Avaliação da densidade mineral óssea em pacientes com doença inflamatória
intestinal
ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLEINTRODUÇÃO
Pacientes com doença inflamatória intestinal (DII) têm maior prevalência de
redução da densidade mineral óssea (DMO) em comparação com as pessoas
saudáveis. A osteopenia é encontrada em taxas que variam de 40% a 75% entre
pacientes com DII, enquanto a freqüência de osteoporose varia de 2% a 30%,
dependendo do grupo estudado(1, 5, 6, 9, 10, 11, 24).
A diminuição da DMO ocasiona aumento da fragilidade óssea e do risco de
fraturas, o que pode elevar a morbidade e diminuir a qualidade de vida neste
grupo de pacientes(17, 19).
Os mecanismos responsáveis pela perda óssea ainda são pouco compreendidos.
Entre os diversos fatores sugeridos como envolvidos na patogênese da osteopenia
nos pacientes com DII, estão a má absorção de cálcio e vitamina D causada pela
inflamação da mucosa intestinal ou ressecção intestinal, o uso de corticóides,
a redução da atividade física e a atividade inflamatória da própria doença(4,
12, 14).
A retocolite ulcerativa inespecífica (RCUI) e a doença de Crohn (DC) são
moléstias imunomediadas, caracterizadas por uma resposta inflamatória crônica.
Embora a causa da DII não esteja, ainda, claramente definida, a ativação de
células T e a liberação de citocinas com atividades imunorreguladoras e pró-
inflamatórias, como a interleucina-1, interleucina-6 e fator de necrose tumoral
alfa parecem contribuir para a gênese da inflamação(18). Independentemente da
atividade inflamatória sistêmica, estas citocinas têm também função importante
na estimulação parácrina do desenvolvimento dos osteoclastos e na regulação da
reabsorção óssea, o que pode contribuir para a alteração do metabolismo ósseo
nos pacientes com DII(13).
O objetivo deste estudo foi avaliar a densidade mineral óssea na população de
pacientes com DII atendida no Serviço de Gastroenterologia do Hospital de
Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR), Curitiba, PR, e compará-la a
um grupo controle de pessoas saudáveis.
CASUÍSTICA E MÉTODOS
Pacientes
Noventa de 190 pacientes entre 20 e 50 anos de idade, acompanhados no
ambulatório de DII do Serviço de Gastroenterologia do Hospital de Clínicas da
UFPR, foram selecionados para este estudo. Destes, 14 pacientes não completaram
a etapa de realização da densitometria óssea. Dos 76 pacientes que completaram
a avaliação, 39 tinham DC, com média de idade de 32 anos, sendo 21 homens.
Trinta e sete pacientes tinham RCUI, com média de idade de 36 anos, sendo 25
mulheres. O diagnóstico e extensão da doença foram confirmados por endoscopia,
radiologia e histologia antes do início do estudo. Foram excluídas todas as
mulheres após a menopausa, aquelas com ciclos menstruais irregulares ou em uso
de terapia estrogênica. Foram excluídos, também, pacientes sabidamente
acometidos de outras doenças que causem alteração no metabolismo ósseo, tais
como hepatopatia crônica, hipogonadismo, hipoparatireoidismo, hiper ou
hipotireoidismo, artrite reumatóide, lúpus eritematoso sistêmico, insuficiência
renal crônica, doença pulmonar obstrutiva crônica grave e outras doenças que
causem diarréia e má absorção que não a DII.
Os critérios clínicos avaliados foram o índice de atividade e a duração da
doença, o segmento intestinal comprometido e sua extensão, os segmentos
ressecados nos pacientes já submetidos a cirurgias, o índice de massa corporal,
a prática de atividade física e inquérito dietético e de hábitos de vida. Na
avaliação do índice de atividade da doença, foram utilizados os índices de
TRULOVE e WITTS(25) para RCUI e de BEST(7) para DC. Ambos baseiam-se em
questionários de sinais e sintomas e exame físico, tais como número e
consistência das evacuações, presença de dor abdominal e sintomas extra-
intestinais ou de complicações, avaliação de qualidade de vida, entre outros
critérios clínicos.
Calculou-se a dose cumulativa de corticóide do último ano e dose média diária,
expressas em gramas de prednisona, e o tempo, em meses, sem uso do corticóide.
Quarenta controles saudáveis que nunca haviam se submetido a cirurgia
intestinal, com média de idade de 34 anos foram estudados. Nenhum dos controles
utilizava ou havia utilizado corticóide, diuréticos, colestiramina ou heparina.
Consentimento informado escrito foi obtido dos pacientes e controles antes do
estudo.
Densitometria óssea
A densitometria óssea foi realizada no Serviço de Endocrinologia do Hospital de
Clínicas da UFPR no mesmo dia da coleta dos exames laboratoriais e da coleta
das informações clínicas. O exame foi medido por "dual-energy x-ray
absortiometry" (Hologyc QDR 1000/W) da coluna lombar (L1-L2-L3-L4, vista
ântero-posterior) e fêmur direito. Os resultados foram expressos em g/cm² e
desvios padrões dos valores normais, que foram supridos pelos níveis normais do
Hologic.
