O trabalho de equipe em enfermagem: revisão sistemática da literatura
REVISÃO
O trabalho de equipe em enfermagem: revisão sistemática da literatura
Team work in nursing: systematic literature review
Trabajo de equipo en enfermería: revisión sistematica de la literatura
Ludmila de Ornellas AbreuI; Denize Bouttelet MunariII; Ana Lúcia Bezerra de
QueirozIII; Carla Natalina da Silva FernandesIV
IEnfermeira residente em UTI do Hospital de Base de Brasília.
ludmilaabreu@terra.com.br
IIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professora Titular da Faculdade de
Enfermagem/Universidade Federal de Goiás. Pesquisadora 2B CNPQ.
denize@fen.ufg.br
IIIEnfermeira. Doutora em Enfermagem. Professor Adjunto da Faculdade de
Enfermagem/Universidade Federal de Goiás
IVAluna do Programa de PG em Enfermagem/Mestrado em enfermagem/Faculdade de
Enfermagem/Universidade Federal de Goiás
1. INTRODUÇÃO
Durante a formação acadêmica, o enfermeiro aprende que o trabalho em saúde
eficaz deve ser focado na equipe. Nas atuais políticas públicas de saúde que
centralizam a atenção na assistência à família e comunidade, a equipe nunca foi
tão colocada em evidência. Essa estratégia no Programa de Saúde da Família
(PSF), por exemplo, é a base da reestruturação desse modelo assistencial cujo
enfoque é na ação multiprofissional, evidenciando o trabalho em equipe(1).
Na Enfermagem, o termo equipe é muito utilizado para designar o grupo formado
pelo enfermeiro, técnico e o auxiliar de enfermagem. No entanto, é questionável
o funcionamento desses profissionais em equipe, tendo em vista o que é esperado
do funcionamento das equipes no contexto do trabalho em saúde(2). De igual
forma, o termo equipe multiprofissional também é comum no contexto do trabalho
em saúde.
A compreensão do real significado de equipe é fundamental para um atendimento
adequado em saúde, já que para que haja qualidade e eficiência na assistência
prestada é essencial a concepção coletiva do trabalho, assim como sua execução.
Para isso a equipe pode ser instrumento facilitador do cuidado, pois dela
espera-se um desempenho e uma eficiência superior à obtida na execução
individualizada do trabalho(2).
As equipes são formas mais aprimoradas de grupos de trabalhos, pois possuem
todas as vantagens deles, além de estabelecer metas uníssonas para o trabalho
coletivo (3). "Grupos existem em todas as organizações, equipes são raras
ainda, embora ostentem essa denominação com freqüência"(3).
Um grupo de trabalho é aquele que interage, principalmente, para partilhar
informação e tomar decisões que auxiliem cada membro a desempenhar suas tarefas
individualmente. Nesse tipo de construção, o trabalho coletivo é um mito,
existindo meramente, a soma das contribuições de cada membro do grupo
separadamente e a responsabilidade permanece individualizada. As habilidades de
seus integrantes são variadas e se juntam quase ao acaso. Não há sinergia
positiva que possa criar um nível geral de desempenho que seja maior que a soma
dos insumos. Já uma equipe gera sinergia positiva através de um esforço
coordenado(3).
Nesse caso, o desempenho é coletivo e o resultado é maior que a soma das partes
individuais. A responsabilidade é tanto individual quanto coletiva e as
habilidades são complementares. Na equipe há uma integração gerencial de
habilidades e talentos individuais em uma habilidade coletiva para produzir
serviços de maneira mais eficiente e efetiva. A comunicação é verdadeira,
existe confiança, o respeito, a compreensão e a cooperação são elevados e há
sempre o investimento no crescimento do conjunto de pessoas que compõe a equipe
(2-4).
Atualmente, é possível encontrar vários conceitos do trabalho em equipe que
evidenciam as características de um trabalho integrado, com comunicação clara,
confiança e respeito(5). Mais do que nunca essa tendência parece destacar que o
foco do trabalho em equipe é baseado no esforço coletivo na busca de objetivos
e nas metas comuns, em clima de confiança, respeito, cooperação, comunicação
aberta e clara entre seus membros.
Acreditamos que esta concepção acerca do trabalho em equipe, em especial para
Enfermagem, deve merecer mais atenção, visto que essa ferramenta é um
instrumento básico no processo de cuidar(6). Essa não se constitui uma tarefa
das mais fáceis e por isso, estudos apontam para a necessidade de formar
recursos humanos com habilidades para esse trabalho, tendo em vista, não apenas
os movimentos e exigências das políticas públicas de saúde, mas também da
própria mudança nos paradigmas sociais tão em evidência nesse novo século(1,7-
10).
