II Consenso Brasileiro sobre Helicobacter pylori
CONSENSOCONSENSUSINTRODUÇÃO
Desde sua identificação por MARSHALL e WARREN(13), em 1982, O Helicobacter
pylori (HP) rapidamente se tornou alvo de incontáveis estudos microbiológicos,
histológicos, epidemiológicos, imunológicos, ecológicos e clínicos, entre
outros. Conseqüentemente, em curto período de tempo, os avanços do conhecimento
na área puderam ser utilizados, de forma revolucionária, na prática médica
diária de clínicos e gastroenterologistas. O alcance desta descoberta pode ser
avaliado pelo resultado de inquérito recente entre gastroenterologistas, onde
tal descoberta foi considerada a mais importante da especialidade no último
século(8).
Com o objetivo de orientar os médicos nas várias questões relacionadas ao
manuseio da infecção pelo HP, diferentes reuniões de consenso têm sido
realizadas em todo o mundo(1, 5, 10, 12, 15, 23). No Brasil, em 1995, durante o
Congresso Panamericano de Enfermedades Digestivas, realizado em Belo Horizonte,
MG, foi realizado o "Consenso Nacional sobre H. pylori e afecções associadas"
(2).
A Federação Brasileira de Gastroenterologia e o Núcleo Brasileiro para Estudo
do Helicobacter, em 2004, decidiram promover o II Consenso Brasileiro para
Estudo do Helicobacter pylori com os seguintes objetivos: 1. estabelecer
condutas relativas à infecção por H. pylori a serem divulgadas em todo o
Brasil; 2. constituir instrumento a ser utilizado pelas entidades organizadoras
do Consenso para alertar e solicitar providências aos órgãos públicos
responsáveis pela saúde da população, das implicações, a curto e longo prazo,
das conseqüências dessa infecção.
O evento foi coordenado pelos Drs. Luiz Gonzaga Vaz Coelho (MG) e Schlioma
Zaterka (SP), e realizado em São Paulo nos dias 19 e 20 de junho de 2004.
Contou com a participação das principais autoridades nacionais na área, a
partir de lista elaborada pelas duas sociedades organizadoras do evento. Assim,
participaram 36 delegados provenientes de 15 estados brasileiros, incluindo
gastroenterologistas, patologistas, pediatras e microbiologistas.
Os participantes foram alocados em cinco subgrupos de acordo com a principal
área de interesse/atuação, a saber: HP e dispepsia funcional; Tratamento HP;
Retratamento HP; HP e doença do refluxo gastroesofágico e HP e AINEs. Cada
grupo teve designado um expositor e um relator. Os coordenadores do Consenso
elaboraram um questionário previamente distribuído aos participantes, para
funcionar como roteiro das discussões. As reuniões eram sempre conjuntas e,
antes de cada discussão dos subgrupos, o expositor apresentava, em 7 minutos,
os principais focos a serem desenvolvidos. A seguir, as perguntas elaboradas
pela coordenação eram discutidas por todos os participantes, adotando-se como
consenso aquelas que atingissem 70% ou mais de concordância entre os
participantes. Ao final da reunião, o relator elaborava as conclusões do
subgrupo, que foram submetidas a todos os participantes na reunião plenária, ao
final do evento. Os resultados foram apresentados em outubro de 2004 durante
sessão especial da VI Semana Brasileira do Aparelho Digestivo, realizada em
Recife, PE, e esta comunicação apresenta o sumário das principais recomendações
e conclusões do evento.
HP E DISPEPSIA FUNCIONAL
Conceito
O Consenso aprovou o conceito de dispepsia funcional emanado pelo Consenso Roma
II(22), ou seja, presença de dispepsia persistente ou recurrente (dor ou
desconforto localizado na região central do abdome superior), com duração
mínima de 12 semanas, não necessariamente consecutivas nos últimos 12 meses,
sem evidências à endoscopia digestiva alta, de doença orgânica que justifique
os sintomas e sem evidências de que a dispepsia seja aliviada exclusivamente
pela defecação ou associada com o aparecimento de alterações na freqüência ou
forma das fezes, acrescido da exclusão de parasitoses intestinais ao exame
coprológico.
