Processo de enfermagem: seqüências no cuidar, fazem a diferença
PESQUISA/RESEARCH/INVESTIGACIÓN
Processo de enfermagem: seqüências no cuidar, fazem a diferença
Nursing process: sequences in care make the difference
Proceso de enfermería: secuencias en el cuidado hacen la diferencia
Maria Angélica MendesI; Marisa Antonini Ribeiro BastosII
IProfessora, Mestre em Enfermagem, Depto de Enfermagem da Escola de Farmácia e
Odontologia de Alfenas/Centro Universitário Federal - MG
IIProfessora, Doutora em Enfermagem da Escola de Enfermagem da Universidade
Federal de Minas Gerais
1 Introdução
A profissão Enfermagem vivencia um grande desafio na construção e organização
do conhecimento sobre o qual alicerçar e direcionar a sua prática assistencial.
Faz parte desse desafio o desenvolvimento de um processo de trabalho. Assim
surge o Processo de Enfermagem (PE): um instrumento metodológico e sistemático
de prestação de cuidados.
O impacto do movimento de sistematizar o cuidar tem motivado os enfermeiros em
muitos países do mundo, a vencerem esse desafio na assistência, no ensino e na
pesquisa. Muitos são os benefícios descritos pela aplicação da metodologia
assistencial. Ela traz implicações positivas para a profissão de enfermagem,
para o cliente e para o enfermeiro em particular. No entanto, observa-se que
apenas alguns serviços aplicam uma metodologia mais elaborada na organização da
assistência de enfermagem. A maioria das instituições tem sua prática cotidiana
guiada por normas e rotinas preestabelecidas. Os serviços que buscam a
implantação de uma metodologia, por sua vez, se localizam, em sua grande parte,
nos grandes centros urbanos ou estão ligados a serviços de formação acadêmica.
Na tentativa de facilitar a operacionalização do método, muitas vezes o serviço
de enfermagem, inicialmente, faz a opção de trabalhar algumas etapas da
metodologia. Mas esse trabalho sistematizado ainda não está incorporado à
prática assistencial, estando mais presente no discurso dos profissionais do
que no fazer cotidiano.
Acreditando que a decisão de adotar ou não o PE não se situa apenas no
enfrentamento de fatores externos organizacionais ou administrativos que
facilitem ou dificultem a sua implantação, mas sim no significado que o
processo tem para o profissional, neste estudo buscou-se compreender o
significado dessa experiência de implantação do processo de enfermagem para o
enfermeiro.
Compreender essa experiência, pressupõe, sob o ponto de vista da investigação,
permitir que o enfermeiro descreva as características e atributos do
conhecimento elaborado através dessa vivência, suas perspectivas, seus valores,
mitos e ritos da sua prática cotidiana, construído ao implantar o PE.
Inicialmente algumas indagações se constituíram em questões norteadoras do
estudo, tais como:
a. Qual o significado do PE para o enfermeiro na sua prática?
b. Qual o conhecimento do enfermeiro sobre o PE?
c. Quais são os valores, crenças e pressupostos, habilidades, ritos e
tradições, estórias, mitos e tabus compartilhados pelo enfermeiro, no processo
de implantação da metodologia assistencial?
d. Quais os fatores que dificultam a busca de soluções para vencer os
obstáculos e viabilizar a operacionalização do PE?
e. Quais são os entraves, facilidades e possibilidades, dificuldades e limites
que permeiam as tentativas de implantação da metodologia na assistência de
enfermagem?
Existem poucos estudos abordando a metodologia na sua integralidade e
complexidade, sendo mais comuns na literatura os estudos de casos ou relatos de
experiências nas quais as etapas da metodologia são aplicadas nas mais diversas
situações clínicas da assistência de enfermagem, principalmente na área
hospitalar.
Na literatura, a metodologia assistencial tem recebido diferentes denominações,
como Sistematização da Assistência de Enfermagem ; Metodologia da Assistência
de Enfermagem; ou Processo de Enfermagem; sendo esta última adotada no presente
estudo, sempre como método de organização da assistência no provimento do
cuidado de enfermagem.
O PE é apresentado(1) como o instrumento e a metodologia da profissão para
guiar sua prática, a partir da aplicação do método científico, e como tal
auxilia os profissionais a tomarem decisões, a preverem e avaliarem
conseqüências. Portanto tem como propósito principal ser uma estrutura para
operacionalizar a assistência, visando ao atendimento das necessidades
individualizadas do cliente(2). Distinguem-se na organização do PE cinco fases
identificáveis - histórico, diagnóstico, planejamento, implementação e
avaliação (1,3-5).
