Estratégias apontadas pelos docentes para o desenvolvimento das competências
nos diferentes níveis de formação superior em enfermagem
PESQUISA
Estratégias apontadas pelos docentes para o desenvolvimento das competências
nos diferentes níveis de formação superior em enfermagem
Strategies for competence development in different levels of nursing education
according to teacher's indication
Estratégias apuntadas por los docentes para lo desarollo de competencias de los
diferentes niveles de formación superior en enfermería
Edvane Birelo Lopes De DomenicoI; Cilene Aparecida Costardi IdeII
IProfessora Doutora da Universidade Paulista (UNIP) dos Cursos de Graduação e
Pós-Graduação e Especialização em Enfermagem em Oncologia
IIProfessora Titular da Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo,
Departamento de Enfermagem Médico-cirúrgica, ENC
Endereço
1. INTRODUÇÃO
Historicamente, as escolas de Enfermagem, num movimento de apropriação e
desenvolvimento dos saberes peculiares, passaram a transmiti-los em escala
ampliada para a formação dos futuros enfermeiros, com uma constituição
curricular inscrita na "ordem da fragmentação do eixo de formação, no ensino
centrado no modelo médico, na dicotomização de conceitos, especialização
precoce, entre outros", na análise de Magalhães(1).
As necessidades de mudanças desse modelo foram discutidas com a Reforma
Curricular proposta em 1994. Nessa ocasião, os avanços foram: a mobilização dos
profissionais para o estabelecimento dos parâmetros para a formação; o
reconhecimento dos sujeitos: criança, adolescente, adulto e mulher e dos
processos de cuidar e administrar; e a proposição de um perfil crítico,
reflexivo, competente e transformador(1).
Uma nova possibilidade de reestruturação curricular veio com a publicação da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), em 1996. Nesta lei há
dispositivos inovadores que buscam flexibilizar o ensino e qualificar suas
estruturas, incluindo a criação de Comissões de Especialistas da SESu,
instituídas pelo Ministério da Educação e Cultura (MEC) com o intuito de
substituir os currículos mínimos da formação universitária(1).
Entretanto, as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Graduação em
Enfermagem(2), ainda trazem características de inespecificidade na formação
generalista do Bacharel em Enfermagem. Nestes documentos, as competências
gerais a serem adquiridas como: atenção à saúde, tomada de decisões,
comunicação, liderança, administração e gerenciamento, estão somadas às
competências e habilidades específicas que compreendem o desenvolvimento de
competências técnico-científicas, ético-políticas, sócio-educativas capazes de
atender às necessidades sociais da saúde, assegurar a integralidade da atenção,
a qualidade e humanização do atendimento do indivíduo, da família e dos
diferentes grupos da comunidade.
Para Ide e Chaves(3) "...é dessa diversidade de ações que as demais profissões
se utilizam e se aprimoram. Nesse interjogo de atuações, relações de poder se
estabelecem e se desenvolvem, buscando esquemas de sustentação que têm, na
Enfermagem, um mediador ainda pouco preparado para o enfrentamento e para o
realinhamento, objetivando em novos hábitos de sentir, de pensar e de agir".
Vivenciar cotidianamente esta inespecificidade, principalmente demarcada pela
ausência de atividades oriundas da própria capacidade analítica e pelo excesso
das atividades impostas vem contribuído para delinear um profissional que,
impotente, angustiado, culpado e temeroso, encontra o sofrimento na prática,
mas ainda sonha com a possibilidade de satisfação futura, de uma possível
transformação na organização e nas condições de trabalho(4).
A continuidade dos estudos está entre as alternativas buscadas pelos
enfermeiros, ingressando nos cursos de especialização, Lato Sensu, nas mais
diferentes especialidades, como também nos cursos Stricto Sensu(Mestrado e
Doutorado).
