Análise do impacto da cirurgia bariátrica em uma população do centro do estado
do Rio Grande do Sul utilizando o método BAROS
ARTIGO ORIGINAL ORIGINAL ARTICLE
Análise do impacto da cirurgia bariátrica em uma população do centro do estado
do Rio Grande do Sul utilizando o método BAROS
Analysis of the bariatric surgery impact in a population from the center area
of Rio Grande do Sul State, Brazil, using the BAROS method
Carlise Felkl PrevedelloI; Elisângela ColpoI; Elveni Teresinha MayerII; Hairton
CopettiIII
ICentro Universitário Franciscano, Santa Maria, RS
IIUniversidade do Contestado, Concórdia, SC
IIIUniversidade Federal de Santa Maria, RS
Correspondência
INTRODUÇÃO
A obesidade é hoje um grave problema de saúde pública que atinge praticamente o
mundo todo, sobretudo os países desenvolvidos e em desenvolvimento. O aumento
da prevalência de obesidade em várias regiões do planeta vem se revelando como
um dos mais importantes fenômenos clínico-epidemiológicos da atualidade,
independente de condições econômicas e sociais(3, 22, 23, 29).
A obesidade é uma doença crônica universal, caracterizada pelo acúmulo
excessivo de gordura corporal. Trata-se de fenômeno multifatorial que envolve
componentes genéticos, comportamentais, psicológicos, sociais, metabólicos e
endócrinos(7, 8, 11, 23).
A obesidade grave é uma das doenças que mais matam no mundo em decorrência de
suas comorbidades, estando na lista das 10 doenças mais mortais do planeta. É o
fator de risco mais importante para o desenvolvimento de diabetes mellitus tipo
2, além disso está relacionada com o desenvolvimento da hipertensão arterial
sistêmica (HAS), insuficiência cardíaca congestiva, dislipidemia e
aterosclerose, contribuindo, assim, para maior risco de morbimortalidade por
doenças cardiovasculares. Também é responsável por desencadear artropatias,
hipoventilação ou síndrome da apneia do sono e muitas outras condições
patológicas, reduzindo, assim, a qualidade de vida e a auto-estima do paciente.
Devido a todas comorbidades associadas à obesidade, somando-se os aspectos
emocionais abalados, pacientes muito obesos têm taxa de mortalidade até 12
vezes maior que a população em geral(2, 4, 5, 7, 11, 13, 15, 24, 29).
A obesidade também pode estar associada a maior incidência de complicações
cirúrgicas e obstétricas, e maior suscetibilidade a acidentes. Apesar da
obesidade não estar associada ao aumento de risco em problemas psiquiátricos,
esses pacientes têm maior propensão a problemas econômicos, sociais e psíquicos
e, muitas vezes, sentem-se discriminados na vida pessoal e profissional. Devido
a isto, esta doença tem sido apontada como um dos fatores contribuintes para a
baixa-estima, o isolamento social e a depressão(6, 8, 9).
Neste contexto, os pacientes com obesidade grave devem ser encarados como
pessoas que possuem menos qualidade de vida e condições clínicas que podem
levá-las a morte. Por estes motivos, são necessárias abordagens eficientes para
promover significativa redução de peso. A orientação dietética, a programação
de atividade física e o uso de fármacos anti-obesidade são os pilares
principais do tratamento. Porém, a terapia clínica tem sucesso limitado a curto
prazo e quase inexistente a longo prazo(13, 27). De acordo com SEGAL e FANDIÑO
(29) não há manutenção na perda de peso, pois cerca de 95% dos pacientes
recuperam seu peso inicial em até 2 anos de tratamento convencional.
A indicação do tratamento cirúrgico deve basear-se numa análise abrangente de
múltiplos aspectos clínicos. A avaliação desses pacientes no pré e pós-
operatório deve ser realizada por equipe multidisciplinar. São candidatos ao
tratamento cirúrgico pacientes com o IMC maior que 40 kg/m2 ou com IMC superior
a 35 kg/m2 associado à comorbidades, fracasso de métodos conservadores de
emagrecimento bem conduzidos, condições psicológicas para cumprir a orientação
dietética no pós-operatório e ausência de causas endócrinas de obesidade(5, 12,
18, 27).
