Curso introdutório para as equipes básicas do programa de saúde da família
RELATO DE EXPERIÊNCIA
ENSINO
Curso introdutório para as equipes básicas do programa de saúde da família
Helena Hemiko IwamotoI; Darlene Mara dos Santos TavaresI; Iranilde José Messias
MendesII
IProfa. Assistente do Centro de Graduação em Enfermagem da FMTM, Uberaba -MG
IIProfa. Doutora Visitante do Centro de Graduação em Enfermagem da FMTM,
Uberaba -MG
INTRODUÇÃO
O Governo Federal reconhecendo a distância existente entre os avanços nos
direitos sociais constitucionalmente garantidos e a efetiva oferta dos serviços
públicos, instituiu em 1994 o Programa de Saúde da Família (PSF) como uma
estratégia de reorganização da Atenção Básica à Saúde desencadeada com a
criação, em 1988, do Sistema Único de Saúde (BRASIL, 1988; 1990 e 1997).
Fundamentado no vínculo e na coresponsabilidade entre os profissionais de saúde
e a população, o PSF tem como ponto de partida a família e seu entorno visando
a transformação gradativa da atual realidade sanitária.
Dentre os obstáculos de viabilização do PSF destacamos o perfil do profissional
de saúde, cuja formação predominantemente baseada no modelo biomédico vigente,
de maneira geral, não atende as diretrizes do programa. Desse modo, o Governo
Federal vem estimulando os Estados na criação de Pólos de Capacitação, Formação
e Educação Permanente de Pessoal para Saúde da Família, no qual destacamos o do
Estado de Minas Gerais. O protocolo de intenções entre a Secretaria Estadual de
Saúde e o Ministério de Saúde, iniciou-se em 1994 (Araujo, 1999), culminando
com a efetivação da instalação de um Pólo sob a coordenação da Universidade
Federal de Minas Gerais (PCFEP-SF da UFMG).
Atuando intensivamente no processo de capacitação de pessoal, o PCFEP-SF, da
UFMG, compreende cinco linhas de ações: integração com os municípios e equipes
de saúde, capacitação dos profissionais de nível universitário, capacitação do
auxiliar de enfermagem e de agentes comunitários de saúde, inserção do PSF na
graduação, e produção e incorporação de tecnologias apropriadas (MINAS GERAIS,
1998).
Em 1997, o PCFEP-SF, da UFMG, instituiu um convênio com a Faculdade de Medicina
do Triângulo Mineiro (FMTM) de Uberaba, descentralizando, a partir de 1998, as
atividades de capacitação do pessoal das regiões do Triângulo Mineiro e do Alto
Paranaíba, para a FMTM.
Descrever a experiência dos Cursos Introdutórios do Programa de Saúde da
Família na região do Triângulo Mineiro e do Alto Paranaíba constitui-se no
objetivo deste trabalho.
OPERACIONALIZAÇÃO DAS ATIVIDADES
Constituiu-se um grupo de trabalho com representantes da FMTM - Docentes do
Curso de Graduação em Enfermagem e Medicina, Diretoria Regional de Saúde (DRS)/
Coordenadoria Regional do PSF e Secretaria Municipal de Saúde/Diretoria do
Departamento de Saúde Pública, o qual iniciou suas atividades participando do
1º Encontro de Docentes de Saúde da Família, promovido pelo PCFEP-SF da UFMG.
Neste encontro discutiu-se o conteúdo temático, a metodologia, o planejamento,
os critérios de avaliação, a programação e a operacionalização descentralizada
dos Cursos Introdutórios em Saúde da Família para o ano de 1999 em Minas
Gerais.
O grupo recém constituído, sob a coordenação do Centro de Graduação em
Enfermagem, teve como ponto de partida a elaboração e a distribuição de um
instrumento de coleta de dados para as equipes do PSF e Secretários Municipais
de Saúde, dos municípios jurisdicionados à Delegacia Regional de Saúde (DRS) de
Uberaba, a fim de elaborar o diagnóstico da atuação dos profissionais bem como,
identificar o apoio logístico dos Secretários. Evidenciou-se a necessidade
premente de capacitação profissional das equipes.
Nesta perspectiva, foi promovido o 1º Seminário Regional do PSF em Uberaba com
finalidade de uma discussão conjunta, entre a Universidade e os Serviços, para
viabilizar a instalação dos referidos cursos.
