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BrBRCVHe0004-28032009000200012

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variedadeBr
ano2009
fonteScielo

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Evolução clínica e endoscópica após fundoplicatura para tratamento da doença do refluxo gastroesofágico GASTROENTEROLOGIA PEDIÁTRICA PEDIATRIC GASTROENTEROLOGY

Evolução clínica e endoscópica após fundoplicatura para tratamento da doença do refluxo gastroesofágico

Clinical and endoscopic outcome after Nissen fundoplication for gastroesophageal reflux disease

Alessandra Maria Borges VicenteI; Sílvia Regina CardosoII; Maria de Fátima Correia Pimenta ServidoniII; Luciana Rodrigues de MeirellesIII; Joaquim Murray Bustorff SilvaIV; Elizete Aparecida Lomazi da Costa-Pinto IFaculdade de Ciências Médicas, Universidade Estadual de Campinas - FCM-UNICAMP

IIServiço de Endoscopia Pediátrica, Hospital das Clínicas - HC-UNICAMP; Departamentos de Anatomia Patológica, Gastrocentro-UNICAMP IIIDepartamentos de Anatomia Patológica, Gastrocentro-UNICAMP IVCirurgia Pediátrica e Pediatria - FCM-UNICAMP Correspondência

INTRODUÇÃO Na doença do refluxo gastroesofágico (DRGE), a passagem involuntária do conteúdo gástrico para o esôfago causa repercussão negativa sobre a saúde da criança(26). Podem ocorrer alterações relacionadas à nutrição, à mucosa esofágica, à função respiratória ou ao aparecimento de sintomas neurocomportamentais(6). Para as crianças com DRGE associada a complicações graves e/ou à doença crônica, as melhores opções terapêuticas são o tratamento medicamentoso com inibidor de bomba de prótons e a cirurgia antirrefluxo(14, 35).

As recomendações para o uso dos inibidores de bomba de prótons em crianças e adolescentes são variadas nos diversos países. A falta de dados sobre o uso desses fármacos em pacientes pediátricos, em longo prazo, é lacuna que limita o uso clínico. O tempo máximo de uso dessas medicações, registrado como seguro e eficaz, foi de 36 meses(14, 35).

A técnica de fundoplicatura descrita por Nissen é a mais frequentemente usada na faixa etária pediátrica(6, 15, 38). O objetivo da cirurgia é interromper o refluxo gastroesofágico por meio de uma combinação de mecanismos antirrefluxo.

O tratamento cirúrgico está indicado, principalmente, quando falha do tratamento clínico ou na presença da DRGE complicada. Fundoplicatura é mais frequentemente indicada em crianças maiores e naquelas com risco para DRGE grave, entre elas, encefalopatas crônicos, em particular a encefalopatia crônica não progressiva (ECNP), pacientes com doença respiratória crônica ou pacientes operados por atresia de esôfago. Nesses pacientes, morbidade pós- operatória e insucesso cirúrgico são mais comuns(6, 26).

O índice de falha da técnica cirúrgica pode variar de 5% a 20% das crianças operadas, dependendo principalmente, da presença de doenças associadas, sendo que as maiores taxas de recurrência ocorrem em pacientes encefalopatas crônicos ou com problemas respiratórios crônicos(3, 28, 37, 38). Do ponto de vista anatômico, as principais causas de recurrência da DRGE são desmanche parcial ou total da fundoplicatura(25) e, menos frequentemente, a migração da válvula antirrefluxo para o tórax. A válvula cirúrgica pode gradualmente tornar-se incompetente, mas não existem informações precisas sobre latência e regularidade dessa ocorrência(26). O tempo ideal de seguimento nos pacientes operados e o instrumento adequado de monitorização não estão adequadamente estabelecidos.

O presente estudo foi realizado com o objetivo de identificar, em crianças e adolescentes que realizaram fundoplicatura para tratamento de DRGE, a frequência de anormalidades na válvula antirrefluxo e de complicações relacionadas à DRGE. A avaliação foi feita por meio do exame de endoscopia digestiva alta (EDA), comparando as frequências entre os pacientes, de acordo com a presença de encefalopatia crônica. As informações provenientes poderão ser úteis para a definição de um protocolo de acompanhamento pós-operatório.

