Suporte humanizado no pronto socorro: um desafio para a enfermagem
RELATO DE EXPERIÊNCIA
Suporte humanizado no pronto socorro: um desafio para a enfermagem
Humanized support in emergency: a challenge for nursing
Soporte humanizado en un servicio de emergencia: un desafío para la enfermería
Daiane Dal PaiI; Liana LautertII
IEnfermeira. Mestranda do Curso de Pós Graduação em Enfermagem da Escola de
Enfermagem da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Bolsista CAPES.
daiadalpai@yahoo.com.br
IIDoutora. Professora adjunto da Escola de Enfermagem da Universidade Federal
do Rio Grande do Sul. lila@enf.ufrgs.br
1. INTRODUÇÃO
A unidade de emergência oferece serviços de alta complexidade e diversidade no
atendimento a pacientes em situação de risco iminente de vida. No entanto, as
tecnologias avançadas utilizadas neste atendimento nem sempre garantem a
qualidade da assistência, pois há influência decisiva de fatores relacionados
ao objeto e à força de trabalho neste processo.
Na busca pela estabilização das condições vitais do paciente, o atendimento se
dá por meio do suporte à vida, exigindo agilidade e objetividade no fazer.
Neste sentido, o processo de trabalho molda-se na luta contra o tempo para
alcance do equilíbrio vital tido como objetivo do trabalho.
Para além, todavia, das lesões que caracterizam o objeto de trabalho da unidade
de emergência, pode-se compreender o que este cenário muitas vezes representa:
um verdadeiro espelho da situação de miséria da sociedade brasileira. Baleados,
suicidas, violentados, politraumatizados caracterizam grande parcela dos
usuários, vítimas da imprudência e da desinformação, entre outros males.
Isto posto, surge a tensão como uma característica decisiva deste ambiente de
trabalho, ambiente no qual a equipe de saúde responsável pelo serviço de
emergência vive diariamente sob pressão ocasionada pela necessidade do ganho de
tempo, pela rapidez e precisão da intervenção/atenção, pela elevada demanda de
atendimentos e experiências diárias de morte.
Os pacientes, por sua vez, encontram-se tensos e temerosos perante o
desconhecido - ambiente e profissionais - e sentem-se fragilizados, reagindo
muitas vezes com agressividade. A passagem, repentina e inesperada, de um
estado de saúde plena à proximidade com a morte pode afetar o equilíbrio
emocional das vítimas - pacientes e famílias -, os quais, por vezes, se
expressam por agressões físicas e verbais, evidenciando revolta contra as
carências das políticas públicas e deparando no profissional de saúde o seu
representante e o responsável, portanto.
Torna-se, pois, um desafio para a enfermagem a construção de seu fazer,
considerando as dimensões - éticas, subjetivas, técnicas e institucionais - do
cuidado e - valores, sentimentos e limites - do ser de cuidado e do ser
cuidador, especialmente quando o cenário laboral é uma unidade de emergência e
suas especificidades. Isto posto, este artigo apresenta o relato da vivência da
utilização dos pressupostos do cuidado humanizado proposto por Watson(1-3),
durante o atendimento de indivíduos em situação crítica de saúde no serviço de
emergência do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre*.
2. AÇÕES HUMANIZADAS NA PRÁTICA DA ENFERMAGEM NA PERSPECTIVA DE WATSON
O cuidado, objetivo da prática da enfermagem, desenvolve-se no encontro com o
outro, sendo facilmente reconhecido como uma necessidade nos momentos críticos
da existência do ser humano, isto é, o nascimento, a doença e a morte. Precisa,
no entanto, ser sentido, assumido e exercitado no dia-a-dia da enfermagem para
evitar que sua prática se torne mecânica, impessoal e até desumana.
A evolução tecnológica da saúde garante a precisão de alguns procedimentos,
mas, por outro lado, parece contribuir para o esquecimento das necessidades
integrais do ser humano, em especial, a necessidade psico-espiritual, à medida
que o trabalhador desloca sua atenção do ser assistido para o equipamento.
Para Kohlrausch(4), as enfermeiras preferem a área instrumental da enfermagem
para diminuírem o envolvimento com o cliente, construindo um distanciamento
imaginário entre o cuidador e o ser cuidado e, portanto, minimizando o
envolvimento emocional e suas relações. A autora considera este um "falso
pressuposto", uma vez que, mesmo não conscientizadas, permanecem as marcas do
encontro.
