Alterações microclimáticas em cultivo de café conilon arborizado com coqueiro-
anão-verde
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Introdução
A proposta de cultivos de cafeeiros arborizados busca, por meio do sombreamento
moderado, atenuar as ocorrências climáticas extremas e proporcionar maior
sustentabilidade aos sistemas de produção de café (BEER et al., 1998; CARDOSO
et al., 2001; CAMPANHA et al., 2004, VAAST et al., 2006). Eles proporcionam
ainda a agregação de uma fonte de renda extra para os cafeicultores e melhor
aproveitamento da mão-de-obra durante o ano, benefício de grande importância
para a agricultura familiar.
Os cultivos de café da espécie Coffea canephora (café robusta ou Conilon),
assim como o Coffea arabica(café arábica), nas regiões tropicais da África, de
onde são originados, são tradicionalmente realizados sob sombras de florestas
nativas, com árvores raleadas ou não, ou mesmo com árvores introduzidas para
tal fim. No Brasil, o cultivo do café Conilon, a exemplo do ocorrido com a
espécie C. arabica, é realizado predominantemente a pleno sol. Um dos motivos
da baixa adoção de arborização em lavouras de café Conilon está relacionado com
o fato desta espécie ser originada de uma região caracterizada por temperaturas
elevadas e estação seca moderada a acentuada (FERRÃO et al., 2007), o que se
entende por maior adaptação a rigores climáticos.
Vários autores observaram a variação de elementos meteorológicos em diversos
tipos de cultivos de cafezais arborizados nas diferentes regiões produtoras do
Brasil e em outros países (BARRADAS; FANJUL, 1986; CARAMORI et al., 1996;
PEZZOPANE et al., 2003; PEZZOPANE et al., 2007). Esses trabalhos evidenciaram
as grandes diferenças microclimáticas relacionadas à incidência da radiação
solar, velocidade do vento, temperatura do ar e déficit de pressão de vapor
entre os sistemas arborizados de produção de café e cultivos a pleno sol, sendo
constatada uma variabilidade temporal e espacial nos cultivos arborizados e que
suas diferenças em relação a um cultivo a pleno sol vão depender do tipo de
copa da árvore utilizada e da densidade do sombreamento.
A previsão de aquecimento global emitido pelo Painel Intergovernamental de
Mudanças Climáticas (IPCC, 2007) indica um aumento da temperatura e alteração
no regime de chuvas das regiões tropicais. De acordo com Fazuoli et al. (2007)
e Camargo (2010), o uso da arborização seria uma das técnicas de mitigação para
os cenários de aquecimento global e seus efeitos na cafeicultura. Sob este
aspecto, a arborização se mostra promissora inclusive para o café Conilon
(FERRÃO et al., 2007). Contudo, se faz necessária a realização de estudos
microclimáticos para quantificar o efeito dos diferentes tipos de arborização
na atenuação do microclima.
O presente trabalho foi realizado com o objetivo de avaliar as condições
microclimáticas em sistema de produção de café Conilon a pleno sol e arborizado
com coqueiro-anão-verde no município de São Mateus, ES.
Material e métodos
O experimento foi realizado no período de outubro de 2008 a junho de 2009 em
uma área comercial de produção de café conilon (Coffea canephoraPierre) de
aproximadamente 6 hectares, em terreno plano, cultivada a pleno sol e
arborizada com coqueiro-anão-verde (Cocus nucifera L.), no município de São
Mateus, ES (18º45' S; 40º11' W; 70 metros). O clima da região é tropical com
inverno seco, do tipo Aw (Köppen), com precipitação de 1.212 mm e temperatura
média anual de 23,8 °C.
No cultivo de café consorciado com coqueiro-anão-verde, implantado em 2002, as
plantas de café estão no espaçamento de 2,0 m entre linhas e 1,5 m entre
plantas, e as plantas de coqueiro-anão-verde estão no espaçamento de 10 x 10 m,
distribuídas no talhão de café (FIG._1). Esta configuração apresenta uma
população de aproximadamente 3.200 plantas de café/ha e 100 árvores de
coqueiro-anão-verde/ha. As linhas de café foram plantadas no sentido noroeste-
sudeste. Nesta orientação, as linhas também se encontravam no sentido
perpendicular ao sentido predominante dos ventos, que é norte-nordeste na
região.
