Métodos de pesquisa em avaliação de tecnologia em saúde
FÓRUM DO JOVEM PESQUISADOR YOUNG RESEARCHER FORUM
Métodos de pesquisa em avaliação de tecnologia em saúde
Health technology assessment: research methodology
Marcelo Eidi NitaI; Silvia Regina SecoliI; Moacyr NobreIII; Suzane Kioko Ono-
NitaI
IDepartamento de Gastroenterologia, Faculdade de Medicina, Universidade de São
Paulo (USP)
IIEscola de Enfermagem USP
IIIUnidade de Epidemiologia Clínica, Instituto do Coração, Hospital das
Clínicas, Faculdade de Medicina USP, São Paulo, SP
Correspondência
INTRODUÇÃO
O nosso sistema de saúde, baseado em conceitos de universalidade e equidade da
assistência à saúde teve um grande avanço com a criação do Sistema Único de
Saúde - SUS. No entanto, carências neste modelo culminaram com o
desenvolvimento da saúde suplementar ou privado. Ainda assim, há uma ênfase na
melhora da eficiência do sistema de saúde, o que tem criado a necessidade
explícita de realizar quantificação e justificativa de benefícios e custos
associados aos serviços de saúde e terapias específicas, no sentido de haver
decisões clínicas mais eficientes. Desta forma, observa-se no contexto mundial
um crescimento expressivo de estudos de avaliação de tecnologias em que são
utilizadas técnicas sofisticadas para comparar distintas alternativas de
tratamentos.
A avaliação de tecnologia em saúde (ATS) pode ser entendida como a pesquisa
sistemática da melhor evidência disponível da eficácia ou de efetividade de uma
tecnologia em saúde, e dos custos relacionados a ela. O intuito da ATS é
permitir que sistemas ou organizações de saúde, como por exemplo, hospitais e
clinicas possam aumentar a qualidade e o bem estar do paciente e otimizar a
relação de custo-efetividade, ou seja, a eficiência de produtos para saúde
(definições na Figura_1). As tecnologias em saúde são definidas como
medicamentos, procedimentos médicos, equipamentos e, até mesmo, programas de
cuidados para saúde, como por exemplo, aconselhamento nutricional.
Em sua essência, a ATS pode ser vista pela perspectiva clinica e econômica.
Dada a complexidade dessa "união", especialmente porque cada uma das
perspectivas apresenta particularidades no que concerne a terminologias e
técnicas, foi essencial o envolvimento de outras áreas do conhecimento para a
realização dos estudos de ATS.
No que tange ao aspecto clínico, a ATS possibilita a integração da ciência na
prática de cuidados à saúde, ou seja, adota a medicina baseada em evidência
(MBE), fruto esta do conhecimento de disciplinas como a epidemiologia clínica,
bioestatística e saúde pública. A MBE permite aliar o rigor metodológico dessas
áreas de conhecimento à experiência clínica do profissional da saúde no manejo
diário do paciente.
Pelo lado econômico, a ATS pode ser vista como a otimização do benefício
clínico em relação aos recursos, inclusive monetários, empregados nos cuidados
à saúde, ou seja, a economia da saúde, produto este do conjunto de conhecimento
de áreas da saúde, de gestão e da economia. A economia da saúde permite
identificar os recursos associados aos cuidados em saúde, visando a melhor
alocação destes entre as diferentes tecnologias que competem entre si.
Em suma, a agregação da análise dos benefícios clínicos e dos custos da
prestação do serviço em saúde permite, por meio da realização dos estudos de
custo-efetividade ou utilidade, que as tomadas de decisão, independente do
nível da esfera decisória, sejam feitas de modo objetivo, transparente e,
principalmente, fundamentada em parâmetros que agreguem valor e sejam
reconhecidos entre profissionais da saúde (médicos, enfermeiros,
nutricionistas, farmacêuticos, fisioterapeutas, dentistas, etc), entre
pacientes e entre gestores de serviços de saúde.
Tendo em vista a importância da ATS como área de conhecimento emergente e
determinante da nossa prática diária, o escopo deste é destacar conceitos
teóricos que possam subsidiar a realização de pesquisas nesta área e auxiliar
na tomadas de decisões na prática clínica.