Na enfermagem, a assistência humanizada visa ao ser humano em sua
integralidade, ocupando-se tanto dos componentes adoecidos quanto dos sadios do
ser, tais como o senso crítico e a espiritualidade. Para Watson(1) a ciência do
cuidado enfoca predominantemente a promoção da saúde e, para tanto, necessita
expandir a visão de mundo e a habilidade de pensamento crítico. E, para Waldow
(5), o cuidado deve conjugar expressões de interesse, consideração, respeito e
sensibilidade, demonstradas por palavras, tom de voz, postura, gestos e toques.
Essa é a verdadeira expressão da arte e da ciência do cuidado: a conjugação do
conhecimento, das habilidades manuais, da intuição, da experiência e da
expressão da sensibilidade.
Acredita-se que esta conjugação, indispensável para a experiência e a
demonstração do cuidado humano nas relações e atividades, deve envolver todos
os atores no cenário da enfermagem, destacando-a como um valor, um imperativo
moral, uma filosofia para a ação.
Nesta perspectiva encontra-se Jean Watson, autora da Teoria de Enfermagem, que
promoveu o cuidado transpessoal, publicada em 1979, o qual atribui à enfermagem
a necessidade de construção de um sistema humanístico de valores para sustentar
a construção da ciência do cuidado(1). Portanto, o cuidado holístico
fundamental à prática da enfermagem, deve buscar mais conexões do que
separações entre as partes que compõem o ser; necessita associar o conhecimento
científico a fatores de cuidado que derivem da perspectiva humanística,
ressaltando a transcendência ao mundo emocional e subjetivo da pessoa como rota
para o ser interior e seu sentido mais alto(3). Destaca ainda a formação de
relacionamentos pessoa a pessoa em oposição aos relacionamentos manipuladores
(1).
São dez os fatores básicos de cuidado propostos por Watson(1) como
estruturantes da ciência do cuidado: formação de um sistema de valores
humanista-altruísta; instalação da fé/esperança; cultivo da sensibilidade do
self próprio e alheio; desenvolvimento de uma relação de ajuda/confiança;
promoção e aceitação da expressão de sentimentos positivos e negativos; uso
sistemático do método científico de solução de problemas para a tomada de
decisões; promoção do ensino-aprendizagem impessoal; provisão de um ambiente de
apoio, proteção e/ou de neutralização mental, física, sócio-cultural e
espiritual; assistência com a gratificação das necessidades humanas e permissão
de forças fenomenológico-existenciais.
Os dez fatores de cuidado de Watson constituem-se em aspectos inovadores e de
desafio para a prática profissional. São motivadores, levando ao
autoconhecimento e à humanização das relações e do cuidado de enfermagem(6).
3. O CUIDADO HUMANIZADO E O SERVIÇO DE EMERGÊNCIA: RELATO DE UMA EXPERIÊNCIA
Considerando a imprevisibilidade, o ritmo acelerado de trabalho, a vigilância
constante, a sobrecarga física e a busca incessante pela manutenção da vida,
seria possível pensar em assistência humanizada no âmbito emergencial? Em meio
às freqüentes agressões que o trabalhador recebe diariamente provindas do
usuário, teria sentido exigir da equipe de enfermagem a prestação de um cuidado
mais humano?
Acredita-se que, em meio às limitações existentes, planejar o cuidado de
enfermagem nesta perspectiva pode vir a ser uma alternativa para a inclusão
desta prática no cotidiano de trabalho. As verdadeiras dimensões do cuidar -
éticas, subjetivas, técnicas e institucionais devem ser claras para o
planejamento da humanização da assistência. Esta pode ser pensada enquanto
acolhimento que permita reflexões e criações coletivas, com comprometimento dos
envolvidos e poderá iniciar pelo resgate do sentido da enfermagem enquanto
profissão do cuidado.
Inserir a humanização nas práticas de suporte avançado à vida, realizadas na
unidade de emergência, torna-se possível caso se desenvolver a competência
humanística no mesmo nível em que se estimula a competência técnico-científica
dos trabalhadores, oferecer-lhes incentivos ao comprometimento com a qualidade
do cuidado de enfermagem e envolvê-los numa nova atitude frente às demandas
cotidianas.
Para Watson(1), isso requer que o profissional, a priori, integre sensibilidade
às atividades realizadas, invista nas qualidades subjetivas e comunicativas que
tem a oferecer em meio às exigências de agilidade e eficiência técnica deste
cenário laboral.
