Comportamento da mulher mastectomizada frente às atividades grupais
PESQUISA
Comportamento da mulher mastectomizada frente às atividades grupais
The performance of mastectomized women in group activities
Comportamiento de la mujer mastectomizada frente a las actividades de grupo
Ana Fátima Carvalho FernandesI;Maria Socorro Pereira RodriguesI; Pacífica
Pinheiro CavalcantiII
IEnfermeira. Professora Doutora do Departamento de Enfermagem da Universidade
Federal do Ceará. E-maildo autor: afcana@ufc.br
IIAcadêmica de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará - Bolsista PIBIC/
CNPq
1 Introdução
A retirada da mama é um processo cirúrgico, considerado agressivo, visto ser
acompanhado de conseqüências, muitas vezes, traumatizantes, nas experiências de
vida, e por afetar a saúde da mulher acometida de câncer.
A doença expõe as mulheres a uma série de dificuldades, tais como o desajuste
psicológico devido essa doença crônica e mutilante. Ocasiona e limita os
movimentos, no caso do membro superior correspondente à mama afetada,
impossibilitando a mulher de desenvolver trabalhos domésticos e atividades
profissionais exercidas anteriormente.
O câncer é uma das doenças que mais induz sentimentos negativos em qualquer um
de seus estágios: o choque emocional causado pelo impacto ao tomar conhecimento
do diagnóstico; o medo da cirurgia; a incerteza do prognóstico e de uma
recorrência deste câncer; os efeitos do tratamento da radioterapia e da
quimioterapia; o medo da dor e o pavor de encarar a morte nas circunstâncias
com essa que em geral se apresenta(1).
Com a finalidade de auxiliar essas mulheres mastectomizadas na resolução dos
problemas decorrentes do câncer e da mastectomia, têm sido criados, atualmente,
muitos grupos de auto-ajuda, os quais são grupos terapêuticos e homogêneos, que
visam congregar pessoas que passam pela experiência de ser acometida por um
câncer. Esses trabalhos em grupo são conhecidos como self-help, fundamentam-se
em ajudar as pessoas a resolver ou minimizar problemas relacionados a traumas
decorrentes do acometimento de doenças de natureza aguda, e, em especial,
crônicas(2).
O valor dos grupos de auto-ajuda é destacado quando "o compartilhar
experiências comuns, proporciona aos seus integrantes uma enorme energia, que
pode ser carreada para as exigências da vida, para a ressocialização e para a
recuperação"(3:77).
Os grupos de auto-ajuda são considerados componentes importantes no processo de
reabilitação da mulher mastectomizada, assim como, na sua aceitação do câncer e
da condição de mulher que foi submetida a uma mastectomia. Proporcionam o
compartilhar de experiências de vida, relacionadas à enfermidade e à busca
coletiva de meios de soluções para os problemas.
Portanto, diante da importância e necessidade de assistência à mulher
mastectomizada, propusemos-nos a estudar a problemática dessa mulher através
dos seguintes objetivos: descrever as reações da mulher frente à mastectomia e
os sentimentos emergidos a partir da interação grupal.
2 Metodologia
Esta pesquisa é de caráter descritivo e exploratório, que tem como enfoque
essencial conhecer traços, características e problemas de um indivíduo, grupo
ou comunidade, e visa aumentar a experiência do pesquisador em torno do assunto
(4). A presente proposta se reporta à importância de grupos de auto-ajuda na
reabilitação da mastectomizada, tendo em vista a problemática decorrente desse
evento, o qual repercute nos mais diversos aspectos da vida de uma pessoa,
desde os psicológicos, passando pelo sociofamiliar e, em particular, pelo
espiritual.
Este estudo foi desenvolvido com mulheres que freqüentam um Grupo de Ensino,
Pesquisa e Assistência à Mulher Mastectomizada (GEPAM), o qual funciona na área
física do Departamento de Enfermagem da Universidade Federal do Ceará.
Participam do GEPAM mulheres mastectomizadas do tipo unilateral e bilateral,
algumas passando pela experiência de reconstrução mamária, cuja faixa etária
varia de 36 a 70 anos. O estado civil das mulheres varia em casadas, solteiras,
viúvas e amasiadas. Suas ocupações variam entre dedicação ao lar, confecção e
venda de bijuterias e aposentadas sem uma ocupação mais definida.
Foram incluídas na pesquisa mulheres de qualquer idade, crença, procedência,
nível socioeconômico ou educacional, tendo sido estabelecidos os seguintes
critérios:
- Mulheres que apresentassem disponibilidade e aceitação para participar
voluntariamente do estudo, concedendo autorização prévia verbal e por escrito
para a efetivação da entrevista;
- Mulheres que estivessem participando do grupo há pelo menos três meses, e que
mantivessem uma freqüência regular no grupo.
