Eletromanometria esofágica e pHmetria de 24 horas na avaliação pós-operatória
da hiatoplastia e válvula anti-refluxo total laparoscópica
ARTIGO ORIGINALORIGINAL ARTICLESINTRODUÇÃO
A doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) representa grande impacto na
qualidade de vida dos indivíduos e as complicações desta enfermidade,
especificamente o esôfago de Barrett, tornam importante a caracterização e o
tratamento precoce desta afecção(10, 14, 18).
A cirurgia é opção de tratamento cada vez mais freqüente para a DRGE. Os
critérios para sua indicação são principalmente a falha do tratamento clínico e
a DRGE complicada(7, 9). O tratamento cirúrgico estabeleceu-se definitivamente
com o advento do acesso laparoscópico, realizado pela primeira vez por
Dallemagne e Geagea em 1991, tendo se popularizado a partir de então(8, 17),
devido aos seus bons resultados, baixo índice de complicações e mudança para
melhor na qualidade de vida(1).
A eletromanometria esofágica permite a identificação do esfíncter inferior do
esôfago (EIE), sua extensão, pressão basal e eficácia em relaxar ante o
estímulo da deglutição(12). Por possibilitar a mensuração de características
anatomofisiológicas do esôfago, aplicando-lhes valores numéricos, tem sido
considerada atualmente importante subsídio, não só na prática médica diária,
mas principalmente, na pesquisa clínica(3).
Com o desenvolvimento dos dispositivos de monitorização prolongada do pH
intraluminar esofágico, ampliou-se ainda mais o conhecimento fisiopatológico da
doença. Constatou-se que alguns pacientes apresentavam sintomas sugestivos da
DRGE sem, no entanto, haver esofagite identificável pelo exame endoscópico do
esôfago. Quando submetidos a monitorização prolongada do pH intraluminar do
esôfago, apresentavam índices de refluxo considerados patológicos, ou seja, em
níveis superiores aos encontrados em indivíduos normais. Chegou-se, assim, à
concepção atual da DRGE, onde se entende que o refluxo gastroesofágico pode
determinar ou não esofagite(15).
A operação de "short floppy Nissen" tem como objetivo tratar o refluxo
gastroesofágico. Avaliações clínicas e endoscópicas da eficiência da cirurgia
têm sido demonstradas por diferentes autores porém, estudos com a realização de
pHmetria ácida de 24 horas e manometria no pós-operatório, têm sido pouco
freqüentes, tanto na literatura nacional, quanto mundial.
MATERIAL E MÉTODO
No período de março de 2002 a agosto de 2003, foram operados consecutivamente
59 indivíduos com sintomas típicos de DRGE pela técnica de hiatoplastia e
"short floppy Nissen" pela via laparoscópica. O tratamento cirúrgico foi
indicado baseado nos critérios estabelecidos pelo I Consenso Brasileiro de
Doença do Refluxo Gastroesofágico.
No pré e pós-operatório (3 meses), além dos exames rotineiros de endoscopia
digestiva alta e radiografia contrastada de esôfago, estômago e duodeno, foram
realizadas sistematicamente eletromanometria esofágica e pHmetria de 24 horas,
objetos deste estudo. Foram considerados critérios de exclusão: pacientes
submetidos a cirurgia prévia em esôfago e estômago, complicações da DRGE
(úlcera ou estenose esofágica e esôfago de Barrett), hérnia paraesofágica ou
mista.
A eletromanometria esofágica foi realizada em todos os pacientes no Laboratório
de Provas Funcionais do Aparelho Digestivo da Faculdade de Medicina do
Triângulo Mineiro - FMTM, Uberaba, MG, pelo mesmo profissional, com suspensão
prévia (por 7 dias) de medicamentos que pudessem alterar os resultados dos
exames, como inibidores de bombas de prótons. Utilizaram-se para o exame sonda
de polivinil (Sinetics gastro®) com seis canais (quatro radiais) e a técnica de
tração intermitente da mesma. Perfundindo-se água destilada, com auxílio de
bomba de perfusão capilar-hidráulica (Biomedics®), os resultados eram
registrados em um polígrafo (Polygram 4.21, Synetics Medical®). Os parâmetros
avaliados na manometria foram: localização, extensão, pressão média em repouso
do EIE (expiratória final) e amplitude de pressão do corpo esofágico.O
resultado final de cada medida foi obtido através da média aritmética de, no
mínimo, três valores do traçado.