Apesar das finalidades específicas de cada nível de formação, estudos já
demonstram que, em comum, os profissionais de enfermagem trazem a satisfação
pessoal com a aquisição de novos conhecimentos, as expectativas da busca pelo
reconhecimento nos âmbitos de trabalho e, mais recentemente, a necessidade de
aprimorar-se na interface de uma sociedade cada vez mais competitiva, como
razões para o retorno à universidade(5-8).
Em se tratando da responsabilidade de participar da construção da profissão e
de atender as expectativas dos profissionais, as instituições de ensino possuem
o compromisso de procurar apoio em teorias que alicerçam as etapas do
desenvolvimento intelectual do ser humano, considerando suas características
inatas e aquelas provenientes das suas relações sociais.
O interesse pelo tema nasceu da necessidade de delineamento de uma proposição
de ensino favorável ao desenvolvimento de sistemas de conceitos aptos a
assimilarem e acomodarem informações gradativamente complexas e relacionáveis,
capazes de gerarem soluções de problemas de forma independente e
contextualizada, na intenção de alinhar interesses e desenvolver a profissão.
2. OBJETIVO
- Identificar os investimentos didático-pedagógicos que são empregados para o
desenvolvimento das competências nos alunos dos diferentes níveis de titulação
superior.
3. MÉTODO
O estudo é de natureza qualitativa por compreender uma metodologia de pesquisa
que possibilita a incorporação do significado e da intencionalidade como
inerentes aos atos, às relações e às estruturas sociais(9).
3.1 Local
O local de escolha foi a Escola de Enfermagem da Universidade de São Paulo,
após a devida autorização institucional (Comitê de Ética em Pesquisa/EEUSP,
Processo nº207/2001).
3.2 Sujeitos
O grupo foi constituído por 22 docentes de uma instituição pública de ensino
superior do Estado de São Paulo, que aceitaram participar após os devidos
esclarecimentos. Os critérios de inclusão para os sujeitos foram: ter o
doutorado como titulação mínima; estar lecionando para os diferentes níveis
acadêmicos de formação na Enfermagem; exercer essas atividades, no mínimo, há
dois anos.
3.3 Coleta e Análise dos Dados
Os dados obtidos com os sujeitos foram coletados por meio de entrevista semi-
estruturada, contendo duas partes para cada grupo investigado. Os dados obtidos
por meio das entrevistas semi-estruturadas, foram analisados segundo a proposta
de análise de conteúdo de Bardin(10). Nas palavras de Bardin(10), a análise de
conteúdo pode ser definida como "um conjunto de técnicas de análise de
comunicação visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de
descrição dos conteúdos das mensagens, indicadores (quantitativos ou não) que
permitam a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção/
reprodução destas mensagens".
4. APRESENTAÇÃO DOS RESULTADOS E ANÁLISE DOS DADOS
Os docentes foram questionados sobre como fazem para os alunos desenvolverem as
competências que cada nível de titulação da Enfermagem requer. As respostas
obtidas apresentaram diferentes estratégias de acordo com o nível a ser
formado. A categorização realizada respeitou esta distinção e os resultados
podem ser visualizados na Figura 1.
As categorias analíticas resultantes do questionamento de como se ensina as
competências revelaram, para a formação do graduado, a preocupação em associar
a teoria à prática, como referendado na opção pelo método de casos, pela busca
de situações que favoreçam essa integração, pelas tentativas de substituição do
método enciclopédico, e pela aproximação com os profissionais do campo.
Quadro_1
Como princípios, os docentes informaram procurar partir das experiências dos
alunos e não permitirem ações descontextualizadas e mecanicistas, investindo no
desenvolvimento da tomada de decisão e da prática da investigação.
Alguns docentes também citaram a preocupação com o desenvolvi-mento da auto-
confiança do aluno para a prática do relacionamento interpessoal. Cabe lembrar
que o grupo dos graduados apontou, dentre as dificuldades para o exercício das
competências, a qualidade das relações e o nível de domínio que eles possuem
delas.
