Sentimento de invasão do espaço territorial e pessoal do paciente
PESQUISA1. INTRODUÇÃO
O homem só consegue adquirir consciência e agir no seu desenvolvimento
psíquico, quando outras pessoas significativas já tiverem exercido um papel
decisivo sobre ele. A pessoa, por mais autônoma que seja, é um ser de
comunidade(1). Numa situação de internação hospitalar, o indivíduo se distancia
do seu convívio familiar, passando a viver, mesmo que temporariamente, num
ambiente com normas, rotinas e pessoas estranhas.
A internação hospitalar pode desencadear no indivíduo sentimentos negativos
como incapacidade, dependência, insegurança e perda do controle sobre si mesmo
e sobre o ambiente, pois a hora de acordar, a hora das refeições e o horário do
banho, muitas vezes, são preestabelecidos, assim como a ocupação do leito ao
lado, que é determinada pelas normas da instituição(1,2).
Uma maneira de reduzir esses sentimentos perante a internação hospitalar
envolve uma comunicação eficaz entre paciente e equipe de saúde pois, por meio
dela, compartilham-se idéias, sentimentos e atitudes. O cuidado de enfermagem é
permeado pela relação interpessoal estabelecida entre o enfermeiro e o
paciente. A comunicação identifica-se com o processo de interação, portanto,
para que o paciente consiga integrar-se ao novo ambiente, é necessário
comunicar-se e relacionar-se com outros dentro dos limites do seu espaço físico
(2-4).
A rotina hospitalar envolve situações em que o paciente, constantemente, tem o
seu espaço pessoal e territorial invadidos, quer seja pela equipe de saúde,
funcionários ou por outros pacientes. A invasão desses espaços fere a dignidade
do indivíduo(2) e gera um sentimento de ansiedade que, muitas vezes, não é
percebido pela equipe de enfermagem, pois as ações de cuidado já se tornaram
rotineiras(5).
Invasão é uma atividade, contato ou entrada não solicitada. O espaço pessoal
compreende uma área que se estende por uma distância de aproximadamente 1,20 m
do corpo da pessoa e o espaço territorial, uma área do quarto que pertence, por
direito, ao paciente(6).
O espaço pessoal faz parte do indivíduo e onde quer que ele vá, esse espaço
move-se junto com ele. É um espaço com limites invisíveis ao redor do próprio
corpo que o indivíduo mantém em relação aos outros(6).
O conceito de espaço territorial varia muito, porque depende do tamanho do
quarto e da quantidade de leitos existentes em uma determinada enfermaria
(7).Para a autora, este espaço é freqüentemente desrespeitado, inclusive por
membros da equipe de saúde, talvez porque essas pessoas não conheçam as
necessidades territoriais dos pacientes. No âmbito hospitalar, o espaço físico
é pré-determinado e composto pela cama, cadeira e mesa de cabeceira do
paciente.
Para realizar a assistência ao paciente, a equipe de saúde necessita invadir o
espaço pessoal e territorial do mesmo(7). Entretanto, é fundamental enfatizar a
importância do enfermeiro conhecer e identificar os sentimentos negativos
expressos pelos pacientes, frente à invasão do seu espaço pessoal e
territorial, de modo a minimizar esses sentimentos e propiciar uma melhor
adaptação do paciente durante o período de internação hospitalar.
O primeiro estudo preocupado em identificar as situações de invasão do espaço
pessoal e territorial que resultam em ansiedade para o indivíduo hospitalizado,
verificou que os pacientes sentem-se mais ansiosos quando ocorre a invasão do
seu espaço territorial quando comparado às situações de invasão do seu espaço
pessoal(6).
Em um estudo abordando a reação do paciente diante da intrusão no seu espaço
pessoal, durante o banho no leito, constatou-se que este procedimento foi
relatado pelo paciente como uma situação desagradável, principalmente quando
realizado por profissional do sexo oposto; eventual substituição do
profissional e entrada de pessoas durante o procedimento(8).
Estudos recentes sobre invasão do espaço territorial e pessoal revelaram que os
pacientes se importam mais com a invasão do espaço territorial do que com a
invasão do espaço pessoal(9,10).
Diante dos estudos acima, verifica-se a importância do papel do enfermeiro em
conhecer os sentimentos dos pacientes no que se refere à invasão do espaço
pessoal e territorial com vistas a favorecer uma melhor comunicação entre
equipe e paciente, além de auxiliar o enfermeiro no planejamento da
distribuição de espaços de modo a atender essas necessidades.
2. OBJETIVOS
O presente estudo teve como objetivos: a) identificar os sentimentos negativos
do paciente frente à invasão do seu espaço pessoal e territorial e b) verificar
se existem diferenças no sentimento desses pacientes com relação as variáveis
como: sexo, idade, escolaridade, tempo de hospitalização e experiência prévia
de internação.
