Análise da florística e estrutura de floresta primária visando a seleção de
espécies-chave, através de análise multivariada, para a restauração de áreas
mineradas em unidades de conservação
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1. INTRODUÇÃO
Uma unidade de conservação é uma área de proteção ambiental legalmente
instituída pelo poder público nas suas três esferas (federal, estadual e
municipal), sendo reguladas pela Lei no. 9.985, de 2000, que instituiu o
Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC) com o objetivo de conservar
a biodiversidade e outros atributos naturais neles contidos, com o mínimo de
impacto. São divididas em dois grandes grupos: unidades de proteção integral
(cinco tipos) e unidades de uso sustentável (sete tipos). As Florestas
Nacionais (Flonas), incluídas neste último grupo, são de posse e domínio
públicos e constituídas de áreas com cobertura florestal de espécies nativas
que têm como objetivos básicos o uso múltiplo e sustentável dos recursos
florestais e a pesquisa científica (http://www.icmbio.gov.br/menu/unidades-de-
conservacao acesso em: 21 dez. 2010).
A descoberta de bauxita (principal matéria-prima utilizada na produção de
alumina (Al2O3) e do alumínio metálico) na região de Trombetas data de 1966,
com volume de reservas estimado em 800 milhões de toneladas distribuído em
vários platôs da Floresta Nacional Saracá-Taquera/ICMBio (LAPA 2000). Em agosto
de 1979, a Mineração Rio do Norte-MRN iniciou as operações de lavra da bauxita,
na referida Flona, cujas etapas abrangem o desmatamento, decapeamento,
escavação, carregamento, transporte e restauração das áreas mineradas. A lavra
do minério, que se encontra entre 4-10 m de profundidade, em área coberta pela
floresta ombrófila densa que tem que ser completamente suprimida, é feita a céu
aberto. Trata-se de uma floresta que se destaca no bioma amazônico por
apresentar grande riqueza e diversidade arbórea com elevados valores de
biomassa e grande volume de madeira, sobretudo aquelas de valor comercial
(RADAMBRASIL, 1976). Antes da operação de desmatamento (corte raso), a empresa
tem que avaliar quali e quantitativamente a vegetação florestal para
possibilitar o aproveitamento de toda a madeira comercial e, também, subsidiar
as ações de recuperação florestal das áreas desmatadas. As técnicas
silviculturais e ecológicas empregadas pela empresa para a restauração
florestal das áreas mineradas vêm sendo desenvolvidas desde a década de 1980 e
não seguiram nenhuma orientação formal das instituições ambientais dos poderes
públicos federal, estadual e municipal.
Ao conjunto dos processos utilizados para recompor ecossistemas, tendo em vista
as condições iniciais naturais, as alterações registradas e os prognósticos
resultantes do monitoramento denominam-se restauração ambiental; no caso de uma
floresta, tem-se a restauração florestal. Restauração de acordo com Rodrigues
et al. (2009) é o retorno de uma condição perturbada ou totalmente alterada a
um estado anterior existente naturalmente. Moscatelli et al. (1993) afirmaram
que a restauração refere-se ao retorno a um estado preexistente sem,
necessariamente, que o sistema retorne às suas características originais.
Segundo Carpanezzi et al. (1990), ecossistema degradado é aquele que, após
distúrbios, teve eliminado, juntamente com a vegetação, os seus meios de
regeneração bióticos como o banco de sementes, banco de plântulas, chuva de
sementes e rebrota; apresentando, portanto, baixa resiliência, isto é, seu
retorno ao estado anterior pode ou não ocorrer ou ser extremamente lento.
Nesses ecossistemas degradados, a ação antrópica para a recuperação é
necessária, pois eles já não mais dispõem dos eficientes mecanismos de
regeneração. Nos processos de recuperação podem ser usadas duas técnicas
distintas: restauração e reabilitação. Segundo Viana (1990), a restauração
refere-se ao conjunto de tratamentos que visam recuperar a forma original do
ecossistema, ou seja, a sua estrutura, dinâmica e interações biológicas, sendo
recomendada para ecossistemas raros e ameaçados que demandam maior tempo e
resultam em custos elevados. Os plantios de enriquecimento e a indução da
regeneração natural têm sido as práticas mais recomendadas para a recuperação
de fragmentos degradados (SALOMÃO et al., 2007a), podendo ainda, segundo
Rodrigues e Gandolfi (2000), ser utilizadas em áreas muito degradadas e que não
conservam nenhuma das características bióticas da formação original.
Geralmente, o ecossistema que requer restauração foi transformado, danificado,
degradado ou totalmente destruído como resultado direto ou indireto de
atividades humanas (SER, 2004). De acordo com Vieira et al. (1993), a
degradação pode ser ambiental (ou ecológica) ou degradação da capacidade
produtiva (BRIENZA JÚNIOR et al., 1995). A restauração ecológica envolve o
atendimento a pelo menos nove atributos listados em Ser (2004). Entre esses,
destacam-se que o ecossistema restaurado deve conter um conjunto característico
de espécies-chave que ocorrem no ecossistema de referência, fornecendo uma
estrutura apropriada de comunidade e, também, que seja constituído do maior
número possível de espécies nativas.
Os platôs da Flona Saracá-Taquera/ICMBIO, em especial o platô Saracá, objeto
deste estudo, podem ser considerados como o extremo da degradação antrópica,
pois todas as propriedades físicas, químicas, biológicas e ecológicas do novo
ecossistema artificial formado, após a lavra da bauxita, foram intensamente
alteradas ou destruídas, acarretando profunda instabilidade de todo
ecossistema.
Na base da definição dos métodos adequados para a restauração ecológica dos
ecossistemas, duas questões são essenciais para seu sucesso, independentemente
do método selecionado: qual espécie plantar e quanto plantar de cada uma de
modo a recobrir o solo e restaurar os processos ecológicos em menos tempo, com
menores perdas e menor custo. A identificação de espécies-chave, que são
aquelas que controlam a estrutura da comunidade devido à sua abundância,
distribuição espacial, biomassa, porte ou cobertura e que influenciam na
ocorrência das demais espécies associadas, é de fundamental importância para o
sucesso da restauração florestal em áreas degradadas, principalmente pela
mineração a céu aberto. No entanto, não existe nenhum estudo para a Amazônia
que indique quais espécies empregar e quanto plantar de cada uma delas,
fundamentado em uma análise científica e amparado por modelos estatísticos
robustos.