As dez mulheres, incluídas no estudo, receberam nomes fictícios de personagens
femininas da mitologia grega, visando preservar o anonimato.
Após as exigências regimentares de trâmites no Comitê de Ética, e a autorização
concedida pelas participantes, passou-se à coleta de dados, a qual foi
realizada semanalmente, nos meses de novembro de 2001 a janeiro de 2002.
Utilizamos um roteiro de entrevista semi-estruturado, contendo questões
abertas, oferecendo ao entrevistador uma certa liberdade para fazer adaptações
conforme ocorresse necessidade, sem ter que seguir rigidamente uma ordem pré-
estabelecida. Oferece também ao entrevistado a possibilidade de discorrer sobre
o tema proposto, sem respostas prefixadas pelo entrevistador(5).
As respostas aos questionamentos foram anotadas pelo pesquisador, conforme a
permissão, concedida pelas mulheres, tendo em vista a importância de se obter
uma descrição detalhada das informações fornecidas pelas mulheres.
Após a leitura dos depoimentos das mulheres, estes foram organizados em
categorias de acordo com a similaridade de idéias contidas nos mesmos, conforme
método de análise de conteúdo, que define categorização como uma operação que
classifica elementos constitutivos de um conjunto, por diferenciação e por
reagrupamento, considerando suas características particulares e conforme
critérios previamente definidos(6).
As categorias foram criadas, a partir do significado emergido dos discursos e
categorizadas nas seguintes temáticas: Reações frente a Mastectomia e
Sentimentos emergidos da Interação Grupal. Foram posteriormente analisados,
tendo-se em vista conceitos e circunstâncias, conforme o referencial teórico da
psicologia social.
3 Análise e discussão dos resultados
Conforme o plano de organização e análise dos dados, esses vêm assim
categorizados:
3.1 Reações frente à mastectomia
Essa categoria foi subdividida em subcategorias pertinentes às reações que a
mulher apresenta em decorrência à retirada de sua mama.
3.1.1 Depressão
A depressão está intimamente relacionada ao câncer, pois estudos demonstram que
mesmo antes do diagnóstico, a pessoa portadora de câncer já se encontra
deprimida, pois na maioria dos casos existe uma grande tendência para reprimir
emoções como a raiva, a tristeza e o medo, podendo gerar um estado de depressão
crônica.
Para Simonton(7) "a própria natureza do câncer, com seus altos e baixos, sua
incerteza quanto ao futuro, a possibilidade de uma recidiva e da morte cria
períodos de depressão"(7:49). Sabendo-se ainda que a depressão acarreta estados
de distonias, assim como, estados de amnésias passageiras e de outras
intercorrências. Constituindo, por esse motivo, um momento em que a paciente
necessita de redobrada atenção, a fim de prevenir-se atitudes de auto ou
hetero-destruição. As mulheres participantes do estudo expressaram claramente
esse momento de depressão, nos seguintes termos: [...] Porque eu estava muito
sensível, qualquer coisa eu estava chorando, me aborrecendo facilmente. Pensei
até em me suicidar (Medusa).
Sabe-se que a mastectomia, cirurgia em que se retira a mama, é em geral
indicada em decorrência de uma neoplasia maligna. O fato de constituir um
processo cirúrgico agressivo pode desencadear desajuste psicológico na mulher,
tendo em vista o caráter mutilador dessa cirurgia. Nos primeiros anos que se
seguem a mastectomia, a depressão é, via de regra, uma reação comum, podendo
atingir até a metade das mulheres que se submetem a essa cirurgia(1).
3.1.2 Discriminação
Apesar de todo avanço na área científica, as pessoas portadoras de alguma
neoplasia maligna, ainda, se ressentem de algum tipo de discriminação, como por
exemplo, o isolamento social, o que pode ser evidenciado no seguinte discurso:
[...] É muito ruim a gente ter um caso desse e viver isolada. Às
vezes a gente está cheia de problemas em casa [...](Medusa).
O próprio nome câncer é tido como possuidor de um danoso poder mágico, como se
a simples pronúncia dessa palavra acarretasse o agravamento ou até mesmo a
transmissão daquela doença(8).
Nas reuniões do GEPAM as mulheres interagem mutuamente, compartilhando
experiências de forma que possibilitam a compreensão e a solução de seus
problemas e facilitam enfrentar a condição de ser mastectomizada.
3.1.3 Adoção de novos comportamentos
O câncer é uma patologia em que não se pode, ainda, determinar com precisão a
causa, mas vários estudos comprovam a estreita ligação existente entre o câncer
e a repressão de sentimentos.