Consolidaram-se, neste momento, os Cursos Introdutórios na região do Triângulo
Mineiro. Capacitar, em especial, enfermeiros e médicos inseridos no PSF na
reorientação e ou no início dos trabalhos em sua área de abrangência bem como,
instrumentalizá-los à capacitação dos Agentes Comunitários de Saúde de suas
equipes foram os objetivos estabelecidos (MINAS GERAIS, 1999).
O curso foi estruturado em três módulos, com carga horária total de 80 horas.
Cada módulo foi desenvolvido mensalmente, organizado em períodos de
concentração e de dispersão, procurando evitar, desta forma, o afastamento
prolongado dos profissionais de suas atividades. Ao final de cada período de
concentração, estabeleceu-se atividades a serem realizadas, pelo grupo, na sua
área de atuação, possibilitando assim, a integralização do conhecimento à
prática cotidiana. Foram ministrados cinco cursos nos municípios de Uberaba e
Patos de Minas, no período de maio a novembro de 1999.
Os docentes que ofereceram os cursos, reuniram-se por diversas vezes, visando a
integração e a coerência no desenvolvimento do conteúdo programático, definido
pelo PCFEP-SF da UFMG. O módulo I, Informação e análise dos princípios,
conceitos e conjunturas do PSF,abordou temas relativos aos modelos explicativos
do processo saúde-doença, modelos assistenciais, organização do PSF em Minas
Gerais e introdução ao planejamento, com carga horária de 24 horas. No módulo
II, Introdução à organização dos serviços de saúde do PSF,trabalhou-se temas
relacionados ao planejamento estratégico, em especial, o participativo local,
diagnóstico de saúde e cadastramento familiar, totalizando 24 horas. O módulo
III, Introdução à organização dos serviços de saúde do PSF e formação do agente
comunitário de saúde (ACS),discutiu formas de instrumentalização para a
capacitação do AOS, utilizando-se da metodologia problematizadora, perfazendo
32 horas.
Para a realização dos trabalhos em sala de aula, dois docentes atuaram como
facilitadores. Buscou-se, de maneira participativa e compartilhada, estimular
os grupos a serem agentes ativos na reconstrução e reflexão dos conteúdos
abordados. Dentre as estratégias de ensino utilizadas destacamos: filmes
seguidos de discussão, dinâmica de grupo, dramatização, desenho, estudo de
caso, exposição dialogada.
A avaliação do curso ocorreu de forma gradativa e participativa, destacando
três momentos. No primeiro utilizou-se um instrumento, composto de doze
questões de múltipla escolha, elaborado pelo PCFEP-SF da UFMG, que avaliou o
conhecimento cognitivo, aplicado no início e no término do curso. Em um segundo
momento, realizou- se uma avaliação escrita, ao final dos dois primeiros
módulos, buscando identificar a adequação dos objetivos ao desenvolvimento do
curso. A última avaliação constituiu-se de um questionário semi estruturado,
aplicado após o término do terceiro módulo. O questionário contemplava a
duração, o conteúdo e a metodologia de cada módulo.
RESULTADOS
Nos Cursos Introdutórios inscreveram-se 150 profissionais, destes 133 pessoas
concluíram o curso, sete não compareceram e dez desistiram no decorrer do
mesmo. Um estudo posterior pode ser realizado para identificar as causas da
desistência, entretanto infere-se que um fator limitante pode ser decorrente da
distância entre o município de origem dos profissionais e o da realização do
curso.
A clientela procedeu de 45 municípios de quatro DRS de Minas Gerais, como pode
ser observada no Quadro_1.
No quadro acima, verifica-se que 56,6% dos participantes são enfermeiros, 28%
médicos e 15,4% de outras categorias, dentre as quais odontólogo, psicólogo,
assistente social e cargos administrativos na DRS.
Verificou-se que 74,1% dos participantes são do sexo feminino. O predomínio das
mulheres nas equipes do PSF, pode ser também observado nos dados apresentados
pelo Ministério da Saúde, representando a enfermagem 90,9% e a medicina 44,0%,
excetuando a região sul, cujo percentual de mulheres (51,9%), ultrapassa o
quantitativo dos homens (BRASIL, 2000).
Quanto a faixa etária cabe assinalar que 54,6% dos participantes enquadravam-se
entre 30 a 49 anos. Estes dados aproximam-se dos achados do Ministério da
Saúde, no qual a maior concentração dos profissionais médicos e enfermeiros
inseridos no PSF, situa-se na faixa etária entre 30 e 49 anos, representada por
62,4% (BRASIL, 2000).
