Comunicação escrita: contribuição para a elaboração de material educativo em
saúde
PESQUISA
Comunicação escrita: contribuição para a elaboração de material educativo em
saúde*
Written communication: contribution for the elaboration of educational material
in health
Comunicación escrita: contribución para elaborar material educativo en salud
Maria de Fátima MoreiraI; Maria Miriam Lima da NóbregaII; Maria Iracema Tabosa
da SilvaIII
IEnfermeira do Hospital Universitário Lauro Wanderley/UFPB, Mestre em
Enfermagem, pela da Universidade Federal da Paraíba
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Adjunto do Departamento de
Enfermagem de Saúde Pública, da Universidade Federal da Paraíba. Pesquisadora
do CNPq
IIIEnfermeira. Doutora em Enfermagem pela EERP/USP. Professora Adjunto do
Departamento de Enfermagem Médico-Cirúrgica e Administração, da Universidade
Federal da Paraíba
1 Introdução
A comunicação é um processo de compreender, compartilhar mensagens enviadas e
recebidas, sendo que as próprias mensagens e o modo como se dá o intercâmbio
exerce influência no comportamento das pessoas nele envolvidas, a curto, médio
e longo prazo(1). A comunicação pode ser verbal e não verbal. A verbal refere-
se ao uso da linguagem falada e da escrita; a não verbal expressa-se através da
postura, dos gestos, da expressão facial, do tom de voz, do afeto, contato
visual(2).
O processo da comunicação é aprendido e pode ser influenciado por atitudes,
experiências, conhecimento, características culturais e étnicas, habilidades de
relacionamento pessoal e fatores ambientais(3). O Ato de comunicar-se
compreende, não apenas o movimento linear de uma fonte ao receptor, mas o
processo de partilha de idéias, atitudes e emoções(4). O objetivo do processo
de comunicação é a transmissão de uma mensagem que é constituída(5) por seis
elementos: emissor, receptor, mensagem, canal, código e referente.
É necessária a existência de, pelo menos, dois interlocutores, para que ocorra
o intercâmbio verbal. Não há emissor sem receptor e o código é o meio pelo qual
o receptor compreende a mensagem. Assim sendo, para ser eficaz
a mensagem requer um CONTEXTO a que se refere ( ), apreensível pelo
destinatário, e que seja verbal ou suscetível de verbalização; um
CÓDIGO total ou parcialmente comum ao remetente ao destinatário ( );
e, finalmente, um CONTACTO, um canal físico uma conexão psicológica
entre remetente e o destinatário, que os capacite a entrar e
permanecer em comunicação (grifos do autor)(5:123).
2 Comunicação em saúde
Comunicação em saúde é o estudo e o uso de métodos para informar e influenciar
as decisões individuais e coletivas que melhoram a saúde. A eficácia dos
programas de educação em saúde dependem da correta comunicação da mensagem, da
base científica da mesma, e deve estar relacionada com a credibilidade da fonte
e com o uso de canais familiares, para alcance do público alvo(6). A
comunicação em saúde tem-se tornando uma ferramenta de promoção de saúde, pois
tem a capacidade de aumentar o conhecimento e a consciência das questões,
problemas e soluções de saúde; influenciar percepções, crenças, atitudes e
normas sociais; demonstrar habilidades; mostrar os benefícios da mudança de
comportamento; aumentar demandas de serviços de saúde; reforçar conhecimentos,
atitudes e mudanças de comportamento; refutar mitos e concepções erradas;
defender questões de saúde ou grupos populacionais; superar barreiras e
problemas sistêmicos(7).
A mensagem poderá ser formada de material impresso ou de recurso áudio-visual e
ser veiculada por vários meios: comunicação de massa (TV, rádio, revista,
jornais, Internet), meios ligados à cultura popular (teatro de bonecos, canções
populares, contadores de histórias) e através da relação interpessoal.
Para o enfermeiro, profissional que acompanha o ser humano, em todo o seu ciclo
vital, a comunicação representa uma das principais ferramentas de trabalho,
indispensável à assistência, em todas as áreas de atuação(1), exigindo dele
amplo conhecimento e extrema habilidade com crianças, pacientes terminais e com
transtornos mentais, com idosos, pacientes analfabetos ou com baixo grau de
escolaridade, de culturas diferentes(8) e com portadores de deficiência
(auditiva ou visual).