Aspectos essenciais da pesquisa em ATS
Nosso objetivo então é a elaboração de investigações científicas de qualidade
sobre a eficácia e efetividade, bem como, acerca da eficiência, que tragam
impacto prático no cenário brasileiro no que tange a melhoria contínua do nível
de saúde.
A avaliação da eficácia, efetividade e eficiência encontram-se atreladas ao
desenvolvimento de projetos de pesquisas clínicas, revisões sistemáticas da
literatura e metanálise, modelos de decisão clínica ou análises econômicas em
saúde. Todavia, a elaboração desses estudos requer inicialmente a apresentação
de uma pergunta de pesquisa, ou seja, uma idéia ou questão clínica. De fato,
todo projeto de pesquisa deve iniciar com uma pergunta de pesquisa que
apresente características FINERS ("feasible, interesting, novel, ethical,
relevant and specific") para garantir que a pesquisa aborde temas de
aplicabilidade no dia-a-dia, assim como o uso do PICO ("patient, intervention,
control and outcomes") que assegure que a pergunta apresente os ingredientes
sine qua non para a sua realização. A partir da definição da pergunta da
pesquisa é possível vislumbrar as melhores opções de métodos e técnicas a serem
descritas no nosso protocolo de pesquisa.
A seguir listamos, a titulo de exemplo, algumas perguntas que podem ser feitas
e a relação que pode ser estabelecida com os tipos de estudo:
1) Este tipo de tratamento clínico (tecnologia) reduz a mortalidade
quando comparado com o tratamento endoscópico em pacientes com
diagnóstico de úlcera péptica com sangramento ativo?
2) Qual a melhor opção entre os diversos tipos de intervenção
cirúrgica para o paciente com câncer gástrico precoce, em termos de
sobrevida em 5 anos?
3) Qual será o prognóstico do paciente com diagnóstico recém
estabelecido de doença de Crohn?
4) Entre as várias opções de tratamento clínico para a erradicação do
Helicobacter pylori, qual apresenta a melhor relação de custo-
efetividade?
5) Qual o tratamento clínico com melhor impacto na qualidade de vida
do paciente com hepatite crônica por vírus C?
Para as questões 1 e 2, provavelmente, as melhores alternativas de pesquisa
sejam o estudo clínico controlado e randomizado (ECCR) e a revisão sistemática
com metanálise. A questão 3 pode ser respondida por estudos de coorte; a 4 por
estudos de economia da saúde. A última pergunta (5) remete à necessidade de um
tipo especial de estudo denominado "patient reported outcomes" (PRO), que no
caso do exemplo possibilitará a avaliação da qualidade de vida relacionado à
saúde ("health related quality of life" - HRQOL) do paciente com hepatite C.
Desse modo, é importante enfatizar que nem toda investigação necessita de um
ECCR, dito como padrão-ouro da MBE. O melhor desenho de estudo irá depender da
formulação da pergunta da pesquisa.
Desenhos de pesquisa clínica, de efetividade e econômica
Uma vez estabelecidos a pergunta da pesquisa temos, pois, de associar esta aos
diferentes métodos e técnicas envolvidas nos desenho de estudos. Inicialmente,
vamos verificar se os pesquisadores realizam uma intervenção que expõe o
individuo a alguma tecnologia de saúde como, por exemplo, um novo medicamento,
ou novo tipo de intervenção endoscópica, ou mesmo novo tipo de curativo para
auxiliar a cicatrização de feridas. Caso haja, o estudo é denominado
experimental, caso contrário, trata-se de estudo observacional.
Desse modo, estudos clínicos, cuja participação do pesquisador restringe-se a
observar os eventos, sem desempenhar um papel ativo, recebem a denominação de
observacional. São exemplos desse tipo de estudo a coorte e o caso-controle,
que se destinam, na maioria das vezes, a avaliar o risco de um dado desfecho.
Reparem que o estudo experimental é um tipo especial de coorte em que a seleção
dos grupos de tratamento, natureza das intervenções e manejo durante o
seguimento e aferição dos resultados são determinados pelo pesquisador - são os
chamados ensaios clínicos.