Osteopenia foi definida como diminuição na densidade mineral óssea maior que 1,
desvio padrão abaixo da média da população jovem normal e osteoporose como
densidade maior que 2,5, desvios padrões abaixo desta média.
Análise estatística
Foi realizada análise descritiva dos dados através de tabelas, quadros e
gráficos. Para a comprovação do objetivo do estudo foram utilizados a análise
da variância (ANOVA), o coeficiente de correlação de Pearson e o teste
paramétrico t de Student e os não-paramétricos Mann-Whitney, comparação entre
duas proporções (através do software Primer of Biostatistics), Qui-quadrado e
exato de Fisher (pelo software Epi-Info). O nível de significância
(probabilidade de significância) adotado foi menor que 5% (P <0,05).
RESULTADOS
O total de 90 pacientes do Ambulatório de Doenças Inflamatórias Intestinais do
Hospital de Clínicas da UFPR foi avaliado para este estudo, entre os meses de
maio e novembro de 2003. Destes, 14 não completaram a etapa da densitometria
óssea, sendo excluídos do mesmo. Dos 76 pacientes que completaram a avaliação,
37 tinham RCUI e 39 doença de Crohn. Quarenta pessoas saudáveis foram avaliadas
para o grupo controle. A amostra estudada era homogênea em relação à idade,
sexo, raça, tabagismo, etilismo, índice de massa corpórea e atividade física.
A Tabela_1 mostra as conclusões das densitometrias ósseas nos diferentes grupos
do estudo.
A densidade mineral óssea, avaliada por massa óssea em números absolutos
(gramas/cm²), apresentou-se com valores menores nos portadores de DII, em
comparação ao grupo controle, sendo esta diferença significativa (P <0,05)
(Figuras_1 e 2).
O grupo de DC foi o que apresentou os menores índices de massa óssea, com
diferença estatística significativa, em todos os segmentos ósseos avaliados
(DMO lombar, colo do fêmur e fêmur total).
Na comparação entre os grupos de DC e RCUI, não houve diferença importante
entre eles em nenhuma das três regiões ósseas avaliadas, coluna lombar (P =
0,474), colo do fêmur (P = 0,237) e fêmur total (P = 0,191).
Quando comparados os diagnósticos finais da DMO definidos pelo Z escore, também
se observou que os pacientes com DII têm DMOs freqüentemente mais alteradas que
o grupo controle, sendo a maior parte das alterações compreendida por
osteopenia (Figura_3).
Neste estudo as correlações pelo teste de exato de Fischer entre o índice de
atividade da doença e a densitometria óssea foram muito baixas e sem diferença
significativa, demonstrando ausência de associação entre estas variáveis na
amostra avaliada.
Na correlação entre a dose média diária de corticóide no último ano (mg/dia) e
a densitometria óssea, para a DMO lombar houve baixa correlação, sem diferença
significativa (r = 0,2218; P = 0,2304). O mesmo ocorreu para a DMO do colo do
fêmur. No entanto, observou-se probabilidade limítrofe, indicando tendência nos
pacientes com as menores doses de corticóide terem também menores índices de
DMO (dentro da normalidade, entre 0,800 e 1,000).
DMO fêmur total apresentou correlação regular com diferença significativa (r =
0,4459; P = 0,0119), ou seja, doses de corticóide mais baixas tendem a ter DMO
menores (dentro da normalidade, entre 0,800 e 1,000).
Na correlação dos dados de cirurgia prévia (colectomia e enterectomia) e
densitometria óssea, não foi observada diferença entre os pacientes que
realizaram em relação aos que não realizaram cirurgia.
Também não houve diferença estatisticamente significativa entre as
densitometrias dos pacientes que realizavam atividade física regular (três ou
mais dias por semana) e daqueles que não a faziam (P >0,1).
O índice de massa corporal (IMC) foi a variável que mostrou ter correlação com
a DMO, porém não significativa, dentro dos limites da normalidade nos dois
grupos de pacientes, em todos os segmentos ósseos avaliados com P = 0,0100 a P
= 0.289. As relações da DMO lombar com o IMC nos grupos com RCUI e DC estão
representadas na Tabela_2.
DISCUSSÃO
Pacientes com DII têm prevalência maior de alterações da DMO em relação à
população normal, como relatado em muitos artigos, que demonstram prevalências
de 30% a 75 % de diminuição da densidade óssea no grupo de portadores destas
doenças(1,5, 9, 22). A perda óssea é o maior fator de risco para fraturas
osteoporóticas, agregando importante morbidade à doença previamente existente
(17). Há um ano, pela primeiravez, isso foi demonstrado por KLAUS et al.(19),
que encontrou uma ou mais fraturas vertebrais em 21,8% dos pacientes com DC que
apresentavam diminuição da DM.
