O conto de fada e da paternidade moderna
ENSAIO/ESSAY/ENSAYO
O conto de fada e da paternidade moderna
The fairy tale and modern paternity
El cuento infantil y la paternidad moderna
Anna Maria Hecker LuzI; Lou ZanettiII
IEnfermeira, Doutora em Educação, Professora do Centro da Saúde no Curso de
Graduação em Enfermagem e Pós-graduação, Mestrado em Saúde Coletiva da
Universidade do Vale do Rio dos Sinos, Professora Colaboradora Convidada do
Programa de Pós-Graduação, Mestrado em Enfermagem da Escola de Enfermagem da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul
IIRevisora de Linguagem
E-mail do autor:
Os contos de fada nos ajudam a imaginar uma outra vida, a preencher
funções importantes como, por exemplo, sonhar com finais felizes e
protetores mágicos.
Ednéia Barbosa de Souza
1 Introdução
Fala-se muito sobre parto humanizado e a importância da presença do pai na hora
do nascimento do filho. Entretanto, o conceito de atenção humanizada é amplo e
envolve o conjunto de conhecimentos, práticas e atitudes à promoção do parto e
nascimento saudáveis(1).
Estudo sobre esse tema salienta que apesar de a literatura incentivar a
presença do pai no nascimento, a prática contraria a realidade - os homens são
excluídos desse momento, principalmente nos hospitais que atendem pelo Sistema
Único de Saúde(2).
Em estudo de Espírito Santo(3) sobre as vivências do pai no processo de parto e
nascimento de seu bebê salienta aspectos, muitas vezes desumanos vividos pelos
pais que desejam estar presentes em todos os momentos relacionados ao trabalho
de parto e parto. Apesar de sua participação ser considerada importante, para
ser aceita o pai deve atender uma série de critérios preestabelecidos pelos
profissionais, os quais praticamente inviabilizam essa participação. Constata-
se, com tristeza, que são poucos os homens que têm acesso ao rito de passagem
de crescimento e desenvolvimento humano que mais fundo nos toca - o nascimento
do seu filho.
Observa-se a marcante resistência da equipe médica à presença dos pais, e que
não só os médicos são desumanos, mas também as enfermeiras apresentam
determinadas atitudes comparáveis a "lobos maus" a serem temidos(3).
Mas por que surge, de repente, essa analogia? As lembranças remanescentes e
fascinantes do mundo fantasioso das histórias infantis brotam naquele cenário
rico em detalhes que a autora daquele estudo proporciona. E de onde surgiu a
louca idéia de produzir uma alegoria baseada na tão conhecida história do Lobo
Mau?
Na literatura está a resposta. O sentimento do artista brota da relação do seu
mundo interior com suas circunstâncias e seus semelhantes, criando um tipo
singular de comunicação(4). O autor, consciente do seu poder comunicativo,
desvenda no texto tanto seu mundo interior quanto deixa transparecer conceitos,
idéias e concepções do mundo histórico. Mundo histórico que pode abranger o
geral, o particular ou ir de um para o outro, pois nasce com o homem e dele
também surge, construído com a emoção e a intelectualidade numa narrativa
singular e humana, num parto dolorido, mas também de muita alegria. Semelhante
ao parto de uma criança. Seu processo de humanização, ainda é lento na
sociedade atual. Avança-se em determinados momentos, em outros recua. Da
reflexão sobre esse fato surge a idéia: por que não escrever sobre esse assunto
com multiplicidade de sentidos? Dar novo colorido às rememorações sobre a
infância, reavivar o mágico, que tudo pode quando o sonho se mistura à
realidade, na tentativa de mostrar a exclusão da maioria dos homens durante o
nascimento de seus filhos.
1.1 Cenário, personagens e cenas do nascimento
Alguns eventos na vida de um indivíduo são lembrados pela narrativa oral.
Histórias contadas em família - de pais para filhos - são preservadas. O conto
também sobrevive na tradição oral, antes de alcançar forma escrita, em um texto
literário ou não.
Ainda hoje, conhecimentos inclusos na vida cotidiana são transmitidos oralmente
e, na maior parte das vezes, sob a forma de narrativas (histórias de pessoas,
de famílias ou de acontecimentos marcantes). A oralidade sobrevive,
paradoxalmente, à mídia escrita. Essas formas narrativas surgem anonimamente e
passam a circular entre os povos, transformando-se no que se conhece por
tradição popular (5). Entre elas, o conto maravilhoso:narrativas que, sem a
presença de fadas, normalmente se desenvolvem no cotidiano mágico (animais
falantes, tempos e espaço reconhecíveis ou familiares, objetos mágicos, gênios,
duendes...), e têm como eixo uma problemática social (ligada à vida cotidiana).
É o desejo de auto-realização do herói no âmbito socioeconômico, através da
conquista de bens, riquezas, poder material... e relatam a miséria, a
necessidade de sobrevivência física ou a carência como ponto de partida para as
aventuras (5).