Cada modelo teórico aplicado à prática de enfermagem pode adotar arcabouços
conceituais diferentes no processamento do cuidar, com nomenclaturas distintas
daquelas que têm sido utilizadas tradicionalmente pelo PE(6-7).
Investigação é a primeira fase da metodologia, que consiste na coleta e análise
sistemática e organizada dos dados do cliente e da família, com o objetivo de
identificar suas necessidades efetivas ou potenciais para a formulação dos
diagnósticos de enfermagem - DE. Esse é um julgamento clínico acerca das
reações do indivíduo, família ou comunidade, segundo Associação Norte-Americana
de Diagnóstico de Enfermagem - NANDA(3) e fornece a base para a seleção das
intervenções de enfermagem. O planejamento constitui a terceira fase e é um
meio de organizar, direcionar e especificar as ações do enfermeiro, do cliente
e/ou dos entes queridos. Com o planejamento feito, inicia-se a execução do
plano de cuidados proposto na resolução dos diagnósticos de enfermagem e no
atendimento das necessidades de saúde. Na última etapa, o enfermeiro avalia a
evolução do cliente, a efetividade das intervenções e institui, caso
necessário, alterações no planejamento.
2 Aspectos metodológicos
Como a pesquisa qualitativa enfatiza o conhecer, compreender e interpretar o
mundo dos significados, dos símbolos, da subjetividade e da intencionalidade,
fiz a opção por essa abordagem, por identificá-la com a natureza do objeto e
com o objetivo proposto neste estudo. Pois, a pesquisa qualitativa oferece
oportunidade de discutir e explorar a configuração de um fenômeno, aprofundando
em seu significado mais essencial, do ponto de vista de quem o vivencia, dentro
de seu contexto(8-9). O dimensionamento do significado, a interpretação e a
análise do fenômeno em estudo emergirão da palavra que expressa o cotidiano dos
atores, volvendo com empatia aos motivos, às intenções, aspirações, hábitos,
atitudes, opiniões, crenças e valores do referido fenômeno e compreensão dos
significados que os animam(8).
Esses enfoques vêm ao encontro dos meus anseios de aproximar, desvelar,
conhecer, discutir e compreender o significado e suas estruturas de referência
atribuídos pelos atores-enfermeiros envolvidos na dinâmica de implantação do
processo de enfermagem, suas singularidades e especificidades em ambiente
hospitalar.
Esta investigação teve como referencial teórico-metodológico os estudos de
James Spradley(10). O indivíduo, para organizar seu comportamento, compreender
a si mesmo e aos demais e dar sentido ao mundo, faz uso constante de uma rede
complexa de significados, expressa em suas ações e eventos. Esse sistema de
significados constitui a sua cultura. Fazer uma pesquisa etnográfica implica
buscar a compreensão ou construção dessa rede de significados, portanto dessa
cultura ou dos aspectos de uma determinada cultura . É mais que um estudo sobre
as pessoas, é aprender com as pessoas e com suas inter-relações(10).
O método etnográfico permite a apreensão do fenômeno em sua totalidade,
favorecendo a descoberta do modo de vida das pessoas e as experiências com sua
visão de mundo, sentimentos, ritos, rituais, significados, atitudes,
motivações, tabus, mitos, heróis, crenças, comportamentos e ações(11).
Sistematizar a assistência de enfermagem é um processo emergente na profissão,
que apresenta características de ações em movimento; portanto a metodologia
etnográfica constitui um caminho legítimo para a compreensão desse fenômeno.
Representa assim uma resposta ao desafio que nos propusemos enfrentar, na busca
do conhecimento do processo de trabalho na enfermagem.
Os cenários de investigação deste estudo constaram de duas Instituições
Hospitalares, que se localizam em distintos municípios da região do sul do
Estado de Minas Gerais, cujas denominações foram alteradas para Hospital São
Mateus (HSM) e Hospital São Lucas (HSL). A Instituição São Mateus é uma
Fundação Hospitalar Municipal com atendimento a clientela através do Sistema
Único de Saúde (SUS), de diversos outros convênios e também a clientes
particulares. Possui capacidade instalada para 141 leitos operacionais. Tem
como mola mestra a clínica oncológica, onde desenvolve tratamentos de
radioterapia e quimioterapia, além de oferecer atendimento nas mais diversas
clínicas médicas.
