A participação da família no cuidado ao prematuro em UTI Neonatal
PESQUISA
A participação da família no cuidado ao prematuro em UTI Neonatal
Family participation in premature care in Neonatal ICU
La participación de la familia en la asistencia al prematuro en UTI Neonatal
Maria Aparecida Munhoz GaívaI; Carmen Gracinda Silvan ScochiII
IEnfermeria. Professora Doutora da Faculdade de Enfermagem da Universidade
Federal de Mato Grosso, mgaiva@terra.com.br
IIEnfermeria. Professora Livre Docente da Escola de Enfermagem de Ribeirão
Preto - USP, csochi@eerp.usp.br
1. INTRODUÇÃO
A assistência ao prematuro em UTI neonatais tem passado por importantes
transformações. Nesse contexto algumas intervenções têm sido recomendadas e
implementadas nas unidades neonatais para instrumentalizar o trabalho da equipe
de saúde, tais como: a liberação de visitas de outros membros da família, a
permanência dos pais junto ao filho internado, a implementação de grupos de
apoio aos familiares, o incentivo à participação da mãe no cuidado ao bebê e na
tomada de decisão do tratamento, dentre outras.
Inúmeros estudos mostram a importância da presença dos pais na UTI Neonatal
(UTIN) e da participação deles nos cuidados ao filho hospitalizado, não só para
o estabelecimento do vínculo afetivo mãe-filho, mas também para a redução do
estresse causado pela hospitalização e no preparo para o cuidado à saúde no
domicílio(1,2). A assistência ao RN em UTIN sofreu mudanças, o modelo
tradicional de assistência centrado no bebê doente vem cedendo espaço para um
novo modelo que permite a presença dos pais e a incorporação da família no
cuidado. Para efetivar essa nova prática, as UTINs têm permitido livre acesso
dos pais para visitar os filhos, além de liberar a permanência contínua deles
junto ao bebê internado, se assim o desejarem, proporcionando inclusive,
condições para sua acomodação nas unidades.
No entanto, apesar dos avanços da literatura e advento da legislação dos
direitos da criança, a situação do prematuro em nossa realidade não mudou
muito. Hoje, na maioria dos hospitais, a visita dos pais/família aos recém-
nascidos (RNs) internados ainda é restrita e controlada por normas rígidas e a
inserção da mãe no cuidado ao prematuro ainda é limitada. No cotidiano das
UTINs é comum não se permitir a presença da mãe, justificada pela execução de
procedimentos invasivos, horário da visita médica, espaço físico pequeno e
escassez de recursos humanos. Quanto aos outros membros da família, a situação
é ainda mais difícil, poucos são os serviços que permitem a entrada de
familiares que não os pais, além de não permitir que eles participem dos
cuidados.
Esse estudo tem como objetivo analisar a participação da família na assistência
ao prematuro em uma UTI Neonatal de um hospital universitário.
2. METODOLOGIA
É uma pesquisa qualitativa, dada às características e a complexidade do
trabalho em saúde, onde os processos que aí se desenvolvem assumem conotações
diferenciadas que passam por discursos, atitudes, valores, poderes, saberes e
muitos outros.
A pesquisa foi realizada em uma UTIN de um hospital universitário, localizado
em Cuiabá-MT. Após a aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
hospital, os pais dos prematuros internados na unidade foram comunicados da
proposta da pesquisa e solicitada a autorização para a participação. Para isso,
foi entregue o Termo de Consentimento Pós-Informado contendo dados sobre os
objetivos da pesquisa, os pais que concordaram em participar assinaram o termo,
sendo garantido o anonimato, o sigilo das informações e o direito de
interromper a participação em qualquer momento. A coleta de dados foi realizada
no período de março a setembro de 2000, utilizando-se da observação
participante e da análise de documentos como o prontuário dos RNs. As
observações foram registradas em um diário de campo.
A análise dos dados foi realizada seguindo as diretrizes do método qualitativo:
ordenação, classificação em categorias empíricas, síntese e interpretação dos
dados(3).
Para garantir o anonimato dos participantes mães e bebês receberam nomes
fictícios escolhidos pela pesquisadora e os profissionais foram nomeados com
números conforme a ordem de aparecimento.