Para a formação do especialista, os docentes mantêm preocupações semelhantes à
formação do graduado, ou seja, aproximação da teoria com a prática, agora,
centrada na especialidade, e a valorização dos conhecimentos trazidos pelos
alunos.
Também houve menção à preocupação em rever os conteúdos atitudinais dos alunos.
Retomando as descrições já apresentadas neste trabalho, o termo "conteúdos
atitudinais" engloba uma série de conteúdos como os valores, atitudes e normas
(11). Os valores são, conceitualmente, princípios ou idéias éticas que permitem
às pessoas emitir um juízo sobre as condutas e seu sentido. As atitudes são
tendências ou predisposições relativamente estáveis das pessoas para atuar de
certa forma, com particularidade. As normas, por sua vez, são padrões ou regras
de comportamento que são seguidos pelas pessoas em determinadas situações,
guiados pelos valores compartilhados por uma coletividade(11).
A ênfase no discurso do preparo do especialista com relação à atitude
profissional pode estar vinculada à defesa e conformação de um grupo que busca
as características de autoridade e também de territorialidade sobre o tema de
domínio. De acordo com os dados apontados anteriormente, os docentes também
consideram a possibilidade de retomar as competências da graduação, durante a
formação do especialista, para reverem as construções de competências nascidas
na generalidade.
Na formação de mestresedoutores os docentes também optam por considerar a
experiência discente e investir na integração teoria e prática, privilegiando a
aquisição de conhecimentos para a produção de pesquisa e para a participação
crítica e reflexiva sobre os temas relativos à profissão.
Ampliando a análise para o conjunto das respostas, os docentes não verbalizaram
uma linha pedagógica formalizada pela Instituição de Ensino Superior e isto
significa dizer que, em cada departamento da escola, pôde-se encontrar
referências a diferentes metodologias/ estratégias de ensino, ou mesmo relatos
trazendo os conteúdos que a disciplina ensina, e não a opção pedagógica/
didática para o ensino.
Essa realidade, certamente, não se aplica apenas a essa escola. Tomando-se por
base a fragilidade da formação de mestres para o exercício da docência pontuada
no presente trabalho, pôde-se inferir as poucas construções teóricas a respeito
do processo ensino-aprendizagem que os docentes, mesmo sendo mestres, possuem.
Sendo um processo complexo que envolve várias ciências como a Pedagogia,
Psicologia, Neurologia, torna-se muito difícil para um grupo de profissionais
não-docentes discernir entre teorias e metodologias de ensino. Considerando
esta situação, caberia aos enfermeiros buscar a capacitação necessária para o
exercício da docência, apropriando-se das suas construções teóricas e das
habilidades metodológicas para exercê-la.
Convém resgatar em trabalhos anteriores que, na verdade, o ensino da Enfermagem
traz um "caráter performático, expressando um descompasso presente nos
contextos da prática e da formação comum a toda a categoria, corroborando o
sentido de distanciamento da Enfermagem perante os novos conceitos de
profissionalização"(1) .
O desenvolvimento de competências não se dá em relações didáticas que
contradizem ou negam as vontades e potencialidades dos alunos. Ao insistir em
adotar modelos pouco flexíveis, o ensino apesar de transmitir o valor de um
cuidar científico e sistematizado, torna o aluno impotente para assumir tal
projeto, aderindo à perspectiva polivalente da prática ou assumindo o lado da
abnegação(12,13).
Formar o aluno com competências, literalmente significa fazê-lo integrar vários
saberes, habilidades, "atitudes e posturas mentais, curiosidade, paixão, busca
de significado, desejo de tecer laços, relação com o tempo, maneira de unir
intuição e razão, cautela e audácia, que nascem tanto da formação como da
experiência"(14).
Não há transferência ou integração de conhecimentos quando essa mobilização não
ocorreu por meio de um treinamento, situação intencional que favorece a tomada
de decisão a partir do reconhecimento e da análise e, para tal, há a
necessidade de um acompanhamento pedagógico e didático para que ocorra a
integração dos conhecimentos em competências(14).
