Desvelando o cotidiano do adolescente hospitalizado
PESQUISA
Desvelando o cotidiano do adolescente hospitalizado
Unveiling the daily of the hospitalized adolescent
Revelando el cotidiano del adolescente hospitalizado
Inez Silva de AlmeidaI; Benedita Maria do R. D. RodriguesII; Sônia Mara Faria
SimõesIII
IEnfermeira. Mestre em Enfermagem. Especialista em Enfermagem Intensivista e
Enfermagem Médico-cirúrgica. Líder de Equipe da enfermaria do NESA (Núcleo de
Estudos da Saúde do Adolescente) do HUPE/UERJ
IIEnfermeira, Doutora em Enfermagem, , Professor Titular do Departamento de
Enfermagem Materno-Infantil, Diretora da FENF-UERJ
IIIEnfermeira, Doutora em Enfermagem, Professor Adjunto do Departamento de
Fundamentos de Enfermagem
1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
A Vivência da Hospitalização
O meu primeiro contato com a hospitalização ocorreu na adolescência quando
necessitei de uma internação hospitalar. Foi um que fato marcou a minha
adolescência de maneira significativa, alterou minha auto-imagem, auto-estima,
e determinou o afastamento do ambiente e do contato familiar e social.
Onde fui atendida não havia unidade de internação específica para a faixa
etária em que me encontrava, portanto fiquei em uma enfermaria cirúrgica para
adultos. Eu me sentia muito sozinha, pois as visitas aconteciam apenas duas
vezes por semana.
Minha convivência era, durante o maior período, com as pacientes adultas e em
menor abrangência com os profissionais de saúde, que se limitavam em cumprir as
suas tarefas. A equipe de enfermagem e a equipe de saúde não percebiam que a
assistência prestada poderia ir além das ações e procedimentos realizados e
permaneciam alheios às minhas necessidades como ser adolescente hospitalizada.
Percebo hoje que faltava àqueles profissionais, com os quais convivi durante a
hospitalização, a compreensão da importância de sua presença como possibilidade
de favorecer meu bem estar, contribuindo assim para meu restabelecimento.
Apesar do sofrimento consegui superar a experiência traumática e dei
continuidade ao crescimento profissional.
A Experiência Profissional da Assistência Hospitalar
Ingressei na faculdade de enfermagem, onde pude solidificar meus conhecimentos
científicos, ampliando minha visão de mundo. Após a aprovação em concurso para
residência de enfermagem médico-cirúrgica fui designada para atuar na Unidade
Clínica de Adolescentes.
Foi a primeira aproximação profissional com esta clientela, quando senti uma
grande afinidade por aqueles jovens hospitalizados e percebi que a vivência do
adoecer poderia ser minimizada, se estivesse num ambiente específico para
adolescentes, sendo assistida por profissionais capacitados no atendimento a
essa clientela.
Ao final da residência prestei o concurso público e fui lotada em um outro
setor e somente quatro anos após pude retornar àquela enfermaria que tanto me
impressionou.
Situação Estudada
Nesse setor onde atuo há oito anos e há três anos respondo pela chefia da
equipe de enfermagem experienciando o relacionamento com o adolescente lançado
no mundo do hospital. Testemunho diariamente no processo de hospitalização o
olhar desses jovens e percebo o quanto é sofrido o distanciamento do seu
universo e a penetração em um mundo novo, desconhecido, caracterizado como
próprio para acolher pessoas doentes.
Tomando como base essas vivências, minhas inquietações se delinearam em uma
questão norteadora: como você se sente estando hospitalizado?
O objeto de investigação foi o significado da hospitalização para o adolescente
e o objetivo, compreender o significado desse processo.
Justificativa do Estudo
A adolescência e suas transformações marcam pela rapidez, tanto dos aspectos
físicos, quanto comportamentais. Assumir mudanças importantes na imagem
corporal, adotar valores e estilos de vida, conseguir independência dos pais e
elaborar uma identidade própria são algumas tarefas dessa fase da vida(1).
Sabendo que o adolescente sofre pelo curso natural do seu desenvolvimento, que
envolve modificações complexas, quais os desdobramentos que a hospitalização
poderia ter em seu existir?