Estudos realizados(6) abrem novas possibilidades para pesquisas sobre o conto
popular, narrativa que não se preocupa em dar a impressão de um acontecimento
real, preferindo trabalhar constantemente no plano do maravilhoso, considerado,
no entanto, natural. O que se passa nos contos de fada, é o que gostaríamos que
acontecesse no universo, como deveria acontecer, como se espera que aconteça, e
a intenção visa ao final feliz, ao universo justo(5).
Uma das descrições do conto maravilhoso é a que se refere às partes que o
constituem - composição, enredo e funções - e as relações entre si e delas com
o conjunto(6). Denomina composiçãoa sucessão das funções - o que se entende por
forma do texto, o que determina o gênero a que pertence - tal como é encontrada
na narrativa. Acrescenta: a composição é um fator estável (ou constante)
enquanto o enredo (variável) - é a idéia do autor, sua visão de mundo, expressa
através da apresentação dos temas. Identifica ações constantes, que denomina
funções - ações que se sucedem, sempre na mesma ordem, independente de quem as
pratique e dos modos com que são praticadas. Por essa análise, identifica-se 31
funções constantes e conclui que o conto maravilhoso seria aquele que
representasse pelo menos 11 delas(6).
O conto maravilhoso que serve de alegoria para a narrativa das vivências de
pais no processo de nascimento de seus filhos é o conto de Charles Perrault -
Chapeuzinho Vermelho- escrito há mais de três séculos (1634-1636)(7) e ainda
hoje lido e contado com o prazer de uma grande aventura.
A reapropriação desse conto, sob a forma de narrativa popular, pode favorecer o
leitor (profissionais da área da saúde) no reconhecimento da "maldade" de
registro (exclusão do homem) de situações na qual está inserido.
Paulo, o personagem deste conto, olha o mundo para além do automóvel e revive
os momentos de medo, alegria, tensão e emoção durante o nascimento da filha. No
banco de trás do carro vibram os balões e deseja que não estourem antes da
festa do primeiro aniversário dela. A avenida está congestionada, o tráfego
lento, e de repente sente-se esmagado por uma floresta de metal, cheia de
carros que não andam, correndo o risco de ser assaltado, levar um tiro, ser
morto. Olha para a foto da filha, fixada no painel do carro, e desabafa: - E eu
que tive medo de lobos.
As antigas imagens daquele dia o assaltam, intensas, e aquela outra floresta de
terror não lhe sai da memória. Ângela, no meio dos lobos, sozinha, e ele só
pôde ver a filha nascer porque teve coragem, claro, e uma ajudinha da
enfermeira. E queriam convencê-lo de que aquele hospital era amigo da criança!
Se fosse amigo deixariam de fora o pai e a avó, na hora de a criança nascer? O
pessoal do centro obstétrico se disfarçava com vestimentas iguais para que não
se pudesse reconhecer o verdadeiro lobo mau. Astutos que se fazem passar por
competentes. Competentes, nada! Tinham medo da própria sombra. Ah, aquilo sim é
que era amedrontador, porque o temor maior não era o que estava dentro da
barriga da mãe, pois a tal da ecografia mostrava tudo, mas o que estava do lado
de fora, no mundo do hospital. Isso, sim, assustava.
Os carros buzinam, o cheiro de gasolina enjoa. Paulo toca o retrato da filha.
Um dia lhe contará a história do Lobo Mau. Uma história que não está escrita em
livrinhos. Mas é a história dela.
Os nove meses da gestação de Ângela passaram rápido. Naquela tarde, ela reagia
a cada contração, arqueava o corpo para trás, sustentando as costas com uma das
mãos na altura do quadril, e alisava freneticamente a barriga. Eu, ali,
tentando acalmá-la. Após cada contração, ela dava um longo suspiro e relaxava.
Aos poucos, aquelas dores espaçaram e ela dormiu... Aproveitei para levar o
Antônio para casa dos meus pais, há duas quadras dali. Depois fiquei ao lado
dela, imóvel, para não acordá-la. A calmaria do quarto provocou minha
imaginação...E as imagens começaram a saltar. Primeiro, difusas, vagas, depois,
fortes, pedantes. Um caminho, um passo, outro passo, verde, muito verde, braços
longos, imensos, galhos, a floresta, cheiro úmido de terra, madeira... Depois
aquele olhar... Veio vindo... e surgiram os animais, correria, sussurros,
tremor, medo, vultos, cara de lobo, patas pretas, unhas afiadas. Meu Deus,
minha garganta. Quando pensei que seria devorado, ouvi o grito de Ângela e
acordei. As unhas dela estavam cravadas no meu braço. - Tenho dores e é você
quem grita? De que lobo você está falando?
Digo-lhe para esquecer. Era um pesadelo, e ela começa a se agitar, dizendo está
na hora. Salto da cama, pego a máquina fotográfica novinha em folha, comprada
especialmente para aquele dia, coloco-a na sacola com as roupas do bebê, a
cesta com as lembrancinhas, telefono para o ponto de táxi, e depois para
Marieta. Ângela não iria sem a mãe.