No Hospital São Mateus, há aproximadamente quatro anos atrás, enquanto se
procedia à avaliação do Serviço de Enfermagem, e em função de a grande maioria
da clientela ser portadora de patologias neoplásicas em fase terminal,
observou-se que os indivíduos necessitavam de cuidados mais efetivos de
enfermagem. Após longas discussões e com influência de outros fatores internos
e externos organizacionais, no ano de 1998, a equipe optou inicialmente pelo
desenvolvimento de algumas etapas do PE, como a coleta de dados, incluindo a
anamnese e o exame físico, a prescrição e conseqüente evolução de enfermagem.
Foi prorrogado para um segundo momento, por diversos motivos, o desenvolvimento
da etapa do diagnóstico de enfermagem. A opção pelo trabalho da enfermagem
nessa Instituição, com a sistematização, em sua totalidade ou não, é sustentada
em sua continuidade pelo desejo da equipe de oferecer assistência de enfermagem
de melhor qualidade no atendimento das necessidades básicas de seus clientes.
O Hospital São Lucas é uma Instituição Universitária Filantrópica, referência
regional em gestantes de alto risco, urgências e emergências, politraumatismos,
cirurgias buco-maxilo-faciais, deformidades crânio-faciais e lesões lábio-
palatais. Tem uma UTI tipo 2 e é um Centro Autorizado de Captação e Transplante
de Órgãos. Sua clientela é constituída na grande maioria por usuários do SUS.
As instalações do hospital no todo, constam de 136 leitos operacionais, além de
ambulatórios e clínicas periféricas.
A atual direção e coordenação do Serviço de Enfermagem iniciou suas atividades
no início de 2000 e logo definiu sua filosofia de trabalho: Gerenciamento
voltado para a Qualidade Assistencial. Para que a qualidade na Enfermagem do
Hospital São Lucas, se torne cada vez mais realidade, a equipe propôs uma
tríade operacional, tendo como primeiro instrumento a Organização do Serviço de
Enfermagem. O segundo instrumento proposto é o chamado Processo de Enfermagem
na execução da assistência, auxiliada pela Educação Continuada. Na fase de
preparo para a implantação do processo, a equipe realizou diversas atividades
simultaneamente, como curso de capacitação profissional específico para a
Instituição e diversas visitas técnicas em hospitais que também vivenciam de
diferentes formas o processo de sistematizar o cuidar. Após um período de
sensibilização e estudo, a equipe deu seqüência à elaboração dos instrumentos a
serem utilizados na metodologia. Concomitantemente a esses trabalhos, a equipe
iniciou uma revisão das evoluções de enfermagem, com seu aperfeiçoamento, na
busca de uma melhor fundamentação para o cuidado. Outros serviços também foram
organizados para facilitar a operacionalização do PE, como a distribuição de
medicamentos por dose unitária e a Central Operacional de Curativos.
O Serviço de Enfermagem do Hospital São Lucas optou pela aplicação do processo
em todas as suas etapas e em toda a Instituição, e posteriormente colocará em
prática o seu terceiro e último instrumento da tríade operacional proposta, que
é o processo de Auditoria Interna, com análise e avaliação da assistência de
enfermagem.
Participaram deste estudo, como atores sociais, seis enfermeiros que
desenvolvem suas atividades profissionais nas Instituições Hospitalares em
foco. A seleção dos informantes deu-se naturalmente com a ajuda dos
coordenadores do Serviço de Enfermagem, levando-se em consideração alguns
critérios: eram enfermeiros envolvidos desde o início e diretamente no processo
de implantação da metodologia assistencial em seu serviço, acreditando que essa
situação permitiu aos profissionais a construção de um conhecimento amplo e
detalhado das circunstâncias que envolvem a aplicação de um modelo
assistencial; outro critério foi a compreensão por parte dos informantes do
papel de aprendiz cultural das pesquisadoras na busca de conhecimento dessa
situação social associada ao desejo de ensinar o pesquisador; e por último a
aceitação da participação na pesquisa.
A coleta de dados só teve início após o consentimento formal das Instituições,
e aprovação do projeto de pesquisa pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG -
COEP, de acordo com a Resolução 196/96 - CNS. Todos os sujeitos do estudo
participaram voluntariamente da pesquisa, quando foi obtido o consentimento
livre e esclarecido dos informantes, em que foram expostos a natureza do
estudo, o status de pesquisadora e informações sobre os objetivos e processos
da pesquisa
Foram realizadas oito entrevistas etnográficas com seis enfermeiros. A primeira
e a segunda entrevistas foram não-estruturadas, permitindo ao enfermeiro
delinear a narração de acordo com sua intuição e imaginação. Uma pergunta ampla
e descritiva dava início às entrevistas: - Descreva a sua vivência como
enfermeiro na implantação do processo de enfermagem na sua Instituição, desde o
momento em que vocês fizeram a opção de trabalhar com a metodologia
assistencial.