Impulsionada pelo desafio de buscar respostas às minhas indagações, o Mestrado
surgiu como possibilidade de olhar atentivamente esse fenômeno, assim recorri a
instrumentos que auxiliassem a me apropriar de conhecimentos pertinentes ao
tema. Quando recorri a literatura referente à hospitalização de adolescentes,
constatei que as publicações referentes a essa clientela são recentes e
escassas. A produção de conhecimentos é bastante reduzida se comparada ao
quantitativo de estudos realizados em programas de pós-graduação em enfermagem.
Portanto, acredito que a relevância no âmbito educativo está na condição de
subsidiar a assistência, o ensino, a pesquisa e a extensão. No âmbito
assistencial, a relevância se encontra na possibilidade de servir como
referência para um cuidar de enfermagem diferenciado, que objetiva minimizar o
impacto da hospitalização, através da assistência individualizada aquela que
focaliza o ser como um todo indivisível que não pode ser ocultado pela doença
que o aflige.
2. ADOLESCÊNCIA E HOSPITALIZAÇÃO
O Adolescer
Apesar das mudanças expressivas no perfil demográfico brasileiro, com a redução
das taxas de fecundidade, com a diminuição da taxa de mortalidade infantil e
com o aumento da expectativa de vida do idoso, dados do IBGE(2) indicam que a
população adolescente ainda exerce um papel significativo na constituição do
país (35.000.000), justificando a importância de desenvolver estudos que
ampliem o conhecimento sobre esse segmento populacional.
Adolescer significa crescer e a adolescência é o período no qual observamos
como características o rápido crescimento físico e desenvolvimento
psicossocial.
A adolescência é uma etapa do processo de crescimento e desenvolvimento,
definida pela puberdade com o aparecimento dos caracteres sexuais secundários,
aceleração e desaceleração do crescimento físico, mudanças da composição
corporal, eclosão hormonal. Percebemos que a puberdade possui manifestações
claras e bem definidas, já a adolescência não é tão explícita, pois marca a
aquisição da imagem corporal definitiva, e também a estruturação final da
personalidade.
A Hospitalização
A possibilidade de internação surgiu na Antigüidade, com o objetivo de isolar
as pessoas doentes do contato com a sociedade, em lugares distantes a fim de
que não representassem perigo para as outras pessoas. O hospital daquela época
tinha a conotação segregacionista, por afastar do convívio social pessoas
doentes, sem recursos e improdutivas, sem proporcionar-lhes a expectativa de
tratamento ou cura.
O tempo foi operando mudanças na filosofia da atenção hospitalar que passa a
receber o cunho da caridade, exercida como prática do Cristianismo. Hoje
percebemos que a evolução histórica, sócio-econômica, tecnológica e científica
transformou o trabalho hospitalar, porém o elemento mais constante dessa
trajetória tem sido o homem .
A pessoa ao ser hospitalizada apresenta temores, esperanças e desejos e que a
hospitalização gera sentimentos de dependência, inferioridade e insegurança,
aliado ao medo do desconhecido, dos aparelhos e instrumentos hospitalares. Os
pacientes hospitalizados apresentam o medo de algum acidente decorrente da
terapêutica; a incerteza sobre a competência dos profissionais, o medo do
ambiente hospitalar e do equipamento; o medo de sentir dor, de ser manuseado,
cortado e perder o autocontrole; o medo da dependência, da morte e de dar
trabalho a outros.
Analisando o cotidiano da hospitalização para o ser adolescente, compreende-se
que representa uma ameaça devido à realidade da doença, o qual reage de acordo
com o seu grau de maturidade(4).
Armond(5) ressalta que o adolescente, durante a hospitalização sofre uma
regressão em seu desenvolvimento cognitivo e afetivo e quando se interna,
manifesta sua fragilidade emocional através de reações de negação, fantasias e
da necessidade da presença materna ou pessoa significativa o acompanhante.
Apesar das recomendações dos adolescentes serem vistos como um grupo
importante, que necessita de cuidados em unidades especializadas, ainda não
existem unidades de internação específicas, pois a maioria das instituições
hospitalares não possui infra-estrutura física para receber o adolescente,
assim são hospitalizados em enfermarias pediátricas ou de adultos, acarretando
dificuldades maiores de aceitação pois não se sentem adaptados a este cenário.
O Cuidar de Enfermagem ao Adolescente Hospitalizado
Uma das profissões que procura valorizar a filosofia do cuidar é a Enfermagem.