O caminho não é longo, mas as ruas parecem não ter fim e as sinaleiras tramam
contra nós - todas vermelhas. Deve ter coisa de Lobo nesta sinaleira. Seria
preciso tomar um atalho, mas como posso fazer isso e chegar em segurança? Tento
abreviar a distância e o tempo, falando mentalmente com minha filha sobre esses
atalhos. Ela é apenas um bebê e não pode se defender sozinha. Ah! minha
Chapeuzinho Vermelho.
Finalmente, o táxi pára à porta do hospital. O porteiro me manda lá para cima,
na emergência da maternidade. Entramos no elevador. Lá dentro, só o barulho da
ventilação, é como se eu e Ângela tivéssemos parado até de respirar por que
Marieta não só respirava, bufava! O elevador abre-se. Dou de cara com uma porta
verde. Indeciso, sigo a placa que indica a sala no fim do corredor. De um lado,
janelas que permitem ver, lá de cima, as luzes da cidade iluminando as ruas, e,
adiante, o breu do rio, contrastando com o corredor cheio de portas e bancos,
todos verdes. Tanto verde. Estou no meio da floresta. Diferente daquela do meu
sonho. Esta é cheia de gente, principalmente de homens pálidos, é claro.
Sentados nos bancos de madeira, esticam as pernas como galhos de árvores
enroscados uns nos outros, obstruindo a passagem. Desvio um e outro e, por fim,
chego à recepção e arrasto Ângela comigo. Quero sair logo daqui. Que coisa! A
imagem do sonho não me abandona. Daqui a pouco me aparece um lobo!
Nem preciso tocar a campainha. O gemido de Ângela anuncia a nossa chegada. Da
recepcionista só se consegue ver o rosto e o pescoço espichado para alcançar o
vão do escudo de vidro de onde fareja a barriga de Ângela. Nome? Baixa a cabeça
e digita, no computador, usando somente o indicador da mão direita. Arregala os
olhos sobre os óculos apoiados na ponta do nariz. Fico pensando de que jeito
aquela mulher respira. Mas ela respira e continua...Idade, endereço. Curvo-me
para ver quantas perguntas faltam naquela ficha e uma gota de suor desliza
sobre minha testa enquanto ouço Ângela gemer. A recepcionista imprime e me
entrega a ficha. De passaporte na mão, Ângela agarra-se no meu braço e partimos
para a outra parte da floresta: a sala de exames.
O médico (médico?)... Se não fosse o rosto com pêlos crescidos pensaria que era
um adolescente. Será que não fazia a barba? Ah, e os pêlos pretos no peito,
aparecendo no decote do jaleco verde, os braços, a mão... ele era todo peludo!
Meu Deus! O lobo do meu sonho. Tenho vontade de perguntar se não há outro
médico para atender Ângela, mas desafiar o sistema de saúde, nesse momento, não
convém, e decido ficar quieto, olhando aquela cara esquisita. Só falta, agora,
ele abrir a boca e mostrar os dentões. E é o que ele faz, dirigindo-se a
Ângela.
- Por que você veio para o hospital?
Ora! Isso é pergunta que se faça? Quem sabe veio porque tá com unha
encravada!...
Ângela fala em detalhes sobre o único motivo: contrações uma em cima da outra
desde à tardinha, só dando alívio por 2 horas quando adormeceu e acordou com
dores mais fortes ainda. Aí, ele me olha com aquele olhar de lobo e escuto até
o grunhido: - E o Senhorrrr o que está fazendo aqui?
O que estou fazendo?... Numa hora dessas bancando o engraçadinho? Panaca! Sinto
uma coceira danada na língua e a vontade de dizer: Ah! Dores eu ainda não tenho
doutor! O problema maior é com ela mesmo. Atende ela, primeiro, o meu caso não
é tão urgente... Ele parece esquecer a pergunta. Arqueia a sobrancelha, volta o
olhar para Ângela e dá um longo suspiro!
- Desde quando sente as dores? De quanto em quanto tempo sente as contrações?
Perdeu água?
Mas aquele médico devia ser surdo mesmo. Com aquelas orelhas tão grandes e ele
não ouviu nada do que ela falou! Só faltava perguntar se ela cronometrou as
contrações.
Ângela deita-se para ser examinada e a barriga fica como uma montanha. Ele
começa a apalpá-la, como se quisesse... comer minha mulher e minha filha
juntas. Pega o aparelho e desordenadamente procura o coraçãozinho da minha
filha por toda a barriga. - O cara é bandido mesmo, quer nos meter medo. A cada
nova tentativa, um frio percorre meu corpo e os gemidos de Ângela transformam-
se em choro. Por fim, ali estava aquele tum, tum, tum... forte e ligeiro como o
galope de um potro campo a fora. Aí, o tal de médico calçou as luvas. Seria
para disfarçar o tamanho das mãos ou esconder os pêlos? Completou o exame e
falou, com os olhos voltados para um ponto qualquer no teto, como se alguém o
acompanhasse lá de cima: "5 cm, bolsa íntegra, cabeça baixa..."