Simultaneamente as entrevistas com questões descritivas amplas, deu-se início a
análise de domínios, visando identificar domínios/categorias simbólicas ou
símbolos que poderiam compartilhar um significado cultural, permitindo a
compreensão do processo de implantação do PE. Esse nível de análise de domínios
mostrou padrões que ajudaram os pesquisadores a formular questões estruturais e
descritivas complementares, numa fase subseqüente de coleta de dados.
O próximo passo na análise, foi a construção de taxonomias(10), nas quais os
dados coletados são analisados em profundidade, formando uma classificação ou
hierarquia que retrata as unidades de organização interna de um domínio e
também o relacionamento entre as partes da unidade; ou seja, mostra de que
forma os significados estão organizados entre si e com o todo. Nos momentos de
análise sobre a organização dos domínios foram identificados em um deles,
termos inclusos em contraste, constituindo-se num "conjunto de contraste" ou
"paradigma", dando origem ao terceiro nível da análise, denominado
componencial. Este representa a busca sistematizada das diferenças entre os
símbolos, que auxilia a descoberta dos significados dos mesmos
Na imersão dos dados etnográficos, ao finalizar o processo de análise de
domínio, taxonômica e componencial, de forma natural deu-se início a última e
mais refinada etapa, denominada de análise temática, com o objetivo de
identificar temas culturais. Esses são definidos(12) como princípios cognitivos
recorrentes num determinado número de domínios, tácitos ou explícitos,
mostrando o relacionamento entre os subtemas de significado cultural. Os temas
constatados, representam o eixo central da sistematização do cuidar como um
todo, na perspectiva das crenças e valores dos enfermeiros envolvidos no
processo.
Do processo de análise emergiram 20 domínios culturais, 16 taxonomias e um
paradigma, posteriormente agrupados em categorias maiores de eventos culturais,
que representam a subcultura estudada. A abordagem de inventário ou mapa
cultural permitiu a divisão dos domínios culturais em dois grandes momentos:
1º - Preparando a implantação do PE e
2º - Após a implantação do PE.
3 Compreendendo o processo de implantação do PE
3.1 Preparando a Implantação do PE
Os resultados deste trabalho serão apresentados na seqüência identificada no
mapa cultural, portanto a discussão se inicia por alguns domínios encontrados
no primeiro momento de preparo para a implantação do processo. Na análise dos
relatos dos atores sociais - enfermeiros emergiu o Domínio Cultural intitulado:
Características da assistência de enfermagem não sistematizada, constituído de
termos inclusos que caracterizam a assistência de enfermagem não sistematizada
sob os diferentes aspectos: assistenciais, em diretivas e relativas ao
paciente. Com relação as características assistenciais, os profissionais
remetem alguns conceitos como tecnicista, empírica e aleatória. Na ótica do
enfermeiro, a inexistência de planejamento, bem como da avaliação promove um
assistência composta por ações separadas ou isoladas, sem uma seqüência no
fazer. Estes conceitos geram um atributo que aparece de forma marcante,
caracterizando as ações assistenciais como tarefas. A assistência direta de
enfermagem fica na responsabilidade dos auxiliares e técnicos. Os informantes
também indicaram o fato dela não ser voltada para a área educativa, não
sistematizar o exame físico e não possuir respaldo científico.
As características diretivas, pois estas nos informam as bases em que está
pautada essa assistência, referem-se a assistência basicamente voltada pró
médico ou prá enfermagem e não uma assistência voltada para o paciente ou do
paciente, sendo direcionada pelas prescrições médicas e pelas rotinas. Se a
assistência de enfermagem é direcionada pela prescrição médica, na visão dos
enfermeiros informantes, ela é centrada na patologia e no diagnóstico médico.
Algumas características da assistência não sistematizada são relativas ao
paciente, como seccionar o doente, anular sua cidadania, não ser
individualizada, levar a pouco conhecimento do paciente e excluir a família. A
ausência de planejamento pode ocasionar, entre outras, a manipulação exagerada
do ser cuidado pela enfermagem. Refletindo(13) sobre o cuidado de enfermagem: O
ser reduz-se a uma patologia, aos cuidados com a sonda e os curativos.
Fragmenta-se a pessoa em veias a serem perfundidas, a lesões a serem tratadas,
a braços e pernas a serem cuidados.Com esse perfil apresentado pela assistência
não sistematizada, o enfermeiro conclui: ela vai de encontro a filosofia da
enfermagem.