3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
A entrada da família na UTIN
A internação do prematuro na UTIN é uma situação de crise para toda a família,
principalmente para a mãe. Esse é um ambiente estranho e assustador, além de
que o bebê real é diferente do imaginado e o sentimento de culpa pelos
problemas do filho atua como fatores inibidores do contato espontâneo entre
pais e bebês. Nesse sentido, o acolhimento aos pais, desempenha papel
fundamental para que as experiências emocionais que venham ocorrer nesse
período sejam melhores aceitas e o sofrimento dos pais minimizados. Acolhimento
aqui é entendido como receber e atender os membros da família do bebê,
procurando integrá-los ao ambiente. O acolher deve envolver ação física e
afetiva.
Observamos, durante o trabalho de campo, que alguns pais nas primeiras visitas
ao filho prematuro não conseguiam permanecer mais que 2 a 3 minutos junto a
ele. Essa situação perdurava até o bebê mostrar sinais de melhora do quadro
clínico. A equipe de saúde tem um papel fundamental nesse momento, pois é ela
que deverá reduzir a ansiedade e medo dos pais. Para tal, o profissional que
recebe a família deve oferecer condições mínimas de conforto, tentando
responder às preocupações dos pais, oferecendo explicações simples sobre o
estado de saúde, tratamento e equipamentos usados no bebê, procurando dar
ênfase à criança ao invés do equipamento ou doença. Além desses aspectos, deve
ater-se para as condições de saúde da mãe nos primeiros dias de pós-parto. À
medida que os pais vêm para outras visitas as informações poderão ser
complementadas.
Ainda nesse sentido, a equipe deve estimular o encontro entre pais e bebês, mas
ao mesmo tempo deve respeitar a individualidade de cada um e sua forma de
reagir frente ao filho doente. Os pais precisam sentir-se apoiados para fazer a
aproximação com o filho, quando estiverem preparados(4).
A presença da mãe na UTIN é fundamental. Não somente a presença física, mas o
envolvimento emocional e mental, o estar junto, torcer por e lutar por e com
(5).
Na unidade observada, geralmente as mães fazem a primeira visita na UTIN, nas
primeiras 12 horas após o parto de risco, estando, portanto, debilitadas em seu
estado geral. Outras vezes elas tiveram o parto em outro hospital e só o bebê
veio transferido para a UTIN, permanecendo lá internada, o que retarda ainda
mais o encontro entre mãe e filho. Mesmo que as mães se encontrem frágeis
física e emocionalmente, o contato precoce com o filho é importante para que
elas consigam lidar com a situação da hospitalização do filho(6).
Apesar de todas as vantagens discutidas na literatura acerca dos benefícios da
presença dos pais na UTIN e da legislação pertinente, a liberação das visitas
não é um consenso em nossa realidade e os pais ainda são submetidos a horários
pré-estabelecidos na rotina hospitalar para ter acesso ao filho internado. Na
unidade estudada, houve um retrocesso nesse sentido, pois a mãe que tinha
acesso livre, hoje tem sua entrada restrita. Um cartaz anexado à porta de
entrada da UTIN estipula horários para a visita da família. Para a mãe, é
diária, a partir das 10 horas; para o pai é das 14 às 15 horas e para os avós
são todas as terças e quintas-feiras, das 14 às 15 horas.
Como se pode ver, a instituição estabelece as normas administrativas,
considerando exclusivamente a necessidade da instituição, em detrimento das
necessidades dos bebês e famílias.
Os pais, quando chegam à unidade pela primeira vez, aguardam no hallde entrada
a permissão para entrar e ver o filho. Habitualmente, são abordados por algum
membro da equipe de enfermagem que lhes orienta acerca da rotina, mostrando
como deve ser feita a lavagem das mãos, oferecem aventais e os acompanham até a
incubadora onde o seu filho está. Os pais que já conhecem a unidade têm livre
acesso. Na primeira visita dos pais, os profissionais de enfermagem,
normalmente o enfermeiro, mostra o bebê à família e falam sumariamente do
estado geral da criança e equipamentos usados por ela. Raramente a equipe
médica aborda a família na primeira visita, a não ser que seja solicitado pelo
enfermeiro.