Concernente aos resultados da primeira avaliação, relativo a aplicação do teste
de conhecimento cognitivo, verificou-se que o número de acertos em até seis
questões obteve-se um percentual de 28,9% no pré e de 23,8% no pós teste,
valores bem próximos, o mesmo acorrendo com acertos em 7, 8, 9, 10, 11 e 12
questões, como pode ser observada na Tabela_1.
Esperava-se maior índice de acertos no pós-teste, entretanto aplicando o teste
do c2 aos valores da Tabela_1, encontrou-se o valor de 3,09 (p = 0,79), não
significativo. Quanto ao teste utilizado, duas situações podem ser destacadas,
a primeira de ter sido simplesmente ao acaso e a segunda a impossibilidade do
teste em detectar mudanças comportamentais. Considerando que a metodologia
utilizada está centrada nestas mudanças, que necessitam de tempo, reflexão e é
influenciada pela historia de vida pessoal, e não somente no conhecimento
cognitivo imediato, reconhece-se a limitação do teste utilizado.
Com a avaliação obtida, ao término dos dois primeiros módulos, identificou-se
pontos que contribuíram na reformulação dos cursos subsequentes. De modo geral,
as sugestões de mudanças estavam centradas especialmente em alterações na
estratégia de ensino e ênfase em determinados conteúdos, considerados
significativos para o grupo.
Os resultados da última avaliação foram categorizados, a priori, em ótimo,
regular, extenso e outros. Os mesmos mostraram que a duração, o conteúdo e a
metodologia foram 84,6%, 81,5% e 86,6% de ótimos, respectivamente. Reconhece-se
que além da avaliação no decorrer do curso, faz-se necessário o acompanhamento
das atividades dos egressos. Para tanto, encontra-se em fase de planejamento
uma nova avaliação, objetivando captar possíveis transformações ocorridas na
praxis profissional dos egressos estimuladas pelo trabalho desenvolvido no
curso introdutório.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A proposições atribuídas pelo Ministério da Saúde, para o treinamento
introdutório, são entre outras, a flexibilidade em buscar uma adequação entre
recursos disponíveis e a necessidade das equipes, a sensibilização dos
profissionais para desenvolver um trabalho em parceria com a comunidade e a
possibilidade dos mesmos apreenderem e compreenderem os indicadores do sistema
de informação da atenção básica (SIAB). Posto isto, considera-se que a
realização destes cursos permitiu a instrumentalização das equipes para a
organização inicial do seu processo de trabalho, compreensão ampliada do
processo saúde-doença e possibilidade de intervir nas práticas assistenciais.
Cabe assinalar que, o trabalho no PSF pressupõe o envolvimento de equipe
multiprofissional e da comunidade, bem como articulação intersetorial, que
possibilitem intervenções em saúde, visando também melhorias no meio ambiente
natural e social. Para tanto, recomenda-se a educação permanente de todos os
membros da equipe, assim como da comunidade, objetivando as transformações
almejadas pelo programa.
A complexidade que envolve a interdisciplinaridade e a interinstitucionalidade
constituiu-se em um desafio permanente para o grupo de docentes. A ousadia, a
abertura para o novo, a persistência, a humildade, a cooperação e o respeito às
singularidades foram atitudes e comportamentos que contribuíram para transpor
as barreiras encontradas.
Através das parcerias foi possível a somatória dos recursos financeiros,
materiais e humanos. Coube à FMTM, a coordenação e execução do Curso
Introdutório; à DRS, o processo de seleção e recrutamento dos participantes e
às Secretarias Municipais de Saúde, o apoio financeiro para transporte e
estada, assim como a liberação dos profissionais. Ao PCFEP-SF da UFMG, o apoio
financeiro e pedagógico, essenciais ao desenvolvimento dos cursos.
Face ao exposto, pode-se dizer que foi possível uma articulação de
complementaridade entre o saber e o fazer, levando o grupo a acreditar que o
PSF pode contribuir para a transformação desejada.
Assinala-se que, no contexto atual, os Cursos Introdutórios ainda se apresentam
como uma etapa extremamente válida para uma primeira aproximação com a
filosofia do PSF, porém se reconhece a necessidade de maior aprofundamento
através do Cursos de Especialização.