Atualmente o enfermeiro parece perceber essa lacuna no cotidiano da prática, o
que sinaliza que esse conhecimento deve ser trabalhado de forma sistematizada,
durante a formação acadêmica(8,9). A aproximação com a temática e a prática na
formação de enfermeiros para o trabalho coletivo nos motivou a desenvolver esse
estudo buscando conhecer na produção científica da enfermagem brasileira sobre
o trabalho em equipe, suas tendências e perspectivas para seu desenvolvimento.
O objetivo da pesquisa foi levantar e analisar a produção científica nacional
do enfermeiro sobre o tema trabalho em equipe, no período que compreende os
anos de 1992 a 2002.
2. METODOLOGIA
Estudo descritivo exploratório realizado por meio de pesquisa sistemática da
literatura que consiste, principalmente, no levantamento e na análise crítica
dos principais trabalhos publicados sobre determinado assunto. A principal
vantagem da pesquisa bibliográfica consiste na possibilidade que o investigador
tem de realizar a cobertura de uma série de fenômenos muito mais ampla do que
aquela que poderia pesquisar diretamente. Este tipo de trabalho serve para
reunir dados publicados isoladamente em um conjunto de dados lógico e crítico
(11,12).
Essa investigação foi desenvolvida ao longo de uma série de etapas que incluiu
a escolha do tema, o levantamento bibliográfico preliminar, a elaboração do
plano de trabalho, identificação, localização e obtenção das fontes, leitura do
material, fichamento, análise, interpretação e redação do texto(11,12).
A coleta de dados foi realizada em Agosto de 2003 na Biblioteca Central da USP-
Campus Ribeirão Preto, na sala de leitura "Glete de Alcântara" da Escola de
Enfermagem de Ribeirão Preto USP, na biblioteca da ABEn Nacional. A busca dos
artigos foi a partir da palavra equipe no título, resumo e descritores.
Foram selecionados como fonte de dados, sete periódicos da área de Enfermagem
publicados no Brasil, no período de 1992 a 2002 e que estavam disponíveis nos
locais selecionados para a coleta. São eles: Revista Brasileira de Enfermagem,
Revista Latino-Americana de Enfermagem, Revista da Escola de Enfermagem USP,
Revista Gaúcha de Enfermagem, Revista Enfermagem UERJ, Acta Paulista de
Enfermagem e Texto e Contexto em Enfermagem. A seleção dos mesmos se deu em
função da sua regularidade no período estudado, bem como de sua classificação
pelo QUALIS-CAPES.
Os artigos selecionados foram submetidos a leitura e registrados em um
protocolo de análise dos textos que focava: ano de publicação, natureza do
artigo, procedência dos autores, unitermos utilizados, objetivos, metodologia
adotada e resultados apresentados. Foram catalogados para este estudo somente
artigos que, na leitura demonstrasse o trabalho de equipe entendido como
relação de compartilhamento do trabalho entre os sujeitos.
Os artigos, após leituras exaustivas, foram organizados por semelhança e
agrupados como: estudos teóricos, avaliação de desempenho, vivências do
trabalho em equipe.
Do material pesquisado destacamos que os volumes 5 (n. 1, 2 e 3), vol. 7 (n. 1,
2 e 3), vol. 8 (n. 1, 2 e 3), vol. 15 n. 4 da Revista Acta Paulista de
Enfermagem não estavam disponíveis na época de coleta de dados.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
O estudo nos permitiu identificar inicialmente 46 artigos. Tendo em vista que o
objeto de estudo era o trabalho em equipe, foram descartados 22 artigos, por
tratarem a palavra equipe apenas para caracterizar os sujeitos estudados, sem,
no entanto, particularizar a relação do trabalho entre as pessoas. Foram
analisados então 24 artigos que tratam do trabalho em equipe conforme a
proposta do estudo.
A distribuição dos artigos nos periódicos estudados no período delimitado pode
ser analisada conforme destacado na tabela_1, onde verifica-se que a Revista
Brasileira de Enfermagem foi o periódico que mais publicou sobre esta temática,
totalizando 07 (sete) artigos ao longo do período estudado. O ano de 1997 foi
destacado pelo maior volume de publicações.
Notamos que a produção sobre esse tema, ao longo do período pesquisado é
tímida, se considerarmos a importância e expansão da temática no contexto das
organizações de saúde.
Quanto a procedência dos autores dos artigos, a tabela_2 ilustra a distribuição
dos autores dos artigos por região no Brasil.