- É pra logo doutor? - perguntei àquele que mais parecia um costureiro tomando
medidas.
- É cedo, afirmou ele, com a calma de uma lesma. Levantou-se da cadeira e
resmungou: - Isto vai longe ainda. Tenho mais uma para atender, depois vou
dormir um pouco. Enquanto isto a enfermagem prepara ela, disse, entregando-me
os papéis para a baixa hospitalar.
Ah! Ele pensa que o sono dele é muito importante, só porque atende numa
emergência. Fiquei cara a cara com aquele crachá, "Dr. Carlos - residente".
Grande coisa! Não confio nesse médico. Tá mais preocupado em arrumar uma cama
pra dormir do que atender. Mas não digo nada para Ângela, porque acredito que
ela também não confia nele. Enquanto a acalmo, uma sombra branca pára ao nosso
lado. Só o que se destaca é o crachá verde: Loris, Enfermeira. Ela se apresenta
e vai logo fazendo perguntas à Ângela e me empurrando em direção à porta.
Quando penso reagir ela fecha a porta na minha cara. Não me convenço. Bato com
força. Ela abre e me arrebata com dois olhos arregalados e mostrando os dentes
diz: Aqui, o familiar não entra!
Desço do 12º andar para o térreo, providencio os papéis da baixa e volto ao
corredor de espera. Conto a Marieta a minha impressão sobre aquele lobo. O
olhar da minha sogra era o de uma fera na tocaia: - Mas tu não vai ficar com
ela? Não te prometeram? Por que te mandaram sair?
Aí, as dúvidas apareceram. Marieta tinha razão. Será que tudo aquilo que a
enfermeira do pré-natal disse sobre Hospital Amigo da Criança era mentira? Fui
ingênuo? Fui enganado? Eu corria o risco de não poder ficar junto dela na hora
do nascimento?
Agora eu era mais um galho a impedir a passagem de outros naquele corredor, mas
eu tinha razão de estar agitado. E abri caminhos de leste a oeste no meio
daquela floresta com um único pensamento: Vou entrar. Mas... as horas foram
passando e só restava desviar a atenção da angústia com lembranças. Aquelas de
quando fomos morar juntos, há dois anos.
Aos quarenta anos, imaginava que se não tivesse um filho com ela, nunca
experimentaria como é ser um reprodutor de verdade. Por isso, quando ela falou
que a menstruação estava atrasada, fiquei endiabrado, agradecido, certo de que
ela se descuidara para provar seu amor por mim. E eu mostrar que era capaz,
sim, e de firmar o nosso amor com um filho.
...
Ela não precisava outro filho. Antônio é um guri adorável, como se fosse meu.
Por que fui tão egoísta? Quando penso nisso, me descontrolo. É assustador. Ah!
Meu Deus! Ela já foi mãe e eu sou, pela primeira vez, pai. Sinto novamente a
sensação de estar na floresta sozinho, mas agora o Lobo Mau sou eu. Se alguma
coisa sair errado vão cobrar isso de mim. E o pior é que nem posso dizer o
quanto me sinto culpado pelo sofrimento de Ângela, pois ela está sozinha
naquela sala. É duro ser pai à distância.
Talvez seja o castigo por eu não ter medido as conseqüências quando agi como
lobo. Ela deve estar com muito medo, chorando... outro filho, privações e,
talvez, o medo que eu a abandone. Será normal o que eu sinto? Não consigo me
sentir grávido. Talvez porque a gravidez não afete diretamente o físico do
homem. Ainda bem! Mas, lá no fundo, eu sei que sou pai e ao mesmo tempo me
sinto excluído de algo que sou co-autor e responsável. Olho para a cara da
Marieta que vai do pálido ao roxo, de tanto assoar o nariz, e tento conversar
com outro pai bem na hora em que a enfermeira o chama. Sortudo! Esse não sofreu
nada, foi chamado em seguida. Volto-me para a janela e a imagem de Ângela
naquela cama não me sai da cabeça, e sem querer digo: Assim não dá.
- O que não dá? - pergunta-me Marieta.
- Sei lá. Mas sabe o que estou me dando conta? O pai não tem a menor
importância na gestação. A mãe, sim. Primeiro, a criança precisa da barriga
dela, depois do corpo inteiro. Já pensou nisso?
Marieta levanta vagarosamente a cabeça e fala com a convicção de uma sábia: - A
Ângela nessa situação e tu parecendo louco. Vê se te ajeita porque tens que
cuidar das duas agora.
Ah, mas que sabedoria! Então não passei a gravidez providenciando tudo para
elas? E as noites de inverno que saí na chuva para atender suas vontades!
Paulinho, vai buscar um quindim... bem-amarelinho, molinho em cima e com
bastante coco em baixo. Sim! Porque não era só o quindim... mas os adjetivos
que acompanhavam os pedidos. E quando ela teve desejo, de noite é claro, de
comer pêssego fresco, suculento, cor vermelho-aveludada, em pleno junho... Só
um pai para saber o quanto é difícil uma gravidez.