É difícil para muitos acreditar que o câncer possa oferecer algum tipo de ganho
secundário, mas a experiência de se defrontar com uma doença grave, possibilita
ao paciente se beneficiar de mudanças positivas em sua vida, tais como: ir ao
encontro de alguns desejos não realizados, priorizar a busca de uma melhor
qualidade de vida, exprimir sentimentos que antes eram reprimidos, satisfazer
necessidades que antes eram renegadas, desenvolver a capacidade de dizer não e
perceber mais claramente que é um ser mortal(7).
Essas mudanças são enfatizadas nos depoimentos que seguem:
[...] Eu não me frustro, eu falo, eu me abro (Pandora).
[...] Eu era muito fechada, eu mudei muito(Artêmis).
Vê-se pelas falas a disposição renovada de Pandora e Artêmis em exteriorizar
seus sentimentos, estando conscientes dos benefícios que podem surgir em
decorrência desse ato. As reuniões grupais facilitam a exteriorização de
sentimentos e aumentam a relação de ajuda com os membros do grupo.
3.1.4 Necessidade de interação social
As mulheres mastectomizadas entrevistadas revelam que a interação e a partilha
de experiências com pessoas que sofrem dos mesmos problemas é uma forma de se
incluir no grupo, de serem apoiadas e a partir daí conseguirem externar seus
sentimentos. Neste sentido, foram destacados os seguintes discursos:
Muito importante [...] a gente partilha [...] tem necessidade de
ouvir a outra.É uma forma de apoio(Atena).
Troca de experiências, sinto-me muito bem (no grupo) É onde eu me
identifico(Pandora).
As palestras, o relaxamento e a troca de experiências(Helena).
É muito bom (o grupo), fico torcendo que chegue sexta-feira. Esse
ambiente de conversar, de dialogar, é muito bom (Pandora).
[...] Aqui (no grupo) a pessoa se distrai, não fica pensando besteira
(Hera).
A convivência entre as mulheres que vivenciaram situação com o câncer de mama
parece ser um ponto chave na reabilitação das mastectomizadas. Além de diminuir
o estigma e o isolamento social associados à doença(3).
Nas reuniões, as mulheres manifestam necessidade de interação social, de se
relacionarem com outras pessoas que passaram pelo mesmo problema e de buscarem
esclarecimentos para as eventuais dúvidas que surgem em decorrência do câncer e
o que fazer para continuar vivendo de forma mais saudável e mais feliz.
As entrevistadas referiram que a integração grupal funciona, também, como um
espaço de equilibro. Muitas enfatizam, que o tempo em que estão no grupo é um
dos poucos momentos de suas vidas em que se sentem bem e se divertem. Vale
ressaltar que a grande maioria não dispõe de condições socioeconômicas que
favoreçam qualquer tipo de lazer.
Pode-se perceber, inclusive, que essas mulheres utilizam termos bastante
eloqüentes, do tipo:coisa maravilhosa, é muito importante, para traduzir seu
contentamento relacionado ao fato de pertencerem ao grupo. São, portanto, esses
aspectos que nos levam a compreender que elas consideram o grupo como um espaço
de real significado para suas vidas.
O grupo GEPAM utiliza um espaço amplo, com condições adequadas para a
realização das atividades. São realizados exercícios corporais, com intuito de
promover relaxamento físico e mental, e promover a reabilitação do membro
superior afetado pela mastectomia. Além dos exercícios físicos, a equipe
multiprofissional integrante do GEPAM oferece atividades que favorecem uma
melhoria da saúde mental, com a finalidade de diminuir o máximo possível, de
forma significante, as crises de depressão e de angústia.
3.2 Sentimentos emergidos da interação grupal
Nesta categoria destacamos, em particular, os sentimentos das mulheres
eclodidos no grupo, elementos de fundamental importância em seu processo de
adaptação social.
3.2.1 Amizade
O compartilhamento de sentimentos e reações, a partir de um relacionamento que
favoreça a discussão e exploração das idéias dos participantes constitui formas
poderosas de terapia para o câncer de mama. Conseqüentemente o fortalecimento
do relacionamento com outras pessoas implica em uma resposta favorável do
sistema imunológico, tanto mais forte e eficaz quanto possa ser reforçado pelos
demais sistemas do organismo(1).
É muito bom conversar com as outras, a amizade com as meninas
(Helena).
É uma hora de lazer, de amizade(Afrodite).
É muito importante, venho para cá, sinto-me bem, a amizade(Medusa).