Os autores oriundos da região sudeste foram os que mais publicaram sobre o tema
sendo seguidos pelos da região sul, região nordeste e região centro-oeste. Não
foi encontrado nenhum autor com procedência da região norte. Vale ressaltar que
para análise desse item, foi considerada a relação nominal dos autores e as
informações constantes nas notas de rodapé apresentada em cada artigo.
A dificuldade em encontrar os artigos em base de dados pelos descritores
disponíveis nas mesmas, nos chamou a atenção e nos levou a fazer um estudo
detalhado dos utilizados pelos autores para publicação sobre o tema em questão.
A tabela abaixo relaciona os descritores adotados pelos autores nos artigos
pesquisados e a sua disponibilidade no sistema BIREME.
Foram identificados 52 descritores os quais inserimos na base dos sistema de
busca dos descritores em saúde - DECs. Dos 52 utilizados, somente 18 (34,61%)
são indexados na base dos Descritores em Ciências da Saúde da Biblioteca
Virtual em Saúde. Dos 34 restantes, sete (13,46%) fazem parte de unitermos
disponíveis; ou seja, a palavra utilizada sempre aparece articulada a outra,
dando origem a um descritor, que nem sempre tem o significado pretendido pelo
autor ao escolhê-lo. Dois descritores (3,85%) foram encontrados como sinômino
de outros e os 25 restantes (48,07%) não foram encontrados como descritores.
Vale destacar que o termo "trabalho em equipe" não é caracterizado como
descritor nesta base de dados. Outro aspecto interessante é que alguns deles,
além de não se constituírem como tal são expressões pouco usuais na literatura
científica e no cotidiano da Enfermagem. A maioria dos descritores, encontrados
ou não na base de dados, possui relação com a área da administração e relações
humanas.
Ressaltamos a importância da utilização de descritores disponíveis nas bases de
dados oficiais, pois permitem a pesquisa e a recuperação de literatura
científica, servindo como linguagem única para a indexação e recuperação da
informação. 48,07% dos descritores usados pelos enfermeiros não guardam
qualquer relação com os descritores oficiais, o que leva, em muitos casos, a
perda do artigo, no caso de busca exclusiva em bases de dados.
A identificação de 24 artigos nos sete periódicos pesquisados, só ocorreu por
realizarmos a busca direta por cada volume. Observamos que, apenas nos últimos
anos, alguns periódicos nacionais têm exigido nas normas de publicação, o uso
da terminologia oficial. No entanto, verificamos em alguns artigos mais
recentes, que essa regra, nem sempre é atendida. A expansão dos periódicos em
Enfermagem no Brasil é uma realidade que leva a necessidade cada vez maior pela
busca da melhoria da qualidade dos mesmos, a fim de alcançar a indexação em
bases de dados internacionais. Nesse sentido é importante que tanto os
periódicos como os pesquisadores estejam mais atentos a essa questão.
Com relação ao conteúdo explorado pelos artigos analisados distribuímos os
vinte e quatro artigos em três grupos: estudos teóricos, avaliação de
desempenho, vivências do trabalho em equipe, conforme já definido na
metodologia. A seguir fazemos uma análise de cada grupo em separado.
Estudos Teóricos
Do total de artigos selecionados incluímos neste grupo 05 (20,83%) que tratam
de estudos teóricos, de revisão de literatura ou reflexões, ensaios e
discussões acerca da temática trabalho em equipe.
Os artigos abordam, de modo geral, a relação de interdependência na assistência
em saúde e a importância do trabalho em equipe. São destacados nesse processo a
comunicação, as relações interpessoais, as relações de poder, o planejamento e
processo decisório, cultura e filosofia organizacionais, entre outros aspectos.
A comunicação eficaz é vista, pela maioria dos autores, como fundamental para o
processo de trabalho. É através dela que ocorre a interação dos profissionais e
o alcance de objetivos comuns.
Foi evidenciado o papel do enfermeiro no trabalho em equipe, tanto em relação à
equipe multiprofissional quanto perante a própria equipe de enfermagem. Nesse
sentido, o aspecto organizacional foi evidenciado em alguns artigos que
destacam a importância das relações, da melhoria do ambiente de trabalho e de
maior planejamento ao desenvolvimento interpessoal e gestão de pessoas(13-15).
Um dos desafios sinalizado em grande parte desses estudos é a enfermagem
vivenciar na prática o trabalho em equipe que não pode ser considerado como uma
atividade automática, mas como uma habilidade capaz de ser desenvolvida com
efetividade(16). Para a sobrevivência da equipe é necessário que haja sintonia
com a filosofia da organização e comprometimento do líder para alcançar o
verdadeiro trabalho em equipe(2,5,8).