MÉTODOS Casuística Estudo transversal e descritivo foi conduzido no período de maio de 2004 a fevereiro de 2007. As características pós-operatórias da válvula antirrefluxo, realizada para tratamento de DRGE em 45 crianças e adolescentes foram examinadas por meio de EDA. Esses pacientes foram identificados pelos registros cirúrgicos num hospital escola e convocados por telefone e/ou telegrama.

Os critérios de inclusão no estudo foram: 1. pós-operatório de um único procedimento cirúrgico de fundoplicatura para DRGE, e 2. diagnóstico de DRGE firmado com bases clínicas e investigação mínima com um exame complementar.

Foram excluídos os doentes com malformação esofágica ou estenose cáustica de esôfago, os com dados incompletos no prontuário, os que não concordaram em participar do estudo e aqueles não encontrados pelas vias de comunicação do Serviço Social do hospital, por meio de telefone ou telegrama.

Noventa e três pacientes foram operados durante o período considerado. Os motivos que não permitiram a inclusão de 48 pacientes no estudo foram: não localização (n = 22), não concordância para realizar a avaliação endoscópica (n = 8), óbito (n = 7), atresia de esôfago ou estenose cáustica de esôfago associada à DRGE (n = 5), mais que um procedimento cirúrgico de fundoplicatura (n = 3), cirurgia realizada sem confirmação por exame complementar da DRGE (n = 2) e paciente operado com idade próxima a 19 anos que saiu do acompanhamento no serviço (n = 1).

A indicação da cirurgia foi baseada na história clínica e nos exames complementares de investigação. A maior parte dos pacientes (62,2%) fez dois ou mais exames complementares diagnósticos, confirmando DRGE.

Todos os pacientes haviam sido tratados com medidas posturais antirrefluxo, agentes procinéticos, inibidores do receptor H2 da histamina e/ou inibidores de bomba de prótons, previamente à indicação cirúrgica.

Em 35 (77,8%) pacientes a cirurgia foi a descrita por Nissen, com via de acesso laparoscópica e nos outros 10 por laparotomia (22,2%). Em 17 pacientes a fundoplicatura foi associada à gastrostomia, pela técnica de Stamm, em 3 pacientes à piloroplastia, pela técnica de Heineke-Mikulicz, e em 3 pacientes a fundoplicatura foi combinada à gastrostomia e piloroplastia.

Métodos De maio de 2004 a fevereiro de 2007, os pacientes incluídos foram convocados para entrevista e exame de EDA. Nos meses de janeiro e fevereiro de 2007, os prontuários foram revisados e registrados dados referentes à evolução (necessidade de nova fundoplicatura e óbito). Desta maneira, o tempo total de avaliação foi de 12 a 48,2 meses.

Os exames de EDA foram realizados pela equipe de Endoscopia Pediátrica do hospital escola, utilizando-se o aparelho de videoendoscopia da marca Pentax ou Olympus. Dedicou-se atenção especial para a região do cárdia, por meio da manobra de retroversão, para visualização da válvula antirrefluxo.

Foram utilizados como critérios diagnósticos de anormalidades da fundoplicatura, os descritos por LUOSTARINEN(23): • migração da válvula antirrefluxo para o tórax (válvula íntegra, porém deslocada), hiato diafragmático alargado, ou • fundoplicatura desfeita parcial ou totalmente: presença de pregas frouxas e distorcidas (parcial), ou ausência de pregas (total), ou • migração da válvula antirrefluxo para o tórax associado à fundoplicatura desfeita parcial ou totalmente.

A classificação utilizada para diagnóstico endoscópico de esofagite foi a do Sistema Los Angeles, criado em 1994 e modificado em 1999(21, 22, 27, 30).