Um importante instrumento da ecologia de comunidade é a análise multivariada,
que trata todas as variáveis simultaneamente, sumarizando os dados e revelando
a sua estrutura com a menor perda de informações possível (GAUCH, 1982; PIELOU,
1984). Diferentemente da estatística clássica, que possibilita o teste de
hipótese, as análises multivariadas se prestam mais a investigar os dados e
gerar hipóteses (GAUCH, 1982; OLIVEIRA FILHO et al., 1994). Recentemente, as
análises multivariadas tornaram-se instrumentos acessíveis, apesar de há muito
conhecidas (GOODALL, 1954). Muitos estudos em comunidades vegetais utilizam
como base esse tipo de análise, seja para agrupar amostras, classificar tipos
de formações, relacionar variáveis ambientais a diferenças na comunidade ou,
mesmo, para definir prioridades para a conservação (TAGGART, 1994; OGUTU, 1996;
LA ROI, 1992; KAPPELLE et al., 1995). A análise multivariada foi empregada por
Toledo et al. (2009) para a caracterização fitossociológica em vegetação de
Cerrado no Norte de Minas Gerais. Santos et al. (2007) analisaram a riqueza e
similaridade florística de fragmentos florestais no Norte de Minas Gerais,
baseados no dendrograma e na distância euclidiana entre as parcelas, calculada
a partir da matriz de correlação entre as variáveis selecionadas. Poucos, no
entanto, tratam simultaneamente vários tipos de formações vegetais por métodos
de análise multivariada. Silva e Shepherd (1986) estabeleceram relações entre
diferentes amostras de Mata Atlântica e Floresta Amazônica, utilizando a
análise de agrupamento em nível de gêneros. Alguns estudos mais recentes com
abordagem em análise multivariada foram desenvolvidos por Oliveira-Filho e
Fontes (2000) e Scudeller et al. (2001) na Mata Atlântica do Sudeste
brasileiro. Oliveira (1997) investigou, através de métodos de análise
multivariada, os dados disponíveis em literatura sobre a composição e estrutura
das florestas de terra firme da Amazônia, procurando verificar a existência de
relações florísticas e padrões na estrutura desse ecossistema.
Objetivou-se neste trabalho determinar a abundância, frequência, dominância,
biomassa aérea viva, volume de madeira e respectivo valor comercial, além de
determinar o número de usos e utilidades dos produtos florestais não
madeireiros - PFNM das espécies arbóreas da floresta inventariada, para o
cálculo do índice fitossociológico e socioeconômico (IFSE), obtido por técnicas
de análise multivariada, para posterior hierarquização das espécies em três
categorias previamente estabelecidas: predominância alta, média e baixa. Foi
sugerida a densidade de plantio das espécies de predominâncias alta e média,
consideradas como espécies-chave. A estrutura diamétrica dos indivíduos das
espécies-chave foi também analisada, assim como o seu estágio sucessional. Uma
breve análise da composição florística da floresta foi também descrita. O uso
do índice poderá auxiliar na tomada de decisão de quais espécies arbóreas serão
prioritárias nos trabalhos de restauração florestal em Áreas de Preservação
Permanente (APP) e áreas de Reserva Legal (RL) que, com o advento do cadastro
ambiental rural, obriga os proprietários e detentores de posses a recuperar o
passivo ambiental em suas terras (APP e, ou, RL) e que, no caso da Amazônia,
varia dentro do mesmo Estado, dependendo do zoneamento ecológico-econômico, de
50% a 80% do total da área.
2. MATERIAL E MÉTODO
2.1. Caracterização da área de estudo e das unidades amostrais
O estudo foi desenvolvido no platô Saracá (altitude média de 180 m) da Flona
Saracá-Taquera (01º45'16,0" S - 056º23'09,4" W), subordinada ao Instituto Chico
Mendes de Biodiversidade-ICMBIO, onde é desenvolvido o projeto de mineração de
bauxita da MRN, no distrito de Porto Trombetas, Município de Oriximiná, Estado
do Pará. A área acha-se inserida na Região da Floresta Ombrófila Densa, Sub-
Região dos Baixos Platôs da Amazônia, domínio da floresta densa das baixas
altitudes (submontana), cuja fisionomia se refere à floresta localizada
principalmente nos platôs terciários e terraços antigos e recentes,
apresentando-se em dois estratos distintos: um emergente e outro uniforme
(IBGE, 1992). As principais espécies que caracterizam o estrato emergente são:
Dinizia excelsa (angelim-pedra), Bertholletia excelsa (castanheira) e
Cedrelinga catanaeformis (cedrorana). O estrato uniforme é caracterizado por
Manilkara spp (maçarandubas), Protium spp (breus) e Pouteria spp (abius).
Trata-se de florestas com alto volume de madeira de grande valor comercial,
quando comparadas com outras áreas florestais da Amazônia, que são das mais
imponentes, com sub-bosque limpo, boa regeneração natural e fácil penetração
(RADAMBRASIL, 1974).
Na bacia amazônica, os depósitos de bauxita são associados à série Barreiras do
Terciário, constituídos de arenitos, siltitos e ocasionalmente conglomerados
(LAPA, 2000). As lateritas são encontradas no topo dos platôs, fortemente
dissecados pela erosão, remanescentes do peneplano Terciário, que se estende ao
longo do lado Nordeste do rio Amazonas, desde as vizinhanças de Oriximiná até
Jardilândia, no rio Jari (LAPA, 2000). Esses platôs são bem definidos, têm os
topos planos, achatados, cuja elevação varia de 70 a 120 m, com altitude de 150
a 200 m em relação ao nível do mar.
O inventário florestal foi realizado em uma área de 1.321 ha do platô Saracá,
onde foram distribuídas 315 parcelas (0,25 ha), que totalizaram 78,75 ha,
implicando intensidade amostral de 5,96%. A unidade amostral empregada possuía
a forma retangular com 10 m de largura por 250 m de comprimento (0,25 ha).
Nessas parcelas foram identificados e medidos os diâmetros de todas as árvores
e palmeiras com DAP (diâmetro a 1,30 m do solo) > 10 cm. A altura do fuste foi
estimada através de uma vara com 5 m de comprimento. As espécies registradas
foram identificadas e classificadas pelo sistema de Cronquist; aquelas que
apresentaram material fértil, este foi coletado e depositado no herbário do
MCT/Museu Emílio Goeldi.
2.2. Processo de amostragem e variáveis analisadas
O processo de amostragem utilizado no inventário florestal foi baseado na
amostragem sistemática, também conhecida como seleção mecânica, em que as
unidades amostrais são selecionadas segundo um rígido e predeterminado esquema
que procura cobrir toda a comunidade. A vantagem mais importante da amostra
sistemática, quando aplicada em florestas primárias, é que as unidades
amostrais se distribuem mais uniformemente na área a ser inventariada,
originando maior representatividade e tornando-se eficiente para detectar
tendência ou concentração de certas características, assim como é mais precisa
na observação das variáveis tipológicas (CAMPOS; LEITE, 2002).
A estrutura horizontal da floresta foi caracterizada através das variáveis
fitossociológicas incluídas na análise fatorial, como abundância (NI),
frequência (FQ) e área basal/dominância (AB) das espécies registradas nas
parcelas da amostra. Além dessas variáveis, foram incluídas na construção do
índice uma variável relativa à biomassa dos indivíduos das espécies (Y), uma
variável econômica relativa ao valor comercial da madeira em pé de cada espécie
(VCM) e uma variável socioeconômica que abrangeu o uso e utilidade expressos
através da quantidade de produtos florestais não madeireiros da espécie (PFNM).