Cuidar para a Enfermagem é nutrir a vida , é mediar o processo de satisfação do
ser humano em suas necessidades de viver(6). É um aspecto inerente a prática da
enfermagem, que no cotidiano de cuidado aos adolescentes deve buscar respeitar
a sua integralidade e suas características.
Para tanto, a atenção ao adolescente não deve ser compartimen-talizada, devendo
avançar da visão biologicista, tecnicista, medicalizante e excludente para o
paradigma da qualidade de vida(4). Ou seja, a enfermeira e sua equipe precisam
conhecer e compreender a realidade do adolescente para oferecer o cuidado que
favoreça o seu ser e estar no mundo, superando o adoecimento e a
hospitalização, transformando limitações em possibilidades de vir-a-ser
saudável.
O cuidado ao adolescente hospitalizado justifica que se deva ter além da
competência profissional, a compreensão da importância de estar presente,
dedicar-se e envolver-se no seu cuidado.
Percebi que há a necessidade de pautar o cuidar de enfermagem em um referencial
teórico e encontrei na teoria de Paterson & Zderad(7) um modelo de
fundamentação para a assistência a clientela adolescente, através da prática
humanística. A idéia central da prática humanística é o diálogo, que pode
manifestar-se verbal ou silenciosamente valorizando a interação humana tão
significativa para o ser adolescente.
3. ABORDAGEM TEÓRICO-FILOSÓFICA
A fenomenologia como Possibilidade de Investigação
Este é um estudo de natureza qualitativa, com enfoque fenomenológico. A
Fenomenologia busca a descrição dos fenômenos experienciados pela consciência
procurando obter o vivido e seu significado. Como o método fenomenológico "é
uma tentativa de conhecer, explorar, compreender os fenômenos do mundo, sejam
eles, percebidos, sentidos, falados, realizados ou pensados"(8), recorri à
fenomenologia ontológica de Martin Heidegger na expectativa de compreender como
o adolescente vivencia sua hospitalização e o que significa este fenômeno no
cotidiano de sua existência humana.
O Pensar de Martin Heidegger
Martin Heidegger (1889 - 1976) filósofo alemão, foi discípulo de Husserl, o
precursor da Fenomenologia, e embora tenha se pautado nas idéias de seu mestre,
imprimiu a sua própria visão ao caminhar nessa corrente filosófica. Em sua
principal obra "Ser e Tempo", Heidegger inaugura linguagem inédita reagrupando
numa síntese o fruto de suas reflexões. O ser é sempre ser de um ente e ente é
tudo de que falamos, o que pensamos, o que somos, como somos(9). O homem
diferentemente dos outros entes é o único que tem consciência de si e
capacidade de revelar através da palavra.
No cotidiano, as pessoas se interessam pelo ente, aquilo que aparece, que se
mostra , o evidente. Em nossa cotidianidade a relação com os entes é tão
evidente que seus significados não são percebidos, são apenas vividos; somente
quando algo não funciona é que seu significado torna-se manifesto. Assim, no
viver do adolescente o que impulsiona o seu desenvolvimento é a expectativa do
viver saudável, do não hospitalizar-se, porém a possibilidade do "sim" é uma
possibilidade existente, por estar lançado no mundo da vida, existe a
possibilidade de habitar o mundo do hospital.
Utilizando a óptica heideggeriana, que parte da facticidade para desvendar o
sentido do ser, através da cotidianidade da hospitalização, busquei compreender
e interpretar o "como" se sente o adolescente, partindo do que é manifesto e
desvelando o que é encoberto.
4. METODOLOGIA
Cenário do Estudo
O local para a realização deste estudo foi uma unidade de referência em
internação para adolescentes: a enfermaria de adolescentes do Núcleo de Estudos
da Saúde do Adolescente NESA, enfermaria Aloysio Amâncio da Silva, situada no
terceiro andar do hospital Universitário Pedro Ernesto.
A hospitalização dos adolescentes na enfermaria do NESA se dá a jovens de 12 a
19 anos, apresentando quadros clínicos, cirúrgicos e de investigação
diagnóstica, ocorrendo uma média de 400 internações por ano.
Observa-se que as patologias de maior impacto para o adolescente são as de
natureza crônica, tanto com relação à relevância na área da saúde, quanto pelo
componente emocional, o que dificulta a adesão terapêutica, resultando em
reinternações e por vezes até em morte.