Foi realizada biopsia em esôfago distal em 37 dos 45 pacientes (82,2%). Obteve- se pelo menos dois fragmentos, com distância proximal mínima de 2 cm da transição esôfago-gástrica. O estudo histológico foi realizado sempre pelo mesmo profissional e pelo pesquisador. Os dois fragmentos de tecido foram mensurados e avaliados, sendo considerado o de maior dimensão, para graduação histológica. Não houve acesso ao laudo histológico prévio e ao laudo endoscópico do paciente durante a revisão de lâminas. A classificação utilizada para diagnóstico histológico de esofagite foi a de GEBOES, publicada em 1991(9, 34): •grau normal 0: •grau a) hiperplasia de zona basal 1:    b)alongamento de papila estromal    c) congestão vascular •grau células polimorfonucleares no epitélio, lâmina própria ou 2: ambos •grau polimorfonucleares com defeito epitelial 3: •grau ulceração 4: •grau epitélio colunar aberrante 5: Análise dos dados Os dados obtidos foram armazenados e analisados com o programa SPSS versão 7.5 (SPSS Inc. Chicago, IL, EUA). A comparação de frequências para variáveis categóricas, entre dois grupos, encefalopatas ou não, foi feita por meio de tabelas 2 X 2 e aplicado teste do qui ao quadrado ou teste exato de Fisher. O nível de significância adotado foi de 5 %.

Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas, SP, sem restrições (parecer número 160/2004). Todos os responsáveis pelos pacientes assinaram termo de consentimento informado.

RESULTADOS Descritivo da casuística O estudo avaliou 45 pacientes que realizaram fundoplicatura para tratamento de DRGE. Vinte e seis pacientes (57,8%) eram do sexo masculino. A idade, no momento do estudo e respectiva avaliação endoscópica pós-operatória, variou de 16 meses a 16,9 anos, com média de 7,4 anos, mediana de 7,6 anos e desvio padrão de 4,4 anos, coincidindo com período pós-operatório mínimo de 12 e máximo de 30 meses. Oito pacientes foram operados com idade inferior a 1 ano e 26 tinham encefalopatia crônica (57,8%).

EDA pré-operatória Vinte e seis pacientes tinham realizado EDA no pré-operatório, os diagnósticos foram de esofagite péptica (22/26), subestenose ou estenose de esôfago (7/26), hérnia hiatal por deslizamento (7/26) e suspeita de esôfago de Barrett (1/26), não confirmada na biopsia.

Complicações imediatas pós-fundoplicatura Sete pacientes (15,5%) apresentaram complicações no pós-operatório imediato ou precoce, a saber, pneumonia, pneumotórax, infecção no sítio de gastrostomia, prolapso de mucosa gástrica pelo orifício da gastrostomia com sangramento, e deiscência da ferida operatória. Somente esta última complicação foi tratada com novo procedimento cirúrgico. Quase metade (42,8%) dessas complicações ocorreu em pacientes menores de 1 ano e operados via laparotomia. Embora a frequência de complicações entre as crianças com encefalopatia crônica (71,5%) tenha sido superior à observada entre as crianças neurologicamente saudáveis (28,5%), essa diferença não foi significante. A frequência de complicações foi superior quando a cirurgia foi realizada por laparotomia (4/10) versus a via videolaparoscópica (3/35), P= 0,034 (teste exato de Fisher).

EDA pós-operatória Quanto aos achados endoscópicos pós-operatórios, verificou-se retorno ou persistência de esofagite péptica em 6 dos 45 pacientes (13,3%). Além deste achado, foram observados cinco casos de hérnia paraesofagiana, dos quais quatro eram encefalopatas crônicos. Em três dessas crianças a hérnia estava associada à presença de esofagite erosiva.

Em três pacientes a válvula antirrefluxo apresentava deslocamento para o tórax, um dos quais evoluiu para o desmanche parcial da válvula. Este último paciente foi posteriormente reoperado para a correção deste problema. Um paciente apresentava desmanche total da válvula, associado à subestenose de esôfago e esofagite péptica grau D de Los Angeles, sendo necessária nova fundoplicatura.

Não houve diferença significante em relação aos achados endoscópicos relacionados ao esôfago entre os pacientes com ou sem encefalopatia crônica (Tabela_1).

Ocorreu melhora da inflamação no esôfago após a cirurgia na maioria dos pacientes com anormalidades endoscópicas no pré-operatório. A esofagite desapareceu ou tornou-se mais leve (grau A ou B de Los Angeles) em todos os exames de EDA no pós-operatório, exceto em um paciente, com diagnóstico de esofagite grau D de Los Angeles, no pré e pós-operatório.