A biomassa aérea viva (Y, peso seco, em kg) dos indivíduos das espécies foi
estimada através da equação alométrica em função do diâmetro a 1,30 m do solo
(D, em cm), Y = 38,4908 - 11,7883D + 1,1926D2 (r2 = 0,78), proposta por Brown
et al. (1989), para indivíduos com DAP ? >10 cm. No caso da variável econômica
(VCMr), multiplicou-se o volume comercial total (m3) da espécie pelo respectivo
valor da madeira em tora e em pé (R$/m3), de acordo com a Instrução Normativa
Nº 02/2010, do Instituto de Desenvolvimento Florestal do Estado do Pará
(IDEFLOR, 2010). A variável socioeconômica, referente ao uso/utilidade da
espécie, quantificou o número de aplicações (PFNM) de cada espécie em: alimento
para o homem (AH), espécie medicinal (ME), produção de corante (CO), produção
de essência aromática (EA), produção de fibra (FI), produção de látex (LA),
produção de óleos essenciais (OE), produção de resina (RE) e produção de
substância venenosa (VE), de acordo com Salomão et al. (1995), Shanley e Medina
(2005), Shanley e Rosa (2005) e Salomão et al. (2007b).
2.3. Modelo Analítico
2.3.1. Índice fitossociológico e socioeconômico
O modelo do índice fitossociológico e socioeconômico (IFSE), analisado neste
trabalho, é uma função de seis variáveis quantitativas e de igual número de
variáveis qualitativas expressas pelas respectivas variáveis dummy (VD):
IFSE = f(NIr, NIr - VD, FQr, FQr - VD, ABr, ABr - VD, Yr, Yr - VD, VDCMr, VDCMr
- VD, PFNMr, PFNMr - VD)
obtendo-se as variáveis abundância relativa (NIr), frequência relativa (FQr),
área basal/dominância relativa (ABr), biomassa relativa (Yr), valor comercial
da madeira em tora e em pé relativa (VCMr), quantidade de produtos florestais
não madeireiros relativa (PFNMr) e variável dummy (VD).
Variáveis quantitativas: NIr = (nº de indivíduos da espécie / nº de indivíduos
de todas as espécies) * 100; FQr = (nºde parcelas de ocorrência da espécie /
soma do nº total de parcelas de ocorrência de todas as espécies) * 100; ABr =
(área basal da espécie / área basal de todos as espécies) * 100; Yr = (biomassa
aérea viva em pé da espécie / biomassa aérea viva em pé de todas as espécie) *
100; VCMr = (valor comercial da madeira em tora e em pé da espécie / valor
comercial da madeira em tora e em pé de todas as espécies) * 100; PFNMr =
(quantidade de usos ou utilidades da espécie / soma das quantidade de usos ou
utilidades de todas as espécies) * 100.
Variáveis qualitativas: adicionalmente, definiu-se para cada uma dessas
variáveis uma variável qualitativa (variável dummy, variável binária ou
variável artificial), para captar a influência das espécies em que pelo menos
50% dos valores das variáveis envolvidas constavam na amostra. Considerando,
por exemplo, a variável abundância, procedeu-se da seguinte forma: i) após a
hierarquização decrescente da abundância das espécies (do maior para o menor
valor da variável), efetuou-se a soma do número total de indivíduos de cada
espécie até atingir 50% do total de indivíduos de todas as espécies; as
espécies aí incluídas receberam valor 1 na variável dummy, enquanto as demais,
valor zero; e ii) procedimento análogo foi feito com todas as demais variáveis.
Normalmente, essas variáveis constituem número pequeno em relação ao tamanho da
amostra.
2.3.2. Análise fatorial
Utilizou-se a técnica de análise fatorial para analisar as relações entre as
variáveis fitossociológicas, econômicas e sociais extraídas das espécies
arbóreas da floresta ombrófila densa, determinar as dimensões latentes
representativas e testar o índice fotossociológico e econômico (IFSE) referido
na seção anterior.
O modelo de análise fatorial, conforme Santana (2005, 2007) e Santana et al.
(2009), foi utilizado para definir as dimensões latentes comuns, ou fatores
comuns, a partir da estrutura de inter-relações apresentadas entre as variáveis
quantitativas e qualitativas da amostra de dados utilizada neste trabalho.
A expressão matemática que especifica o modelo geral de análise fatorial,
conforme apresentado em Dillon e Goldstein (1984), é dada por:
em que: X = é o vetor (p x 1) de variáveis observáveis, com E = X ≡θe var (X) ≡
Σ; F = é o vetor (q x 1) de fatores comuns,Λ= é a matriz (p x q) de cargas
fatoriais, assumindo q < p;εé o vetor (p x 1) de erros aleatórios ou fatores
únicos.
As cargas fatoriais geradas a partir da solução inicial do modelo de análise
fatorial podem não representar um padrão significativo, caso não se consiga uma
ortogonalidade perfeita entre elas. Para corrigir esse problema, conforme
Dillon e Goldstein (1984) e Johnson e Wichern (1992), adotou-se o método da
rotação ortogonal varimax dos fatores pela simplicidade e, geralmente, por
melhorar os resultados do modelo fatorial estimado (STATA 12, 2011). Na
extração dos fatores, utilizou-se a técnica da análise de componentes
principais, por não apresentar restrição com relação à normalidade multivariada
dos dados e pelo fato de a solução encontrada ser única para o modelo estimado
(HAIR et al., 2005; SANTANA, 2004, 2005).
Para a definição do índice fitossociológico e socioeconômico, procedeu-se
conforme Santana (2007), a partir da estimação dos escores fatoriais. Assim,
para cada fator extraído Fj, o i-ésimo escore fatorial é definido por Fij,
expresso como em Dillon e Goldstein (1984):
[/img/revistas/rarv/v36n6/01s02.jpg]
em que os bi são os coeficientes de regressão estimados para os n escores
fatoriais comuns e Xij são as n observações das p variáveis observáveis,
padronizadas pelo método Z-score, que apresenta distribuição com média 0 e
variância igual a 1.
No IFSE, o escore fatorial (Fi) foi padronizado pela amplitude para se obter
valores positivos dos escores originais para variar entre 0 e 1 (FPi) e
permitir a hierarquização das espécies. A fórmula matemática é a seguinte:
[/img/revistas/rarv/v36n6/01s03.jpg]
em que, Fmin e Fmax são os valores máximo e mínimo observados para os escores
fatoriais associados às variáveis (ABR, FRR, DOR, ABR-VD, FRR-VD e DOR-VD) das
898 espécies. O IFSE foi definido conforme Santana (2007; 2008):
[/img/revistas/rarv/v36n6/01s04.jpg]
em que l é a variância explicada por cada fator e Sl é a soma total da
variância explicada pelo conjunto de fatores comuns extraídos.
