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BrBRCVHe0034-71672010000100013

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variedadeBr
ano2010
fonteScielo

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Vulnerabilidade à Doenças Sexualmente Transmissíveis/AIDS e uso de drogas psicoativas por caminhoneiros

INTRODUÇÃO A produção científica relativa ao trabalho dos motoristas de caminhão no Brasil é escassa. No exterior, os dados da literatura consultada apontam importantes problemas em relação a esta atividade profissional.

O trabalho desenvolvido por motoristas de rotas longas envolve uma série de riscos a saúde; o trabalho é solitário, sendo percorridas longas distâncias, em viagens com duração, às vezes de vários dias; passando um grande período longe de casa, fator que, muitas vezes, predispõe o motorista a práticas sexuais eventuais. Além disso, a necessidade de perderem noites de sono por pressão de prazos para a entrega da carga, geralmente leva esses trabalhadores ao consumo de substâncias psicoativas, sendo bastante comum nesse meio o uso de "rebite" (cafeína, anfetaminas e álcool).

Os problemas decorrentes das condições de trabalho e do estilo de vida que afetam a saúde destes trabalhadores são importantes em termos de saúde do trabalhador, tendo como referência à promoção à saúde.

Este trabalho buscou dar continuidade a outro estudo desenvolvido anteriormente com motoristas de caminhão em geral de diferentes tipos de rotas (longas, curtas e longas e curtas também conhecido como rotas mistas), no entreposto hortifrutigranjeiro de Campinas - CEASA, a partir de dados levantados no mesmo, que abrangiam perfil, estilo de vida, saúde e condições de trabalho entre caminhoneiros, foi percebido que seria relevante a realização de um novo estudo, especifico com motoristas de rotas longas, pois os mesmos vêm se mostrando bastante vulneráveis a diversas condições que põe em risco a saúde, como uso de drogas e DST/AIDS.

Estudos realizados na Ásia, África e Brasil mostram que motoristas de caminhão apresentam problemas relacionados ás condições de saúde, trabalho e estilo de vida, além de grande vulnerabilidade a práticas de risco, pelo uso de drogas e por apresentarem parceiras sexuais eventuais, sem uso do preservativo.

Em estudo com 279 caminhoneiros que possuíam vínculo de trabalho na cidade de Santos, 81% eram casados, 64% tinham menos que 40 anos; 36,9% tinham o ensino fundamental incompleto e 34,8%, completo. Quanto às práticas sexuais, 93% dos motoristas declararam ter parceira fixa, 30% tinham parceira freqüente e 33% casual(1). Um importante problema apontado por estes autores é o uso de álcool, por 84% da população estudada; maconha, por 33% e 'rebite'- mistura de cafeína, álcool e anfetaminas por 17%, além de outras drogas em menor escala: cocaína, 12%(1).

A coordenação nacional de DST/AIDS do Ministério da Saúde realizou em 2000 um estudo com caminhoneiros de todo Brasil, com o objetivo de subsidiar estratégias de prevenção de DST/AIDS, além de levantar características sociodemográficas entre os mesmos: 99,6% dos motoristas eram do sexo masculino, com idade média de 37,3 anos; 30% dos entrevistados não faziam uso de preservativo em relações sexuais com parceiros eventuais(2).

Pesquisas desenvolvidas com caminhoneiros demonstraram que os mesmos apresentam idéias simples e ingênuas sobre DST e AIDS, a maioria dos entrevistados adquiriiu DST e muitos referiram não fazer uso de preservativo e concluíram que é necessário o desenvolvimento de programas de educação e intervenções voltadas a prevenção de DST/AIDS em ação conjunta e participativa com os caminhoneiros (3).

Estudos realizados no Brasil têm demonstrado a vulnerabilidade dos caminhoneiros em relação à AIDS, dessa forma diversas estratégias de intervenção com a finalidade de envolver estes trabalhadores em processos educativos sobre os riscos de contaminação pelo HIV vem sendo realizadas.

Em estudo realizado junto a Faculdade de Enfermagem de Passos, MG, foi desenvolvido o "projeto caminhoneiro" com o objetivo de envolver os trabalhadores na distribuição e elaboração de material informativo e educativo sobre AIDS(4).

Na Ásia, África e Brasil estudos mostram que motoristas de caminhão de rota longa apresentam grande vulnerabilidade as práticas de risco, pelo uso de drogas e por terem diversas parceiras sexuais eventuais.