Imediatamente após a eletromanometria esofágica procedeu-se à pHmetria ácida
prolongada. A sonda de 2,1 mm de diâmetro era introduzida por via nasal com
eletrodo de antimônio posicionado 5 cm acima do EIE. Após 24 horas, a sonda era
retirada e os dados armazenados no dispositivo portátil, descarregados para
sistema de computação previamente instalado (Esophagram®).
O procedimento cirúrgico realizado foi a hiatoplastia com válvula total anti-
refluxo(13) ("short floppy Nissen") por via laparoscópica. Iniciou-se a
cirurgia através da abertura da "pars condensa" da membrana frenoesofágica,
expondo-se o esôfago terminal e a transição esôfago gástrica. A hiatoplastia
era realizada com pontos separados em X com fio inabsorvível. A válvula anti-
refluxo total era feita através do envolvimento de um segmento de esôfago com a
parede anterior e alta do fundo gástrico. Para tal, a parede anterior do
estômago era passada posteriormente ao esôfago. Confirmado o posicionamento sem
tensão do estômago, a válvula era confeccionada com três pontos separados, com
fio inabsorvível (cerca de 3 cm). Em nenhum caso foram seccionados os vasos
gástricos curtos. Não houve necessidade de conversão nem complicações
perioperatórias. No pós-operatório, a dieta líquida era instituída após 12
horas e os pacientes recebiam alta no final do primeiro dia.
O seguimento ambulatorial foi semanal no primeiro mês, quinzenal no segundo,
mensal até o terceiro mês, quando se realizavam os exames de controle pós-
operatório.
Analisaram-se estatisticamente os achados eletromanométricos e pHmétricos no
pré e pós-operatório. Quando a distribuição da variável era normal (teste de
Kolmogorov-Smirnov), utilizou-se o teste t de Student pareado. Quando a
distribuição não foi considerada normal, aplicaram-se testes não-paramétricos
(Wilcoxon, Mann-Whitney, Kruskal-Wallis). Padronizou-se como aceitação de erro
a = 0,05.
O protocolo de pesquisa foi submetido e aprovado pelos Comitês de Ética em
Pesquisa da FMTM e da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), São Paulo,
SP.
RESULTADOS
Quanto ao sexo, 18 (30,5%) pacientes eram do sexo masculino, enquanto 41
(69,5%) pertenciam ao sexo feminino. A idade média foi 43,8 anos (variação 21-
75 anos) (Figura_1).
Através do exame eletromanométrico, o EIE localizou-se mais distalmente no pós-
operatório (42,3 ± 2,6 cm) em média quando comparado com o pré-operatório (41,2
± 3,2 cm), havendo significância estatística (P = 0,014). Sua extensão também
aumentou, passando de 2,0 cm para 2,5 cm no pós-operatório, também com
significância estatística (P = 0,0002). Houve, ainda, aumento significativo na
pressão de repouso do EIE, cuja mediana elevou-se de 15,0 mm Hg para 21,7 mm Hg
do pré para o pós-operatório (P <0,001) (Figura_2, Tabela_1).
Quanto ao corpo esofágico detectou-se redução das amplitudes de pressão no pós-
operatório (70 mm Hg) quando comparado com os valores obtidos no pré-operatório
(78,0 mm Hg), valores estes estatisticamente significantes (P = 0,024).
Através da pHmetria esofágica de 24 horas, constatou-se que houve melhora em
todos os parâmetros. Inicialmente com redução significativa do número de
refluxo ácidos totais no pós-operatório (3,0), em relação ao pré-operatório
(68,0) P <0,001. O número de refluxos ácidos prolongados (>5 minutos) foi maior
do ponto de vista estatístico (P = 0,001) no pré-operatório (2,0), quando
comparado com os valores obtidos no pós-operatório (0,0).