Na análise fatorial, as variáveis explicativas Xi (i=1, 2,...,n) são
quantitativas e qualitativas. A variável de natureza qualitativa incluída na
análise teve a missão de identificar a importância de algumas espécies na
amostra. Para isso, atribuiu-se valor 1 para indicar a presença da
característica de interesse e valor 0 para revelar a ausência do fenômeno. Os
fenômenos analisados, cuja variável dummy foi igual a 1, referem-se àquelas
espécies que, ocupando as primeiras posições em um rol decrescente de
abundância, frequência, dominância, biomassa, valor comercial da madeira e
quantidade de PFNM absolutos, perfazem, individualmente, mais de 50% do valor
total de cada uma dessas variáveis. Por exemplo, a abundância absoluta total
foi de x indivíduos; após a hierarquização decrescente das espécies, do maior
para o menor valor dessa variável, procedeu-se à soma do número de indivíduos
de cada espécie até se atingirem 50% do total de x, e as espécies aí incluídas
receberam valor 1 na variável dummy, enquanto as demais, valor zero;
procedimento análogo foi feito com as demais variáveis..
Para aferir a adequação do método à amostra de dados foram aplicados dois
testes: (i) teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), que se baseia no princípio de
que a inversa da matriz de correlação se aproxima da matriz diagonal, para
tanto compara as correlações entre as variáveis observáveis (HAIR et al.,
2005); e (ii) teste de esfericidade de Bartlett, que avalia a significância
geral da matriz de correlação, ou seja, testa a hipótese nula de que a matriz
de correlação é uma matriz identidade (DILLON; GOLDSTEIN, 1984; GAMA et al.,
2007). Os resultados foram obtidos por meio dos softwares SPSS Statistics
17.0TM e Microsoft ExcelTM.
2.3.3. Ranqueamento das Espécies
Para facilitar a interpretação dos resultados, foram estabelecidos três
intervalos de predominância ecológica e socioeconômica, obtidos pela diferença
entre o maior e o menor valor calculado do índice (IFSE), dividida por 3, aqui
denominada amplitude de ranqueamento (AR). Espécies de alta predominância foram
aquelas situadas no intervalo do maior valor do índice calculado subtraído da
amplitude de ranqueamento, enquanto as espécies com predominância baixa,
aquelas que se encontravam no intervalo do menor valor acrescido da amplitude
de ranqueamento. As espécies cujos valores se situavam entre o valor mínimo do
índice mais a amplitude de ranqueamento e o valor máximo do índice menos a
amplitude de ranqueamento foram classificadas como de predominância
intermediária.
3. RESULTADOS
Foram registrados, nas 315 parcelas do inventário florestal, num total de 78,75
ha e intensidade amostral de 5,96%, no platô Saracá, da Floresta Nacional
Saracá-Taquera/ICMBIO, 36.298 indivíduos (DAP > 10 cm), totalizando 898
espécies, distribuídas em 62 famílias.
3.1. Índice fitossociológico e socioeconômico - IFSE
No presente estudo a adequação da análise fatorial foi dNeste estudo, a
adequação da análise fatorial foi determinada pelos testes Bartlett e KMO. O
teste de Bartlett avaliou a significância geral da matriz de correlação e
apresentou o valor de 15.251,41, indicando que as correlações, em geral, são
significativas a 1% de probabilidade, ou seja, a matriz de correlação não é
diagonal. O teste KMO, da ordem de 0,729, indicou que as variáveis estão
correlacionadas, e o modelo fatorial apresentou bom nível de adequação aos
dados. Esses resultados respaldam o emprego da análise fatorial para a extração
de fatores e a estimação dos escores fatoriais.
Os resultados da solução inicial foram rotacionados para os três fatores
predeterminados, visando confirmar a adequação dos resultados com relação à
significância das cargas fatoriais estimadas. Aplicando-se o critério da raiz
latente (DILLON; GOLDSTEIN, 1984), três componentes foram extraídos. Observou-
se que os três fatores extraídos explicaram, juntos, 79,083% da variância total
da nuvem de dados, e, em termos individuais, a componente 1 explicou 33,977% da
variância total; a componente 2, 30,597%; e a componente 3, 14,509% (Tabela_1).
A comunalidade mostra o grau em que a variância de cada variável é explicada
pelos fatores comuns. A comunalidade foi superior a 0,64, indicando que, pelo
menos, 64% da variância de cada variável foi explicada pelos três fatores
comuns extraídos na análise fatorial. Isso significa que a variância única é
reduzida, sendo o modelo adequado para expressar o fenômeno estudado por meio
das dimensões latentes extraídas do modelo.
O IFSE calculado para cada uma das espécies variou de 0,099% a 0,392% e,
consequentemente, a amplitude total de 0,293%, dividida por 3, resultou em
amplitude de ranqueamento (AR) de 0,098%, que gerou os três intervalos
preestabelecidos quanto à predominância ecológica e socioeconômica das espécies
em categorias alta (0,392% a 0,294%), média (0,293% a 0,198%) e baixa (0,197% a
0,099%). Neste estudo, uma espécie foi classificada como de alta predominância,
24 como média e as demais 873 espécies como de baixa predominância. A relação
das espécies classificadas como de alta e de média predominância é apresentada
na Tabela_2.
3.2. Estrutura diamétrica da floresta e das espécies-chave
A distribuição do número de indivíduos em classes diamétricas de todas as 898
espécies registradas na amostragem e a das 25 espécies-chave selecionadas pelo
índice são bem semelhantes (Figura_1). Apenas nas duas primeiras classes o
percentual de indivíduos das espécies-chave é menor; nas classes de 30 cm a 170
cm os percentuais são ligeiramente superiores e nas classes acima de 170 cm são
iguais, à exceção da classe de 210 cm a 219,9 cm em que as espécies-chave não
apresentaram árvores.
[/img/revistas/rarv/v36n6/01f01.jpg]
3.3. Indicação da densidade de plantio
A quantificação do número de mudas a ser plantado das espécies-chave nas áreas
anuais de restauração florestal, foi obtido do inventário florestal executado
antes da supressão da vegetação (corte raso), através da estimativa da
abundância (absoluta e relativa) partindo-se da premissa que: i) o percentual
de mudas deverá ser 10% superior àquele registrado no inventário, face à muito
provável mortalidade futura, ii) nenhuma espécie deverá exceder a 20% do total
de mudas plantadas por unidade de área (Resolução SMA 47 de 2003) e iii) quando
o número de mudas calculado de uma determinada espécie-chave for inferior a 10
mudas.ha-1 este á ser arredondado para este limite (Tabela_3).
O número de mudas efetivo a plantar das 25 espécies-chave selecionadas foi de
612.ha-1 (Tabela_3)., ou seja, 36,7% do total de 1.667 mudas.ha-1 previstas
pelo PRAD da empresa. As demais 1.055 mudas.ha-1 deverão ser complementadas por
no mínimo 55 outras espécies entre as demais 873 que foram registradas no
inventário. Entre as 25 espécies selecionadas pelo índice, 11 apresentaram
número calculado de mudas a plantar inferior a 10 mudas.ha-1.
3.4. Estágio sucessional das espécies-chave
Considerou-se como do grupo de pioneiras as espécies que se desenvolvem a pleno
sol (PS) e o de não-pioneiras as tolerantes a sombra (TS), que são aquelas que
necessitam de luz difusa durante toda sua vida ou apenas durante a fase
juvenil, como a maioria das espécies climácicas. As espécies do sub-bosque
foram consideradas, neste trabalho, como sendo aquelas que não atingem o dossel
da floresta; apenas uma das espécies-chave encontrava-se nesta categoria, as
demais foram classificadas como climácicas (Tabela_3). No grupo das tolerantes
foram selecionadas 18 espécies-chave cuja densidade de plantio conjunta atingiu
32,5% do total de 1.667 mudas·ha-1 a plantar. No grupo das espécies de pleno
sol foram selecionadas sete, perfazendo 4,2% do total de mudas a plantar
(Tabela_3).