Pesquisadores indianos estudaram 670 motoristas de caminhão de rota longa, identificaram que os mesmos estavam altamente predispostos a adquirirem infecções sexualmente transmissíveis. A prevalência de HIV na população estudada foi de 15,2%; 21,9% de sífilis; 5,1% de hepatite B e 6,7% de gonorréia (5).

Foi detectado em estudo realizado na Tailândia com caminhoneiros de rota longa, que 40% dos mesmos faziam uso do preservativo, porém sem consciência de sua importância e tanto os motoristas casados como os solteiros referiam ter relações sexuais com parceiras eventuais(6).

Em estudo realizado na Uganda com 69 caminhoneiros e 12 profissionais do sexo foram estabelecidas medidas de prevenção de DST e AIDS com encaminhamentos de caminhoneiros e mulheres profissionais do sexo a serviços de consulta e testes de HIV além de informações sobre DST e AIDS e a importância do uso de preservativo nas relações sexuais casuais(7).

Estudos mostram que motoristas de caminhão de longas rotas têm contribuído para expansão da infecção por HIV no sul da África(8).

Foi detectado em estudo realizado na África do Sul com caminhoneiros que 66% dos mesmos tinham uma DST, 37% sempre paravam para relações sexuais eventuais ao longo da rota e 29% dos mesmos nunca usavam preservativo nas relações casuais(8).

O uso de substâncias psicoativas entre motoristas de caminhão é uma pratica comum empregada para se manterem em estado de alerta.

Foram estudados 3398 acidentes de trânsito em três estados australianos, 2609 desses acidentes envolviam motoristas de carro, 650 motociclistas e 139 caminhoneiros. O álcool foi detectado em 29,1% de todos os casos havendo grande prevalência entre os motoristas de caminhão(8,6%). Em 10% desses acidentes estavam presentes o uso de álcool e drogas, sendo 26,7% dos casos, uso apenas de drogas. Os estimulantes tiveram uma larga prevalência em caminhoneiros (23%) (10).

Diversos autores têm estudado o sono de trabalhadores de diferentes setores(11- 13).

O trabalho em turno pode levar a consideráveis efeitos na saúde do trabalhador, com um rápido desgaste individual, devido aos distúrbios provocados nos ritmos biológicos; geralmente é de difícil adaptação, além de afetar a vida social e o convívio familiar(14).

Um estudo realizado propôs medidas de intervenção que visavam minimizar as dificuldades dos trabalhadores quanto á saúde e ao bem-estar psicossocial.

Estas medidas incluíam mudanças nos esquemas temporais de trabalho e intervenções que permitiam aos trabalhadores lidar com esquema de trabalho ou reduzir suas conseqüências, e incluíam redução dos turnos fixos. A permissão para dormir durante o turno de trabalho é uma medida que ajuda a reduzir a fadiga e o débito de sono, promoção de atividades de lazer e esporte durante o dia; técnicas de relaxamento e uma dieta leve, realização periódica de exames médicos, que são uma população em risco(15).

Um estudo com trabalhadores da indústria, profissionais da saúde e caminhoneiros detectou que apesar de realizarem diferentes tarefas os resultados das avaliações do sono e alerta dos mesmos foram semelhantes, ou seja, os trabalhadores após turnos noturnos apresentam um sono mais curto do que após outros turnos(16).

Foram detectados distinções entre o padrão de sono de 37 motoristas, em que 24 dos motoristas trabalhavam em horários irregulares e 13 em turnos fixos. Os trabalhadores de horários irregulares apresentavam em maior parte um sono fragmentado, ou seja, mais que um episódio de sono ao longo das 24 horas, enquanto os trabalhadores de turnos fixos apresentavam um único episódio de sono nas 24 horas com duração maior em relação aos episódios de sono apresentada pelos trabalhadores de horários irregulares(12).

