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BrBRCVHe0004-28032004000100012

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variedadeBr
ano2004
fonteScielo

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Doença de Crohn isolada do apêndice cecal como causa de enterorragia RELATO DE CASO CASE REPORTINTRODUÇÃO A doença de Crohn isolada do apêndice cecal (DCIA), também denominada apendicite granulomatosa, é doença incomum, tendo sido descritos, desde o trabalho pioneiro de MEYERDING e BELTRAM(7) em 1953 até o momento, pouco menos de duas centenas de casos. Incide em 0,2% a 0,6% de todos os apêndices ressecados(8, 9).

A DCIA atinge jovens, principalmente nas décadas de 20 a 30 anos, havendo certa predominância do sexo masculino. Tem como característica o quadro anatomopatológico semelhante ao da doença de Crohn (DC) típica. Além disso, estando localizada apenas no apêndice cecal, cura-se possivelmente pela apendicectomia e, na maioria das vezes, não progride para outras partes do trato digestivo.

Pela oportunidade que se teve de acompanhar o caso de um adolescente com esta afecção, as dificuldades diagnósticas e as dúvidas quanto a sua real ligação com a DC estimularam a sua apresentação.

RELATO DO CASO FCB, sexo masculino, 16 anos de idade. Em dezembro de 1999, aos 15 anos de idade, apresentou enterorragia, sem repercussão hemodinâmica, que cessou espontaneamente. Nessa ocasião, foi submetido a vários exames entre os quais colonoscopia, trânsito intestinal e cintilografia do abdome com tecnécio marcado. Com exceção da colonoscopia que identificou lesões no íleo terminal e cujo exame anatomopatológico mostrou tratar-se de hiperplasia linfóide folicular, os demais nada revelaram de anormal. Passou bem, sem queixas digestivas até dezembro de 2000, quando apresentou nova enterorragia, também sem repercussão hemodinâmica. Nessa ocasião foi examinado, não apresentando outros sintomas; no exame do abdome não havia visceromegalia ou tumor palpável.

Submetido a colonoscopia, o íleo foi visualizado até cerca de 15 cm da válvula ileocecal, apresentando mucosa normal e peristaltismo presente. O ceco tinha morfologia e distensibilidade conservadas, apresentando, no ponto do óstio apendicular, lesão irregular, friável, com áreas deprimidas e outras elevadas, notando-se coágulo fixo, compatível com sangramento recente (Figura_1). Os demais segmentos colônicos se mostravam normais. O exame anatomopatológico das biopsias mostrou tratar-se de processo inflamatório crônico exsudativo intenso e ulcerado, em mucosa do tipo colônico.

Indicada a cirurgia, realizou-se, inicialmente, uma incisão tipo McBurney. O apêndice cecal que se encontrava bloqueado pelo omento, foi exteriorizado com manobras digitais (Figura_2). Mostrava-se espessado e sua serosa era lisa e brilhante, tendo aderências tipo inflamatórias com o omento. Sua base era endurecida, aspecto este que se propagava circunferencialmente na parede do ceco, numa extensão de 0,5 a 1 cm. Para possibilitar exploração mais adequada das alças intestinais, decidiu-se por realizar laparotomia mediana infra- umbilical. A exploração do intestino delgado e do restante da cavidade peritonial nada demonstrou de anormal. Após conhecer o laudo do exame histopatológico por congelação de fragmento do apêndice, decidiu-se pela sua exérese. Devido ao endurecimento da parede cecal junto ao apêndice, esta foi parcialmente (cerca de 1 cm) ressecada e fechada em dois planos de sutura contínua com fio atraumático de polipropileno 5-0.

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O exame histopatológico da peça cirúrgica por congelação mostrou, na parede apendicular, a existência de processo inflamatório crônico linfo- histioplasmocitário e ausência de processo neoplásico.