Os atributos do enfermeiro que oferece assistência não sistematizada estão
identificados no Domínio Cultural: Características do enfermeiro que oferece
assistência não sistematizada, e foram classificados como técnico-científicos,
ético-legais e profissionais. Em relação aos atributos técnico-científicos é
descrita a resistência à MAE. E parece estar relacionada com o fato do
profissional não ter conhecimentos científicos sobre o PE. O exame físico e o
raciocínio clínico são apontadas(14) como as maiores áreas de déficit de
conhecimento da enfermagem em relação a essa temática. Emergiram os atributos
relacionados às questões ético-legais da profissão, como descaracterizar a
profissão, não exercer a função de enfermeiro. Os informantes complementam que
ele é um bombeiro [...] só está ali prá apagar fogo.
Os atributos profissionais relativos ao ser cuidado são aqueles em que o
enfermeiro acaba por vê-lo como um número ou uma patologia: A não ser que ele é
mais um câncer de laringe, mais um senhorzinho idoso [...] lá no 101 [...].Um
atributo de forte significado para a profissão e para o profissional está
contido no termo incluso assumir papéis de outros profissionais. Ainda
discorrendo sobre o perfil do enfermeiro que não utiliza o PE, os informantes
acrescentam a esse profissional os atributos de burocrático e enfermeso, que
fica só atrás da mesa, somente prá preencher papel. Dentre os atributos
apresentados pelos informantes, referentes ao próprio profissional, o mais
ressaltado foi o de tarefeiro.
Outros termos inclusos são relativos ao seu cotidiano profissional, como
supervisor de tarefas desenvolvidas pelos auxiliares e técnicos e tender a
ficar só com trabalhos administrativos, deixando de lado a sua função
cuidativa. Associado a estas características, os informantes destacam o fato do
enfermeiro que não utiliza o PE, atender só intercorrências e outros, mais
delegam atividades na prestação do cuidado. Um outro enfermeiro ressalta a
importância dada a demanda de serviços em detrimento da qualidade do cuidado
prestrado, priorizando o cuidar com quantidade. A instituição solicita, na
maioria das vezes, é a execução de um mero fazer, para cumprir determinadas
atividades que se refletem muito mais numa produção quantitativamente
enumerável (quantas injeções, quantos curativos, quantos banhos, quantas
nebulizações) do que um trabalho de qualidade; enfim(15). Então, quem é o
enfermeiro que oferece assistência não sistematizada? Um informante responde:
[...] um auxiliar talvez melhorado, com nível superior.
Os informantes deste estudo revelam o significado do PE para eles, enquanto
profissionais, através dos termos inclusos descritos no Domínio Cultural:
Significado do PE para o enfermeiro. Na análise taxonômica deste domínio
observa-se que o significado do processo tem duas referências. Primeiramente,
na subcategoria Ser Enfermagem, estão os termos inclusos que expressam o
significado do PE na cotidianeidade da profissão Enfermagem nas instituições de
saúde. Relacionados ao Ser Enfermeiro estão agrupados os termos que se referem
à pessoa que presta cuidados, com todas as suas dimensões de Ser cuidador.
O PE foi reconhecido como a possibilidade de oferecer uma assistência planejada
e o ápice do trabalho da enfermagem. As significações do processo também
congregaram termos como meta de trabalho a ser atingida dentro da Instituição,
enquanto filosofia de trabalho e como filosofia do serviço de enfermagem, além
de significados como evolução, uma necessidade e inovação. Num sentido mais
prático o PE foi apresentado como um plano de cuidado geral, ou como um método
de trabalho devidamente sistematizado. Os informantes expõem as suas
preocupações com o papel, com a competência do enfermeiro como foi abordado
anteriormente. E o PE vem ao encontro dessa reação do profissional como a
esperança de assumir o seu papel de enfermeiro e mostrar a sua competência.
Também emergiram outros significados como um sonho, ambição ou desafio e até
mesmo como uma vitória.
Os enfermeiros também colocaram em pauta nas suas entrevistas a prescrição de
enfermagem, que deu origem ao Domínio Cultural: Tipos de Prescrição de
Enfermagem, constituído de dois termos inclusos. Portanto foram identificados
dois tipos de prescrição de enfermagem, que compõe a etapa do planejamento da
assistência. A prescrição padronizada ou pré-feita se acha impressa sob a forma
de um plano de cuidados, é "um plano padronizado de cuidados específicos que é
adequado a clientes que apresentam os problemas usuais e esperados, associados
a um determinado processo de diagnóstico ou enfermidade"(3). O plano de
cuidados ou prescrição de enfermagem individualizada ou seja, elaborada para
cada paciente correspondem ao segundo termo incluso deste domínio. Nos relatos
dos informantes foram evidenciados contrastes entre a prescrição de enfermagem
padronizada e a individualizada, e através da análise componencial, esses
contrastes estão organizados no Paradigma correspondente.