Para avaliar a eficiência e impacto da cirurgia bariátrica na qualidade de vida
destes pacientes é importante utilizar métodos padronizados e respeitados.
Entre os muitos conhecidos, pode-se destacar o de BAROS (Bariatric Analysis and
Reporting Outcome System) de ORIA e MOOREHEAD(20), método avaliado e
reconhecido internacionalmente, prático e eficiente para a estimativa dos
resultados do tratamento cirúrgico da obesidade mórbida, pois se baseia na
análise de importantes aspectos que devem se modificar na saúde e na vida dos
pacientes pós-cirurgia bariátrica: a perda do excesso de peso, melhora da
comorbidez e da qualidade de vida e também de eventuais complicações da
cirurgia(11, 19, 20).
Devido ao aumento de procedimentos cirúrgicos para promover a perda de peso,
nos dias atuais, o objetivo deste trabalho foi analisar o impacto da cirurgia
bariátrica em uma população do centro do Estado do Rio Grande do Sul utilizando
o método BAROS.
MATERIAL
Foi realizado estudo retrospectivo no período de março a junho de 2007, em
pacientes que realizaram cirurgia bariátrica de acordo com as técnicas de
bypass gástrico e derivação biliopancreática em uma clínica particular de Santa
Maria, RS. Participaram do estudo 32 pacientes com evolução cirúrgica de 6 a 30
meses de pós-operatório. Todos assinaram o termo de consentimento livre e
esclarecido com autorização de seus dados, após o projeto de pesquisa ser
aprovado pelo comitê de ética do Centro Universitário Franciscano com o número
de protocolo 218.2006.2.
Métodos
Por meio de visitas periódicas na clínica e nas residências dos pacientes,
foram realizadas entrevistas e análise do prontuário médico. Durante as
entrevistas, foram aplicados os questionários sobre a qualidade de vida no pós-
operatório (PO) de cirurgia bariátrica, segundo ORIA e MOOREHEAD(20), e aferido
o peso atual, com balança de uso pessoal, para posterior cálculo da percentagem
de perda que faz parte da aplicação do método BAROS.
A perda de peso foi avaliada através das diferenças dos pesos e IMC no pré e
pós-operatório, como também o percentual de perda do excesso de peso (%PEP) no
pós-operatório. Os IMCs foram classificados conforme a tabela adaptada da OMS
(30).
Dados de peso e altura foram obtidos da avaliação nutricional pré-cirúrgica.
Durante a entrevista, os pacientes foram questionados sobre o hábito
intestinal, consumo de tabaco, prática de atividade física, uso de medicação
para perda e peso, entre outros.
Depois dos dados compilados, as informações foram analisadas através da
pontuação das tabelas e do questionário integrantes do método BAROS. De acordo
com o preenchimento destas tabelas e do questionário, os pacientes receberam
uma pontuação, sendo que as complicações e as reoperações reduziam pontos.
Conforme sua pontuação final, os pacientes foram enquadrados em um dos grupos
que recebeu a denominação adequada a sua evolução cirúrgica: insuficiente,
aceitável, bom, muito bom ou excelente.
Os 32 pacientes foram divididos em três grupos: grupo B (até 6 meses de PO),
grupo C (de 7 a 18 meses de PO) e grupo D (de 18 a 30 meses de PO), a fim de
traçar um paralelo comparativo destes três grupos conforme sua evolução
cirúrgica no pós-operatório em relação ao grupo controle, que são os mesmos
pacientes no pré-operatório (grupo A).
Os resultados foram expressos em médias () e
erro-padrão (EP) e comparados nos diferentes grupos de evolução cirúrgica e no
grupo controle (pré-operatório) através do software Statistic 6.0., utilizando
os testes ANOVA uma via e Post-Hoc seguido de Duncan's, além de Medidas
Repetidas quando necessário. Foram considerados estatisticamente significativos
os dados com P<0,05.