3.5. Florística
A florística é a parte da fitogeografia que trata particularmente das famílias,
gêneros e espécies vegetais que ocorrem em uma determinada região. A maior
riqueza de espécies foi apresentada por Sapotaceae (110 espécies), Mimosaceae
(58), Chrysobalanaceae (49), Lauraceae e Myrtaceae (48 cada), Annonaceae (47),
Fabaceae (46) e Moraceaee (40); estas oito famílias apresentaram, em conjunto,
praticamente a metade do número total de espécies (49,7% do total ou 446
espécies); 13 famílias (ou 21% do total) ocorreram com apenas uma espécie.
Considerando-se Leguminosae (sensu lato), esta seria a de maior riqueza com 135
espécies. Sapotaceae foi também a família que apresentou o maior valor de
abundância (5.684 indivíduos), seguindo-se Violaceae (4.921), Lecythidaceae
(3.375), Annonaceae (1.892), Burseraceae (1.611), Mimosaceae (1.516) e
Euphorbiaceae (1.515); estas sete famílias responderam por 56,5% do total de
espécimes (ou 20.514). Considerando-se Leguminosae (sensu lato) esta seria a
terceira mais abundante, com 3.413 indivíduos.
As espécies de maior abundância na amostragem foram Rionorea riana com 3.249
indivíduos, Rinorea racemosa (1.138), Eschweilera amazonica (1.053),
Eschweilera coriacea (958), Geissospermum sericeum (846), Oenocarpus bacaba
(725), e Eschweilera grandiflora (703); estas sete espécies (ou 0,78% do total)
ocorreram com 9.587 indivíduos (ou 26,4% do total); no outro extremo, 140
espécies (ou 15,6% do total) ocorreram com apenas um indivíduo.
Nenhuma espécie ocorreu em todas as 301 unidades amostrais consequentemente,
nenhuma apresentou 100% de frequência. As maiores frequências foram registradas
para Geissospermum sericeum (290 parcelas de ocorrência), Eschweilera coriacea
(287), Eschweilera amazonica (283), Rinorea riana (271), Eschweilera
grandiflora (261), Oenocarpus bacaba (258) e Rinorea racemosa (254). Estas
espécies, com frequência entre 80% e 92% do total de parcelas, sem dúvida
apresentam distribuição uniforme em toda a área do platô. Entretanto, outras
151 espécies (ou 16,8% do total) que ocorreram em apenas uma parcela em toda a
amostragem têm distribuição aleatória.
Entre as espécies-chave, as famílias com maior riqueza foram Sapotaceae (7
espécies), Lecythidaceae (3) e Caesalpiniaceae, Fabaceae e Mimosaceae (2 cada);
as demais nove famílias apresentaram apenas uma espécie (Tabela_2).
Considerando a Leguminosae lato sensu, apenas as três famílias de maior riqueza
(Sapotaceae, Leguminosae e Lecythidaceae) exibiram 64% do total das espécies-
chave (Figura_2). Com relação à abundância, Violaceae, Lecythidaceae e
Sapotaceae responderam por mais de 68% do total de indivíduos das espécies-
chave, respectivamente 29,4%, 24,6% e 14,1% (Figura_2). Apenas os gêneros
Pouteria, Eschweilera, Dipteryx e Hymenaea apresentaram mais de uma espécie,
respectivamente 5, 3, 2 e 2 (Tabela_2).
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4. DISCUSSÃO
4.1. Índice fitossociológico e socioeconômico - IFSE
O índice fitossociológico e socioeconômico foi construído, neste estudo, para
79,083% da variância total explicada pelos três fatores extraídos. Em razão da
significância estatística da análise e da forte aderência aos aspectos teóricos
e práticos refletidos nas dimensões fatoriais econômica, ambiental e social, o
IFSE pode se revelar como importante indicador para a escolha das espécies com
maior potencial de reproduzir essas características nos processos de
restauração florestal de áreas degradadas. O índice dessa solução evidenciou
que 79,083% da variância total é representada pela informação contida na matriz
fatorial da solução, em termos dos três fatores. O índice é considerado bom, e
as variáveis estão, como esperado, estreitamente relacionadas umas com as
outras.
Há de se ressaltar que, todavia, todo índice reflete a subjetividade do seu
propositor e não é recomendável que métodos matemáticos e estatísticos sejam os
únicos parâmetros a serem utilizados para avaliar a adequação ecológica de
espécies para determinada aplicação. A experiência acumulada pela empresa ao
longo do tempo com outras espécies que demonstraram boa adaptabilidade e
desenvolvimento nesses novos ecossistemas artificiais restaurados e a
observância e experimentação de outras espécies potencialmente aptas aos
propósitos da restauração devem, também, ser consideradas na rotina dos
trabalhos e na tomada de decisão.
Os três fatores extraídos através da análise fatorial explicaram praticamente
80% da variância total, ressaltando-se que, em termos individuais, a componente
1 explicou 34%, a componente 2 explicou 31% e a componente 3 explicou 15%. A
componente 1 pode ser compreendida como fator econômico das espécies, em se
considerando que o porte de uma árvore é uma função direta do diâmetro do
tronco e da altura. A área basal e a biomassa, que são uma função do diâmetro,
e o valor comercial da madeira, que é uma função do diâmetro e da altura, estão
inseridas nessa mesma dimensão. Esse fator, considerado o mais importante,
responde por praticamente 34% da variância explicada. A componente 2 pode ser
denominada como fator ecológico das espécies, uma vez que envolveu a
abundância, que informa o número de indivíduos da espécie por unidade de área;
e a frequência, que informa sobre a distribuição espacial dos indivíduos da
espécie na área considerada. Essa dimensão respondeu por cerca de
aproximadamente 31% do total da variância explicada. A componente 3 pode ser
interpretada como fator social das espécies, uma vez que abrangeu os usos e
utilidades delas, entendidos no modelo como o número de produtos florestais não
madeireiros intrínsecos a cada espécie. Esse fator foi responsável por pouco
mais de 14% da variância total explicada.
A seleção das espécies arbóreas a ser usada, independentemente do método de
restauração, é decisiva quando o objetivo é o de procurar aproximar-se ao
máximo da composição florística e da estrutura vertical da floresta primitiva
anteriormente existente na área. Todavia, o plantio inicial não garante, por si
só, a composição desejável, florística e estrutural da futura área revegetada A
escolha das espécies deve ser fundamentada em pesquisas desenvolvidas na
própria área a ser restaurada, se possível, ou em outras similares. No longo
prazo, devem ser considerados vários aspectos para o sucesso da restauração,
entre eles aqueles que procuram garantir a variabilidade genética (MCKAY et
al., 2005).