Norteada por estas reflexões, na tentativa de unir à prática uma teoria de
enfermagem, busquei nos pressupostos de Jean Watson(1-3) o embasamento para
desenvolver atividades de suporte humanizado em emergência, inserida no
contexto do Hospital de Pronto Socorro de Porto Alegre (HPS). Apresento a
seguir os fatores que se destacaram no decorrer dessas atividades.
3.1 Estabelecendo uma relação de ajuda e confiança
Quando Watson(1) propõe a promoção e a aceitação de sentimentos positivos e
negativos como fator de cuidado para melhorar a comunicação entre as pessoas,
refere-se à abertura que a enfermagem deve proporcionar à colocação dos
pensamentos e/ou sentimentos do paciente. Assim sendo, procurava aproximar-me
do olhar dos pacientes e estimular a expressão do que sentiam ou pensavam. A
abertura inicial geralmente era dada por mim nesta interação, mas normalmente
um único estímulo de atenção e demonstração de interesse bastava para a
conversa fluir, emergindo dúvidas, desabafos e indicações das necessidades de
auxílio.
Desta forma desenvolvia-se uma comunicação capaz de estabelecer um
relacionamento de ajuda-confiança, a qual é apontada por Watson(1) como um dos
melhores instrumentos da enfermeira para garantir uma relação harmônica e
cuidadosa. A autora(1), ao desenvolver esta idéia, sinaliza a empatia, a
congruência e o calor como características para o alcance da ajuda-confiança.
Busquei ser verdadeira em minhas interações, desenvolver a empatia para
alcançar sintonia com o outro (paciente) e, inúmeras vezes, estimulei a
expressão de aceitação através da linguagem corporal aberta, do toque afetivo e
do tom de voz utilizado. E pude verificar a importância destes instrumentos,
que fazem a grande diferença na qualidade do cuidado. Ao longo do tempo percebi
que os pacientes me buscavam com os olhos como se precisassem garantir a minha
presença na sala como referência de segurança.
Em se tratando de pacientes infantis, o desenvolvimento do sentimento de ajuda-
confiança parecia tornar-se ainda mais necessário ao cuidado. Lembro-me de um
menino de onze anos, vítima de traumatismo crânio-encefálico, que requeria
cateterização vesical devido à suposta cirurgia. Encontrava-se consciente e
emocionalmente chocado, e busquei de saída construir a ajuda-confiança na
relação com ele por meio de conversa informal, demonstração de carinho e
informação clara sobre o procedimento a ser realizado. Meu sentimento inicial
foi de fracasso ao sentir-lhe o olhar de medo e raiva que ele, calado, emitia.
Contudo, no plantão seguinte, quando passava distraída pelos corredores do HPS,
fui surpreendida por uma voz que me dizia: "Oi, oi, sou eu, enfermeira!" e com
uma mãozinha que me abanava. O menino, transportado por uma maca, reconheceu-me
com alegria, alegria que também encheu meu coração. Obtive, assim, uma prova a
mais do quanto vale a pena investir na qualidade do cuidado.
3.2 Formação de um sistema de valores humanístico-altruístas
Watson observa que a formação de um sistema de valores humanístico-altruístas
em princípio se constrói desde a infância e durante o desenvolvimento humano.
Creio, contudo, na possibilidade de se agir nesta direção por meio de
atividades de educação continuada das equipes de saúde. Em contraponto com os
olhares surpresos, desesperançados, de integrantes da equipe de enfermagem em
relação ao afeto e à atenção de minha parte para com os pacientes, penso que o
comportamento altruísta, seguidamente ausente, pode ser não só estimulado, mas
também sistematizado na estruturação do cuidado.
O fator que trata do estímulo da fé-esperança(1) foi posto em prática nos
momentos em que fui questionada sobre as "chances de se salvar". Esta pergunta
esteve inúmeras vezes presente no diálogo com familiares e pacientes que
referiam o medo de morrer.
Por outro lado, muitos são os casos de atendimento a pacientes suicidas
trazidos ao HPS em estado de urgência ou emergência. Além do comprometimento em
estabelecer seu equilíbrio vital, a enfermagem deve considerar a necessidade de
cuidados quanto ao desequilíbrio psicológico, mais do que isso, deve respeitar
a condição do paciente. Para isso recorri ao fator de cuidado que Watson
denomina de Aceitação das forças existenciais fenomenológicas(1). Nessa
vivência desafiei minhas limitações, buscando resgatar o sentido da vida, sua
significação nos momentos difíceis tanto para mim quanto para os pacientes.
Segundo Watson(3) é necessário que a enfermeira compreenda o significado que a
pessoa dá à própria vida e/ou que a auxilie a encontrar sentidos nos
acontecimentos penosos; a fim de que isso seja possível, ela mesma deve voltar-
se para seu próprio interior e conhecer suas indagações existenciais.