O processo de mobilização de conhecimentos e união para uma ação dotada de
conteúdos ético e moral, pertinentes ao sistema coletivo requer investimentos
didáticos e estratégias de avaliação que não bloqueiem a progressão do aluno e,
nesse sentido, são construtivistas em sua base conceitual.
A aprendizagem, segundo os princípios construtivistas, está intimamente
entrelaçada com o desenvolvimento humano, uma vez que o aprender depende da
capacidade de elaborar uma representação pessoal sobre o objeto da realidade ou
de um conteúdo(15).
Mesmo não sendo o Construtivismo a referência formalizada na EEUSP para a ação
docente, pôde-se encontrar nos relatos dos docentes para todos os níveis de
formação, unidades de registro que se relacionam com alguns princípios que
sustentam a prática construtivista. As correlações das unidades de registro
traduzem-se nos itens abaixo descritos:
- O conhecimento é construído mediante um processo de elaboração pessoal(16);
- Essa construção interativa depende, sobretudo, de dois aspectos, a saber: da
representação inicial que tenhamos da nova informação e da atividade, externa
ou interna, que desenvolvamos a respeito, que se realize a partir dos esquemas
pregressos, isto é, com o que já construído na sua relação com o meio(17);
- A intervenção pedagógica é concebida como uma ajuda adaptada ao processo de
construção do aluno; uma intervenção que vai criando Zonas de Desenvolvimento
Proximal e que ajuda os alunos a percorre-las(11);
- A Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP) descrita por Vigotsky, pode ser
definida como o espaço no qual, com a interação e a ajuda de outros, uma pessoa
pode resolver um problema ou realizar uma tarefa, porém de uma maneira ainda
não completamente independente(11);
- A vivência prática ou o exemplo seriam "pontes entre um conceito abstrato de
compreensão nem sempre imediata e os referenciais cognitivos presumidos de
qualquer aluno"(18).
Retomando os conceitos de competências, cabe refletir sobre a competência como
a "(...) capacidade de produzir hipóteses, até mesmo saberes locais que, se já
não estão `constituídos', são `constituíveis' a partir dos recursos dos
sujeitos"(19). Nessa perspectiva, quando as competências são trabalhadas está
se formando novas e ampliando as já existentes, e este processo é maior do que
o de adquirir conhecimentos, havendo a necessidade do profissional exercitar a
capacidade reflexiva que dispõe.
Todo órgão formador que aposta na proletarização de um ofício, no sentido de
mantê-la atrelada a uma prestação de serviço, retarda a sua profissionalização
e, sendo assim, a mantém, por definição, na condição de um trabalho
prescritivo. A postura e a capacidade reflexiva, entretanto, permitem a
construção de saberes, o remanejamento constante pelo afastamento do
planejamento inicial; a descentralização dos procedi-mentos rotineiros,
prontos; a apreciação de um erro; o desenvolvimento da capacidade de preparar o
profissional para lidar com imprevistos; entre outras possibilidades(19).
Alguns docentes, ao sugerirem esses princípios, sinalizaram uma possibilidade
de uniformização da prática pedagógica na Instituição que ao contaminar todos
os níveis de formação poderia, inclusive, servir como modelo para os alunos que
buscam no Mestrado e no Doutorado, a possibilidade de promoverem um ensino
ressignificado na intenciona-lidade de formação do profissional da Enfermagem,
para que o discurso faça, realmente, sentido na prática.
5. CONCLUSÃO
Em síntese, esses resultados expressam matrizes de conceitos e projetos de ação
que trazem, em si mesmos, e ao mesmo tempo, tanto a noção de limite, quanto os
dispositivos para a mudança no sentido de uma prática competente, diferenciada
por gradientes de complexidade ascendente, considerando os diferentes níveis de
formação superior em Enfermagem.
O interdito da prática já emerge como um universo decodificado e que, mesmo
mantendo seu teor alienado, já manifesta espaços mobilizadores.