Os Sujeitos do Estudo
Os depoentes foram 14 adolescentes hospitalizados, na faixa etária de 12 a 20
anos incompletos, de acordo com o critério de admissão a unidade de internação
do NESA.
Trajetória do Estudo
Para descrever o vivido dos adolescentes frente ao processo de hospitalização,
utilizei a entrevista fenomenológica, pois parte daquilo que é vivido e
relatado pelo sujeito da pesquisa(10).
A metodologia fenomenológica busca apreender a essência do fenômeno, e para
tanto ele precisa ser mostrado. Esse mostrar-se deve ser espontâneo, natural,
sem induções. Através de uma pergunta norteadora: "Como você se sente estando
hospitalizado?", deixei que os depoimentos se exteriorizassem com neutralidade
e sem interrupções. Para captar as falas sem perder os detalhes realizei a
gravação em fita magnética, após a autorização dos adolescentes e seus pais ou
responsáveis legais, seguindo determinação da Resolução 196/96(11).
A identidade dos entrevistados foi preservada e o anonimato garantido através
da escolha de um pseudônimo (pedras preciosas e semi-preciosas).
Imediatamente após cada entrevista realizei a transcrição dos relatos, para
captar a sua essência e não perder sua subjetividade. Após, busquei no conjunto
de depoimentos, através da análise individual o aspecto invariante, aquele que
se mantém em todo os relatos.
5. ANÁLISE COMPREENSIVA
Unidades de Significação
O mergulho nos relatos dos adolescentes hospitalizados me permitiu identificar
convergências e constituir as unidades de significação. Os adolescentes
expressam a hospitalização:
a) demonstrando_sua_ambigüidade,_pois_tanto_favorece_o_tratamento_quanto_impede
os_hábitos_de_vida
b) reconhecendo_a_presença_familiar_e_a_interação_humana_como_possibilidade_de
ajuda
c) descrevendo_o_ambiente_e_a_assistência_da_equipe_de_saúde_do_NESA_como
diferenciada
d) revelando_os_sentimentos_vivenciados_e_a_fé
e) entendendo-a_como_possibilidade_de_cuidado_e_recuperação
f) manifestando_a_não_aceitação_da_doença_e_o_temor_da_morte
Compreensão Vaga e Mediana
a) demonstrando_sua_ambigüidade,_pois_tanto_favorece_o_tratamento_quanto_impede
os_hábitos_de_vida
Ah! Significa uma coisa muito ruim, né? Porque se a gente fica
internada, podendo estar na nossa casa ... Mas é bem melhor ficar
internada, do que ficar em casa sem ter recurso nenhum ...(Diamante)
Os adolescentes, em sua compreensão vaga e mediana expressam a hospitalização
entendendo que favorece o tratamento. No entanto, percebem que o evento da
hospitalização promove o afastamento do convívio social, bem como impede a
manutenção de seus hábitos de vida já que define a cisão do cotidiano. Afirmam
que ora valorizam a hospitalização por ter como conseqüência o cuidado à saúde,
ora demonstram insatisfação, devido à necessidade de afastarem-se da escola e
das atividades sociais, apontando para a ambigüidade de seus relatos.
b) reconhecendo_a_presença_familiar_e_a_interação_humana_como_possibilidade_de
ajuda
Porque minha tia, os meus colegas sempre me ajudaram muito (...) aqui
eu fiz colegas, fico conversando... (Ágata)
Os jovens apontam em suas falas a relação humana como uma possibilidade de
interação, pois percebem a presença familiar e o apoio dos amigos como uma
relação terapêutica propiciando sentirem-se mais fortes . Referem também que a
relação de amizade construída no ambiente hospitalar é uma relação de ajuda que
favorece o compartilhar de experiências, o envolvimento, a preocupação e o
cuidar do outro.
c) descrevendo_o_ambiente_e_a_assistência_da_equipe_de_saúde_do_NESA_como
diferenciada
(...) sobre o pessoal daqui, eu gosto muito de todo mundo daqui.