O dia-a-dia no HPS proporcionou uma aproximação com as diversas classes
sociais, visto que a clientela dessa instituição provém tanto das classes mais
altas quanto da pior miséria. Atendem-se indivíduos profissionalmente
reconhecidos pela sociedade ao lado de marginais trazidos diretamente da cena
do crime, de prostitutas agredidas, de crianças violentadas, entre outros
tantos.
Trata-se de uma realidade que parece pertencer somente aos noticiários da TV:
se, num momento, a equipe de emergência presta cuidados ao jovem universitário,
vítima de acidente automobilístico, alguns minutos depois a assistência caberá
ao bandido baleado, arrastado pelos policiais, ou ao velho morador de rua
encontrado inconsciente, sem documentos, sem história.
Relembro certa orientação que planejei prestar a um senhor que deixava a sala
de Urgência Clínica após o término do atendimento. Procurando encaminhá-lo a
uma Unidade Básica de fácil acesso, perguntei-lhe em que região morava, ao que
ele me respondeu, olhando-me nos olhos: "Eu moro na rua, dona!". A resposta me
surpreendeu, o rumo da conversa fora inesperado e me senti impotente. Para
Watson(2), a busca pela formação de relacionamentos pessoa a pessoa situa-se em
oposição aos relacionamentos manipulativos. Compreendi, assim, que me servir de
um diálogo preestabelecido, padronizado, desqualifica a assistência, mais do
que isso, pude, nessa ocasião, reavaliar o modo unidirecional do processo de
educação em saúde que necessitamos abandonar para alcançarmos a verdadeira
construção dessa educação, com a participação e autonomia do ser cuidado e
assim promover o ensino-aprendizagem humanista proposto por Watson.
3.3 Promoção e aceitação da expressão de sentimentos positivos e negativos
Presenciei algumas agressões físicas e/ou verbais provindas de pacientes
voltadas aos trabalhadores da equipe de saúde. Em alguns casos isso se devia ao
efeito provocado por drogas ou álcool, mas em outras não. Esses comportamentos
são recebidos pela equipe de forma intolerante, pois são entendidos como
injustos e acabam gerando reações do mesmo nível.
Em se tratando de crianças como personagens desse cenário, era alarmante a
variedade de casos. Havia vítimas de acidentes domésticos nos quais os pais,
muitas vezes, se sentiam culpados, autopunindo-se e envergonhando-se frente à
equipe. Em outros momentos, sua preocupação desencadeava pressão e raiva,
multiplicando a tensão, graças ao despreparo dos profissionais no manejo destas
experiências.
Watson(1) propõe a promoção e a aceitação de expressões de sentimentos como
forma de se permitir que sejam exteriorizadas, tanto as positivas quanto as
negativas. Para a autora, esta seria uma medida terapêutica de cuidado.
Idêntica alternativa serve para se compreenderem os sentimentos expressos nos
relacionamentos interpessoais da equipe. Afinal, os comportamentos agressivos,
comumente sob forma verbal, encontram-se cotidianamente presentes nas relações
humanas do ambiente tenso da emergência e, portanto, seria conveniente
interpretar as expressões de sentimentos de estresse e desgaste profissional,
sob a ótica proposta por Watson, como um fator de cuidado direcionado também ao
cuidador. Este, ao conhecer os comportamentos humanos, suas respostas,
necessidades, forças e limites, compreenderá que, com freqüência, as agressões
se voltam ao cuidador apenas porque é ele quem está mais próximo da pessoa a
ser cuidada, tanto paciente quanto familiar.
3.4 Provisão de ambiente de apoio à família
Em uma dada ocasião em que uma intensa ansiedade caracterizava os familiares
que povoavam os corredores do HPS, procurei construir um espaço, embora breve,
de acolhimento para essas pessoas, normalmente atores ocultos nesse cenário,
aflitos por informação e atenção. Os agradecimentos transmitidos com
sinceridade logo revelavam o efeito benéfico de uma ação tão simples - o
acolhimento ao familiar - no fazer da enfermagem.
Por vezes, quando a situação o permitia, proporcionava um momento de encontro
entre a família e o paciente. Isto acontecia durante o transporte do enfermo
para exames, na transferência para outra unidade, ou até na própria sala de
emergência, quando possível. Pude sentir, nessas oportunidades, a influência
positiva da presença do núcleo social no processo de cuidar.
