
inflorescências tiveram menor número de primórdios, e índices menores de
abortamento, possivelmente influenciado por condições climáticas mais adequadas
desde a indução à diferenciação floral, pois, nesta região, as temperaturas
máximas médias foram inferiores em comparação aos dois outros locais (Fig._4).
A duplicação da inflorescência e o grande número de primórdios, como tem sido
verificado, podem ser uma resposta da planta às altas temperaturas durante o
verão e o outono, ou às freqüentes oscilações de temperatura durante o período
de dormência, principalmente nas regiões de Pelotas e Vacaria. Selli et al.
(1985) atribuíram as causas de abortamento em pessegueiros e nectarineiras, na
Itália, à condição climática, principalmente pelas elevadas temperaturas no
outono seguidas de abrupta redução.
Aparentemente, o frio exerce função importante na ocorrência de abortamento em
pereira, mesmo que não seja o principal fator causal. O frio pode ter ação
indireta, isto porque sua ocorrência afeta o metabolismo da planta. O maior
número de primórdios formados também pode ser decorrente da qualidade de frio,
pois, em São Joaquim, além de haver maior acúmulo de frio, o mesmo inicia-se
mais cedo e com maior intensidade (Tab._2), possibilitando a suficiente redução
do metabolismo e crescimento. O mesmo não ocorre em Pelotas, onde, além de
haver menor acúmulo de frio, o seu início é mais tardio e gradual, não havendo,
assim, a suficiente redução no metabolismo das plantas a fim de possibilitar
uma dormência satisfatória.
Em damasqueiros, a necrose de gemas florais é mais freqüente em invernos com
diferentes acúmulos de frio e em distintos estádios fenológicos. Além da queda
de gemas, que é mais freqüente antes do florescimento, há ocorrência de flores
com anomalias, sendo que os danos foram atribuídos às condições climáticas do
inverno, que não possibilitaram o suficiente acúmulo de frio e a adequada
formação das gemas florais (Guerriero et al., 1985). Segundo estes autores, uma
hipótese seria que o início de inverno ameno não permite a acumulação de frio
suficiente, e promove um crescimento lento em todas as gemas, e, em geral, as
plantas em dormência não suportam este crescimento.
A dinâmica de carboidratos, segundo Gardin (2002), em Pelotas, é diferente da
verificada em São Joaquim, pois ocorre uma diminuição do amido, sem,
entretanto, aumentar os sólidos solúveis, no inverno. Isso se deve à manutenção
de altas taxas respiratórias. Este fato pôde ser confirmado por Verissimo
(2002), quando encontrou altos níveis de boro nas gemas, durante o inverno, em
Pelotas, o que é um indício de que as plantas não reduzem suficientemente seu
metabolismo. Segundo Faust (1989), altos níveis deste microelemento estão
associados ao aumento da taxa respiratória.
No experimento referente a épocas de coletas, verificou-se que, na 'Kieffer',
houve gradual aumento no comprimento das gemas e das inflorescências (Tab._3).
A medida do comprimento das inflorescências permitiu diferenciar as cultivares,
quanto à época de retomada do desenvolvimento floral final, sendo o híbrido
'Kieffer' mais precoce comparado às cvs. Nijisseiki e Housui. Observou-se não
ocorrer variação quanto ao número de primórdios entre as diferentes épocas em
todas as cultivares.
Entre cultivares, observou-se que o número de primórdios florais por gema foi
maior nas 'Nijisseiki' e 'Housui' comparado à cv. Kieffer. Quanto ao
comprimento das gemas, a 'Kieffer' apresentou os maiores valores, mas, por
outro lado, teve menor peso seco de inflorescência. As gemas dessa cultivar
geralmente são mais compridas e afiladas que as gemas da 'Nijisseiki' e
'Housui'. O peso seco das inflorescências nas cvs. asiáticas foi maior que na
'Kieffer', provavelmente em função do maior número de primórdios (Tab._3).
Na cv. Kieffer, ocorre, provavelmente, devido à melhor distribuição das
reservas nutricionais pela formação de menor número de primórdios florais por
gema, conduzindo a um menor índice de abortamento, como pode ser observado nos
resultados, onde os primórdios são mais vigorosos (Fig._3c). Raramente,
observou-se na 'Kieffer' a duplicação da inflorescência, pouco desenvolvida,
debilitada e com sinais de necrose (Fig._3d).
Durante as análises das gemas, foram observadas, mais freqüentemente em
Pelotas, principalmente nas cvs. asiáticas, a ocorrência de algumas alterações
em nível de primórdios florais, como abscisão (Fig._3e), deformações (Fig._3f),
necrose de pistilo (Fig._3g) e escurecimento de anteras e feixes vasculares.
Este resultado indica que esta região pode ser considerada marginal para o
cultivo de cultivares de pereira com alta exigência em frio.
A formação de zona de abscisão na base dos primórdios florais é um indício de
que algum tipo de estresse esteja envolvido. Possivelmente, seja por esse
mecanismo que as gemas abortadas se desprendem quando tocadas. Segundo Taiz
& Zieger (1991), os níveis endógenos de etileno aumentam em condições de
estresse ambiental e abscisão.
Em relação à necrose de pistilo nas gemas, sintoma semelhante foi descrito em
pessegueiro por Crossa-Raynaud et al. (1985), bem como outras anomalias em
flores. A malformação é diferente da necrose e pode ser originada ainda no
outono, e estar relacionada à fase de diferenciação floral, enquanto a necrose
pode ser em função de competição por reservas nutricionais. Estes sintomas
podem ser causados por inverno ameno ou por altas temperaturas na fase que
antecede o fim da dormência.
CONCLUSÕES
1. O aumento no número de primórdios florais por gema é decorrente da
duplicação da inflorescência e contribui para os altos índices de abortamento
de gemas florais, nas cvs. Nijisseiki e Housui, principalmente na região de
Pelotas.
2. O maior número de primórdios florais por gema ocorre com maior freqüência
nas cultivares asiáticas, sendo acompanhados de deformações, necrose de
pistilo, abscisão, escurecimento de anteras e feixes vasculares.
3. Nas regiões como em São Joaquim, em Santa Catarina, onde a pereira apresenta
melhor adaptação, verifica-se melhor formação da estrutura floral.
4. O comprimento das inflorescências permitiu diferenciar as cultivares quanto
à época de retomada do desenvolvimento floral final, sendo o híbrido 'Kieffer'
mais precoce comparado às cvs. Nijisseiki e Housui.