O status pós-operatório foi classificado como fundoplicatura continente e bem posicionada em 41 pacientes, fundoplicatura intratorácica em 3 e desmanche total da fundoplicatura em 1 caso. Não houve associação entre ocorrência de encefalopatia e alteração endoscópica da fundoplicatura, P = 0,62, teste de Fisher (Tabela_2).

A presença de esofagite péptica esteve relacionada à presença de anormalidades na válvula antirrefluxo, P = 0,005, teste exato de Fisher.

A condição da fundoplicatura não se correlacionou com a presença de esofagite no exame endoscópico de pré-operatório (P = 0,474, teste exato de Fisher), assim como, não houve correlação com a presença de esofagite grave, considerando graus C e D de Los Angeles (P = 0,087, teste exato de Fisher). Não foi verificada correlação estatística entre sucesso da fundoplicatura e realização de gastrostomia (P = 0,368, teste exato de Fisher) e piloroplastia (P = 0,713, teste exato de Fisher) no mesmo ato cirúrgico.

A histologia do esôfago distal foi analisada em 36 dos 45 pacientes; em 1 paciente a amostra foi insuficiente e em outros 8 a amostra não foi colhida, que no serviço rotineiro, a biopsia era realizada quando havia anormalidades da mucosa esofágica. A partir do oitavo paciente incluído no estudo, os autores passaram a colher amostra para exame histológico em todos os casos. Um diagnóstico de esôfago de Barrett foi confirmado de imediato ao exame histológico em um paciente com subestenose associada e esofagite grau 2. Este paciente apresentava estenose de esôfago ao exame endoscópico de pré-operatório e necessitou de dilatação. O outro paciente com suspeita endoscópica de esôfago de Barrett, desde o exame de pré-operatório e com subestenose de esôfago associada, apresentava biopsia com esofagite grau 1, resolução da subestenose e ausência de confirmação inicial do diagnóstico de esôfago de Barrett. Essa confirmação histológica ocorreu após a segunda EDA de controle no pós- operatório (8 meses após a primeira endoscopia de seguimento).

Evolução dos sintomas no pós-operatório A maior parte dos pacientes (82,2%) apresentava queixas digestivas no pré- operatório. A metade (53,3%) relatou melhora ou desaparecimento dos sintomas no pós-operatório e 20 pacientes (44,5%) relataram melhora parcial com persistência ou retorno de algum sintoma relacionado com DRGE, sendo o baixo ganho ponderal o sintoma que mais persistiu.

Em relação aos seis pacientes com esofagite erosiva no exame de pós-operatório, um com encefalopatia crônica, evoluiu com melhora clínica total, quatro apresentaram melhora clínica parcial, sendo a metade encefalopatas crônicos e apenas um paciente, com ECNP, manteve sintomas após a cirurgia, aquele com subestenose de esôfago e esofagite grau D de Los Angeles.

Os dois pacientes com esôfago de Barrett referiam melhora total dos sintomas no período pós-operatório.

Não houve relato de aparecimento de qualquer novo sintoma após o procedimento cirúrgico. Na Tabela_3 o resumo dos resultados gerais.

DISCUSSÃO A endoscopia digestiva alta, realizada no período pós-operatório de fundoplicatura, identificou anormalidades da válvula antirrefluxo em cerca de 10% de 45 crianças e adolescentes. Esta avaliação foi realizada entre o primeiro e segundo ano após a fundoplicatura e incluiu 57,8% de pacientes encefalopatas crônicos. Desmanche total da válvula antirrefluxo foi identificado em um paciente. A endoscopia digestiva alta permitiu a detecção dos diagnósticos pós-operatórios de esofagite péptica, subestenose péptica de esôfago e suspeita de esôfago de Barrett, além de permitir a obtenção de biopsias, sob visualização direta, dos locais macroscopicamente alterados.

Recidiva ou persistência da DRGE foi identificada em seis pacientes.

Intercorrências relacionadas à cirurgia de fundoplicatura estão associadas a maior gravidade da DRGE e essa ocorrência é frequentemente relacionada a algumas características clínicas, entre elas associação com pneumopatia e encefalopatia crônicas(6, 12, 14). Considerando essa premissa, a casuística analisada no presente estudo incluiu mais da metade dos pacientes pertencentes a grupo de risco para DRGE grave, implicando em maior morbidade cirúrgica e maior risco para desmanche da válvula.