Neste estudo, em que foram selecionadas 25 espécies com predominâncias alta e
média, considerando-se algumas variáveis fitossociológicas e socioeconômicas
incluídas no índice, houve uma pesquisa de campo intensiva através do
inventário florestal em 315 parcelas (78,75 ha amostrados). Como se comportaram
as espécies selecionadas em relação às variáveis incluídas na construção do
índice?
A abundância informa quantos indivíduos das diferentes espécies existem por
unidade de área. Neste estudo, somando-se as maiores abundâncias, observou-se
que apenas 50 espécies (ou 5,6% do total) responderam por mais de 50% do total
de indivíduos (ou 18.402 espécimes). Essas espécies foram discriminadas no
modelo com uma variável qualitativa de valor 1 por serem aquelas de maior
importância em relação à abundância. Entre as 25 espécies selecionadas pelo
IFSE com predominâncias alta e média, 17 apresentaram essa qualidade com
variável dummy (VD) igual à unidade (Tabela_2). A abundância relativa dessas 25
espécies selecionadas equivaleu a 30,4% da abundância total.
A frequência permite o conhecimento sucinto da distribuição espacial da espécie
na área estudada. Na amostragem, 91 espécies (ou 10,1%) ocorreram com mais da
metade do total do número de parcelas (variável dummy igual a 1), evidenciando
uma tendência a uma distribuição uniforme; dentre estas, 20 foram incluídas
entre as 25 selecionadas através do IFSE (Tabela_2).
A dominância é uma função da área seccional do tronco, cujo diâmetro foi medido
a 1,30 m do solo. A somatória das áreas seccionais dos indivíduos da espécie,
por unidade de área física, é definida como a área basal - importante
ferramenta para compreensão da floresta como um todo e de suas populações.
Apenas 46 espécies (ou 5,1% do total) responderam por mais de 50% da área basal
de todas as espécies. A seleção, através do IFSE, indicou 24 espécies que
apresentaram área basal equivalente a 36,3% do total (Tabela_2).
O valor da biomassa aérea viva das árvores de uma floresta é majoritariamente
representado pelo resultado de pequeno número de árvores de maiores diâmetros.
Entre as 898 espécies amostradas, 43 apresentaram valor cumulativo de biomassa
superior a 50% do total, e o IFSE conseguiu captar 25 dessas espécies (Tabela
2). As 25 espécies selecionadas pelo índice tiveram participação relativa de
37,3% do valor da biomassa para totalidade das espécies.
Entre todas as espécies amostradas, 350 apresentam, atualmente, valor comercial
da madeira e apenas 22, volumes com valores cumulativos superiores a 50% do
total. A seleção, através do IFSE, conseguiu incluir 19 dessas espécies (VD =
1), que representaram, em conjunto, volume comercial equivalente a 48,4% do
total (Tabela_2). Considerando aquelas espécies que foram excluídas pelo índice
como Minquartia guianensis (acariquara), Hymenolobium petraeum (angelim-
aroeira), Aspidosperma auriculatum (carapanaúba), Iryanthera lancifolia
(ucuúba-vermelha), Astronium lecointei (aroeira), Caryocar glabrum
(piquiarana), Cedrela odorata (cedro) e Mezilaurus itauba (itaúba), sugere-se
que, por se tratar de espécies de alto ou médio valor comercial, elas podem, e
devem, ser também priorizadas no mix de espécies a serem plantadas nas áreas de
restauração florestal.
Os produtos florestais não madeireiros (PFNM) são de muita importância,
sobretudo, para as populações tradicionais da Amazônia, no que concerne à
seleção de espécies para restauração florestal; daí terem sido incluídos no
modelo. Essa variável foi analisada quanto ao número de PFNM que cada espécie
apresentava. Setenta e uma espécies apresentaram usos e utilidades entre as 898
registradas, sendo apenas 12 incluídas pelo índice entre as 25 indicadas como
de prioridades alta e média pelo IFSE (Tabela_2). Oportuno se faz esclarecer
que 26 espécies, entre aquelas 71, exibiram mais de um PFNM, sendo três delas
captadas pelo modelo - Hymenaea courbaril (jatobá), Hymenaea parvifolia (jutaí-
vermelho) e Oenocarpus bacaba (bacaba), com quatro, três e dois usos,
respectivamente.
Em síntese, as variáveis quantitativas e qualitativas incluídas no índice e que
envolveram fatores fitossociológicos, econômicos e sociais permitiram definir
25 espécies-chave para o sucesso da restauração florestal sem, no entanto,
excluir a opção de inclusão de outras espécies, uma vez que as legislações
estaduais de alguns estados brasileiros estabeleceram um mínimo de 80 espécies
nos trabalhos com esse objetivo (Resolução SMA-21, Resolução SMA-47 e o Decreto
Nº 31.594, do Estado do Pará). Alguns estudos abordando quais seriam as
espécies florestais que melhor se adaptariam às condições vigentes do
ecossistema antropizado a restaurar, após a remoção da cobertura florestal
original, foram apresentadas por Guedes et al. (1997), Barbosa et al. (1997a),
Barbosa et al. (1997b), Drumond et al. (1997) e Marques et al. (1997).
Segundo Lamb (1994), alguns outros aspectos devem ser considerados durante a
escolha de espécies, como: (i) espécies vegetais de crescimento rápido que
excluam ervas daninhas e gramíneas agressivas; (ii) espécies com baixa
dispersão natural, por exemplo, de sementes grandes; (iii) espécies que
ofereçam alimentação, proteção e possibilidade de aninhamento à fauna
residente; e (iv) espécies raras e ameaçadas de extinção.
Salomão et al. (2002) avaliaram o crescimento anual do diâmetro basal médio de
35 espécies empregadas em áreas de restauração florestal pós-lavra. Foi
calculado o incremento periódico anual (IPA) da espécie, relativo ao
crescimento do diâmetro basal dos indivíduos, gerando-se, a seguir, o IPA médio
da espécie. Quatro espécies foram consideradas como excelentes quanto à aptidão
ecológica, por apresentarem incremento anual superior ao dobro da média geral
(Senna multijuga, Stryphnodendron guianensis, Sclerolobium paniculata e
Tapirira guianensis) e seis espécies foram classificadas como boas (Acacia
polyphylla, Anacardium occidentale, Parkia multijuga, Inga edulis, Eugenia
cumini e Abarema turbinata); outras 18 espécies foram consideradas de aptidão
regular, enquanto sete foram enquadradas como de fraca aptidão. Apenas Parkia
multijuga encontrou-se entre as espécies-chave sugeridas neste trabalho (Tabela
2).
Há de se frisar que, desde o início dos trabalhos de restauração de áreas
degradadas, em 1978, a empresa nunca fez a seleção das espécies e estipulou
previamente a quantidade a plantar de cada uma delas baseada em fundamentação
científica, como a ora proposta. Os plantios baseavam-se naquelas espécies que
apresentavam maior facilidade na coleta de sementes e na produção de mudas.