A entrada dos pais na UTIN deve ser livre, sem limites, permissão que deve ser
expandida para outros membros da família como avós, irmãos e outras pessoas
próximas dos pais ou do bebê(7). O Ministério da Saúde, ao propor a assistência
humanizada ao RN de baixo peso através do Método Canguru(4), coloca a presença
e a participação da família ampliada como elementos fundamentais no apoio ao
bebê e pais durante a hospitalização, recomendando que as unidades neonatais
liberem as visitas, seja em acesso livre ou por meio de horários. Ademais, os
avós e os irmãos deverão participar da situação de hospitalização. O
acolhimento à família é importante para promover a saúde de todos os seus
membros e garantir ao bebê um espaço que vai auxiliá-lo em seu desenvolvimento.
Concordamos com a autora(8), para quem hoje a UTIN não pode mais ser uma
"fortaleza", onde os bebês ficam isolados de suas famílias. "Os bebês têm que
trocar olhares, tocar e serem tocados, sentir, ouvir, para que, dentre outras
coisas passo a passo, possam conquistar um lugar em sua família".
A partir de 13/07/90, pela Lei nº 8069, Estatuto da Criança e do Adolescente,
fica assegurado o direito da presença de um acompanhante durante a
hospitalização da criança. Para isso, os estabelecimentos de saúde deveriam
proporcionar condições para permanência desses responsáveis, como podemos
verificar no artigo 12: "Os estabelecimentos de atendimento à saúde, deverão
proporcionar condições para a permanência em tempo integral, de um dos pais ou
responsável, nos casos de internação de criança ou adolescente"(9). Desde a
promulgação dessa Lei, as instituições, especificamente as UTINs, pouco
investiram na infra-estrutura do ambiente para melhorar a acomodação das
famílias.
Em relação às condições de acomodação da mãe, neste hospital-escola não
dispomos de espaço físico privativo à família. Além do desconforto de uma
cadeira/banqueta não apropriada para permanecer horas sentada, soma-se ainda, o
incômodo de não ter um banheiro privativo; as mães fazem uso de banheiros da
enfermaria da clinica obstétrica. A alimentação é oferecida pelo Serviço de
Nutrição e seus pertences pessoais ficam em armário localizado no hall de
entrada da UTIN.
Colaborando nos cuidados de maternagem na UTIN
Com relação à participação da mãe no cuidado ao bebê, percebemos que a inserção
materna no trabalho se dá por etapas, sendo que a primeira é a produção do
leite materno. Logo na internação do bebê é dito a ela que o leite materno é
muito importante para a recuperação do bebê e que ela tem que ordenhar e trazer
o leite diariamente, armazenar em vidro estéril ou mamadeira fornecida pela
unidade e colocar em geladeira depois de identificado com seu nome, data e
horário. É mostrado à mãe onde ficam os frascos e mamadeiras esterilizados e a
geladeira em que ela poderá guardar o leite ordenhado. Como não há banco de
leite humano funcionando, todo leite coletado é armazenado em geladeira por 24
horas ou no congelador por até 15 dias, a depender da necessidade de utilizá-
lo; o colostro dos prematuros em dieta zero é congelado e quando do início da
dieta ele é descongelado e oferecido.
Apreendemos que após a mãe ser informada das rotinas da unidade quanto à
alimentação do bebê, seu papel ali é fornecer o leite para ser oferecido ao
prematuro; não observamos intervenções sistematizadas dirigidas ao incentivo e
apoio no processo de manter a lactação, enquanto o prematuro não suga no seio
materno.
A adolescente Agnes está na UTIN ao lado do filho Guilherme José, que
está pesando 825g e vai iniciar dieta por sonda. O residente (1)
chega e conversa com a mãe e pergunta: "você tem leite fresco para
dar para o bebê mamar?" - "Sim tenho". (Observação,, 14/07/00)
A função materna no processo de trabalho é fornecer leite para o seu bebê,
sendo muitas vezes tratada como se fosse uma máquina de produzir leite, para
suprir as necessidades do prematuro internado. Quando é feita alguma
orientação, são recomendações no manejo do aleitamento materno para bebês a
termo, as quais nem sempre são apropriadas para mães de prematuros; na maioria
das vezes, apenas solicitam que realizem a coleta de leite, não se observando
ensinamentos acerca do autocuidado com a mama puerperal.