A mediana do número de refluxos ácidos prolongados com os pacientes em decúbito
dorsal foi de 1,0 (0,0-12,0) no pré-operatório e de 0,0 (0,0-8,0) no pós-
operatório, com P <0,001. O mesmo ocorreu com número de refluxos ácidos
prolongados na posição ereta, variando de 0,0 (0,0-22,0) no pré-operatório para
0,0 (0,0-2,0) no pós-operatório, apresentando diferenças significantes com o
tratamento estatístico empregado (P = 0,001). A análise da fração de tempo de
acidificação convertida em minutos, foi significantemente maior (P <0,0001) no
pré-operatório (5,5 minutos), quando comparada com o pós-operatório (0,1
minuto). A análise de índice de DeMeester demonstrou redução significante (P
<0,001) quando se comparam os valores obtidos no pós-operatório (33,0) com os
obtidos no pré-operatório (0,8) (Figura_3, Tabela_2).
DISCUSSÃO
Este estudo é parte do projeto iniciado em 1997 sobre a cirurgia da transição
esofagogástrica no Serviço de Cirurgia do Aparelho Digestivo da FMTM, aplicando
a experiência do Serviço na realização de válvulas totais e no tratamento
cirúrgico do megaesôfago por videolaparoscopia. Desde 1996 passou-se a empregar
rotineiramente a eletromanometria e a pHmetria de 24 horas na avaliação do pré
e pós-operatório de todos os pacientes.
Nesta casuística houve distribuição superior de pacientes no sexo feminino
(76,3%). Tal fato não corresponde ao comumente descrito na literatura. Parece
que pacientes do sexo masculino apresentam mais refluxo gastroesofágico que a
população semelhante do sexo feminino(20), sendo que alguns autores chegam a
propor o uso de padrões diferentes para cada sexo(13). Com relação à idade,
obteve-se valor médio de 43,8 anos em concordância à literatura, que verifica
aumento da prevalência da DRGE com aumento da idade acima de 40 anos.
Estudos prévios demonstram bons resultados da cirurgia de válvula total para a
correção da DRGE. DALLEMAGNE et al.(2), por exemplo, com acompanhamento de 15
meses, obtiveram 90,5% de resultados satisfatórios.
Quanto à manometria, neste estudo ficou demonstrada elevação da pressão de
repouso do EIE com a confecção da hiatoplastia e válvula total, passando de
mediana de 15 mm Hg para 21 mm Hg no pós-operatório. A hipotonia esfincteriana
está diretamente relacionada a maior predisposição ao refluxo gastroesofágico
patológico(5). Em experimentos com animais(16) mostrou-se que o EIE normal,
após miomectomia, chegou à medida próxima de zero de pressão, e rapidamente
restauraram-se os valores normais após a fundoplicatura. A análise da
localização do EIE no pós-operatório mostrou, nessa série, deslocamento caudal
de 41,0 cm para 42,0 cm. Observou-se ainda, aumento da extensão do EIE com a
confecção da válvula anti-refluxo, passando de 2,0 para 2,5 cm, semelhante ao
que foi visto por LUNDELL et al.(11), quando compararam as cirurgias de
Rossetti (válvula total) e Toupet (parcial), observando elevação da extensão do
esfíncter inferior do esôfago maior na válvula total do que na parcial e ambas
com diferença significativa em relação ao pré-operatório. Com a extensão intra-
abdominal da zona de alta pressão houve clara diferença entre o pré e pós-
operatório, mesmo sem diferenças entre as técnicas. DeMEESTER et al.(4),
avaliando 100 pacientes submetidos a fundoplicatura à Nissen laparotômica,
obtiveram o que foi chamado de extensão abdominal do EIE, significativamente
diferente comparando pré (1,5 cm ± 0,9) e pós-operatório (2,4 cm ± 1,1). Um dos
objetivos da cirurgia para correção do refluxo(18) é a obtenção deste segmento
maior de esôfago em situação abdominal, submetendo-o dessa forma a pressão
positiva. Na presente série a medida da distância do EIE à borda nasal, mostra
que o objetivo em posicionar mais distalmente o EIE, foi atingido com a técnica
empregada. Ainda quanto à manometria, houve redução dos valores de pressão no
corpo esofágico no período pós-operatório passando de 78,0 para 70,0 mm Hg.
Esta diminuição de pressão pode significar que o esôfago livre da esofagite
diminuindo a hiper-reatividade, retornaria a seus níveis pressóricos próximos
dos normais como supõem STEIN et al.(19).