Fui junto em todas as consultas, até na ecografia. Quando o médico disse que
era uma menina, fiquei meio sem graça. Não era bem isto que eu esperava! Ângela
não sabe o quanto é difícil educar e proteger uma menina nos dias de hoje. Com
essa liberdade sexual... "ficam" com todo mundo e os "meninos" seduzem elas sem
cerimônia, porque casamento já é coisa do passado. Como falar para minha filha
sobre os riscos que uma menina corre nesta selva urbana, cheia de Lobos Maus?
Ah! Minha adorada Chapeuzinho Vermelho. Não te preocupes, serei eternamente o
teu defensor, sempre ao teu lado. Lado? Lado coisa nenhuma! Estou aqui, nesse
banco duro, há mais de hora. Não agüento mais ficar aqui sentado, vou lá e
arrombo aquela porta, digo, sem me importar com as dezenas de olhos que me
fixam. O de Marieta é um olhar abusado.
- Estou pagando pra ver.
- É, vai ver. Vou me grudar naquela campainha, aposte! Vou lá.
E fui. A cara assustada da funcionária, ao entreabrir a porta pergunta:
- O que foi? O que o senhor deseja?
- Moça, sou o marido da Ângela e preciso ficar com ela.
- Aguarda que a enfermeira está realizando um procedimento. Depois ela fala com
o senhor, diz, e fecha a porta.
Aguardar? É só o que eu faço. Já caminhei de um lado pra outro no corredor,
tanto que daria para fazer umas dez voltas ao redor da Praça da Redenção. E não
sou só eu que espero. O corredor está lotado. Recomecei o anda-anda. A Marieta,
certamente para aliviar o medo que fingia não ter, mãe de oito, com aquela voz
macia, arrastada, resolve se distrair contando como fora o nascimento da
Ângela.
- Lá fora, as coisas eram diferentes. Não se saía de casa para ter um filho. O
nenê vinha ao mundo, ali, juntinho, na nossa cama. A parteira e uma mulher mais
velha da família ficavam ao nosso lado. O único medo era a criança trancar na
bacia, ficar com problemas ou até morrer. Se precisasse, o marido buscava o
médico. Hoje, com a cesariana, não se corre perigo. Não sei pra quê tanto
nervosismo. Senta aí e te acalma.
Ah! Minha sogra ainda vive em outro tempo. Por isso não percebe que, hoje, o
nascimento no hospital é como uma floresta perigosa, camuflada por pessoas que
se vestem iguais, roupas verdes, soltas, feitos pijamas e na cabeça, gorros.
Será que é para disfarçar o grande Lobo Mau que pode ser o próprio hospital?
Sei lá. Volto-me para Marieta e digo em tom de quem descobriu a América.
- Ah! Mas naquele tempo o marido não entrava!
- Bom... até entrava quando a mulher chamava por ele...
Fico pasmo. Ai, Meu Deus, e se ela me chamar? Daqui não dá pra ouvir.
A porta da sala de espera de acesso à maternidade abre-se. Todos espicham o
olhar na rápida oportunidade de identificar alguém conhecido atrás dela. Mas
logo a enfermeira solta sua voz gelada: - Familiares de Paula podem descer para
o berçário, o bebê já está lá. Está tudo bem.
Tudo bem uma ova! Eu ainda estou esperando para ficar com minha mulher.
Mas a enfermeira ficou ali, quieta, tal lobo astuto, como quem não quer nada,
observando atenta o comportamento de cada um. Ha-ha... Sei como é! Quem se
mostrar inseguro, está perdido... Então é isso! É ela que tem o poder de
permitir o atalho do caminho. É ela quem decide quem entra ou não naquela
florestinha particular.
Vou ficar na minha, com diplomacia e paciência, a enfermeira pode ser uma
importante aliada. Por isso, quando falou: - Familiar de Ângela?, nem
acreditei. Ela repetiu e dei um salto até a porta. Tinha vontade de abraçá-la.
A minha Ângela estava pedindo minha presença. Mas... ela estendeu o braço na
minha direção: - Aqui estão as roupas de sua esposa, disse-me, entregando-me um
saco. Agradecido, ofereci-lhe o mais terno sorriso que já dera a uma mulher e
não resisti: - Enfermeira, eu preciso entrar. Acho que a Ângela não vai
agüentar sozinha. Sabe como é, sou marido, conheço até as preferências dela por
quindim, pêssego...
Na minha cabeça tudo passava muito rápido. Eu ouvia minhas próprias palavras e
ao mesmo tempo recordava as falas de um pai do curso de gestantes: - A
enfermeira me mandou sair do centro obstétrico e ficar lá fora até ela chamar e
não que me chamaram. Pois é, não tinham chamado aquele pai. Ai, eram tantos e
desordenados meus pensamentos. De repente, meus ouvidos pareciam selecionar um
som. A fala cadenciada e meiga, a maneira segura daquela enfermeira que falava
com outra pessoa no corredor deram-me a certeza de que ela dominava aquela
área. Interrompi a conversa na porta, fui até ela, segurei-lhe a mão,
suplicando para ver Ângela.