No contexto da restauração, há de se frisar que todas as espécies são únicas e
relacionadas fitossociologicamente entre si no complexo ecossistema florestal
amazônico. Ao procurar caracterizar as espécies-chave de determinado ambiente,
não se podem excluir da análise as demais, pois, como se sabe, cerca de 1/6 a
1/3 das espécies ocorrem com apenas um indivíduo na totalidade dos estudos
desenvolvidos em florestas primárias da Amazônia. Não fugindo à regra, neste
estudo foi observada a ocorrência de 140 espécies (ou 15,6% do total) com
apenas um indivíduo na amostragem; outras 176 (19,6%) ocorreram com apenas dois
indivíduos, ou seja, 316 espécies (35,2% do total) podem ser consideradas como
localmente raras.
4.2. Estrutura diamétrica das espécies-chave
A distribuição diamétrica em J invertido é uma característica das florestas
primárias multiespecíficas e multiâneas tendo muitos estudos observado esse
tipo de distribuição do número de árvores por classes de diâmetros (MEYER,
1952; TAKEUCHI, 1960; RODRIGUES, 1963; UHL; MURPHY, 1981; FABER-LANGERDEON;
GENTRY, 1991; PASCAL; PELISSIER, 1996; SCHAAF et al., 2006). Para o platô
Saracá, a distribuição diamétrica mostrou o desenho típico de florestas com
estrutura primária, apresentando claro padrão de exponencial negativo (Figura
1), ou seja, alta concentração de indivíduos nas classes menores e redução
acentuada no sentido das classes maiores (FABER-LANGERDEON; GENTRY, 1991;
PASCAL; PELISSIER, 1996).
A distribuição diamétrica das 898 espécies registradas na amostragem e a das 25
espécies-chave selecionadas pelo índice são bem semelhantes (Figura_1). Esse
fato corrobora a adequação das espécies-chave selecionadas, pelo índice
proposto, em relação à estrutura diamétrica da floresta original.
4.3. Indicação da densidade de plantio
O método de plantio adensado, em que são plantadas mais de 1.000 mudas por
hectare, é indicado para restauração de áreas de reserva legal e de preservação
permanente, na Amazônia, que originalmente eram recobertas pela floresta
ombrófila e foram suprimidas (VIEIRA et al., 2009), principalmente nas áreas
utilizadas pela mineração a céu aberto. As áreas com explotação mineral
apresentavam alta degradação, precisando, portanto, de práticas especiais para
sua restauração. Dada a rentabilidade dessa atividade, geralmente não se tem
limitação de recursos para sua recomposição, considerando as relativas pequenas
extensões espaciais de lavra. Por norma, em alguns países a lei obriga as
empresas a restaurar as áreas após sua explotação, entretanto algumas se
limitavam a recuperar as áreas perturbadas, em alguns casos com espécies
exóticas, não restaurando, portanto, o seu hábitat (LAMB, 1994).
Se a finalidade é realmente a restauração da área degradada, o primeiro esforço
deve ser direcionado para a recuperação do solo e de sua fertilidade para,
posteriormente, continuar com os demais processos de recuperação. A melhor
prática para a restauração dessas áreas consiste em reutilizar as camadas
superficiais do solo que foram retiradas e armazenadas enquanto ocorria a
explotação do subsolo (PARROTA; KNOWLES, 2001; SALOMÃO et al., 2002; SALOMÃO et
al., 2007a). Por sua vez, é ideal a configuração das características
topográficas da área, de forma tal que seja minimizada a erosão e restabelecida
a drenagem.
Uma vez que as condições do solo para plantio são recuperadas, a restauração
pode ser realizada por meio de várias técnicas, sendo mais comum o plantio
adensado. Nos trabalhos de restauração florestal, nas áreas anuais pós-lavra,
implantadas desde 1981, na Flona Saracá-Taquera/ICMBio, houve variações nos
adensamentos empregados, assim como na origem (exóticas, nativas e
introduzidas) e quantidade de espécies utilizadas (SALOMÃO et al., 2002).
Anualmente, são plantadas 1.667 mudas.ha-1 (espaçamento de 3 m na linha de
plantio e de 2 m entre linhas) em cerca de 400-500 ha. O número de mudas a
plantar das 25 espécies-chave selecionadas correspondeu a praticamente 37% do
total de mudas; as demais deverão ser complementadas por no mínimo 55 outras
espécies, entre as 873 restantes, que foram registradas no inventário.
Considerando que, entre as 25 espécies-chave selecionadas, 18 são tolerantes à
sombra e o número de indivíduos a plantar dessas espécies é de 541 mudas/ha,
correspondente a 32,5% do total (Tabela_3), sugere-se que daquele total de 873
mudas/ha sejam priorizadas aquelas espécies de pleno sol e que tenham copa
ampla e sejam de rápido crescimento para, dessa forma, fornecer condições
ambientais adequadas a um melhor desenvolvimento das espécies-chave tolerantes
à sombra.
4.4. Estágio sucessional das espécies-chave
Gandolfi et al. (1995) consideraram três grupos ecológicos com relação ao
estágio sucessional das espécies: (i) pioneiras espécies que se desenvolvem em
clareiras, nas bordas da floresta ou em locais abertos, sendo necessariamente
dependentes de condições de maior luminosidade, não ocorrendo, em geral, no
sub-bosque; (ii) secundárias iniciais - espécies que se desenvolvem em
clareiras pequenas ou mais raramente no sub-bosque, em condições de algum
sombreamento, podendo também ocorrer em áreas de antigas clareiras, nesse caso
ao lado de espécies pioneiras; e (iii) secundárias tardias - espécies que se
desenvolvem exclusivamente em sub-bosque permanentemente sombreado e, nesse
caso, pequenas árvores ou espécies arbóreas de grande porte que se desenvolvem
lentamente em ambientes sombreados, podendo alcançar o dossel ou ser
emergentes. Esses autores evitaram a denominação de espécie clímax para evitar
a discussão sobre esse conceito e, também, por reconhecer que muitas espécies
típicas de sub-bosque ocorrem tanto nos estádios mais maduros quanto em outras
etapas do processo sucessional.
A Secretaria de Meio Ambiente do Estado de São Paulo publicou legislação
inédita para orientar a recuperação de áreas degradadas no Estado: a Resolução
SMA 47, de 21/11/2003. Com relação ao estágio sucessional, essa resolução
considerou apenas dois grupos: as pioneiras (pioneiras e secundárias iniciais)
e as não pioneiras (secundárias tardias e climácicas). Estabeleceu, também, o
percentual mínimo de 40% do total de espécies para plantio de qualquer um
desses dois grupos. Adicionalmente, a Resolução SMA 8, de 07/03/2007, orientou
em relação ao número de indivíduos a ser utilizado nas situações de plantio
que: (i) o total dos indivíduos pertencentes a um mesmo grupo ecológico
(pioneiro e não pioneiro) não pode exceder 60% do total dos indivíduos do
plantio; (ii) nenhuma espécie pioneira pode ultrapassar o limite máximo de 20%
de indivíduos do total do plantio; (iii) nenhuma espécie não pioneira pode
ultrapassar o limite máximo de 10% de indivíduos do total do plantio; e (iv)
dez por cento (10%) das espécies plantadas, no máximo, podem ter menos de 12
indivíduos por projeto. No Estado do Pará, o Decreto Nº 31.594, de 27/01/2010,
dispõe no artigo 7º, inciso III, que o plantio de mudas para fins de
recomposição da Reserva Legal, tanto aquele a ser realizado em área total
quanto o a ser executado para enriquecimento, deverá utilizar espécies nativas
de ocorrência regional, admitindo-se o uso temporário de espécies exóticas como
pioneiras, desde que observadas as condições estabelecidas no art. 8º do citado
decreto. Certos cuidados devem ser levados em consideração quando se opta pelo
uso de espécies exóticas. Essas plantas devem ser utilizadas em locais com
degradação extrema e onde sua reprodução possa ser controlada de forma a prever
sua erradicação de forma rápida, caso necessário.