![](/img/revistas/rca/v42n4/a07fig01.jpg)
Em área adjacente ao talhão de café arborizado existia um talhão de café
cultivado em sistema a pleno sol (PS) na mesma condição de espaçamento e tratos
culturais do cultivo arborizado, que serviu de padrão para comparação das
medições realizadas na presente pesquisa. Nos dois cultivos os tratos culturais
foram realizados de acordo com as orientações técnicas para a região.
Para facilitar a apresentação dos resultados e o entendimento do estudo
realizado estabeleceram-se alguns termos próprios no cultivo arborizado para a
apresentação dos dados que estão ilustrados na Figura_1. Cada linha de café
entre dois renques de coqueiro foi assim nomeada: ARB Copa (Linha de café
situada na linha de coqueiros); ARB 2,0 SO (Linha de café com distância de 2,0
m da linha de coqueiros voltada para o sentido cardeal sudoeste); ARB 4,0 SO
(Linha de café com distância de 4,0 m da linha de coqueiros voltada para o
sentido cardeal sudoeste); ARB 4,0 NE (Linha de café com distância de 4,0 m da
linha de coqueiros voltada para o sentido cardeal nordeste); ARB 2,0 NE (Linha
de café com distância de 2,0 m da linha de coqueiros voltada para o sentido
cardeal nordeste).
Foram realizadas medidas de radiação fotossinteticamente ativa (RFA), em duas
datas, 04/10/2008 e 12/02/2009, em condição ensolarada. No cultivo arborizado,
a amostragem da RFA foi realizada com um sensor linear de 1 m de comprimento
(Licor Li-191) colocado horizontalmente sobre a copa dos cafeeiros, no sentido
paralelo às linhas de plantas de café, efetuando-se uma medição instantânea,
composta de dez leituras em trinta segundos. Para medir a RFA livre da
interferência das plantas de coqueiro anão foi instalado um sensor em área
externa ao experimento, cuja medição correspondeu a 100% de incidência.
As amostragens da RFA no cultivo arborizado foram realizadas sobre cada uma das
cinco linhas de café entre dois renques de coqueiro (ARB Copa; ARB 2,0 SO; ARB
4,0 NE; ARB 4,0 NE e ARB 2,0 NE) em um total de quatro repetições dentro do
talhão arborizado. Para compor a medida de cada parcela, mediu-se a RFA em três
pontos situados no início, meio e final da parcela. As leituras foram
realizadas no período da manhã (entre 9:30 e 10:30 h), ao meio dia (entre 11:30
e 12:30 h) e no período da tarde (entre 13:30 e 14:30 h) visando determinar a
interceptação da RFA (relação entre a RFA sobre as plantas de café no cultivo
arborizado e a RFA externa) ao longo do dia.
As medições microclimáticas consistiram também de coleta de dados de
temperatura do ar, umidade relativa (Vaisala HMP50), instalados em abrigo
multipratos, e velocidade do vento (MetOne 014A) realizadas de maneira
contínua, entre os meses de dezembro de 2008 a julho de 2009, em dois pontos do
sistema arborizado (ARB Copa e ARB 4,0 SO), além de um ponto do sistema pleno
sol (PS), em área adjacente. Os sensores foram acoplados a um sistema
automático de aquisição de dados (Campbell CR1000), programado para leituras a
cada 20 segundos, médias a cada 15 minutos e a cada hora e obtenção dos valores
médios e extremos diários.
Para complementar a discussão sobre a variação da umidade atmosférica,
calculou-se a pressão de saturação e a pressão atual de vapor, visando à
obtenção do déficit de pressão de vapor (diferença entre a pressão de saturação
e a pressão atual de vapor).
Os dados da transmissividade da RFA no cultivo arborizado foram submetidos a
uma análise de variância através do procedimento GLM do SAS (SAS, 2003),
contemplando no modelo de análise os efeitos de época, tratamento e a interação
época x tratamento. Para a comparação múltipla de medias adotou-se a opção
LSMEANS e o teste t ao nível de significância de 5%. As médias dos dados
diários dos elementos temperatura do ar (valores máximo, mínimo e médio) e do
déficit de pressão de vapor foram submetidos ao teste t para médias com
variâncias equivalentes, adotando-se o nível de 1% de significância, para
detectar diferenças entre os pontos amostrais.