Medidas de avaliação de desempenho de equipes
Neste grupo foram agregados 07 (29,17%) artigos, cujo enfoque é dado às medidas
de avaliação do trabalho em equipe ou medidas de tomada de decisão. Os artigos
destacam a necessidade de melhorar o desempenho das equipes para uma
assistência eficaz, a participação do grupo no processo avaliativo e decisório
no ambiente de trabalho e a comunicação adequada como agente transformador da
realidade.
Quadro_1
As reuniões de equipe foram destacadas como instrumento importante para
favorecer o crescimento profissional e pessoal dos membros e da própria equipe,
sendo também forma de melhorar o desempenho para a prestação de assistência
mais eficiente e eficaz. Para que isso ocorra é fundamental que as reuniões
sejam espaços de discussão, reflexão, trocas de idéias e divulgação de
conhecimento e não somente uma tentativa de resolver problemas emergenciais
(17).
No que diz respeito ao processo de avaliação de desempenho da equipe de
enfermagem o preparo do avaliador foi considerado como condição para o sucesso
dessa ação(18), assim como a comunicação adequada, tanto a verbal quanto a
escrita foi citada como ferramenta capaz de transformar a realidade, atingir
objetivos definidos e diminuir conflitos e mal entendidos(19).
Relatos da vivência do trabalho em equipe
Foram classificados neste grupo 12 artigos, 50% do total selecionado, que
descreviam ou relatavam a experiência do trabalho em equipe. Para melhor
ilustrar os achados e facilitar a compreensão dos leitores, separamos em dois
sub-grupos a) A relação da equipe com a própria equipe e b) A relação da equipe
com a clientela atendida.
a) A relação da equipe com a própria equipe
Os artigos incluídos neste sub-grupo evidenciam as dificuldades do trabalho em
equipe e a falta de preparo dos profissionais em relação a essa estratégia de
trabalho. O relacionamento entre os profissionais foi considerado fator que
dificulta uma ação mais integrada e o respeito e a comunicação efetiva foram
destacados como ferramentas para amenizar os conflitos(20).
Outro aspecto presente foi a questão do trabalho interdisciplinar considerado
essencial para melhor aproveitamento do potencial das pessoas que fazem parte
da equipe (21,22). A intensidade das trocas entre os profissionais e o grau de
relação real entre as disciplinas, durante o entendimento e resolução dos
problemas é que caracterizam a interdisciplinaridade. As trocas de idéias, de
informações e o despertar para uma visão crítica favorecem um trabalho
integrado(21).
Por outro lado, as dificuldades no relacionamento e os conflitos deles
decorrentes são para a equipe multi e interdisciplinar elementos restritivos e
mobilizadores de muita insegurança e insatisfação(20). A complexidade das redes
de relações presentes nesse campo pode trazer dificuldades de captar e
compreender as relações que se estabelecem entre os vários poderes-saberes(22).
b) A relação da equipe com a clientela atendida
É unânime a afirmação de que o trabalho em equipe traz benefícios tanto para a
equipe quanto para a clientela atendida. O bom relacionamento interno na equipe
e a coesão geram um clima de confiança capaz de influenciar a assistência
prestada. Assim, a comunicação truncada e ineficaz no interior da equipe pode
motivar conflitos que interferem diretamente no modo como esta atende a
clientela(23).
A coesão da equipe e seu preparo psicológico para a prestação da assistência
são fundamentais para criar um ambiente de trabalho agradável, facilitar o
convívio e o restabelecimento da saúde. A confiança nesse sentido é a base para
a promoção do bom relacionamento profissional-cliente(23).
As reuniões multidisciplinares são apontadas como espaço privilegiado para a
troca de informações e conhecimento que ao favorecerem o crescimento e
desenvolvimento dos profissionais, o que inevitavelmente interfere na qualidade
do atendimento(24).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A leitura crítica e aprofundada dos artigos nos permitiu sinalizar que a
produção científica do enfermeiro sobre o trabalho em equipe no período
estudado é tímida frente ao avanço dessa temática no contexto geral da saúde e
educação.
A maioria dos estudos versa sobre a vivência do trabalho em equipe que em
muitos casos foi relatada como positiva. É possível identificar a preocupação
com as relações interpessoais como fator limitador no desempenho das equipes.
A maior parte dos textos analisados destaca a comunicação como peça fundamental
e essencial da interação da equipe, sendo fator de agregação ou de desagregação
dependendo de como ela ocorre.
Consideramos fundamental que essa temática seja mais explorada e estudada, por
se constituir na vivência diária dos enfermeiros em qualquer segmento de
atuação deste profissional e por ser uma ferramenta essencial na trabalho.
Acreditamos que este conhecimento deve ser, do mesmo modo, trabalhado
enfaticamente na formação dos enfermeiros, haja vista as tendências e demandas
da prática.