Diagnóstico
Caso haja opção pela pesquisa de HP durante a endoscopia digestiva, a coleta de
material deverá ser realizada no corpo e antro gástricos. O estudo histológico
deve incluir a coleta de cinco fragmentos: dois do antro, dois do corpo e um da
incisura angularis.
Tratamento
Considerar custo-benefício, aceitando-se como razoável um número necessário
para tratamento de 1/15 ou 1/10, ou seja, poderá ocorrer remissão
sintomatológica em um a cada 10 ou 15 pacientes tratados.
Avaliação histológica, incluindo o tipo e a intensidade do processo
inflamatório e a presença de metaplasia intestinal constituem parâmetros para
indicação de erradicação.
Havendo opção para tratamento, o esquema anti-H. pylori deverá ser idêntico
àquele utilizado para a úlcera péptica e com duração de 7 dias.
A eventual identificação de cepas CagA não constitui elemento capaz de
influenciar a decisão de promover a erradicação do microrganismo.
A opinião do paciente deve ser considerada na decisão do tratamento.
O tempo de seguimento para avaliar melhora dos sintomas após a erradicação é
de, no mínimo, 1 ano.
Comentários
Não houve consenso quanto à indicação de realizar pesquisa de H. pylori em
pacientes dispépticos, com 40% dos participantes favoráveis a sua pesquisa e
60% contrários.
Não houve consenso quanto à oportunidade de erradicação do HP na dispepsia
funcional, com 48% dos participantes sendo favoráveis e 52% contrários.
Foi sugerida a realização de estudo multicêntrico nacional, tendo em vista a
existência de apenas dois estudos unicêntricos, controlados e randomizados
entre nós(18, 14).
TRATAMENTO HP
Indicações
* Úlcera gastroduodenal, ativa ou cicatrizada.
* Linfoma MALT de baixo grau.
* Pós-cirurgia para câncer gástrico avançado, em pacientes submetidos a
gastrectomia parcial.
* Pós-ressecção de câncer gástrico precoce (endoscópica ou cirúrgica).
* Gastrite histológica intensa.
Outras situações
* Pacientes de risco para úlcera/complicações que utilizarão AINEs.
* Pacientes com história prévia de úlcera ou hemorragia digestiva alta
(HDA) que deverão usar AINEs inibidores específicos ou não da COX-2.
* Indivíduos de risco para câncer gástrico.
* Pacientes de risco para úlcera ou complicações que deverão usar
cronicamente derivados do ácido acetil salicílico (AAS), mesmo em doses
baixas.
Esquemas de tratamento
1) Inibidor de bomba protônica (IBP) em dose padrão + amoxicilina 1,0
g + claritromicina 500 mg, duas vezes ao dia, durante 7 dias.
2) IBP em dose padrão, uma vez ao dia + claritromicina 500 mg duas
vezes ao dia + furazolidona 200 mg duas vezes ao dia, durante 7 dias.
3) IBP em dose padrão, uma vez ao dia + furazolidona 200 mg três
vezes ao dia + cloridrato de tetraciclina 500 mg quatro vezes ao dia,
durante 7 dias.
Controle da erradicação deverá ser verificado
* Úlcera duodenal.
* Úlcera gástrica.
* Linfoma MALT de baixo grau.
Controle da erradicação
* Oito semanas, no mínimo, após o final da medicação anti-H. pylori.
Através do teste respiratório com uréia marcada, quando não houver indicação
para endoscopia.
Na eventualidade do exame endoscópico, através de teste da urease e histologia.
Anti-secretores deverão ser suspensos 7 a 10 dias antes do exame de controle da
erradicação.