Resultados e discussão
Os resultados obtidos de transmissão da radiação RFA (TAB._1) mostram que as
plantas de coqueiro anão utilizadas no sistema de cultivo arborizado,
promoveram uma atenuação na transmissividade da RFA até a altura das plantas de
café (Q.M.R. = 21,50, F = 18,81, p < 0,0001), sendo que foram encontradas
diferenças quando comparados os vários pontos amostrais dentro do sistema
arborizado (p < 0,0001). Não ocorreram diferenças estatísticas significativas
na transmissividade entre as épocas de amostragem (p = 0,0862) e interação
entre épocas de amostragem e tratamentos (p = 0,1039).
A variação da transmissividade da RFA nos diferentes pontos amostrais do
cultivo arborizado está relacionada com a posição das plantas de café em
relação aos coqueiros e o movimento aparente do sol, fazendo com que a linha de
café representada pela posição ARB COPA apresentasse o menor valor de
transmissividade (média de 57,9% considerando as duas amostragens), seguida
pelas posições ARB 2,0 SO (67,9%) e ARB 2,0 NE (69,3%) que não diferiram entre
si pelo teste t. Os pontos de amostragens ARB 4,0 NE e ARB 4,0 SO apresentaram
as maiores médias de transmissividade (79,9 e 83,7%, respectivamente),
significativamente superiores aos demais pontos.
A descontinuidade de cobertura em sistemas arborizados causando diferenças nas
transmissões em diferentes pontos do sistema também foi constatada por Farfan-
Valencia et al. (2003), em sistemas arborizados de café na Colômbia e Pezzopane
et al. (2005) em um sistema consorciado de cafeeiro com banana Prata Anã.
Pezzopane et al. (2003), em análise microclimática de um cultivo de café
arábica arborizado com coqueiro anão na região de Garça (SP), obtiveram
transmissividade média de radiação solar de 58%. As diferenças nos valores da
transmissividade de radiação solar obtidos nesta pesquisa (71,7% na média dos
dois episódios) e o trabalho de Pezzopane et al. (2003) (58%) podem ser
atribuídas a densidade de coqueiros, que naquele trabalho era de 208 plantas
ha-1, contra 100 plantas ha-1 nesta pesquisa.
Camargo e Pereira (1994), assim como DaMatta (2004), consideram que árvores de
sombreamento em cultivos arborizados de café em regiões tropicais, como é o
caso do estudo desta pesquisa, devem cobrir cerca de 20% da superfície, sendo
que excessos de sombreamento podem ser prejudiciais à produção dos cafeeiros
(PAULO et al., 2001; MORAIS et al., 2006). Diante disso é de se esperar que os
cafeeiros situados nas ruas de coqueiros apresentem problemas em relação a
produção de grãos, pois quando observadas as transmissões de radiação
fotossinteticamente ativa nestas linhas (Tratamento ARB COPA - FIG._2),
verifica-se que sempre estão abaixo de 60%.
Em todo o período de amostragem, a velocidade média diária do vento foi de 0,71
m s-1 no cultivo a pleno sol, e 0,47 m s-1 no cultivo arborizado (médias dos
dois sensores) com redução média de 35% (FIG._2). A máxima velocidade foi de
7,81 m s-1 na cultura a plano sol, no dia 04/01/2009. No mesmo dia, a
velocidade máxima no cultivo arborizado foi de 5,4 m s-1. Para a cultura do
café a redução da velocidade do vento promovida pela utilização de arborização
é um dos efeitos mais benéficos desta prática (CAMARGO; PEREIRA, 1994; BEER et
al., 1998).