Na prescrição padronizada a definição é por patologia, já na individualizada o
enfermeiro faz a prescrição conforme a situação real do paciente, levantando
suas necessidades e os diagnósticos de enfermagem. A padronizada contém os
cuidados básicos de enfermagem, portanto uma grande parte já vem pronta, e
possui um espaço em branco para acréscimo do diferencial a ser prescrito para
cada paciente. Os informantes visualizam a prescrição individualizada como a
ideal, apesar de dispensar maior tempo, mas que permite conhecer melhor o
paciente. Mas devido a sua mais difícil operacionalização, nem sempre é viável.
Importante ressaltar que a anamnese e o exame físico foram citados como
parâmetros para ambas as prescrições, sejam elas individualizadas ou já pré-
feita.
3.2 Após a Implantação do PE
O Domínio Cultural e a sua correspondente Taxonomia: Formas de se Expressar
sobre o PE, dão abertura na descrição de alguns domínios, no segundo grande
momento do mapa cultural após a implantação do PE. Estas formas são referentes
ao conceito, à assistência, à Enfermagem, ao enfermeiro, entre outras. O
conceito de PE emergiu como teorizar a prática e ser uma prática científica ou
modelo assistencial. Através da sistematização o enfermeiro coloca seqüências
no cuidar. As narrativas dão conta de que existe um consenso entre os
enfermeiros na percepção do processo como um instrumento que possibilita o
retorno da enfermagem à questão cuidativa, resgatando consequentemente a
qualidade assistencial. Portanto, no ponto de vista dos profissionais, a
sistematização do cuidar é essencial e faz a diferença. O processo também é
considerado(1,4) como um instrumento essencial, uma vez que ele constitui a
base da prática de enfermagem.
Os enfermeiros assim expressaram sobre a profissão Enfermagem e a PE: sem o PE,
a gente simplesmente leva [...], não vejo outro rumo, sem o PE, é a
reestruturação da nossa imagem, a reafirmação do nosso papel, é mostrar a face
da Enfermagem, uma meta a ser atingida, avanço a enfrentar. Enfim o Processo de
enfermagem é o que tem que acontecer na enfermagem, ele tem que existir. Um
informante aponta o PE como um caminho para a profissão. A sistematização do
cuidar também é visualizada(16) como o caminho imprescindível (sem outra
alternativa até o momento atual) para o reconhecimento da enfermagem. Outro
profissional refere ao PE como boa experiência e verbaliza de maneira incisiva:
este é o nosso espaço. Os profissionais deste estudo citam que poucos tem
experiência em sistematizar o cuidado, mas complementam: [...] a visão desse
enfermeiro é diferente de quem já fez, quem faz sabe a necessidade. Outro
profissional assim fala: é a expressão máxima do enfermeiro [...] Diante disso
tudo, um informante disse: [...] o enfermeiro perdeu tempo em não ousar
implantar a sistematização [...].
No Domínio Cultural e sua correspondente Taxonomia: Efeitos da Implantação do
PE estão relacionados os termos inclusos evidenciados durante as entrevistas e
agrupados conhecimentos a respeito das interferências do processo de
sistematização do cuidar no Ser Enfermagem, no Ser Cuidado e no Ser Cuidador.
No Ser Enfermagem estão agrupados os termos inclusos referentes à profissão
Enfermagem, tanto nos seus aspectos assistenciais, como administrativos e
outros. Na subcategoria do Ser Cuidador encontram-se os termos referentes aos
mais diversos efeitos da sistematização para o Ser que cuida - profissional
enfermeiro; e no Ser Cuidado estão os resultados para a pessoa que recebe os
cuidados de enfermagem - o paciente/cliente.
Em relação ao Ser cuidado destacam os termos confiança maior do cliente,
satisfação, gratidão, melhor recuperação e redução da ansiedade desse cliente.