Apesar das descrições de maior frequência de complicações cirúrgicas no paciente encefalopata, este fato não foi estatisticamente comprovado, na presente casuística. O número total de complicações cirúrgicas imediatas ou precoces foi relativamente alto (15,5%), mas similar ao observado por outros autores, que relataram percentuais variando de 0% a 15% em crianças e adolescentes operados, predominantemente, pela técnica de Nissen(2, 3, 7, 28, 38). As complicações ocorridas no pós-operatório foram estatisticamente mais frequentes entre os pacientes que realizaram a fundoplicatura de Nissen por laparotomia. Neste grupo estão incluídas as crianças abaixo de 1 ano, nas quais a laparoscopia não foi utilizada por limitações de equipamento. Além disso, o maior índice de complicações está claramente ligado à presença de complicações relacionadas à ferida operatória, as quais obviamente não ocorrem após a laparoscopia.

O percentual de anormalidades da válvula antirrefluxo no presente estudo foi de 8,9% (4 em 45 pacientes), compatível com o que é descrito na literatura, com variação de 5% a 20% (3, 28, 37, 38). Os resultados desta série diferiram do que foi encontrado no estudo de GUARINO et al.(11), no qual se identificou anormalidades na válvula antirrefluxo em quase 50% das 109 crianças neurologicamente saudáveis e sem sintomas respiratórios, avaliadas com tempo médio de fundoplicatura de 18 meses. ZEID et al.(38) encontraram anormalidades na válvula antirrefluxo em 3 de 26 crianças neurologicamente saudáveis, com média de seguimento de 28 meses. Os autores observaram que dois dos três pacientes com anormalidades na válvula antirrefluxo (desmanche total) apresentavam estenose de esôfago no pré-operatório, fato semelhante ao observado no presente estudo, no qual o único paciente com desmanche total da válvula antirrefluxo apresentou esofagite grau D de Los Angeles associada à subestenose péptica de esôfago. Aparentemente, casos com esofagite pré- operatória mais grave dificultam a confecção cirúrgica da válvula, estando provavelmente associados a maior índice de insucesso. No presente estudo não foi observado associação estatística entre esofagite grave pré-operatória e sucesso da fundoplicatura.

Anormalidades na válvula antirrefluxo associaram-se à esofagite péptica, de maneira semelhante à encontrada por GUARINO et al.(11) nos estudos endoscópicos realizados entre 1 a 2 anos de pós-operatório. A fundoplicatura intacta parece prevenir a recurrência da DRGE e a recidiva da doença é mais frequente quando o exame endoscópico mostra defeitos na válvula antirrefluxo.

Segundo JAILWALA et al.(16), a avaliação de deslocamento e desmanche parcial ou completo da válvula antirrefluxo tem maior precisão quando avaliada pelo exame endoscópico que pelo estudo radiológico contrastado. Esses autores encontraram desmanche da válvula antirrefluxo em três de quatro pacientes com esofagite péptica à endoscopia digestiva alta. O estudo radiológico contrastado pode detectar anormalidades estruturais em casos extremos, sendo a visualização direta oferecida pela EDA mais sensível.

Estudos envolvendo apenas encefalopatas crônicos e a avaliação no pós- operatório de fundoplicatura evidenciam retorno da DRGE, confirmado por exame complementar, em 40% a 48% dos casos, e necessidade de nova cirurgia em 15% a 25% dos casos(10, 24). GOESSLER et al.(10) observaram que a recurrência do refluxo teve correlação significativa com o grau de desnutrição encontrada no pré-operatório, sendo mais prevalente nos desnutridos graves. Alguns autores acreditam que o retardo do esvaziamento gástrico também pode contribuir para maior insucesso cirúrgico(7, 29), assim como episódios de convulsão, espasticidade e doenças respiratórias associadas, situações em que ocorreria aumento da pressão intra-abdominal, favorecendo anormalidades na fundoplicatura e retorno do refluxo(19, 20).