RESULTADOS
Em relação aos 32 pacientes submetidos a cirurgia bariátrica, 75% foram do sexo
feminino e 25% do sexo masculino. A idade variou de 19 a 44 anos, com média de
32,4 anos. A caracterização étnica, o estado civil e a escolaridade dessa
população estão dispostos na Tabela_1.
De acordo com a Figura_1, pode-se observar que 68,8% da população apresentava
hábito intestinal normal anteriormente à cirurgia. Após a cirurgia, os
pacientes tiveram melhora em relação a constipação, aumentando o hábito
intestinal normal para 84,4% no pós-operatório. Já a diarreia permaneceu com
índices de 6,25%.
Quanto ao uso do tabaco (Figura_2), após a cirurgia houve diminuição do seu
consumo, pois dos seis pacientes que apresentavam esse hábito, dois deixaram de
fumar, ou seja, 33,3%.
Em relação à prática de atividade física, nenhum dos pacientes relatou estar
realizando-a regularmente antes da cirurgia. Após o procedimento cirúrgico,
34,4% dos pacientes realizavam atividade física no momento da entrevista,
conforme Figura_2. Outra relação constatada foi o percentual de realização de
atividade física entre os grupos: no grupo B, 62,5% dos entrevistados
realizavam atividade física regularmente, enquanto no grupo C foi demonstrado
36,4% e no grupo D apenas 15,4%, demonstrando que conforme o período de pós-
operatório e quanto mais próxima a perda de peso do ideal desejado, maior é o
desinteresse dessa população pela prática de atividade física.
Em relação ao peso dos pacientes, no pré-operatório (grupo controle) houve
média de 118,8 kg (± 2,89), no grupo B 89 kg (± 5,69), no grupo C 76,8 kg (±
4,85) e no grupo D 76 kg (± 4,46), conforme a Figura_3, demonstrando perda de
peso gradativa de acordo com o tempo pós-cirúrgico e estabilização desse peso
próximo aos 19 meses de cirurgia.
As médias observadas dos IMCs (Figura_4) foram de 43,6 kg/m2 (± 0,9) no grupo
controle, 34,3 kg/m2 (± 1,78), no grupo B, 27,3 kg/m2 (± 1,51) no grupo C, e no
grupo D 28,4 kg/m2 (± 1,39), evidenciando queda significativa e gradativa do
IMC até o 18º mês e após ganho de massa corpórea no grupo D.
O %PEP teve média total de 55% (± 2,66), sendo 42% (± 2,91) no grupo B, 57,7%
(± 3,32) no grupo C, e 64,9% (± 4,21) no grupo D, evidenciando perda de peso
gradativa de acordo com o período de pós-operatório.
De acordo com a aplicação do método BAROS, os pacientes que participaram da
pesquisa tiveram a seguinte classificação: excelente (21,9%), muito bom (50%),
bom (28,1%) e nenhum dos pacientes teve evolução aceitável ou insuficiente
(Figura_5).
DISCUSSÃO
O predomínio do sexo feminino na população pode ser entendido pela citação de
MAZZEO et al.(18), em que mulheres de todos os grupos étnicos possuem maior
possibilidade do que homens em submeter-se a cirurgia bariátrica. Isto pode
estar relacionado a maior motivação das mulheres obesas do que os homens obesos
em perder peso, talvez em consequência das pressões a respeito da estética. No
estudo "The worldwide obesity epidemic", JAMES et al.(17) afirmaram que na
maioria dos países, as mulheres possuem distribuição maior de IMC e obesidade
que os homens, justificando assim, sua maior procura pela cirurgia bariátrica.
De acordo com os resultados do presente estudo pode-se relatar que a cirurgia
bariátrica contribuiu para a melhora do hábito intestinal, o aumento da prática
de atividade física e a diminuição do uso do tabaco nessa população.