No estudo experimental, a classificação em randomizado ou não, depende da
aleatoriedade da alocação do tratamento ou da tecnologia. No caso de ser
aleatória, o estudo recebe a denominação de estudo clínico randomizado; caso
contrário, será estudo clínico não-randomizado. Esses estudos podem, ainda,
apresentar um grupo comparador ou controle. Estudos experimentais são,
frequentemente, de dois braços, sendo um controle, ocasião em que serão
chamados estudos clínicos controlados e randomizados (ECCR).
Segundo Nobre(11) há, basicamente, três tipos principais de desenhos de estudo
ou pesquisa: transversal, caso-controle e coorte sua variante mais conhecida o
ECCR, cujas características são descritas na Figura_2.
Há, ainda, os chamados estudos de síntese do conhecimento, representados pela
revisão sistemática (RS) e metanálise (MA). No âmbito atual, ambos representam
avanço importante entre os métodos científicos empregados na saúde e em
especial na ATS. Possivelmente, este será o primeiro passo em um estudo de ATS,
ou seja, só vale a pena estudar a relação de custo e benefício de uma
tecnologia se esta for comprovadamente eficaz.
A RS é um processo objetivo e criterioso de pesquisa que utiliza método de
busca compreensiva e extensiva da evidência clínica, sendo totalmente distinto
das revisões narrativas tradicionais. A MA é método estatístico que permite a
agregação de diversos estudos identificados na RS permitindo, então, aumentar a
precisão das estimativas dos desfechos ("outcome variables") clínicos
analisados. Esses métodos não são restritos a ECCR e podem ser empregados, com
alguns cuidados, nos estudos observacionais.
A análise ou modelo de decisão representa importante avanço metodológico que
permite lidar de maneira estruturada com as incertezas inerentes à prática dos
cuidados em saúde. Trata-se de método gráfico, no qual as alternativas ou
tecnologias estudadas são colocadas lado a lado e comparadas diretamente. Para
cada uma dessas "alternativas" são elencadas as probabilidades de ocorrência,
por exemplo, do desfecho, as quais, geralmente, são oriundas de resultados de
estudos clínicos ou observacionais. Desse modo, o modelo permite análise
quantitativa de problemas clínicos e, por esta razão, são usadas,
frequentemente, nos estudos de avaliação econômica em saúde.
Todos os desenhos de estudos apresentados podem subsidiar a construção de
avaliações econômicas como, por exemplo, análise de custo-efetividade e custo-
utilidade. Este tipo de "avaliação" se faz mister em condições onde há
limitação de recursos disponíveis frente a uma demanda por qualidade de vida e
saúde crescentes da população. Hoje são pesquisas obrigatórias quando há
solicitação de inclusão de inovações tecnológicas, como novos medicamentos ou
novos equipamentos médicos, para o acesso e uso disseminado pela comunicada de
profissionais da saúde.
Na prática, quem deve ser o responsável pela decisão de incorporação de nova
tecnologia de saúde no âmbito do SUS ou do sistema privado? O profissional de
saúde, o gestor de saúde, do produtor do insumo ou o paciente? Talvez o melhor
modelo para responder esta pergunta venha do Reino Unido que integra a opinião
de todos os interessados de maneira transparente através do "National Institute
for Health and Cinical Excellence" (NICE).
Assim, os profissionais da saúde e a academia devem se envolver de maneira
crescente na realização destas pesquisas. Num futuro muito próximo, as ATS
serão os principais determinantes da maneira como será realizada a assistência
à saúde.
CONCLUSÃO
Hoje, existe claro avanço nos projetos de pesquisa no Brasil alinhados ao
desenvolvimento científico internacional. No entanto, há ainda muito a fazer
nesta longa caminhada da ATS. A pesquisa aplicada à prática diária, com
identificação de tecnologias, cuja eficácia, efetividade e eficiência sejam
comprovadas, seguramente, levarão a otimização dos benefícios com custos
compatíveis. Em última análise, poderão viabilizar o modelo de assistência à
saúde idealizada na Constituição Brasileira. Desse modo, as pesquisas clínicas
realizadas nos grandes centros universitários e hospitalares devem responder
questões clínicas e econômicas relevantes e determinantes à prática da
assistência da saúde. Assim, torna-se um pré-requisito o pleno domínio das
inúmeras opções metodológicas tanto para sua execução tanto quanto para a sua
leitura e aplicação.
LITERATURA ADICIONAL
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Correspondência:
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