A questão da amamentação na UTIN nem sempre depende só da mãe, no caso de bebês
prematuros. Além do desejo da mãe, as condições e imaturidade do bebê
interferem. O processo de amamentar nessa situação não deve ser visto e tratado
como de responsabilidade somente materna, pois para ter sucesso nessa prática a
mãe precisa de uma rede de apoio formal e informal.
No que se refere aos demais cuidados ao prematuro, as observações de campo
deixam claro que enquanto o bebê está na UTIN o tempo das visitas maternas é
reduzido. A mãe vê o filho, interage com ele, toca, mas participa pouco dos
cuidados; ela é mais expectadora do que efetivamente participante do processo
de trabalho.
Agnes chega e senta ao lado do filho, permanece observando tudo que
acontece com o bebê. Primeiro chega o auxiliar (6) e o enfermeiro (1)
para aspirar o tubo endotraqueal, depois vem o fisioterapeuta (1) que
ausculta e faz os exercícios motores, ela permanece calada
observando. (Observação, 04-08-00)
No cuidado intensivo, os procedimentos são mais complexos e instrumentalizados
por técnicas específicas, mediadas por equipamentos e aparelhos sofisticados,
que ora são instrumentos ora são objetos do trabalho da equipe. Aí a finalidade
do trabalho centra-se na recuperação biológica de um ser imaturo, dentro de uma
abordagem centrada na criança, na qual não há espaços para a inserção da mãe na
organização do trabalho. Por outro lado, quando o prematuro é transferido para
o cuidado intermediário, sua condição clínica está estável e a ênfase passa a
ser no processo de crescimento; isso faz com que não só a mãe se sinta
estimulada a cuidar do filho como também a equipe inicie a orientá-la para
prestar cuidados ao bebê:
Melissa vai iniciar hoje a sucção por chuca, o auxiliar (7) prepara o
leite e dá a chuca para a mãe oferecer, mas antes mostra a ela como
fazer; o pai acompanha atentamente.(Observação, 04-09-00)
Apesar do pai executar alguns cuidados com o filho no cuidado intermediário,
ele é pouco estimulado a cuidar, quando muito ele acompanha as orientações
oferecidas à mãe.
Durante o período de observação, muitos pais estiveram presentes na unidade,
mas poucos executaram cuidados. Acreditamos que esse fato pode estar associado
à questão cultural de nossa sociedade na qual o cuidado do filho é uma
atribuição exclusivamente feminina, além da norma institucional que estipula um
horário para a visita do pai ao filho internado, horário em que geralmente os
pais encontram-se trabalhando, o que dificulta sua presença no hospital. Com
isso, a mãe acaba sendo o membro da família que mais se faz presente na
unidade.
A literatura atual(2,6,7,9) tem enfatizado que a presença do pai na UTIN é uma
necessidade na recuperação do prematuro internado e manutenção do núcleo e
vínculo familiar.
A mãe, ao permanecer na unidade intermediária (médio risco), passa a
desenvolver tarefas de maternagem que outrora eram exclusivas da
equipe de enfermagem. A partir do momento em que a enfermagem divide
com a mãe os cuidados, há também cobrança para ela executar os
cuidados, ou seja, ela é, informalmente, um agente da equipe. A mãe
Adália ao pedir para o auxiliar (7) trocar a filha Melissa esta lhe
responde: "você troca mãe!" Traz o algodão e água morna e entrega
para a mãe. (Observação, 25-08-00)
A mãe Ana chama o auxiliar (1) para trocar a fralda do filho Gabriel,
o auxiliar responde para ela trocar, a mãe balança a cabeça e diz que
vai tentar. (Observação, 17-07-00)
O trabalho no cuidado intermediário é dividido em tarefas, sendo as menos
complexas delegadas às mães quando presentes na unidade, cujo trabalho
complementar é cobrado pela enfermagem. Acreditamos que a inserção materna no
cuidado deveria ser gradual, desde o alto risco e intensificando no médio risco
até a alta hospitalar. Num primeiro momento a mãe conheceria e interagiria com
o filho e aos poucos iria executando alguns cuidados em parceria com a equipe,
durante esse processo ela estaria sujeita à orientação, à supervisão e à
trocas.