Assim, a gente está no ambiente de hospital, mas eles fazem tudo para
que a gente não se sinta tanto naquele ambiente. A gente pode trazer
roupa de casa, colocar... tem acompanhante para ficar junto com a
gente. Porque tem outros hospitais que não tem setor para os
adolescentes (...) o pessoal te dá a maior força.( Topázio)
Nas falas obteve-se que os depoentes reconhecem o ambiente e a assistência
prestada como diferenciada dos outros hospitais, registrando a presença e a
preocupação da equipe de saúde.
d) revelando_os_sentimentos_vivenciados_e_a_fé
Ah! Me sinto triste, agoniado ... e fragilizado. Às vezes eu sinto
raiva, vontade de é de acabar com a minha vida mesmo (...) Mas eu sei
que tem um Deus que olha por mim sempre...acredito que Ele vá me
salvar, que vá me tirar desse martírio, dessa ... dessa fase difícil
que eu estou passando... (Turmalina)
Os adolescentes descrevem detalhadamente os sentimentos gerados pela
hospitalização como a tristeza por não estarem em casa, a raiva , a menção do
desejo de auto-extermínio e a sensação de abandono e de solidão quando não tem
acompanhante.
e) entendendo-a_como_possibilidade_de_cuidado_e_recuperação
Agora estou melhor, melhor ainda agora que eu já sei o que eu
tenho... estou no segundo bloco ...(Safira)
A hospitalização também pode representar uma possibilidade de melhora, a partir
do cuidado, do entendimento do diagnóstico e terapêutica, sendo explicitada
pelos adolescentes quando há uma certeza do tratamento a seguir.
f) manifestando_a_não_aceitação_da_doença_e_o_temor_da_morte
(...) Porque eu não pedi para ter essa doença e eu tenho(...) Então
... eu acho ... uma coisa difícil isso de aceitar. Eu não aceito o
que eu tenho. Porque tem vezes que eu tomo os remédios direito e
depois eu paro de tomar...é muito difícil aceitar isso que eu tenho,
mas dizem que eu tenho de aceitar, né? Mas eu não compreendo isso, de
aceitar. (Rubi)
Os adolescentes revelam o temor , a não-aceitação da doença e da
hospitalização, através da descrição detalhada do seu vivido con-vivendo com a
doença.
Hermenêutica Heideggeriana
O adolescente é um ente e esse "ente que cada um de nós somos e que possui a
possibilidade de questionar é designado presença"(9).
A presença, Da-sein, não significa ser humano ou humanidade, assim como não é
simplesmente o ente.A pre-sença caracteriza-se pela possibilidade de
manifestar-se e relacionar-se com seu próprio ser, se destacando por sua
condição de ser compreendida sendo.
O existir do adolescente é um contexto de possibilidades, pois é um ser em
desenvolvimento, um vir-a-ser, porém estas possibilidades se reduzem a partir
do momento em que adoece e se hospitaliza. O adolescente hospitalizado é um
ser-no-mundo convivendo com a doença e devido à doença sente-se diferenciado
como ente, segregado, excluído da sua possibilidade de ser-com-o-grupo-de-
iguais.
Compreende-se que a realidade da doença faz com que o adolescente hospitalizado
sinta-se diminuído como ser de possibilidades, pois encontra-se na facticidade
do cotidiano da hospitalização.
O ser-no-mundo é o ser-em, o que está junto, no sentido de estar acostumado,
habituado, familiarizado(9) .
O mundo do adolescente é aquele no qual ele se encontra como ente e onde se
reconhece como ser, pre-sença, onde fenomenalmente se mostra. É o mundo
familiar onde habita e encontra outros seres-aí e entes simplesmente dados que
pertencem à sua familiaridade_ sua casa o mundo de sua mundanidade, o seu mundo
circundante, mais próximo e mais próprio. È o mundo da família, dos hábitos. É
o seu espaço ôntico e ontológico.
Para o adolescente, o hospital é o mundo estranho, que foge à compreensão dos
jovens. É o mundo da terminologia complexa, dos aparelhos, em que sofrem,
compartilham a dor com os outros. É no hospital, também que o reconhecem e se
reconhece como doente, no qual se sente preso à realidade da doença.
O adolescente hospitalizado sente-se só e desamparado, principalmente nos
momentos de dor, comuns ao cotidiano hospitalar e quando não tem acompanhante,
o jovem se defronta com a solidão. Mesmo o estar-só do adolescente é ser-com no
mundo, pois "somente num ser-com e para um ser-com é que o outro não pode
faltar. O ser-no-mundo revela que um sujeito não "é" e nunca é dado sem mundo,
bem como não é dado um eu isolado dos outros(9).