Este estudo transversal confirma os relatos prévios de alteração da densidade
mineral óssea nos pacientes com DII(2,12, 21). A população estudada tem os
valores da DMO significativamente menores (P <0,05) em relação aos indivíduos
saudáveis, em todas as regiões ósseas avaliadas (coluna lombar, colo de fêmur e
fêmur total).
O osso trabecular, especialmente as vértebras, é geralmente mais afetado que o
osso cortical, embora ambos possam estar alterados(11). Esta diferença ficou
demonstrada em ambos os grupos de pacientes avaliados neste estudo. Na RCUI a
coluna lombar apresentou alteração em 56,7% dos casos contra 19,4% de alteração
encontrada no fêmur. Na DC esta diferença foi de 64,1% contra 35,9%,
respectivamente, sempre com predomínio da osteopenia em relação à osteoporose.
Estes resultados corroboram com estudos comparativos que demonstraram que os
pacientes com DC têm a maior redução na densidade mineral óssea, quando
comparados aos demais grupos, controles e RCUI(14). A diferença da DMO com
relação ao grupo controle foi significativa, o que não ocorreu na comparação
com os portadores de RCUI, diferentemente do relatado em outras populações
avaliadas(4, 15). Diferença essa estatisticamente não significativa nos
segmentos ósseos avaliados (P = 0,191'0,474).
Muitas pesquisas têm demonstrado que o processo inflamatório no trato
intestinal pode estar diretamente relacionado às alterações no metabolismo
ósseo em pacientes com DII(1). Mediadores e citocinas liberadas pelas células
inflamatórias intestinais, como IL-1, IL-6 e fator de necrose tumoral alfa, que
se sabe estarem elevados em pacientes com DII, estimulam a atividade dos
osteoclastos, inibem a atividade dos osteoblastos e podem contribuir para o
desequilíbrio das citocinas reguladoras do metabolismo ósseo(13, 18, 23).
Assim, o nível de atividade inflamatória, representado pelo índice de atividade
da doença, apresentaria correlação com as alterações da DMO. Porém, como em
levantamento anterior(8), este trabalho não demonstrou correlação importante
entre fase de atividade da doença e alterações ósseas. No entanto, é necessário
considerar que a maioria dos pacientes estava em fase de remissão ou com leve
atividade de doença. Poucos pacientes apresentavam índice de atividade moderado
e nenhum deles tinha atividade intensa, conforme os índices aplicados. Talvez
outros parâmetros de atividade inflamatória e do metabolismo ósseo, como a
dosagem dos mediadores inflamatórios e marcadores bioquímicos de reabsorção
óssea, apresentem maior correlação com as anormalidades do metabolismo ósseo(1,
2, 13).
O efeito deletério do corticóide no metabolismo ósseo é bastante conhecido,
porém é controversa a relevância das doses e tempo de uso do corticóide exógeno
como fator causal na osteoporose(20, 26, 27). Uma meta-análise realizada em
2002, com 66 estudos de avaliação de densitometria óssea e 23 estudos de
avaliação de fraturas, ambos relacionados ao corticóide, demonstrou evidências
de que a alteração óssea induzida pelo corticóide e suas conseqüências são
substancialmente reduzidas após a suspensão da terapia. Esta redução de risco
acontece significativamente após 1 ano da parada do uso do corticóide(28). Em
função disto, no presente estudo, optou-se pela quantificação da dose média
diária do último ano (mg/dia) para avaliar a intervenção do emprego do
corticóide na amostra estudada.
Estudos prévios realizados em pacientes com DII são bastante conflitantes
quanto à alteração da massa óssea determinada pelo corticóide(1, 9, 15, 24).
Neste trabalho comparou-se a DMO nos grupos de pacientes com e sem uso de
corticóide e não se demonstrou diferença significativa, o que contraria relatos
anteriores de correlações negativas significantes entre corticóide e massa
óssea nos pacientes com DII(3, 14, 24). Importante observação foi que 4 dos 76
pacientes avaliados, que nunca usaram corticóide, apresentaram alteração na
DMO, sendo que 1 deles, com 23 anos de idade, apresentava osteoporose na quarta
vértebra lombar.
A falta de atividade física regular e cirurgias de ressecção intestinal
prévias, não influenciaram a massa óssea medida nos pacientes com DII, em
concordância com outros estudos(3, 14).
A baixa correlação do IMC com a DMO discorda de estudos prévios que mostraram
ser este um dos principais preditores da diminuição da massa óssea nos
portadores de DII(16).
CONCLUSÃO
Encontrou-se densidade mineral óssea reduzida nos pacientes com DII do
Ambulatório da Gastroenterologia do Hospital de Clínicas da UFPR, mais
acentuada nos pacientes com DC, semelhante ao descrito na literatura. O IMC, o
uso de corticóide, a atividade física, o índice de atividade doença e a
ressecção intestinal não apresentaram correlação importante com a DMO.