Nesse contexto, o enfermeiro ou outro profissional de saúde, que lida com
educação em saúde tem uma função de escolher, selecionar e preparar a mensagem
e determinar seu melhor veículo de comunicação, de modo a possibilitar efetiva
comunicação e assegurar uma assistência que atenda às necessidades do paciente,
pois,
se a comunicação falha, as necessidades do paciente podem permanecer
desconhecidas, seu processo de socialização é interrompido e a
aderência pode diminuir.( ). Por outro lado, o paciente tem
necessidade de apoio, reconhecimento e entendimento, que demandam
comunicação efetiva(12:95).
Um material bem escrito ou uma informação de fácil entendimento melhora o
conhecimento e a satisfação do paciente, desenvolve suas atitudes e
habilidades, facilita-lhes a autonomia, promove sua adesão, torna-os capazes de
entender como as próprias ações influenciam seu padrão de saúde, favorece sua
tomada de decisão. É, portanto, uma forma de promover saúde. Nesse sentido, os
educadores de saúde devem ter em mente que, para que as mensagens relacionadas
com a saúde sejam eficazmente comunicadas, elas devem ser bem planejadas,
precisas, relevantes, bem entendidas(10).
3 A educação do paciente e a comunicação escrita
A comunicação e a educação estão intrinsecamente ligadas, pois mesmo
independentes, possuem objetivos comuns para o atendimento das necessidades
essenciais de comunicação e aprendizagem do ser humano. No contexto da saúde
essa relação se expressa: "por meio da aprendizagem, o ser humano adquire
conhecimentos, habilidades e atitudes e desenvolve diferentes formas e graus de
receber e responder as mensagens de saúde"(11:33). Por outro lado, a capacidade
de comunicação entre emissor e receptor determinará o grau de aproveitamento da
mensagem.
A relação comunicação-educação é bem evidente na intervenção terapêutica das
doenças crônicas cujo resultado depende não só de medicamentos, mas está
"relacionada diretamente à forma como os pacientes têm sido informados sobre
sua doença e como são capazes de dominar as várias habilidades necessárias ao
tratamento" (12:11).
O processo de aquisição, aproveitamento e aprofundamento de conhecimentos, de
domínio de habilidades e de tomada de decisão é facilitado entre outros
recursos, pela utilização de material impresso. Assim sendo, para esse
processo, o material escrito tem tripla função: de reforçar as informações e
discussões orais, de servir como guia de orientações para casos de dúvidas
posteriores e auxiliar nas tomadas de decisões. Tais funções podem interferir
na aderência ao tratamento, uma vez que muitos pacientes, que têm dificuldade
para ler e entender um material escrito, sentem-se desencorajados para
continuar o tratamento e podem inferir que tal dificuldade também se aplica às
possíveis ações propostas no texto.
Reconhecidamente, o material educativo impresso é amplamente utilizado para se
veicular mensagens de saúde e para se facilitar o processo ensino-aprendizagem,
embora haja algumas restrições ou limitações em seu uso. Em geral, essas
limitações são decorrentes de dificuldades de leitura, em decorrência da
inadequação do material, das características do leitor, principalmente de seu
grau de escolaridade.
Cerca de 30% da população adulta mundial não é capaz de ler e escrever, e nos
países pobres, mais de 50% da população adulta é analfabeta(13). O problema do
analfabetismo é praticamente inexistente nos paises desenvolvidos, embora haja
um número significativo de pessoas que apresentam algum grau de dificuldade
para a leitura, principalmente entre a população idosa e adulta. No Brasil,
tanto a baixa escolaridade, quanto o analfabetismo são problemas relevantes.
Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais - INEP(14)
mostram que, em 1997, a taxa de analfabetismo da população acima de 15 anos era
de 14,7%, atingindo 31,6% da população na faixa acima de 50 anos. Esse problema
reflete as características demográficas relacionadas com a escolaridade da
clientela dos serviços de saúde.