A ida do bebê para o cuidado intermediário reaproxima ainda mais a família,
pois com a melhora do estado de saúde do filho, os pais se relacionam melhor
com a criança, tornando-se mais seguros e o contato deixa de ser tão restrito.
Nesse sentido cabe aqui a afirmação da autora(10) de que os pais também
necessitam de serem cuidados para reelaborarem o momento vivido e assim se
estruturarem para atender às necessidades do bebê.
Observamos que se por um lado, a presença da mãe na unidade é benéfica para o
bebê, por outro lado, a sua ausência levava os profissionais de saúde a
cobrarem sua presença até de forma ostensiva. Essa cobrança se dá mais no
cuidado intermediário quando se permite a maior inserção materna na
assistência.
Adolfo tem três meses de internação e sua mãe Angelina não vem vê-lo
todos os dias. Estamos no horário de visitas quando ela chega o
auxiliar (1) vai encontrá-la dizendo: "Oh pensei que não vinha
mais!". (Observação, 24-08-00)
Gabriel tem hoje 37 dias de vida, quando sua mãe chega na unidade, os
internos e os auxiliares cobram sua ausência e ela responde que não
tinha com quem deixar o outro gêmeo, por isso não veio. (Observação,
02-08-00)
Pelos relatos apreendemos que a presença da mãe na unidade, muitas vezes, é
percebida pela equipe como uma obrigatoriedade. Ao invés de ser uma forma de
beneficiar a criança e sua família, torna-se uma imposição da equipe, mais como
uma tarefa a ser cumprida pela mãe. A participação materna na assistência ao
prematuro não pode ser tratada como se fosse uma norma inflexível; a presença
dos pais nessa situação de obrigação e controle deixa de ser uma atividade que
dá prazer, podendo conduzir a um maior distanciamento dos pais.
Ao discutir a presença da mãe na UTIN, a autora(5) afirma que a equipe de saúde
não considera e desvaloriza a vulnerabilidade emocional dos pais, exigindo
deles demonstração de afeto, amor, cuidado, sem levar em consideração o que
eles sentem, pensam e vivem junto ao RN.
A participação da família no cuidado ao RN na UTIN ainda é uma estratégia muito
recente. Em nossa realidade, poucos são os hospitais que fazem uso dessa
tecnologia, que ainda não foi incorporada como filosofia dos serviços, gerando
com isso dificuldades no cotidiano da assistência. Pesquisas(8,11) realizadas
em UTINs públicas que permitem a participação da mãe no cuidado, mostraram que
na relação da equipe com a família há uma ambivalência, pois ao mesmo tempo que
os profissionais reconhecem a participação das mães no cuidado ao filho como
indispensável, em alguns momentos a presença materna dificulta o
desenvolvimento das atividades da equipe.
No estudo(11) realizado com a equipe de enfermagem de uma UTIN de um hospital
escola, os profissionais, mesmo valorizando e estimulando a participação das
mães no cuidado ao filho, demonstravam preocupação de que elas poderiam
tumultuar o trabalho, principalmente quando permaneciam na unidade por um longo
período ou quando estavam presentes durante a realização de procedimentos
invasivos.
Ao nosso ver a equipe, principalmente a enfermagem, ainda não tem muito claro o
papel da família dentro da unidade: Angelina fez o filho Adolfo dormir e está
sentada perto do balcão de cuidados.
O auxiliar (1) fala para ela: "mãe me ajude a dobrar fraldas, pois
cuidei de seu filho e agora é sua vez". A mãe balança a cabeça e
inicia a dobrar as fraldas. (Observação, 24-08-00).
O relato demonstra claramente a visão distorcida que o profissional tem acerca
da finalidade da mãe na unidade, mão-de-obra que ajuda a equipe de enfermagem.
Com a entrada da mãe na unidade, alguns agentes da equipe consideram que esta
tem obrigação de fazer os cuidados da criança, uma vez que o hospital fez o
"favor" de deixá-la ficar. Ao permanecer no hospital, está implícito nas normas
que a família deve realizar alguns cuidados com a criança. Esse sentimento é
tão grande que o fato da mãe se afastar do seu filho, algumas vezes é entendido
como uma fuga às suas obrigações.