3. METODOLOGIA
Local do estudo
O estudo foi realizado nas Unidades de Emergência Clínica e Cirúrgica de um
Hospital de Ensino do interior do Estado de São Paulo. Nessas unidades são
atendidos pacientes provenientes do Pronto-Socorro e Centro Cirúrgico, vítimas
de algum tipo de trauma, que requerem atendimentos de urgência.
Amostra
A amostra constituiu-se de pacientes internados nessas unidades, escolhidos de
forma não intencional desde que atendessem aos critérios de inclusão como
estarem conscientes e orientados, possuírem um período de internação igual ou
superior a três dias; idade igual ou superior a 18 anos; com capacidade de
compreender a finalidade do instrumento e concordarem em participar do estudo.
Instrumento de coleta de dados
Para a coleta de dados, utilizou-se a Escala de Medida do Sentimento frente à
Invasão do Espaço Territorial e Pessoal (EMS-FIETEP), adaptada e validada para
a cultura brasileira por Sawada(9,10). Este instrumento tem como objetivo
identificar os sentimentos negativos do paciente perante a invasão do seu
espaço territorial e pessoal. É composto por 33 situações divididas em duas
subescalas: espaço territorial (19 itens) e espaço pessoal (14 itens),
analisadas através de uma escala de medida do tipo Likert. Possui alta
consistência interna demonstrada pelo alpha de Cronbach de 0,83 para sub-escala
de invasão do espaço territorial e 0,79 para a de invasão de espaço pessoal.
Para o presente estudo adotou-se a escala de medida do tipo Analógica Visual,
com dois extremos: totalmente agradável (zero) para totalmente desagradável
(dez centímetros), por considerar a sua facilidade de compreensão pelos
sujeitos do estudo no momento em que foram solicitados a marcar um traço ao
longo da linha que melhor correspondesse ao seu sentimento. Com este tipo de
medida, foi possível comparar os resultados com outros estudos, pois se
respeitou os princípios da escala do tipo Likert, ou seja, quanto maior a
pontuação, maior o sentimento de invasão.
Procedimento de coleta de dados
Inicialmente, obteve-se a aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa da
Instituição (Processo 294/2002).
Para identificar os pacientes que atendiam aos critérios de inclusão utilizou-
se o censo diário e outras informações obtidas com o enfermeiro da unidade.
Aqueles pacientes que atenderam aos critérios de inclusão e concordaram em
participar do estudo foram solicitados a assinar o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido. O instrumento foi aplicado por meio de uma entrevista em que os
pacientes puderam optar por preencher o instrumento ou fazê-lo com auxílio do
pesquisador.
Tratamento e análise dos dados
Para análise estatística dos dados utilizou-se o programa computacional "the
SAS System for Windows" (Statistical Analysis System), versão 8.02.
Para descrever o perfil da amostra, segundo as diversas variáveis em estudo,
foram feitas tabelas de freqüência das variáveis categóricas como sexo, nível
de escolaridade e tipo de unidade e estatísticas descritivas como o cálculo da
média, desvio-padrão e mediana das variáveis contínuas como idade, tempo de
hospitalização e experiência prévia de internação.
Para comparar os escores das subescalas do espaço territorial e pessoal entre
as classes de variáveis categóricas com duas categorias utilizou-se o teste de
Mann-Whitney, ou, quando necessário (três ou mais categorias), o teste de
Kruskal Wallis.
Para verificar a existência de correlação (associação linear) entre as
variáveis contínuas utilizou-se o coeficiente de Correlação de Spearman. Este
coeficiente assume valores de -1 a +1, quanto mais próximo de zero menos
correlacionadas são as variáveis, e quanto mais próximo de 1 ou -1, mais
correlacionadas são as variáveis.
Para análise da consistência do instrumento, foi calculado o coeficiente alfa
de Cronbach, cujos valores acima de 0,70 indicam alta consistência interna(11).
Este coeficiente é utilizado para verificar a homogeneidade ou acurácia dos
itens do instrumento, ou seja, a concordância intra-individual.
O nível de significância adotado para os testes estatísticos foi de 5%, ou
seja, p<0,05.
4. RESULTADOS
Caracterização da amostra
Participaram do estudo 40 pacientes, sendo 35% do sexo feminino e 65% do sexo
masculino, cujas idades variaram entre 20 e 66 anos com uma média de 37,9 e DP
de 10,7. Com relação ao nível de escolaridade, a maioria possuía o ensino
fundamental incompleto. O tempo médio de hospitalização foi de 6 dias e 54% dos
pacientes relataram experiência prévia de internação. Em relação às unidades de
internação, 72,5% dos pacientes localizavam-se na unidade de Cirurgia do Trauma
e 27,5% na unidade de Emergência Clínica. Esses dados estão apresentados na
Tabela_1.
No que se refere aos sentimentos negativos frente à invasão do espaço
territorial e pessoal do paciente, os dados mostraram que para a subescala de
sentimento de invasão do espaço territorial, os pacientes relataram nove
situações e para a subescala de sentimento de invasão do espaço pessoal foram
destacadas duas situações com médias acima de seis pontos. Esses dados estão
demonstrados nas Tabelas_2 e 3.