Comentários
Os participantes optaram por recomendar, além do regime mundialmente
recomendado (inibidor de bomba protônica, amoxicilina e claritromicina) e
também já validado entre nós em adultos(3, 19, 24) e, com resultados algo
inferiores, em crianças e adolescentes(9), dois outros regimes contendo
furazolidona, medicação muito empregada entre nós e de custo bastante
accessível. A associação de furazolidona, claritromicina e IBP é
particularmente útil para pacientes com impedimento para o uso de amoxicilina,
com trabalhos nacionais evidenciando excelente índice de erradicação do
microrganismo, embora curse com número algo maior de efeitos adversos(6). A
associação de tetraciclina, furazolidona e IBP foi incluída como forma de
oferecer opção terapêutica envolvendo antimicrobianos que hoje acham-se
disponíveis para a população na rede do Sistema Único de Saúde. Tal associação
foi alvo de apenas um estudo nacional, onde atingiu aproximadamente, 70% de
erradicação com 15% dos pacientes apresentando efeitos adversos(21).
Os participantes do Consenso sugeriram, ainda, às entidades promotoras, a
realização de estudos objetivando analisar novos esquemas terapêuticos. Foi
ainda sugerida a realização de estudos para melhor definir o papel da
erradicação do microrganismo em portadores de obesidade mórbida, candidatos à
cirurgia bariátrica.
Retratamento HP
Após a falência de um dos tratamentos iniciais propostos pelo Consenso,
recomenda-se mais duas tentativas de tratamento, com duração, de 10 a 14 dias,
não se repetindo ou estendendo o esquema inicial.
Os esquemas a serem utilizados dependem do tratamento inicial.
Se foi utilizado IBP + amoxicilina + claritromicina ou IBP + furazolidona +
claritromicina:
Primeira opção
IBP em dose plena + sal de bismuto 240 mg + furazolidona 200 mg + amoxicilina
1,0 g (podendo ser substituída pela doxiciclina 100 mg), administrados duas
vezes ao dia, durante 10 ou 14 dias.
Segunda opção
IBP (dose plena) bid + levofloxacina 500 mg uid + amoxicilina 1,0 g bid por 10
dias, ou IBP em dose plena + levofloxacina 500mg + furazolidona 400 mg,
administrados em dose única diária, durante 10 dias.
Se o esquema inicial foi IBP + furazolidona + tetraciclina:
Primeira opção
IBP em dose plena + amoxicilina 1,0 g + claritromicina 500 mg, administrados
duas vezes ao dia, durante 7 dias.
Segunda opção
IBP em dose plena + sal de bismuto 240 mg + furazolidona 200 mg + amoxicilina
1,0 g (podendo ser substituída pela doxiciclina 100 mg), administrados duas
vezes ao dia, durante 10 ou 14 dias.
Comentários
Embora a maior parte dos estudos terapêuticos para HP empregando sais de
bismuto recomendem seu uso 3 ou 4 vezes ao dia(11, 12, 20, 25), o Consenso,
baseado em observações recentes(7), optou por regimes utilizando-o apenas 2
vezes ao dia, de forma a simplificar o esquema terapêutico e aumentar a
aderência ao tratamento.
Baseado em vários estudos internacionais(16, 17, 26) e mesmo na ausência de
estudos nacionais, o Consenso recomenda o emprego da associação de
levofloxacina, amoxicilina e IBP como terapêutica de retratamento de segunda
opção. A recomendação do emprego da associação de levofloxacina, furazolidona e
IBP em dose única diária baseou-se em estudo piloto nacional com excelentes
resultados iniciais(4). O Consenso recomendou também, a realização de estudo
multicêntrico nacional para validação nacional dos esquemas aqui sugeridos.
HP e DRGE
A pesquisa de HP não é, rotineiramente, recomendada na DRGE.
HP não é causa de DRGE, nem influencia a sua evolução.
A indicação de erradicação da bactéria não depende da DRGE, mas basicamente de
condições de risco para o câncer de estômago.
O uso crônico de IBP não implica na erradicação da bactéria.