Os cortes histológicos, após inclusão da peça em parafina, constando do apêndice cecal, do omento a ele aderido e da porção do ceco ressecada, confirmaram os achados da congelação, demonstrando que o processo inflamatório era entremeado por granulomas frouxos. Na base do apêndice havia o mesmo tipo de infiltrado com granulomas, bem como a presença de ulceração da mucosa. O fragmento identificado como parede cecal mostrava intenso processo inflamatório crônico linfo-histioplasmocitário. Um linfonodo retirado do mesoíleo mostrava linfadenite granulomatosa. O diagnóstico final foi de DC do apêndice.

A evolução pós-operatória decorreu sem incidentes. O paciente vem sendo acompanhado em ambulatório. Em julho de 2002 (19 meses após a cirurgia), foi submetido a nova colonoscopia que mostrou íleo, cólon e reto normais.

Clinicamente não apresenta queixas digestivas.

DISCUSSÃO A maioria das casuísticas da DCIA não ultrapassa uma dezena de pacientes, sendo bastante freqüente o relato de casos (em geral um a dois) isolados(8, 9).

Apesar do pequeno número de casos publicados, o interesse que desperta deriva da semelhança de seu quadro histopatológico com o da DC (daí o seu nome), mas com características peculiares ' anatomopatológicas e clínico-evolutivas ' que a diferenciam daquela doença. Sendo o apêndice cecal a única víscera afetada, diferentemente do que ocorre com a DC típica, recebe a denominação de doença isolada ou limitada ao apêndice.

Macroscopicamente, o apêndice se apresenta aumentado de tamanho, com acentuado espessamento da parede e com sinais inflamatórios. Estudos histológicos da DCIA e de apêndices inflamados de pacientes com DC do intestino mostraram-se comparáveis quanto à existência de granulomas epitelióides, infiltração focal neutrofílica de criptas com abscesso, erosões de mucosa e ulceração, fissuras, formação de fístulas, agregados linfóides transmurais e fibrose mural. A diferenciação histopatológica entre estas duas entidades ficaria por conta da incidência de granulomas de células epitelióides que seriam muito mais numerosos na DCIA (7,19) do que no apêndice da DC (0,3)(5). Dado o elevado número de granulomas, esta doença é também denominada de apendicite granulomatosa. A diferenciação anatomopatológica entre a apendicite granulomatosa e a apendicite da DC típica seria feita pelo granuloma. Naquela, os granulomas estariam presentes em 98% dos casos e na DC típica em apenas 60% (9). Contrariamente, HUANG e APPELMAN(6), revendo 20 casos de DCIA e comparando-os com 16 apêndices com inflamação transmural de pacientes com DC conhecida, verificaram que 11/20 pacientes com DCIA não tinham granulomas e que nos demais havia 2 a 28 granulomas por corte histológico. Os pacientes com DC conhecida nunca tinham mais do que 10,5 granulomas por corte. A ausência de granulomas assinalada por esses autores, torna difícil aceitar, para os casos de DCIA, a denominação de apendicite granulomatosa.

PRIETO-NIETO et al.(8) ainda questionam se a DCIA seria uma forma limitada da DC ou entidade distinta denominada apendicite granulomatosa idiopática (AGI). A distinção entre a DCIA e a AGI seria histopatológica, caracterizada pela presença, nesta, de número elevado de granulomas, predominantemente na submucosa, enquanto que naquela os granulomas estariam mais dispersos. Além disso, na DCIA, estando presentes alterações inflamatórias agudas, pode haver ausência de granulomas, enquanto que na AGI a presença de granulomas seria indispensável. Estas diferenças levam os autores a admitir que seriam duas entidades clínicas com histopatologia distinta.

No presente caso, tanto no apêndice como no óstio apendicular, os granulomas eram numerosos, entremeando o processo inflamatório crônico linfo- histioplasmocitário e, na mucosa, notava-se lesão ulcerada. Aceita-se para este caso a denominação de DCIA, pois, dada a grande variabilidade conceitual entre DCIA, apendicite granulomatosa ou AGI, acredita-se que o esclarecimento desta questão somente será possível com estudos comparativos de grandes casuísticas.