Na organização do trabalho na UTIN estudada, a mãe cumpre regras que vão desde
o ritual da entrada (lavar as mãos e pôr o avental) até a execução do cuidado
ao seu filho. Ela tem que permanecer ao lado da criança, executar as tarefas
que lhes são delegadas, como fazer ordenha e suprir as necessidades lácteas do
filho, executar medidas que proporcionem conforto ao prematuro como dar banho,
trocar fraldas, mudar de decúbito e atender às necessidades afetivas do bebê.
Nessa organização não há espaço para a cooperação e parceria. A equipe de
enfermagem, ao invés de ver a mãe como uma aliada ao seu trabalho, uma
colaboradora na divisão de tarefas, cobra da mesma a execução de determinados
cuidados com o bebê.
A visão de cooperação e parceria na assistência à criança hospitalizada ainda
está sendo construída. Entende-se que compartilhar saberes, poderes e espaço,
não é uma tarefa simples e depende não só de um discurso, mas da mudança de
valores e atitudes tanto dos pais como da equipe(12). Desta forma, a parceria é
vista como uma relação gradativa e que só é possível ocorrer a partir do
momento que os profissionais aceitarem os conhecimentos trazidos pelas
famílias, respeitando suas experiências e habilidades, ouvindo e dialogando com
a família(13).
Percebemos ainda que, para muitos profissionais, a família representa um agente
controlador ou fiscalizador de seu trabalho, alguém que atrapalha e tumultua o
ambiente. Dessa forma, mesmo reconhecendo a importância dos pais ao lado do
prematuro, esses profissionais resistem à sua entrada na UTIN, valendo-se de
argumentos como falta de espaço físico e infra-estrutura para acomodar esse
novo agente.
Como já bem discutido na literatura, o nascimento e a internação de um filho
prematuro alteram a dinâmica familiar e desencadeiam uma série de dificuldades
para os familiares na tentativa de conciliar as visitas e a permanência no
hospital à vida profissional e doméstica. Durante a nossa presença na UTIN, foi
possível observar que as famílias têm dificuldades para estar diariamente com o
filho no hospital, algumas vezes por não ter com quem deixar outros filhos,
outras vezes por dificuldades financeiras.
O baixo nível socioeconômico das famílias dificulta a ida ao hospital, pois a
grande maioria depende do transporte coletivo para chegar até o hospital.
Quando os pais possuem dificuldades financeiras para visitar e estar com o
filho, eles são encaminhados ao Serviço Social que providencia passagem para o
transporte urbano, mas nem sempre isso é possível já que este é um hospital
público e também depende do repasse de recursos. Mas essa é uma questão social
que extrapola o âmbito do hospital, por mais que este ofereça algum suporte
formal, a mãe precisa contar com uma rede de apoio informal que lhe permita
estar junto ao filho.
Nesse caso, é importante que a equipe desde o início da internação, conheça as
reais condições e necessidades de cada família, suas condições socioeconômicas
e de saúde, se tem outro filho pequeno para cuidar que a impeça de vir
diariamente até ao hospital, se tem condições de arcar com as despesas do
transporte para visitar o filho e suas fontes de apoio.
Como a mãe não está efetivamente inserida no cuidado do filho hospitalizado na
UTIN estudada, faz-se necessário que ela seja preparada para cuidar do filho
após a alta no domicílio, já que nem todas as mães executam os cuidados
maternais. Esse preparo ocorre de forma individualizada e depende do interesse
demonstrado pela mãe em aprender a cuidar do filho. Por ocasião da proximidade
da alta, a mãe é preparada para dar o banho de imersão e em algumas situações
especiais, dieta por sonda ou gastrostomia e medicações, dentre outros
cuidados:
Agnes chega às 7horas para iniciar seu treinamento para a alta do
Guilherme José, prevista para o final da semana. Depois de tudo
preparado a mãe dá o banho e é acompanhada pelo auxiliar (10).
(Observação, 12-09-00)
Observamos também, que mesmo que seja dada à mãe a oportunidade de aprender a
cuidar do filho antes da alta, esta enfrenta algumas dificuldades em
participar, pois o processo de trabalho não está organizado de forma a
contemplar a família no cuidado; as rotinas são rígidas e a mãe tem
dificuldades em se adequar a elas. Essa situação fica bem evidente no caso do
banho. Como já relatado anteriormente, o banho é a primeira atividade do dia a
ser realizada pela equipe de enfermagem, ocorrendo logo após a passagem do
plantão e tendo por finalidade preparar o bebê para o exame médico. Na maioria
das vezes, a mãe não realiza o procedimento porque quando ela chega na unidade,
ele já foi feito. No entanto, no caso das mães inseguras no cuidado como as
adolescentes, a equipe de enfermagem abre uma exceção e aguarda a mãe para
fazer a técnica.