O adolescente é essencialmente ser-com, um ser que aprende e se revela no grupo
de pares. Assim, mesmo quando hospitalizado, busca ser-com-os-outros. Em alguns
momentos encontra o ser-com nos outros adolescentes, companheiros de internação
que o compreendem enquanto semelhante no adoecimento, na convivência hospitalar
. Algumas vezes encontra nos profissionais as pessoas que estão-com-ele, embora
não supram as necessidades de ser-com, pois estão lidando com eles através do
cuidado profissional. Mas, segundo Heidegger, esse ocupar-se é também
preocupar-se, pois a ocupação com a alimentação e com o vestuário, ao tratar o
corpo doente, é preocupação(9).
O espaço da hospitalização aparece ainda como espaço de temor. O temível na
hospitalização possui o caráter de ameaça, vindo ao encontro do adolescente
dentro do seu mundo-vida, no modo conjuntural de dano, trazendo em si a
determinação da doença e a possibilidade de morte.
A morte amedronta por desvelar o poder-não-estar-mais-presente, por representar
um fechamento às inúmeras possibilidades de vir-a-ser do ser adolescente. O
espaço hospitalar é espaço de temor pela continua possibilidade de não-ser-
mais, no qual a morte é presente como compreensão de finitude de vida.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A inquietação para a realização deste estudo partiu de minha própria vivência
quando adolescente, pois necessitei ser hospitalizada. Conhecendo o quanto a
hospitalização é um processo sigificativo no viver do ser-humano-adolescente,
questionamentos emergiram e foram as fontes iniciais dessa pesquisa.
Fui então tecendo uma contextualização que embasasse e fundamentasse as
questões que intentava compreender. Ao tematizar questões e reflexões a cerca
da adolescência, pude adentrar a atualidade e verificar o expressivo percentual
de jovens que compõe a população brasileira. Estes jovens convivem com a
aceleração do mundo, estão expostos às imagens da mídia e à pulverização das
relações emocionais, seja no contexto familiar ou social. Em conseqüência,
estão expostos à drogadicção, ao etilismo, à sexualidade sem compromisso, que
conduzem ao dano à saúde.
Em minha prática profissional, recebo adolescentes para internação hospitalar
com quadros oriundos de desdobramentos da violência, de acidentes
automobilísticos e de condutas de risco, mas principalmente por patologias
graves agudos e crônicos . Esta realidade deve ser ressaltada, justificando-se
a criação de unidades de internação hospitalar exclusivas para a clientela
adolescente . Pois o adolescente merece uma atenção especial no processo de
hospitalização, um olhar voltado à sua singularidade, uma assistência pautada
num referencial humanístico, como o que foi concebido por Paterson & Zderad
(7), o qual referencio neste estudo para respaldar o cuidar da equipe de
enfermagem.
A utilização do referencial existencialista de Martin Heidegger, deu
sustentação à busca do sentir do ser-adolescente vivenciando a cotidianidade da
hospitalização. Compreendi que os adolescentes lançados no mundo da
hospitalização representam a estranheza, o ausentar-se do seu próprio mundo
rompendo com seus hábitos, obrigando-os a abandonarem o seu espaço e seu
cotidiano, a quebrar laços com seu mundo-vida e a conviver com a doença.
O ser-adolescente ao ser hospitalizado torna-se vulnerável, sentindo-se
reduzido em seu mundo factual. Ao ouvir em suas falas o quanto é incisivo o
temor pela morte, é que se alcança a compreensão de sua negação expressa pela
resistência ao tratamento e em algumas vezes expressa por atos agressivos
utilizados como mecanismos de defesa para encobrir o medo.
Apesar da realidade difícil de ser vivida, os adolescentes entendem que habitar
o mundo hospitalar concorre para a sua saúde, assim, passam a valorizar a
relação construída no ambiente hospitalar com profissionais e companheiros.
Por sua característica mais marcante de ser-com, torna-se solidário aos colegas
de hospitalização e com eles se envolve, formando um novo circulo de amizades.
Experienciar o cuidado no seu sentido mais amplo e liderar a equipe de
enfermagem da enfermaria do NESA, tem sido fundamental para aprofundar e
refletir os questionamentos próprios da internação hospitalar do adolescente.
Hoje, mais do que nunca, compreendo como é importante dar voz aos adolescentes
hospitalizados e a seus familiares, ouvindo-os em suas expectativas, medos e
desejos, para que a qualidade do cuidado não seja só avaliada pelo olhar
técnico, mas essencialmente pelo cuidado humano.