Hérnia paraesofagiana foi diagnosticada em cinco pacientes (11,1%), sendo quatro encefalopatas crônicos. Ocorrência semelhante à descrita na literatura, com frequência variando de 2,6% a 16,8% (1, 7, 28). Esta complicação pode levar à recurrência da DRGE por favorecer alterações na válvula antirrefluxo. A realização de hiatoplastia robusta é recomendada para evitar esta complicação (1, 7, 17, 28).

Em estudo multicêntrico recente, foi observado que a prevalência de esôfago de Barrett, com suspeição ao exame de EDA em crianças e adolescentes é baixa e reduz-se para menos da metade quando considerado o diagnóstico histológico confirmatório(5). JONES et al.(18) relataram que pouco mais do que 20% dos casos de adultos com esôfago revestido por epitélio colunar podem ter o diagnóstico de metaplasia intestinal especializada em exames subsequentes, o que justificaria o seguimento destes pacientes. É possível que a presença da subestenose péptica de esôfago, identificada na endoscopia de pré-operatório, tenha dificultado a avaliação adequada da mucosa do esôfago distal, diminuindo a sensibilidade do exame para suspeita de esôfago de Barrett em um dos pacientes e, assim, prejudicado a coleta de biopsias para o diagnóstico. Como o aspecto endoscópico da válvula antirrefluxo estava preservado neste paciente, é pouco provável que o desenvolvimento de esôfago de Barrett tenha ocorrido após a cirurgia. O mais provável é que o esôfago de Barrett existia no pré- operatório e não foi corretamente diagnosticado.

Em crianças, pouca correlação tem sido encontrada entre os achados histológicos de esofagite e sintomas, achados endoscópicos e achados de monitorização prolongada do pH intraesofágico, tanto qualitativa como quantitativamente(31, 36). Enquanto várias anormalidades são descritas na esofagite de refluxo, o critério histológico varia entre os mais experientes patologistas(13) e os achados não são específicos(33). No presente estudo optou-se pelo critério histológico apresentado por GEBOES et al.(9), em 1991, e também utilizado por VANDENPLAS et al.(34). A esofagite de refluxo apresenta-se como lesão irregular, com lacunas, devendo-se considerar a possibilidade de um paciente com esofagite endoscópica erosiva apresentar exame histológico normal ou com alterações de leve a grave intensidade(13).

Os achados desta série de associação entre anormalidades na válvula antirrefluxo e esofagite, indicam a necessidade de realizar biopsia esofágica quando anormalidade na válvula antirrefluxo, mesmo frente a aspecto macroscopicamente normal da mucosa esofágica.

Os resultados relacionados aos sintomas no pós-operatório são compatíveis com os resultados encontrados em estudos anteriores, em adultos e em crianças e adolescentes, mostrando baixa correlação entre sintomatologia e achados endoscópicos (4, 8, 11, 24, 32). Os sintomas de DRGE podem persistir ou recorrer mesmo sem anormalidades na válvula antirrefluxo, e pacientes com anormalidades relacionadas ao esôfago, como esofagite erosiva ou esôfago de Barrett, podem ser assintomáticos. Estes resultados são recurrentes em estudos que incluíram pacientes com encefalopatia crônica e neurologicamente saudáveis (11, 24, 32). Na casuística estudada, a maior parte dos pacientes com anormalidades relacionadas ao esôfago eram encefalopatas crônicos, o que prejudicou a confiabilidade quanto à presença ou não de sintomas no período pós-operatório.

A EDA foi útil para avaliar os pacientes em pós-operatório tardio de fundoplicatura para DRGE, além de informar objetivamente sobre a condição da válvula antirrefluxo, permitiu diagnosticar a presença de subestenose, esofagite péptica e casos suspeitos de esôfago de Barrett, com recurso de realizar biopsias para confirmação deste último diagnóstico. Acredita-se que seja método complementar necessário para avaliação de pacientes que realizaram fundoplicatura, uma vez que o achado de esofagite persistente ou recurrente apresenta baixa correlação com presença de sintomas clínicos e é específico para falha do tratamento cirúrgico.

São desejáveis outros estudos com maiores casuísticas, desenhos prospectivos e longitudinais, com o objetivo de definir um programa de seguimento para os pacientes operados por DRGE.


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