Rotineiramente, nas reuniões do GEPAM, são reservados momentos em que as
mulheres interagem, particularmente, entre elas mesmas. É nessas ocasiões que
elas percebem, que não são as únicas a ter câncer. A partir dessa percepção,
elas descobrem que podem se ajudar mutuamente, uma vez que uma mais experiente
pode esclarecer dúvidas da outra, aconselhar e até mesmo apoiar, dependendo da
ocasião. A partir desses momentos, surge então a descoberta de sentimentos,
tais como é o caso da amizade.
3.2.2 Curiosidade
As mulheres, quando submetidas à retirada da mama, sentem necessidade de se
manterem informadas sobre tudo que diz respeito à sua saúde. As mulheres que
tratam com sucesso o câncer de mama buscam informações, de modo particular
sobre seu problema, comportamento esse que parece estar relacionado com a
resistência à doença física(1).
As informações. Sou muito curiosa, quanto mais eu sei, mais quero
saber sobre essa doença(Afrodite).
[...] Sinto-me muito bem informada e feliz (no grupo).(Hera)
Uma coisa maravilhosa [...] As informações sobre saúde que aqui
recebo(Céris).
Os profissionais do GEPAM mostram-se disponíveis e capacitados para ajudar as
mulheres a se sentirem capazes e responsáveis para contribuir com sucesso no
tratamento e conseqüentemente, viver de forma mais saudável.
Temos percebido através das situações práticas desenvolvidas com as mulheres
que participam do GEPAM, que essas valorizam muito os momentos que são
dedicados aos esclarecimentos das suas dúvidas. Os profissionais, sempre que
possível, realizam cursos, seminários e palestras que objetivam deixar essas
mulheres bem informadas e instruídas a respeito de sua condição no que tange a
serem mastectomizadas.
A psicoterapia tem por objetivo ensinar essas mulheres a se cuidarem da maneira
que elas acreditem que irão se curar, facilitando assim as intervenções médicas
tradicionais(1).
4 Considerações Finais
As mulheres que tiveram a experiência de serem acometidas por um câncer de mama
apresentam muitas reações atribuídas ao fato de terem sido mastectomizadas,
tais como: a depressão e a discriminação devido ao caráter estigmatizante que o
câncer, ainda, possui. Para minimizar os efeitos negativos que essas reações
representam, essas mulheres procuram um grupo de auto-ajuda, que trabalha tendo
em vista criar situações para ajudar seus participantes a exteriorizar
mutuamente suas dificuldades, o que as ajudará a transpor com melhor desempenho
os vários obstáculos surgidos em decorrência da mastectomia.As mulheres são
forçadas a adotarem mudanças de comportamento, em decorrência do câncer, o que
tem um aspecto positivo, que é favorecer a essas mulheres uma melhor qualidade
de vida. Elas admitem que, a partir da doença, passaram a ter vidas melhores e
mais plenas.Pode-se afirmar que a interação grupal favorece um espaço em que se
percebe claramente o bem-estar das integrantes, expandindo horizontes e
estabelecendo laços de amizade fortalecida com a vivência grupal.
A enfermagem exerce fundamental importância nos trabalhos realizados nesses
grupos, em especial no sentido de minimizar os conflitos identificados, através
do ensino do autocuidado e da valorização do indivíduo como um ser único, com
seus medos e suas dúvidas, visando promover um crescimento individual, a partir
da aceitação espontânea de cada indivíduo em sua singularidade, dando-lhe
estímulo e apoio. Cabe também à enfermagem buscar a elucidação de dúvidas que
surgem em decorrência do tratamento oncológico, podendo deixar a paciente menos
apreensiva e mais crente no seu processo de cura.
Reforçamos a importância da atuação do enfermeiro no preparo do paciente com
câncer, para enfrentar dificuldades emocionais, visto que o cuidado deve
abranger o apoio emocional, através de um profissional presente e atencioso,
requisito característico da arte de cuidar em enfermagem, e que caracteriza
assistência como humanizada. O papel expressivo da enfermeira consiste em
cuidar das pessoas de forma integral, total, reconhecendo os principais fatores
psicológicos, sociais, espirituais e ambientais, que afetam o bem-estar da
paciente, ajudando-a viver de forma mais saudável.
A assistência à mulher mastectomizada não deve focalizar apenas a doença e a
reabilitação física; deve abranger um contexto amplo, que envolva os aspectos
culturais, educacionais, econômicos e sociais de cada uma das mulheres
envolvidas no trabalho do grupo(6).
É importante que o enfermeiro saiba identificar todas as necessidades que uma
paciente mastectomizada apresenta, para então estabelecer cuidados mais
efetivos no programa de assistência, respeitando a integralidade e a
individualidade do ser humano em questão, facilitando, dessa forma, uma
completa reabilitação, tanto física quanto psicológica promovendo uma melhor
qualidade de vida e de saúde.