Comentários
O Consenso recomendou aos promotores da reunião a realização de estudos
multicêntricos nacionais para estudar os efeitos da erradicação do HP em
portadores de DRGE. O Consenso, reconhecendo a complexidade do tema, recomendou
ainda a elaboração de documento com revisão da literatura que contemple as
interfaces possíveis entre variáveis de morbidade do H. pylori e aquelas
relacionadas à fisiopatologia da DRGE, a funcionar como balizador e estimulador
para futuras investigações pelos especialistas nacionais.
HP e AINEs
Todos os pacientes com queixas dispépticas devem ser inquiridos quanto ao uso
de AINEs.
HP e AINEs/AAS são considerados fatores de risco independentes para o
desenvolvimento de lesões gastroduodenais que, quando associados, exibem
sinergismo, ampliando significativamente a probabilidade de ocorrência das
mesmas, principalmente naqueles pacientes considerados de risco para o
desenvolvimento de lesões do trato digestivo superior. Foram considerados
pacientes de risco: pacientes com história prévia de úlcera péptica (complicada
ou não); pacientes em uso de AINEs associado a derivados salicílicos; pacientes
em uso de AINEs associado a anticoagulantes ou corticosteróides e pacientes
acima de 60 anos.
Pesquisa e, conseqüentemente, tratamento está indicado:
Pacientes que vão iniciar tratamento contínuo com AINEs não seletivo.
Pacientes considerados de risco para o desenvolvimento de lesões do trato
digestivo superior, independentemente da fase ou período de tratamento, do
tipo, dose ou indicação terapêutica para utilização de AINEs e/ou AAS .
Pacientes de risco para o desenvolvimento de lesões do trato digestivo, a
erradicação HP diminui, mas não impede o risco de úlcera e/ou complicações. O
Consenso recomenda, nesta situação, a utilização profilática de IBP.
Comentários
Não foi alcançado consenso quanto à necessidade erradicação do microrganismo em
pacientes já em uso contínuo de AINEs e sem manifestações clínicas (48% a
favor, 52% contra).
O Consenso recomenda a realização de estudo prospectivo, multicêntrico,
nacional, para avaliar o papel da infecção por HP em usuários crônicos de AAS
como anti-agregante plaquetário.
REPRESENTANTES INDICADOS PELA FBG E NÚCLEO BRASILEIRO PARA O ESTUDO DO
HELICOBACTER
Aloísio Carvalhaes (SP), Ana Tereza B. Gomes (BA), Carlos Antônio M. Feitosa
(PB), Carlos Fonseca (RN), Décio Chinzon, relator subgrupo HP-AINEs (SP),
Dulciene Queiroz (MG), Edson Pedro da Silva, relator subgrupo HP-Retratamento
(SC), Elizabete Kawakami (SP), Farid Nader, relator subgrupo HP-Tratamento
(RS), Fernando Cordeiro (PE), Frederico N. Magalhães, expositor subgrupo HP-
AINEs (SP), Geraldo Ishak (PA), Heraldo A. C. Rocha, expositor subgrupo HP-
Tratamento (PB), Ismael Maguilnilk (RS), Jaime N. Eisig (SP), Joaquim Prado
Moraes-Filho, expositor subgrupo HP-DRGE (SP), Jorge Luis Jorge (SC), José
Alves de Freitas (SP), José Miguel L. Parente (PI), José Murillo R. Zeitune
(SP), José Pedrazzoli Jr, expositor subgrupo HP-Retratamento (SP), José Roberto
Almeida (PE), Júlio C. Pereira Lima (RS), Kyioshi Iryia (SP), Laércio T.
Ribeiro (AL), Lúcia Libanez (CE), Luís Chehter (SP), Luiz Edmundo Mazzoleni,
expositor subgrupo HP-Dispepsia funcional (RS), Márcio M. Tolentino, relator
subgrupo HP-DRGE (SP), Marcos Kleiner (PR), Marcus Túlio Haddad (RJ), Maria do
Carmo F. Passos, relator subgrupo HP-Dispepsia funcional (MG), Miriam Trevisan
(SP), Ricardo Aires (CE), Ricardo Barbutti (SP) e Ricardo Brandt de Oliveira
(SP).