As pessoas sem ou com escolaridade e/ou habilidade de leitura reduzida podem
desfrutar das vantagens do material escrito, desde que, no processo de
planejamento, se considerem mecanismos para a redução das barreiras de
compreensão da mensagem e técnicas que favoreçam a motivação do paciente para
iniciar e manter o interesse pelo material educativo. Uma linguagem simples e/
ou o uso de recursos pictográficos, que comuniquem uma mensagem culturalmente
adequada, podem minimizar as barreiras da comunicação, tornando-a mais
eficiente e de maior alcance.
No Brasil, apesar do grande número de analfabetos e de pessoas com pouca
escolaridade, há predominância de material educativo para pacientes, na forma
impressa, mas, praticamente inexistem estudos avaliando a qualidade desse
material quanto à legibilidade, ao apelo visual ou ao nível de leitura. Nessa
perspectiva, os profissionais de saúde devem ter em mente que um material
educativo deve ser adequadamente planejado, avaliado, produzido para atender a
uma real necessidade do paciente e apresentado de uma forma adequada às
características do mesmo.
4 A comunicação escrita
O material escrito é um instrumento que facilita o processo educativo uma vez
que permite ao leitor, destinatário da comunicação, uma leitura posterior
possibilitando-lhe a superação de eventuais dificuldades, através do processo
de decodificação e de rememorização(15).
O vocabulário utilizado deve ser coerente com a mensagem e com o público alvo.
Deve ainda ser convidativo, de fácil leitura e entendimento. Fatores como o uso
freqüente de polissílabos, termos raros, terminologia técnica, palavras de
formação complexa, estrutura complexa de sentenças dificultam a leitura, a
legibilidade e a compreensão do texto. A elaboração de uma mensagem simples em
que se pretenda eficácia e rapidez de compreensão e ampla difusão alguns
fatores precisam ser observados: a nitidez e precisão dos caracteres; a
separação clara entre palavras, linhas e parágrafos; as palavras devem ser
curtas, conhecidas e de formação simples, pois as palavras longas exigem
esforço de decodificação; as palavras novas e termos raros se impõem com
dificuldade e as palavras compostas dificultam a legibilidade; a redundância
(repetição de palavras importantes) é um fator facilitador da compreensão; o
texto deve ser estruturado de forma que as frases estejam nitidamente
articuladas, as palavras gramaticalmente (inter)dependentes sejam colocadas
próximas umas das outras, as palavras mais importantes para compreensão da
mensagem sejam colocadas preferencialmente na primeira metade da frase ou
proposição e a estrutura da frase seja conhecida evitando-se sintaxe rebuscada.
Deve-se ainda, atentar para a quantidade de informação contida no material,
considerando-se sempre que mais informação não significa melhor informação.(16)
Como todo meio de comunicação, a comunicação escrita tem suas vantagens e
desvantagens. Entre as vantagens podem-se destacar o custo da produção por
unidade que é relativamente baixo; o papel complementar eficaz de outros meios
de comunicação; a confiança que se tem devido ao prestígio e seriedade do
autor; a assimilação da mensagem que se dá no ritmo de aprendizagem individual,
podendo-se ler tantas vezes quantas forem necessárias; a liberdade que o
paciente tem para escolher o tempo e o local mais apropriado para a leitura.
Como desvantagens, é impessoal, não podendo ter a mesma eficácia que a
comunicação interpessoal, nem o mesmo valor social que os métodos de grupo;
requer considerável esforço e dedicação para uma distribuição eficiente;
apresenta dificuldades para se avaliar o seu impacto em decorrência da difusão
massiva(15).
5 Elaboração de material educativo impresso para pacientes
Define-se material educativo impresso como folhetos, panfletos, folder, livreto
cuja proposta é proporcionar informação sobre promoção da saúde, prevenção de
doenças, modalidades de tratamento e autocuidado(17). O material escrito para o
paciente deve claramente comunicar a idéia, para assegurar-lhe o entendimento e
evitar mal-entendidos que possam determinar conceitos e ações inapropriadas.