No presente estudo, quando se avaliou a pHmetria ácida de 24 horas, houve
redução significante do número de refluxos ácidos totais no pós-operatório,
quando comparados ao pré-operatório, em concordância com os resultados
apresentados por DeMEESTER e JOHNSON(3). O número médio de refluxos obtido em
pacientes no pré-operatório foi 63,5, enquanto no pós-operatório foi 4,4. O
grupo controle obteve média maior do que o grupo pós-operatório, ou seja, 20,6.
Em 1995 PETERS et al.(16) observaram também importante diminuição do número de
refluxos ácidos nas 24 horas de pacientes com DRGE submetidos a fundoplicatura
à Nissen por via aberta e laparoscópica. Não se encontrou nenhum estudo em que
o número de refluxos ácido tenha aumentado no pós-operatório. Esses achados,
assim como os da presente casuística, demonstram eficácia da hiatoplastia e
fundoplicatura total ("short floppy Nissen") em corrigir o refluxo patológico,
ao aproximar a níveis normais o número de refluxos ácidos. A análise da fração
de tempo de acidificação neste estudo foi convertida em minutos, após correção
do intervalo de tempo entre todos os exames, resultando em diferença
significantemente maior no pré-operatório, quando comparada com o pós-
operatório, ao mesmo tempo em que o índice de DeMeester apresentou redução
significante no pós-operatório, quando se comparou ao valor obtido no pré-
operatório. DeMEESTER e JOHNSON(3), em 1975, obtiveram redução da fração de
tempo de acidificação de 11,1% no pré-operatório para 0,2% no pós-operatório.
Quanto ao índice de DeMeester, ele foi reduzido de 65,2 no pré-operatório para
6,7 no pós-operatório. PETERS et al.(16), em 1995, obtiveram diminuição do
tempo de acidificação de 14,8 para 0,42 minutos no pós-operatório de
hiatoplastia e fundoplicatura à Nissen por laparoscopia. BLOMQVIST et al.(1),
em 1996, em ensaio comparando qualidade de vida após a fundoplicatura
laparoscópica ou laparotômica, verificaram diminuição acentuada da fração de
acidificação no pós-operatório dos dois grupos. No Brasil, FELIX et al.(6) em
2002, observaram em seus pacientes queda dos índices de DeMeester de 16,7 no
pré-operatório para 0,8 no pós-operatório.
Como se pode observar na Tabela_2 e Figura_3, três indivíduos ("outliers")
mantiveram no pós-operatório o índice de DeMeester elevado, além de
apresentarem diminuição da pressão do esfíncter inferior do esôfago. Quando
avaliados através do exame radiográfico contrastado do esôfago, um deles
apresentou migração precoce da válvula. Estes indivíduos devem ser
interpretados como dentro do índice de falha terapêutica precoce(1, 4, 6, 9).
Deve-se lembrar que nesta série, o período de acompanhamento foi de 3 meses
(pós-operatório), não sendo possível a avaliação da eficácia da cirurgia a
longo prazo e nem de suas complicações tardias. De qualquer modo, admite-se que
no intervalo de tempo avaliado, a hiatoplastia e a fundoplicatura foram
eficientes em controlar ou curar a maioria dos doentes com DRGE.
Acredita-se que a manometria e pHmetria, a despeito de serem métodos de
execução não tão simples, comparados à endoscopia digestiva alta, foram
eficientes na avaliação de forma objetiva, os resultados da cirurgia. Destarte,
como existe número apreciável de pacientes com DRGE e aspectos endoscópicos
normais, esses exames poderiam ser empregados na sua correta avaliação pós-
operatória.
CONCLUSÕES
A eletromanometria esofágica e a pHmetria ácida prolongada demonstraram melhora
em cada um dos seus parâmetros com significância estatística nos resultados
observados, no período pré e pós-operatório de hiatoplastia e válvula anti-
refluxo total, demonstrando a eficiência do procedimento operatório quando
avaliado por esses exames, que permitem mensurar as características
anatomofisiológicas do esôfago, aplicando-lhes valores numéricos objetivos de
valor na prática médica diária, mas principalmente, na pesquisa clínica