No debate sobre a relação íntima entre cura e atenção é oportuno resgatar as
palavras de Watson, quando nos coloca que "enquanto os fatores curativos
objetivam curar a doença do paciente, os fatores de interesse objetivam o
processo de atenção que ajuda a pessoa a atingir (ou manter) a saúde ou morrer
em paz"(1). Neste sentido, considero a atenção terapêutica à família fator a
ser investido pelos cuidados da enfermagem na unidade de emergência.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
A relevância dos saberes exclusivos da enfermagem para o cuidado tornou
indispensável a busca por subsídios teóricos que fortalecessem o desejo de pôr
em prática a humanização nas atividades do serviço de emergência.
A teoria de Watson auxiliou-me na medida em que propõe fatores fundamentais de
cuidado que serviram de base em minha atuação neste propósito. Este referencial
foi vivenciado por meio da aplicabilidade dos pressupostos da Teoria.
Considerando que os resultados dessa experiência não podem ser quantificados
devido a sua complexidade, busquei transmiti-los com objetividade, embora a
subjetivação dos acontecimentos apreendidos e aqui narrados incluam
necessariamente a representação de um real permeado pelos sentimentos de quem
os viveu.
Em análise para a epistemologia do cuidado humano enquanto arte e ciência da
enfermagem, Zagonel(7), em 1996, já destacava a difícil aplicabilidade prática
da teoria de Watson, assim como a ausência de seus conceitos no norteamento dos
currículos de enfermagem, o que resultaria na não formação de enfermeiros aptos
a desempenharem o papel que Watson lhes atribui. A autora destaca também os
serviços de saúde como despreparados para a implementação dos ideais de Watson,
porém classifica a teoria como "fértil para um cuidado inovador, desenvolvendo
a arte e a ciência da enfermagem, efetivamente".
Durante essa experiência de buscar desenvolver um cuidado inovador, em momento
algum precisei desconsiderar a suma importância dos procedimentos técnicos nas
atividades da enfermagem para a qualidade do serviço e para desenvolver o
cuidado. Pelo contrário, acredito, isso sim, na necessidade de aliarmos a
competência humanística à técnico-científica, por isso parti da lógica de que a
segunda acompanha as atividades da enfermagem enquanto princípio da assistência
emergencial. Venho pois, expor o relato de situações em que foi possível ir
além desses e perseguir o cuidado de enfermagem integral, alcançando esferas
que ultrapassam o corpo físico. Exponho também como tais situações permitiram
uma mudança favorável no bem-estar dos pacientes e de suas famílias bem como
meu crescimento profissional.
Em meio a todas as reflexões desencadeadas pelo interesse no tema da
humanização da assistência à saúde, concordo com Hoga(8) sobre a necessidade de
uma filosofia organizacional que venha a nortear e alinhar os inúmeros aspectos
que envolvem a humanização e os princípios de viabilidade de sua concretização
prática.
Neste sentido, as limitações que encontrei, na experiência de aplicar os
pressupostos da teoria de Watson à prática assistencial, destacam a relevância
dos fatores institucionais e sócio-políticos na concretização da assistência
humanizada que, hoje, concluo não dependerem tão só da relação que se
estabelece entre o ser cuidado e o ser cuidador, mas ainda da estrutura
política e econômica em que ocorrem os fenômenos.
Basear-me no estabelecimento de uma relação afetiva com o paciente para
promover a humanização do seu cuidado, algumas vezes, trouxe-me o sentimento de
estar envolvida com uma integralidade que qualifica o atendimento, não só pelo
carinho e sensibilidade do profissional com a situação do enfermo, mas também
pela real garantia de uma assistência mais completa à saúde, para além de um
bem-estar físico.
Ao longo dessas experiências, senti a necessidade de analisar os
acontecimentos, inclusive de ver as relações sociais do cenário de emergência
de um hospital público como um espelho da organização social em que nos
inserimos. Muitas vezes, devido à realidade cotidiana em que se constróem as
práticas de enfermagem, o investimento na humanização do preparo profissional -
com alternativas como o autoconhecimento por exemplo torna-se uma alternativa
válida, porém insuficiente.
Diante disso destaco a imensa contribuição profissional e pessoal que me
proporcionou a experiência de realizar o cuidado baseado em pressupostos de
Watson. Reconhecidas suas limitações, atribuo a essas a justificativa de que
teorias são, em princípio, limitadas, na medida em que contêm um paradigma e
tratam de um determinado fenômeno sob um determinado prisma, do que resultou,
para algumas situações, a teoria ter se apresentado restrita.