Analisando os resultados do estudo de QUADROS et al.(25), a diarreia e a
constipação estiveram presentes entre os pacientes no pós-operatório em
percentagens pequenas e menores que no presente estudo, respectivamente 4,24% e
2,42%. A diarreia pode ser explicada devido ao consumo excessivo de
carboidratos simples (resultado da síndrome de dumping) e alimentos gordurosos,
associados à exclusão do duodeno e a maior parte do jejuno proximal. Esta
manifestação pode ser amenizada pelo incentivo ao controle dietético e à
reeducação alimentar no pós-operatório.
Em estudo de REIS et al.(26), ocorreu diminuição de 50% do uso do tabaco, maior
que no presente estudo que foi de 33,3%. No mesmo estudo, analisando a prática
de atividade física no pré e pós-operatório, houve aumento de 28,6% da prática
de atividade física no pós-operatório, dado menor que o encontrado na presente
série que foi de 34%.
De acordo com FUJIOKA(10), em 18 a 24 meses após a cirurgia bariátrica, quase
todos os pacientes declinaram a perda de peso e por consequência mantiveram ou
passaram pelo período de reganho de peso. HSU et al.(16) descreveram perda de
peso em 30% dos pacientes, passando por seu aumento posteriormente.
De acordo com estudo realizado na Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo(12), o peso médio no pré-operatório de pacientes que se submeteram a
gastroplastia vertical com derivação gastrojejunal em Y-de-Roux foi de 142,6
kg, após 6 meses 104 kg, até 12 meses 88,6 kg e de 18 a 24 meses 90,4 kg. As
médias de peso confirmam a perda de peso gradativa e demonstram o reganho após
18 meses de cirurgia, fato não observado neste estudo.
As variações não significativas de peso nos grupos C e D podem ser explicadas,
de acordo com a "American Society for Metabolic & Bariatric Surgery"(1), em
que é justamente o momento do paciente reestabilizar a massa magra do corpo
apropriada ao peso corporal total.
No estudo de PARADIS et al.(21) encontrou-se IMC pré-operatório de 56,7 kg/m2
(± 4,2), consequentemente, o IMC até 6 meses de PO teve média 40,3 kg/m2 (±
3,5), resultados mais elevados que no presente estudo. Porém, o resultado do
IMC até 24 meses de PO teve o mesmo resultado deste estudo, que compreende os
24 meses de PO, ou seja, 28,4 kg/m2 (± 1,4). Pode-se observar nestes estudos
que quanto maior o tempo de PO, maior a dificuldade de perda de peso.
Em estudo publicado no Chile por GONZÁLEZ et al.(14), com 31 pacientes
submetidos a bypass gástrico com mais de 12 meses de PO, o resultado observado
da avaliação da cirurgia bariátrica, de acordo com o escore de BAROS, foi
excelente em 58,1% dos pacientes, muito bom em 22,6%, bom em 16,1%, e 3,2%
aceitável, não tendo nenhum paciente com evolução insuficiente. Já em estudo
brasileiro, FARIA et al.(8) avaliaram 160 pacientes com obesidade mórbida que
foram submetidos a gastroplastia redutora com bypass gástrico em Y-de-Roux com
anel de contenção (operação de Fobi-Capella) nos anos de 2000 a 2002, obtendo
os seguintes resultados: excelente 60,6%, muito bom 26,8%, bom 9,8% e ruim
2,8%. Resultados mais satisfatórios foram encontrados no presente estudo, de
acordo com o método BAROS.
CONCLUSÕES
A evolução de perda de peso desta população foi gradual, de acordo com os
tempos de PO, fato também observado em outros estudos nacionais e
internacionais consultados. Porém, estes pacientes não apresentaram reganho de
peso após 18 meses de PO como na maioria dos estudos, possivelmente pela
prática de atividade física observada.
Os resultados do método BAROS destacaram a eficiência da cirurgia nesta
população, pois os pacientes apresentaram classificações excelente, muito bom e
bom, não apresentando classificação insuficiente. Somando estes dados com a
melhora do hábito intestinal e prática de atividade física, pode-se observar
que a cirurgia bariátrica apresentou efeitos satisfatórios nessa população.