O quadro clínico se caracteriza, mais freqüentemente, por dor no quadrante inferior direito do abdome, anorexia, náuseas, febre e leucocitose simulando a apendicite aguda. Chama a atenção, no entanto, o decurso protraído da sintomatologia, em geral, entre 3 e 7 dias. A presença de massa palpável na fossa ilíaca direita é outra manifestação clínica habitual(8, 9, 10). No presente caso, embora à palpação não se percebesse a presença de tumor, o apêndice estava não aumentado de volume, mas também envolto pelo grande omento (Figura_2).

O sangramento retal, como o apresentado pelo paciente desta casuística, é manifestação rara nesta doença. Encontrou-se referência a dois outros casos em que a enterorragia foi a manifestação dominante(3, 8), porém somente o presente caso teve comprovação objetiva do sangramento através da colonoscopia. É de se notar que a colonoscopia anterior, realizada após o primeiro episódio de enterorragia, não conseguiu localizar a sua origem. No caso descrito por BROWN e PETERS(3) a provável origem do sangramento digestivo foi uma pequena lesão nodular protrusa na base do apêndice, muito semelhante à lesão que o paciente deste relato apresentava.

Dadas as manifestações pouco características da DCIA, o diagnóstico pré- operatório correto dificilmente é feito, sendo os casos rotulados, em geral, como apendicite aguda ou abscesso apendicular. Neste caso, o ultra-som permite demonstrar o apêndice aumentado de volume e edemaciado ou um abscesso periapendicular, não havendo sinais característicos que permitam o diagnóstico da DCIA.

Quando a manifestação é de enterorragia em paciente jovem, um dos diagnósticos mais lembrados é o do divertículo de Meckel sangrante, razão pela qual o paciente em estudo foi submetido a cintilografia com tecnécio marcado. Não é infreqüente também, especialmente durante o ato operatório, suspeitar-se de neoplasia, dado o volume aumentado da víscera(3, 4). No entanto, antes de se proceder a operações mais extensas, impõe-se como foi feito no caso em estudo, a realização do exame histopatológico de congelação que deverá ser confirmado, posteriormente, após inclusão em parafina.

O diagnóstico de DCIA exige a exclusão de várias entidades. Entre as doenças infecciosas que apresentam granulomas no apêndice, citam-se as provocadas pelo bacilo da tuberculose, por fungos (blastomicose, actinomicose, histoplasmose) e parasitas (esquistossomose). Estas afecções têm características anatomopatológicas que permitem, com certa facilidade, identificá-las. a infecção por Yersinia pseudotuberculosisé mais difícil de ser excluída, sendo necessário cultura e testes sorológicos para seu diagnóstico(9).

A apendicectomia simples é o tratamento de escolha, apresentando mínima morbidade. Nos casos em que a base do apêndice é larga e a infiltração atinge a parede do ceco, recomenda-se a ressecção parcial do mesmo (cecectomia parcial), como se procedeu no caso presente(9).

A diferenciação entre a DC típica e a DCIA fica por conta da evolução pós- operatória, pois, nesta última afecção, a cura pela apendicectomia isolada é quase a regra. A formação de fístula enterocutânea após apendicectomia é raramente vista na DCIA, enquanto que ocorre entre 15% e 20% dos pacientes com DC ileocecal.

Na DCIA são citadas recidivas da DC em outras localizações do sistema digestório entre 3,5% e 6% dos casos(9), enquanto que na DC típica a recidiva ocorre entre 34% e 58% dos casos(1, 10). , no entanto, inúmeros relatos de casos de DCIA seguidos por vários anos, sem que se verifique recidiva da doença (2, 9). Na casuística de 10 casos de PRIETO-NIETO et al.(8) submetidos a apendicectomia, desenvolveu-se fístula enterocutânea em 1. Estes pacientes foram seguidos, em média, 14,5 anos (2 a 25 anos) e em nenhum deles a DC se desenvolveu em outras áreas do sistema digestório(8).

O paciente deste relato está sendo acompanhado em ambulatório, sem queixas digestivas e sem evidências colonoscópicas da doença após 2 anos. Dada a benignidade da afecção e convencidos da eficácia do tratamento, propôs-se retornos anuais para exame clínico e a realização de colonoscopias anuais ou bianuais durante 5 anos.


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