Alguns autores(6,14) afirmam que as mães que desenvolvem os cuidados básicos
com o prematuro durante a hospitalização e participam da tomada de decisão
(empoyment) no tratamento do filho, estarão mais seguras de sua habilidade em
cuidar do bebê no domicílio. Para tal, a equipe deve procurar conciliar e
adequar as rotinas para que os pais possam participar dos cuidados e ser
parceiros na tomada de decisão.
A parceria é considerada elemento fundamental para a capacitação e
potencialização familiar para o cuidado. Nesse sentido, a equipe deve
considerar os familiares como pessoas capazes de cuidar de seus filhos
hospitalizados, além de compartilhar conhecimentos e práticas, de modo a
potencializar a capacidade da família(15).
Durante o trabalho de campo, foi possível observar que a inserção da mãe no
cuidado do prematuro só se dá a partir do momento que o bebê tem seu quadro
clínico estabilizado e já se encontra no cuidado intermediário/médio risco.
Cabe também destacar que essa inserção é gradativa e que basicamente a mãe
executa cuidados como troca de fraldas, higiene e alimentação, atividades mais
simples do processo de trabalho. Inicialmente, quando o prematuro está no alto
risco, a maioria das mães apenas permanece ao lado da criança, estabelecendo o
vínculo mãe-filho.
Como se pode ver a participação da família, no cuidado do bebê na unidade,
ainda não é uma política institucional e apesar de alguns profis-sionais
estarem sensibilizados para essa necessidade, a família ainda não participa da
tomada de decisões. A inserção materna na assistência é gradual, sendo quase
inexpressiva no cuidado intensivo e ampliando-se no médio risco, executando
algumas tarefas manuais da divisão do trabalho.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Na UTIN estudada, a família não está inserida no processo de trabalho, apesar
de alguns profissionais perceberem essa necessidade, não se têm criado espaços
e estratégias para sua participação mais efetiva no cuidado ao prematuro. Isso
ocorre porque a equipe não tem uma filosofia que contemple a inserção da
família no cuidado. Nesse sentido, percebemos algumas ações se destinam a
ampliar o objeto de intervenção, mas em geral, o que se vê são discursos de
autoritarismo, uma assimetria na comunicação, colocando a mãe como mera
executora de uma ordem, isso porque a equipe não está instrumentalizada com
outros saberes e técnicas para dar suporte à dimensão psicossocial do cuidado.
Na perspectiva do cuidado progressivo, a participação materna na assistência
aparece mais em determinados momentos. Na internação na unidade de alto risco,
cuja demanda maior é de RNs com o risco de morte eminente, o cuidado materno
não é prioridade, a mãe é mais expectadora do que participante, quando muito
ela interage com o filho. À medida que as condições clínicas se estabilizam e o
bebê é transferido para o cuidado intermediário/médio risco, o uso de
tecnologias complexas se reduz, abre-se espaço para a ampliação do objeto de
intervenção, mas a grande maioria das ações permanece centrada no biológico, no
crescimento do prematuro. Apesar disso já há algumas intervenções que envolvem
a família e a mãe passa a executar cuidados maternais junto ao filho. As
relações da família com a equipe também se modificam quando o bebê está no
cuidado intermediário, em especial da enfermagem que se responsabiliza pelo
treinamento materno.
Em que pese a presença materna no cotidiano da internação do filho prematuro e
o discurso da humanização, observamos contradições no processo de trabalho.
Nesse sentido, a mãe e a família do prematuro são pouco acolhidas e não existe
relação de parceria entre equipe e família, ela não participa da tomada de
decisões e não há intervenções ampliadas da equipe com vistas a torná-la
sujeito autônomo para promover a saúde e qualidade de vida de seu filho. No
geral, o cuidado materno é visto como uma obrigação e o relacionamento com a
família é impessoal, normativo e autoritário.