Ela pareceu cansada ao dizer: - Pode entrar... mas, já vou lhe avisar, talvez
eu lhe peça para sair depois... No trabalho de parto não tem problema. A equipe
médica não interfere, mas no parto é diferente.
Nem olhei para Marieta, entrei o mais rápido que pude agradecendo a enfermeira
Lúcia. Quando vi já estava lá dentro. Eu sabia que corria o risco de ter que
sair, mas agora eu estava ali, junto. Lá fora, a gente fica imaginando o que
está acontecendo. Ah, se não sou eu como ela vai saber que está na hora? Eles
deviam me agradecer pela ajuda. Ângela sofria muito, e me estendeu a mão
chorando.
- Paulo! Chama o doutor! CHAAAMA!
Apavorado, corri para chamar o doutor. Mas ainda não era a hora e o médico não
gostou da minha atitude.
Ângela continuou chorando e eu a confortava. Tentei até falar sobre as imagens
de floresta e do lobo que eu vira no corredor, e por isso estava ali, para
salvá-la de todos aqueles perigos. Ela arregalou mais ainda os olhos e insistiu
em ver o médico. Ele chegou com a cara amassada de quem tinha dormido demais e
a examinou, dizendo que a dilatação estava completa... Fiquei paralisado. Minha
filha nascendo! Finalmente iria vê-la! Mas logo a voz cadenciada de Lúcia me
informou que eu deveria sair do Centro Obstétrico. Aí, começou a agonia.
Simplesmente me mandaram sair no momento mais importante. Que desespero, que
dor. Ângela agarrou minha mão e lançou-me um olhar de súplica: - Não quero
ficar sozinha com essa gente. Não vá embora. Mas a equipe não se sensibilizou
com isso... É preciso permissão do grande Lobão para ficar ao lado da própria
mulher. Lúcia e a enfermeira do pré-natal queriam que os pais entrassem na sala
de parto. Mas, é lobo de plantão quem decide. E, mais: para entrar na sala de
parto, depende, ainda, da boa vontade do médico que vai atender o parto. Quem
manda é o médico. Sempre disfarçado, é claro.
Mas, às vezes, essa pode não ser a decisão final. Como na estória, pode
aparecer um caçador, que não precisa matar o lobo mau, mas ser tão astuto
quanto ele. Acho que a enfermeira, muitas vezes, faz esse papel. Mandou-me sair
porque cumpria ordens, mas ao ver-me arrasado ergueu as sobrancelhas e suspirou
contrariada. Depois, com ar dissimulado disse ao doutor: - Será que ele não
pode entrar?
O atalho não deu certo. E, o doutor, sisudo, falou:
- Não dá, aqui é um hospital-escola, quem faz o parto é o doutorando. E
cochichou: - Pode até causar um processo. O doutorando está aprendendo. Tenho
medo... e se o marido entrar e criar uma confusão?
Ah! Então é isso. Atalho por atalho, sempre aparece outro. A enfermeira
percebeu meu ar de cachorro abandonado, enfrentou o risco desse atalho e me
puxou para o vestiário. Troquei de roupa apressadamente. Afinal, pensei, os
médicos nem notariam, pois todos se vestem iguais. Boboca que fui. Não levou
muito tempo e o médico me reconheceu. Aí, não tinha mais jeito, eu já estava
lá.
Quando Ângela me viu encheu-se de coragem. Chorei, recostado nela, segurando-
lhe a mão. Nem vi o parto. Quando ouvi o choro daquela coisinha, também
chorei... é uma emoção que não se consegue segurar.
Na saída, encontrei Marieta cheia de lágrimas. Tinham-lhe negado o direito de
ver a neta em primeira mão. Nem dei bola e disse: - Vais ver tudo fotografado.
Aí, senti uma espécie de soco na cabeça. Olhei o banco onde estivera sentado e
vi a máquina fotográfica. Ela continuava virgem. Não parira nenhuma foto. E
entre o riso e o choro, abracei minha sogra, consolando-a. Não tinha
importância. Eu estivera lá.
2 Análise do conto de Chapeuzinho Vermelho e da narrativa do parto
O conto de Charles Perrault, Chapeuzinho Vermelho, escrito há três séculos,
ainda hoje é lido com prazer. O conto tem o encontro das tradições populares
com a criação literária infantil. A reapropriação do conto de fadas, sob a
forma de narrativa popular, pode favorecer o leitor a reconhecer o registro da
realidade em que está inserido, servindo como modelo que constantemente se
adapta às mudanças do seu contexto histórico.
Em Chapeuzinho Vermelho existem várias funções(6). Utiliza-se, aqui, a
simplificação da análise destacando-se os três aspectos fundamentais do conto:
"- um conflito ou situação de dano ou carência; - uma situação saneadora,
através de um herói que recebe a colaboração de uma entidade mágica; - o
sucesso da empresa, que culmina com o casamento real"(7:62).