Os relatos apresentam alguns aspectos significativos ético-legais e técnicos da
sistematização relativos ao Ser cuidador, evidenciados nos termos atinge seu
propósito de formação - o cuidar e visão do setor como um todo. Além do
reconhecimento, da gratificação e da satisfação profissional pôde ser observado
nos discursos dos enfermeiros a busca do aperfeiçoamento no seu dia-a-dia, com
aprofundamento do conhecimento teórico e conseqüente crescimento profissional e
também a incorporação da sistematização ao fazer do cuidador. Todos os
profissionais deste estudo demonstraram um entendimento bastante razoável da
importância da sistematização do cuidar na conquista da territorialidade
formalizada da profissão, assumindo o seu principal papel no contexto da
assistência à saúde; o cuidado em âmbito multiprofissional.
Ficaram evidenciados inúmeros termos inclusos referentes ao Ser Enfermagem,
ressaltando como a maior categoria deste grande domínio. Interessante registrar
que todos os aspectos concorrem para um único ponto; a transformação e
organização do serviço de enfermagem para atingir a excelência da qualidade
assistencial, como demonstram os termos: melhor visualização do paciente, o
planejamento das atividades e a avaliação do serviço. Aspectos outros são
relacionados à administração, como a seleção e capacitação da equipe. Também
são apresentadas(3,5) as implicações do uso do PE, tanto para a profissão, como
para o enfermeiro e para o cliente, caracterizadas como benefícios, isto é,
ganham uma conotação positiva e usualmente compartilham da grande maioria dos
resultados apresentados pelos informantes deste estudo.
Os informantes ao descrever o profissional que desenvolve a sistematização,
indicaram inúmeros atributos, construindo o perfil deste profissional,
representado no Domínio Cultural: Características do Enfermeiro que Oferece
Assistência Sistematizada. O atributo do enfermeiro que oferece assistência
sistematizada, que aparece de uma forma mais marcante, está relacionado à
assistência de enfermagem, é o: é o cuidar cuidado com qualidade. A importância
de trabalhar em equipe, em time é compartilhada pelos informantes desse estudo.
Ao longo dos relatos, emergiram outros traços característicos do enfermeiro que
trabalha com um modelo assistencial, com predomínio dos atributos de cunho
pessoal, como: ousado, prático, competente, inovador e ter jogo de cintura.
Enfim, profissional, dedicado, estudioso, consciencioso, consciente, ético,
politizado, de um modo geral ele tem que ter essas características.
O último domínio construído e com destaque especial apresentado em seguida,
mostra com certa objetividade, os atributos do cuidar sistematizado no contexto
cultural dos enfermeiros envolvidos no processo de implantação da metodologia
assistencial. Esse conhecimento está descrito no Domínio Cultural e da análise
de seus termos inclusos hierarquizados emergiu a sua correspondente Taxonomia:
Características da Assistência de Enfermagem Sistematizada.
Essas características foram classificadas em diretivas, assistenciais e outras.
Uma das características primordiais e diretivas da assistência de enfermagem
sistematizada é o atendimento das necessidades do paciente. Na descrição das
características da assistência de enfermagem que utiliza a metodologia, são
encontrados termos inclusos como holística, científica, com qualidade,
individualizada, planejada e humanizada. A fala que se segue, destaca, entre
outros o atributo da assistência sistematizada: holismo: Ela faz com que esse
atendimento seja muito mais voltado também prus propósitos e necessidades do
paciente e não somente é prá aquele aspecto [...] o patológico, mas aquele do
contexto do ser holístico, observando ele como um todo. O enfermeiro é
responsabilizado(4) pelo cuidado holístico do indivíduo/família, pois os
fenômenos que preocupam a enfermagem são os padrões de resposta humana, e não
os processos de doença com seus sinais e sintomas.
Estes conceitos remetem-nos o raciocínio que a assistência cuidativa do ser
humano supera o biológico, pois este possui necessidades além do bom
funcionamento celular e orgânico. É aprender que a doença não está somente nas
feridas aparentes do corpo (16). Esse enfoque holístico também promove a
individualização da assistência, a partir do momento que os diagnósticos de
enfermagem e suas intervenções passam a ser elaboradas para a pessoa portadora
de necessidades e não somente para a doença. A sistematização da assistência é
também percebida(5) como humanizada, baseada na crença de que à medida que
planejamos e proporcionamos cuidados, devemos considerar os ideais, os
interesses e os desejos do paciente, não perdendo de vista a importância do
fator humano. A descrição desse domínio é finalizado pela fala conclusiva de um
profissional: O enfermeiro soube dirigir muito mais o cuidado.
4 Transformando a prática do enfermeiro
A ênfase deste estudo foi conhecer o sistema de significados, com seus valores
e crenças, do profissional enfermeiro, ao confrontar com uma nova proposta
metodológica do cuidar. Assim, após meses de mergulho nos dados etnográficos
dessa cultura, emergiu naturalmente o tema cultural: colocar seqüências no
cuidar faz a diferença, que é uma junção de discursos dos informantes. A
percepção do tema colocar seqüências no cuidar, se fez ao nosso olhar como o
significado atribuído ao conceito de PE.