O preparo de material impresso ou material escrito é precedido de algumas
etapas comuns ao processo de desenvolvimento de qualquer plano de comunicação
em saúde: identificação do público alvo, a quem, a descrição e as informações
detalhadas ajudarão no desenvolvimento de mensagens mais relevantes e na
identificação dos canais mais apropriados para alcançá-lo, incluindo, tais
informações, dados demográficos, características culturais, padrões
comportamentais, status de saúde que podem ser conhecidas, utilizando-se vários
métodos, como: revisão da literatura, observação, levantamentos, conversas
informais com líderes ou membros da comunidade, entrevistas em profundidade e
grupos focais(18); determinação da mensagem, associando-a aos objetivos (apenas
informar, modificar atitudes, desenvolver habilidade, encorajar tomada de
decisão, adotar medidas preventivas) e à forma de apresentá-la; determinação do
veículo para se comunicar a mensagem, através da escolha do melhor veículo e do
melhor formato (no caso de material impresso: livro, folheto, folder).
A fim de se conferir certo equilíbrio ao material, deve-se estruturar a
mensagem impressa em três partes assim distribuídas: introdução (5 a 10%),
desenvolvimento (80% ou mais) e conclusão ou resumo (5 a 10%). A introdução
deverá cumprir a função de orientar o leitor sobre o objetivo e o tema a ser
desenvolvido e de motivá-lo. O desenvolvimento é a fase de argumentação sobre a
importância de se adotar a prática ou o hábito recomendado. Os argumentos
utilizados podem incluir: vantagens da prática/hábito para o indivíduo e
comunidade; disponibilidade de elementos necessários e serviços adequados;
recomendações profissionais de especialistas, de associações; evidências
científicas. Na conclusão deve-se repetir a mensagem principal para se
facilitar à fixação(15).
Para a produção de material impresso, três aspectos devem ser considerados:
linguagem, layout e ilustração(8,13,15,17-24). Vale destacar a importância da
ilustração (desenhos, imagens, fotografias, símbolos) para a legibilidade e
compreensão de um texto. Sua função é atrair o leitor, despertar e manter seu
interesse pela leitura, complementar e reforçar a informação. A ilustração deve
permitir que as pessoas se identifiquem com a mesma. O layout e o design tornam
o material mais fácil de se ler e mais atraente para o leitor.
Apresentaremos a seguir aspectos que devem ser considerados na elaboração do
material educativo, relacionados a cada um desses itens segundo vários autores
(8,13,15,17-24). Para facilitar a compreensão apresentaremos sob a forma de
tópicos e subtópicos no Quadro_1.
É importante destacar, que a fase de elaboração deve ser seguida da avaliação
da versão preliminar do material, com a participação do público alvo
destinatário da mensagem. Esse procedimento assegura o conhecimento da
qualidade do material quanto à compreensão, aceitação da mensagem, adequação
cultural, ao estilo, à apresentação, eficácia apontando para possíveis
necessidades de reajustes e modificações. Procedimentos como entrevistas,
aplicação de questionário e grupo focal, podem ser utilizados para se testar o
material. O julgamento e a apreciação do material por profissionais de outras
áreas com conhecimento em produção de material educativo, e por profissionais
de saúde especializados e envolvidos com o público alvo oferecerão informações,
sugestões e opiniões que facilitarão a tomada de decisões. Essa avaliação é
imprescindível, mas não garante a aprendizagem e a mudança de comportamento.
Somente a avaliação voltada para os resultados de saúde objetivados pela
aplicação do material, poderá assegurar a eficácia da mensagem e do material.
6 Conclusão
Considerando-se a grande contribuição do material escrito no contexto da
educação em saúde e o papel desses recursos para se promover saúde, prevenir
doenças, desenvolver habilidades, favorecer a autonomia do paciente, é
importante se criar, desenvolver e produzir um material de qualidade que
alcance os objetivos do atendimento das necessidades do paciente.
Urge que profissionais de saúde, criadores e produtores de material impresso
para pacientes considerem que a mensagem deve ser bem planejada, correta, fácil
de ler, compreensível e que atinja o público alvo. O criador de uma mensagem
deve atentar que a redução dos ruídos que interferem no processo de
comunicação, bem como, adotar e desenvolver mecanismos que facilitem a leitura,
melhorem a legibilidade e motivem o leitor.