O conto se desenvolve à medida que os personagens deixam sua casa - Chapeuzinho
Vermelho e Ângela - é o início da aventura. Este afastamento do ambiente seguro
do lar representa o primeiro aspecto: carência.
A situação dos personagens em contato com o desconhecido, cheio de perigos,
coloca-os numa situação de insegurança. No conto Chapeuzinho Vermelho, a
carência caracterizada pela ingenuidade da protagonista que se deixa envolver
pelo lobo - é semelhante à de Paulo, que leva a mulher ao hospital, acreditando
na instituição. Chapeuzinho é a menina que está desabrochando para a vida,
enquanto Paulo vive um novo personagem: ser pai.
A vida de Paulo é aparentemente comum. Mas, um dia o lobo da virilidade
aparece. Com ele caminhos, atalhos e muita ansiedade. Há um cruzamento
indicando várias vias: ignorar os obstáculos, aceitar as regras (caminhos)
impostas pelo sistema, pelos paradigmas existentes num hospital, sem maiores
questionamentos, ou quem sabe, à semelhança daquele lobo, enfrentar o desafio
de novos atalhos. Ao escolher essa opção, Paulo vê-se diante de uma floresta
quase intransponível, com os fantasmas das boas intenções, fraquezas, receios,
e descobre que lobo também sente medo.
Nesse momento do conto, destaca-se o sentimento masculino: medo por outro homem
cuidar de sua mulher, examiná-la, tocá-la. Na interpretação da organização
social do gênero, destaca-se que as mulheres maternam e os homens detêm os
direitos sobre as capacidades sexuais e reprodutivas das mulheres e os direitos
formais sobre os filhos(as)(8). Por isso, ao deparar-se com 40 anos sem ser
pai, Paulo revela seu medo de não cumprir com sua "valorosa função
reprodutora". Portanto, além da responsabilidade de preservar a integridade da
companheira, ao conseguir a façanha da paternidade identifica-se com os outros
pais, mas se sente só e excluído do processo. Despreparado para a tarefa de
preservar a segurança da filha, diz: é difícil educar e proteger uma menina nos
dias de hoje. Com essa liberdade sexual, `ficam' com todo o mundo. A exclusão
sentida por Paulo, em relação à mulher e à criança é evidente: pai não tem a
menor importância na gestação. Primeiro, a criança precisa da barriga dela (a
mãe). Depois, do corpo inteiro. De acordo com essa percepção, o pai é um
estrangeiro, um estranho, no território exclusivo da relação mãe-filho (a).
Portanto, através dessas idéias, percebe-se a influência do medo masculino no
processo da paternidade relacionado aos papéis de gênero(9).
O outro aspecto fundamental do conto de fadas é que deveria acontecer uma ação
de providência de um auxiliar mágico ou de propriedades extraordinárias, a
serviço do herói. Porém, na história de Chapeuzinho Vermelho e na de Paulo,
isso não acontece. Tem-se, aqui, o segundo aspecto da simplificação: a
colaboração de uma entidade mágica que não acontece.
No caso de Chapeuzinho Vermelho, não há protetor e nem superação do conflito,
porque não há aliança com a fantasia, não há sentido compensatório exatamente
porque vive a situação de transgressão, que não deve ser incentivada, pelo
contrário, deve ser punida para que sirva de exemplo. A vítima torna-se
cúmplice do malfeitor. Paulo, além de vítima, sente-se culpado por ter
provocado uma gestação ou por deixar Ângela à mercê dos lobos do hospital. Os
sentimentos são ambíguos, ora sente-se o devorador (engravida Ângela) ora, o
devorado pelos medos, pelo desconhecido, ora, ainda, vê Ângela devorando a
filha, salva pelos caçadores - "médicos e enfermeiras" - que, por sua vez,
também podem ser os devoradores das duas. Nesse momento, sente-se, também, o
espectador da história e procura caminhos, atalhos para perceber-se inteiro,
viril, importante aos olhos de todos os que o cercam. O primeiro atalho é o
sorriso à recepcionista, o segundo é à enfermeira Loris e, por fim, Lúcia.
Entre sentir-se o lobo, a vítima ou o expectador Paulo tem a impressão de ser
invisível no mundo do parto, pois o médico, ao falar com ele, atém-se a olhar o
teto. Paulo tenta dar-se visibilidade e seu esforço é recompensado quando a
enfermeira lhe indica um atalho e ele presencia o nascimento de sua filha. E,
por isso, ele teme todo o tempo. Corre o risco de perder a mulher e a filha
para pagar por sua escolha e provar, com seu sacrifício que, quem desobedece às
normas e rotinas impostas é punido com o pior castigo e não tem salvação, nem
ajuda mágica. E Paulo sente-se devorado por tudo o que o rodeio e por si mesmo.
O terceiro aspecto destacado é o sucesso da empresa, que culmina com o
casamento real(7).