A análise da confiabilidade resultou em alta consistência interna para ambas
subescalas de sentimento de invasão do espaço territorial (a = 0,88) e pessoal
(a = 0,85).
Os dados também possibilitaram identificar que não houve diferenças
estatisticamente significantes no julgamento dos pacientes frente ao sentimento
de invasão do espaço territorial e pessoal e as variáveis sociodemográficas.
4. DISCUSSÃO
Na amostra do estudo houve um predomínio de pacientes do sexo masculino, com
média de idade de 37,9 anos, baixo nível de escolaridade, sendo a maioria com
experiência prévia de internação.
Dentre as nove situações de invasão do espaço territorial com maiores médias
têm-se: sem pedir a sua permissão, o pessoal de enfermagem mexe em seus
pertences pessoais na sua gaveta; o pessoal de enfermagem deixa a porta e as
janelas do seu quarto abertas e o vento bate no seu corpo e no período de seu
descanso, o pessoal de enfermagem conversa alto no corredor.
Por outro lado, os pacientes relataram apenas duas situações com médias acima
de seis pontos, relacionadas ao sentimento de invasão do seu espaço pessoal: o
pessoal de enfermagem troca a sua roupa sem colocar biomboe o pessoal de
enfermagem realiza um procedimento técnico de enfermagem, numa região mais
íntima, sem colocar o biombo, indicando que essas situações também desencadeiam
sentimento de invasão nos pacientes. O uso de biombos durante a troca de
roupas, constitui-se em um elemento essencial de respeito à privacidade do
paciente(12).
Esses achados corroboram com os estudos previamente realizados(6,9) quando
enfatizam que os pacientes se sentem mais invadidos no seu espaço territorial
quando comparado ao sentimento de invasão do seu espaço pessoal. Uma das
justificativas é que ao ser admitido num serviço de saúde, o paciente prevê que
o seu espaço pessoal será invadido por meio de ações que envolvem a prestação
do seu cuidado.
Embora tenham sido identificadas apenas duas situações com médias acima de seis
pontos, os pacientes identificaram outras situações de invasão do espaço
pessoal com médias entre 4,5 a 6 pontos (Tabela_3) que também resultam em
sentimentos negativos para o paciente, como: sentir a respiração de um
profissional contra a sua face enquanto o mesmo o acomoda na sua cama. Outra
situação também pode ser exemplificada pela realização de um procedimento
técnico de enfermagem numa área mais íntima do seu corpo.
A enfermagem toca o corpo e expõe o paciente, muitas vezes, sem pedir
autorização, adotando uma postura de poder. O paciente, por sua vez, demonstra
constrangimento e vergonha, porém pouco questiona esse tipo de invasão, pois
acredita ser necessária à sua recuperação(2).
A hospitalização para o paciente é um estado de ruptura com a essência singular
do sujeito, em que a imposição e a coerção estão presentes desde a opção pela
internação, até o momento da alta. Constitui-se num momento peculiar e
transitório, um mal necessário que permitirá o retorno do seu estado de saúde a
um estágio que possibilite a volta à sua vida cotidiana(13). Na busca desse
objetivo, ele se submete a todo tipo de sofrimento e, por isso, pode julgar que
as situações classificadas como sendo de invasão do seu espaço pessoal sejam
necessárias para o alcance desse objetivo.
É interessante destacar que, independente do sexo, idade, escolaridade, tempo
de hospitalização, experiência prévia de internação e enfermaria, os pacientes
se sentem invadidos no seu espaço territorial e pessoal.
Destaca-se a importância da realização de novos estudos que envolvam grupos e
unidades de internação com características diferentes, para avaliar os
sentimentos dos pacientes diante da invasão do seu espaço territorial e
pessoal.
Numa situação de internação hospitalar, o profissional de saúde deve adotar
medidas de respeito à privacidade do paciente, demonstrada pelo tratamento
confidencial de informações médicas e pessoais; oferecimento de um cuidado
digno durante o tratamento e respeito ao direito do paciente controlar seu
espaço territorial e pessoal(14).
5. CONCLUSÃO
O estudo permitiu concluir que os pacientes relataram sentimento de invasão
tanto no especo territorial como no pessoal, independente das variáveis como
sexo, idade, escolaridade, tempo de hospitalização e experiência prévia de
internação.
As situações relacionadas ao sentimento de invasão do espaço territorial foram
as que mais se destacaram em termos de freqüência, sugerindo que os pacientes
ao serem admitidos num serviço de saúde, prevêem que o seu espaço pessoal será
invadido por meio de ações que envolvem a prestação do seu cuidado.
Ressalta-se o papel do enfermeiro em ampliar seus conhecimentos no que se
refere aos direitos dos pacientes e às situações de invasão do espaço pessoal e
territorial do paciente que desencadeiam sentimentos negativos para adequar da
melhor forma a distribuição dos espaços nas unidades de internação, a fim de
minimizar esses sentimentos, contribuindo para uma internação menos
angustiante.