Corroboram(17) com conceito ao apresentarem uma concepção mais formal sobre
processo: é um grupo de atividades realizadas numa seqüência lógica com o
objetivo de produzir um bem ou um serviço que tem valor para um grupo
específico de clientes. Outros autores também apresentam o processo de
enfermagem como uma dinâmica de ações sistematizadas e inter-relacionadas, ou
também com uma série planejada de ações. Lembrando que o PE é organizado em
cinco fases identificáveis e interdependentes, num contínuo de pensamento e
ação. A análise temática proporcionou oportunidades de refletir e desvendar o
conceito para uma atividade ainda nebulosa e reticente no palco da enfermagem
brasileira, no sentido de levar os atores- enfermeiros a uma nova perspectiva
de compreensão e ação, realinhando a enfermagem dentro de sua missão maior que
é o cuidar-cuidado.
Diante do conhecimento conceitual do PE, com a compreensão de seus
significados, relacionados com os significados que os enfermeiros já possuem,
poderá concorrer para o despertar (se assim desejar o profissional) da adoção e
uso da sistematização no contexto vivido, em busca de um melhor cuidar. Pois a
metodologia não é uma modelagem pesada, estática, neutra ou rígida, pelo
contrário, é um processo flexível na sua organização e aplicação, livre de
imposições e manipulações, sustentado por encontros do ser cuidado com o ser
cuidador, por reflexões, (re) ações e por contínuas (re) construções. A
essência do cuidado reside na dimensão comunicativa, no sentido da busca do
entendimento e conhecimento mútuo dos sujeitos envolvidos. Nesse encontro
subjetivo, cabe ao profissional no exercício de seu trabalho, aplicar a técnica
na medida justa da especificidade da necessidade do paciente, e fazê-lo por
meio de relações de continência, acolhimento e vínculo(18).
O tema faz a diferença se destaca, pois permeia grande parte da vivência
compartilhada pelos enfermeiros no processamento da sistematização do cuidar e
traduz com exatidão como o PE é entendido na interface cuidar-gerir. Para os
informantes, sistematizar a assistência, é uma experiência positiva, promotora
das mais variadas implicações, e, mesmo de forma incipiente, a sua existência
mostra a viabilidade da transformação da prática de enfermagem. Faz a diferença
revela com fidelidade que esta é a razão mais significativa para o acolhimento
e empreendimento desse desafio pelos informantes, rompendo com os limites da
passividade e comodismo, ao permitir-se modos diferentes de fazer, viver a
enfermagem e ser enfermeiro.
Além disso, essa fala faz a diferença denuncia, ainda que de forma implícita, o
resgaste e a consolidação do papel do enfermeiro assistencial, liberando-o da
ciranda da vida diária, perdido na resolução de problemas imediatos dos
funcionários e da unidade, envolvido com uma rotina de escalas, estoques de
medicamentos, serviços de lavanderia e rouparia, papéis, formulários e, às
vezes, problemas dos pacientes. E a assistência de enfermagem científica,
holística e humanizada parece cada vez mais restrita a teorias e aos livros de
enfermagem. O profissional cuidador não possui tempo, nem disponibilidade para
priorizar o cuidado ou mesmo para desenvolver o seu saber. E nesta intrincada
realidade, a sistematização do cuidar faz a diferença, seja no fortalecimento
da profissão, na excelência e eficácia do cuidado e em particular, na
concretização dos ideais de ser enfermeiro.
Aperfeiçoada foi a nossa forma de viver a enfermagem, ao conhecer a realidade
institucional desta nova maneira metodológica do cuidar, que me deu um olhar
mais aplicado do PE. Ainda, destaca-se(18)a importância de aprofundar a
compreensão sobre as contradições inerentes a essa metodologia, inclusive sua
aplicação como instrumento de trabalho, desvinculado de seu contexto e das
abordagens teóricas que o fundamentam. E continuamos como referiu um
informante: sem deixar o rio passar no compartilhar da construção de uma
prática reflexiva e transformadora, com os demais parceiros embuídos desse
desejo de transformação. Ao finalizar, partilho do pensamento(19) é o momento
da criação de possibilidades, de pensar o novo, o não pensado antes. Ou seja,
quebrar as amarras da mesmice cotidiana que nos embrutece e vislumbrar, como
numa epifania, o não-vislumbrado antes.