Na restauração florestal de áreas mineradas, geralmente o plantio é feito uma
única vez na estação chuvosa. Em alguns casos, o replantio é feito no final do
período chuvoso apenas naquelas áreas onde a mortalidade era alta; raramente
ocorre o replantio em anos subsequentes ao plantio. Considerando que as
orientações da legislação do Estado de São Paulo são adequadas e devem ser
adaptadas e incorporadas nas demais legislações estaduais, adotaram-se, neste
trabalho, as orientações estabelecidas naquelas políticas públicas.
Como se deseja um mínimo de 40% do total de indivíduos para qualquer um dos
grupos (em observância à legislação) e, considerando que não ocorre replantio
nas áreas mineradas, entendeu-se que o grupo das espécies de pleno sol deve
abranger próximo de 60% do total de mudas a plantar para proporcionar melhores
condições de sombreamento para as restantes 40% do grupo das tolerantes à
sombra, majoritariamente formado pelas espécies climácicas da floresta. Tendo
as espécies-chave de pleno sol totalizado apenas 4,2%, sugere-se que esse
número de mudas seja triplicado, indo de 10 para 30 mudas·ha-1 para cada uma
das espécies selecionadas, atingindo 12,6% do total (Tabela_3). A
complementação para 60% deve ser orientada no sentido de optar por aquelas
espécies de pleno sol que tenham atingido os maiores valores do índice ora
proposto, mas que não foram selecionadas como espécies-chave, por serem de
predominância baixa - a partir da 25ª posição. Procedimento análogo deve ser
adotado para a complementação dos 40% das espécies tolerantes à sombra.
Adicionalmente, pode-se optar pelas espécies prioritárias para a conservação
relacionadas nas listas oficiais do MMA/IBAMA (Instrução Normativa Nº 6, de 23
de setembro de 2008) e da SEMA/PA (Resolução Nº 054/2007), as quais se
encontravam em perigo de extinção. Outra estratégia seria incrementar os
plantios priorizando as espécies de valor comercial da madeira que ocorreram no
platô e, também, aquelas que apresentavam usos e utilidades (PFNM), mas que não
foram selecionadas entre as espécies-chave.
4.5. Florística
A missão da FAO na Amazônia produziu vários levantamentos florestais na região
entre os anos 1956 e 1961, abrangendo uma faixa de 150 km de largura por 1.500
km de comprimento entre as longitudes 59°30' W e 45°30' W e as latitudes 2°00'
S e 6°00' S (SUDAM 1973). Foram amostrados 1.362 ha (DAP > 25 cm e em alguns
casos DAP 45 cm), onde foram computadas 400 espécies distribuídas em 47
famílias, sendo Leguminosae, Lecythidaceae, Sapotaceae, Burseraceae, Lauraceae
e Chrysobalanaceae as de maior riqueza. Neste estudo, as mais representativas
foram Leguminosae sensu lato, com 135 espécies, Sapotaceae (110),
Chrysobalanaceae (49), Lauraceae e Myrtaceae (48 cada), Annonaceae (47),
Moraceaee (40), Burseraceae (35) e Lecythidaceae (34), ou seja, todas aquelas
famílias de maior riqueza registradas nos estudos da FAO também o foram neste.
Os relatórios da missão informaram ainda que as florestas de terra firme na
Amazônia foram separadas segundo dois tipos: associação de espécies do gênero
Pouteria e associação de espécies dos gêneros Eschweilera e Pouteria, ambas
divididas em 24 fácies ou variações segundo sua composição; fato também
relatado por Pires (1979). No presente estudo foram identificadas 62 espécies
do gênero Pouteria e 12 do gênero Eschweilera; ambos foram dos mais abundantes
no presente trabalho com respectivamente 4.281 e 2.951 árvores respectivamente.
Ficou evidenciado neste estudo que a cobertura florestal do platô Saracá
contemplou as faciações da floresta ombrófila densa de ambos os gêneros
mencionados naqueles relatórios e por Pires (1979).
Considerando as 14 famílias com maior riqueza de espécies da floresta como um
todo, registradas no inventário florestal (36.298 indivíduos, distribuídos em
898 espécies, abrangendo 62 famílias), sete delas (Sapotaceae, Mimosaceae,
Fabaceae, Lecythidaceae, Caesalpiniaceae, Euphorbiaceae e Myristicaceae) foram
observadas entre as 14 famílias das 25 espécies-chave. Com relação ao número de
indivíduos, oito famílias, entre as 14 mais abundantes da comunidade florestal,
foram incluídas pelo índice na seleção das espécies-chave.
5. CONCLUSÃO
A restauração florestal de áreas degradadas, especialmente aquelas situadas em
unidades de conservação, deve ser orientada por princípios técnico-científicos,
no sentido de propiciar ao novo ecossistema artificial, criado na presença e
abundância de espécies-chave, condições que atendam a alguns indispensáveis
parâmetros ecológicos, econômicos e sociais observados na cobertura florestal
original.
O índice analisado pode contribuir para as políticas públicas que visam à
recuperação de áreas degradadas pelas atividades minerárias e agropecuárias,
assim como para a restauração de Áreas de Preservação Permanente (APP) de
Reserva Legal (RL), com base na indicação das espécies-chave mais adequadas à
restauração florestal.
Os testes estatísticos utilizados permitiram verificar a validação da amostra
de dados para o emprego da técnica de análise multivariada e, portanto, para a
utilização do índice fitossociológico e socioeconômico - IFSE.
Em razão da significância estatística da análise e da forte aderência aos
aspectos teóricos e práticos refletidos nas dimensões fatoriais econômica,
ambiental e social, o IFSE pode se revelar como importante indicador na escolha
das espécies com maior potencial para reproduzir essas características nos
processos de restauração florestal de áreas degradadas..
O índice selecionou percentual bem superior de espécies tolerantes à sombra,
como era esperado, pois se trata de floresta madura, em relação às espécies de
pleno sol (pioneiras e lucíferas).
As espécies-chave selecionadas apresentaram estrutura diamétrica similar à
observada na floresta como um todo.
A composição florística, em termos de famílias e gêneros das espécies-chave,
conseguiu captar as principais famílias e as diversas associações de gêneros
que ocorrem nas comunidades de plantas na Amazônia, com destaque para a
associação dos gêneros Pouteria e Eschweilera.