Diferente dos contos de fadas, no de Chapeuzinho Vermelho é importante destacar
que a felicidade não pode ser encontrada no casamento - ela é apenas uma
criança. Para impedir possíveis tragédias com a menina, outras tradições
institucionalizadas poderiam tê-la protegido, mas Chapeuzinho não fazia parte
delas: além do marido (ou príncipe encantado) não estar presente, a linhagem
nobre, que poderia ter sido um anteparo e que poderia tê-la defendido, não
existe. Ela é pobre. Sendo assim, a recompensa terá que vir de outro modo. Com
Paulo acontece o mesmo. Num acontecimento feminino como o parto, constata-se
que não há espaço especialmente para os homens. Mesmo quando o parto ocorria em
casa, ao homem cabiam as tarefas do mundo externo ao quarto: buscar a parteira,
colocar água para esquentar na cozinha... mas, os homens, culturalmente, além
de provedores, sempre foram caçadores. Talvez, por isso haja tantos obstetras
masculinos. E se houve um salto, ao longo dos tempos, do externo para o
interno, em relação ao homem (do externo da casa para o quarto), esse salto
incidiu diretamente no corpo da mulher. E isso intriga Paulo. Ele, marido e
pai, não pode ficar no quarto, mas ao médico é permitida a aproximação máxima,
o toque, a intervenção. Além disso, Paulo é pobre, usuário do SUS, semelhante à
Chapeuzinho Vermelho, à avó e ao próprio lobo que é obrigado a usar de
artimanhas para sobreviver. Menos os caçadores. Se não são ricos, têm poder,
armas (equipamentos) e técnica (abrem a barriga do lobo).
Na história de Chapeuzinho Vermelho não há assistentes. Apenas o narrador diz
que os caçadores andavam por ali. É possível que Paulo se sinta impelido a
estar presente, na tentativa de ocupar um espaço mágico que não lhe é
permitido, a fim de narrar, aliás, ele pretendia fotografar, documentar a ação,
mas isso pode ser perigoso aos "caçadores", antigos lobos. Ele sabe que a
assistência nos hospitais de ensino, muitas vezes não é feita pela pessoa mais
qualificada: o médico ou a enfermeira, mas por um estudante. A questão não é a
presença do pai, mas a organização do poder que estabelece esta ordem. Como é
que no mesmo hospital os pais presenciam os procedimentos em RN de risco na UTI
e ninguém considera errado? Se doutorando não está protegido legalmente para o
parto, por que o faz? O risco de denúncia coloca o lobo em risco, ao mesmo
tempo em que pune Paulo, por sua virilidade audaciosa ou por sua ingenuidade.
Cada profissional tem sua floresta de poder, seu local de mando e por isto não
denuncia o outro é o "jogo das máscaras". Propõe-se o uso do termo violência
para tudo o que se refere "à luta, ao conflito, ao combate, ou seja, à parte
sombria que atormenta o corpo individual ou social"(10:15). Essa luta,
entretanto, pode modular-se de maneiras pacíficas, como a diplomacia, a
negociação, mas sempre conduz à oposição de grupos entre si.
No epílogo da história, decretando a morte da menina inocente, mas
desobediente, Perrault que possuía sabedoria, ironia e conhecimento para
manejar a situação, chegou a um consenso quando conseguiu valorizar o bem e o
mal no mesmo conto, mostrando que há o mesmo encanto em posições diferentes,
embora com resultados opostos. E a protagonista é milagrosamente ressuscitada
(que paradoxo!) por uma cesariana - abrem a barriga do lobo e salvam a avó e a
neta ao mesmo tempo. Ah! Os tempos são outros - Paulo apesar de aprisionado na
floresta repleta de lobos, salva a mulher de ser devorada e recebe a
colaboração, não de uma entidade mágica, mas de um ser humano que soube
proporcionar o cuidado, respeitando-lhe a cidadania e assiste o nascimento da
filha por parto normal.
3 A aproximação entre o conto e a realidade
Quando me propus estabelecer as relações entre Chapeuzinho Vermelho e a
narrativa de um homem nas agruras da paternidade, não pensei nas identificações
históricas desses dois momentos, mas nas semelhanças existentes e o que se
percebe ao estudar os contos de fada.
Na evolução, a sociedade está se tornando cada vez mais funcional. Tudo que
nela existe só tem direito à existência se tiver uma função de utilidade. A
identidade de cada um não depende mais da relação com a natureza, crenças,
cultura, mas do modo como se é avaliado pelos critérios que governam a
sociedade e pelo sistema econômico de mercado.
O uso do conto com auxílio da alegoria, na narrativa da vivência de um pai
frente à paternidade, talvez seja não só mais receptiva, mas possa possibilitar
maior espontaneidade quanto a manifestar emoções, permitindo ligação empática
com esse pai. Trata-se de um aprendizado mais natural sobre o tema, mas tão
exigente e complexo como os da profissão, pois, procurou-se propiciar um
aprendizado vivo que seja duradouro, como o desencadeado pelas vivências
cotidianas.