Os maiores valores médios de temperatura máxima do ar ocorreram em ARB 4,0 SO
(situado no centro da parcela arborizada) e no cultivo pleno sol, 33,4 e 32,9
ºC respectivamente (TAB._2). As medidas realizadas em ARB COPA apresentaram os
menores valores de temperatura máxima com média de 31,2 ºC, diferindo-se, pelo
teste t, dos demais pontos de amostragem. Para a temperatura mínima, embora
tenha ocorrido uma similaridade em relação ao comportamento da temperatura
máxima, as diferenças entre tratamentos foram menos evidentes. Com relação à
temperatura média o tratamento a pleno sol apresentou os maiores valores (24,6
ºC), seguido pelos pontos de medidas ARB 4,0 SO e ARB COPA do cultivo
arborizado (24,4 e 24,3 ºC, respectivamente), onde, assim como para a
temperatura mínima, não foi encontrada diferenças estatísticas significativas
entre as posições de leitura.
As diferenças nas transmissões de radiação que ocorreram no sistema arborizado
(TAB._1) proporcionaram diferentes regimes de temperatura do ar nos sistemas
(FIG._3). No ponto de amostragem de temperatura no centro da parcela (ARB 4,0
SO), onde ocorreram maiores transmissões de radiação fotossinteticamente ativa
(TAB._1), o regime médio de temperatura apresentou valores superiores em
relação ao ponto situado mais próximo das árvores de consórcio (ARB COPA) no
período diurno, refletindo menores valores de máxima (TAB._2).
[/img/revistas/rca/v42n4/a07fig03.jpg]
O ponto de amostragem ARB 4,0 SO do cultivo consorciado e o cultivo a pleno SOL
(PS) apresentaram comportamentos semelhantes nas horas mais quentes dos dias,
porém com maiores valores de temperatura do ar no cultivo a pleno sol nas
primeiras horas da manhã e no final da tarde.
O maior aquecimento do ar no ponto central do cultivo arborizado em relação ao
cultivo a pleno sol, está associado à transmissividade superior a 80% nesse
ponto em comparação com o cultivo a pleno sol e a menor movimentação do ar por
efeito de quebra-vento promovido pela ação dos coqueiros (BRENNER, 1996;
PEZZOPANE et al., 2007).
A variação diária da umidade relativa média do ar se mostrou inversa à
temperatura do ar (FIG._3). O déficit de saturação de vapor d'água apresentou
diferenças mais distintas entre os pontos de leitura do que a umidade relativa
do ar. No período entre 10-14 horas (TAB._2), o déficit de saturação médio foi
de 2,11 KPa no ponto central do cultivo arborizado (ARB 4,0 SO), 2,09 KPa no
cultivo a pleno sol e 1,84 KPa na posição de amostragem ARB COPA, que diferiu
estatisticamente dos demais pontos. Observando a variação do déficit no período
da manhã (7-10h) e a tarde (14-18 h), foram constatados maiores valores no
cultivo a pleno sol (TAB._2), com diferenças estatísticas para os pontos de
leitura no cultivo arborizado no período da manhã e apenas para ARB 2,5 SO no
período da tarde.
Menores valores de déficit de saturação de vapor em sistemas arborizados, como
foi o caso da comparação entre PS e ARB COPA neste trabalho, também foram
encontrados por Barradas e Fanjul (1986) e Pezzopane et al. (2007). Os autores
atribuíram esses resultados aos menores valores de temperatura no período
diurno, o que nessa pesquisa foi identificado principalmente no período da
manhã, e também pela interceptação da radiação incidente sobre os cafeeiros
arborizados, fato também verificado neste trabalho, principalmente no ponto de
amostragem situado na linha dos coqueiros.
A associação do menor déficit de pressão de vapor, associado à diminuição da
incidência de vento (FIG._2) podem ter implicações na demanda hídrica das
plantas de café no cultivo arborizado, sendo este um importante fator para
períodos de déficit hídrico, característico das regiões produtoras de café
Conilon no Espírito Santo (PEZZOPANE et al., 2010).
Conclusão
Nas condições em que foram conduzidas as medições microclimáticas, as árvores
de coqueiro-anão-verde alteraram os padrões de incidência de radiação
fotossinteticamente ativa sobre as plantas de café em sistema arborizado, sendo
que a alteração variou em função da posição de medida dentro do sistema. O
cultivo arborizado promoveu redução na incidência do vento na altura das copas
dos cafeeiros e alterações no regime térmico e de umidade relativa do ar, com
maior efeito sobre os valores diurnos e no ponto de amostragem próximo às
arvores de coqueiro.
Agradecimento
Os autores agradecem ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq) pela concessão de bolsa e auxílio financeiro.