Alguns aspectos culturais, próprios do gênero masculino, tornam os homens mais vulneráveis às práticas de risco para as DST/AIDS, tais como: sentir-se forte, imune a doenças; ser impetuoso, correr riscos; ser incapaz de recusar uma mulher; considerar que o homem tem mais necessidade de sexo do que a mulher e de que esse desejo é incontrolável. A infidelidade masculina é considerada natural; a feminina é atribuída a deficiências do parceiro. Um estudo realizado com motoristas de ônibus de São Paulo mostra que os entrevistados não se consideram vulneráveis ao HIV nem a doenças sexualmente transmissíveis (DST) e confundem suas formas de transmissão. Os autores concluem a importância de conhecer e intervir sobre as concepções de masculinidade, não porque elas podem contribuir para aumento da vulnerabilidade ao HIV, mas também porque podem apontar caminhos mais efetivos para a prevenção. A idéia de que ser homem é ser um bom provedor para a família e ter responsabilidade pode constituir um aspecto que favoreça a prevenção, que pode levá-los a usar camisinha como contraceptivo e para não trazer doenças para casa(17).

OBJETIVOS - Identificar o perfil dos caminhoneiros de rota longa quanto à idade, estado civil, escolaridade, ocupação, números de filhos, Índice de Massa Corpórea - IMC, alimentação, atividade física, lazer e morbidade referida; - Identificar o conhecimento dos caminhoneiros de rota longa sobre os meios de prevenção das DST/AIDS e o uso de preservativo nas práticas sexuais eventuais; - Avaliar o uso de substâncias psicoativas quanto à frequência, tempo de uso e possíveis sintomas apresentados pelos caminhoneiros em decorrência de seu uso.

MÉTODOS Estudo epidemiológico transversal descritivo, desenvolvido mediante aplicação de questionário a 50 motoristas de caminhão de longas rotas que transportavam cargas para o entreposto hortifrutigranjeiro de Campinas (CEASA).

A aplicação dos questionários foi realizada no ambulatório médico e por meio de visitas aos locais de trabalho, nos mercados livres, mercado de flores, galpões permanentes, locais onde ocorre a comercialização de produtos, em geral os caminhões se encontram parados para carga e descarga de produtos e demais locais de concentração de caminhoneiros, como restaurantes, bancas, telefone, bancos, entre outros locais dentro do entreposto hortifrutigranjeiro de Campinas.

A partir do contato face a face, fazia-se uma breve apresentação do trabalho e o convite para a participação na pesquisa, houve oito recusas e duas perdas. 50 dos motoristas contatados responderam por completo o questionário aplicado.

Todos os participantes da pesquisa assinaram o termo de consentimento livre e esclarecido e o projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas.

Para a execução da pesquisa foi utilizado o questionário sobre estilo de vida, condições de trabalho e aspectos de saúde desenvolvido em 1996, e atualizado em 2003 e utilizado em outras pesquisas(18-19). Foram avaliados aspectos sociodemográficos, de trabalho, saúde e estilo de vida entre os caminhoneiros de longas rotas.

RESULTADOS Na avaliação dos dados sociodemográficos, todos os motoristas entrevistados eram do sexo masculino, com menos de 40 anos (66%); 72% dos entrevistados eram casados e 88% tinham filhos e baixa escolaridade (Tabela_1).

Metade dos motoristas, por ser de rota longa, tinha uma jornada de trabalho diária igual ou superior a 20 horas; 26% de 8 a 11,9 horas e 24% entre 12 e 19,9 horas.

Em relação aos aspectos de saúde e estilo de vida foi observado que uma porcentagem importante dos motoristas era tabagista (38%); ingeria bebidas alcoólicas (74%) e referia não praticar atividades físicas (88%), o que é preocupante, pois 68% dos cardioentrevistados tinham IMC acima de 25 kg/m2 e 36% apresentavam circunferência abdominal acima de 100 cm (Tabela_2).

Em relação às praticas sexuais dos caminhoneiros de longas rotas, 94% dos entrevistados referiram parceiras eventuais. A maioria mostrou-se consciente da importância do uso do preservativo nas relações sexuais eventuais, entretanto, 6% dos motoristas referiram nunca fazer uso do mesmo nas relações casuais, e 84% dos motoristas não encontraram dificuldades no uso do preservativo (Tabela 3).

Em relação ao uso de medicamentos, a maioria dos entrevistados (70%) fazia uso de drogas psicoativas para se manter acordado, devido à necessidade de percorrerem longas distâncias e sofrerem pressão do tempo para a entrega de mercadorias, 63% dos motoristas ingeriam até cinco comprimidos de anfetamina por viagem e usavam a droga mais de 10 anos; 20% dos que usavam a droga relataram apresentar diversos efeitos como: taquicardia, anorexia, tremores, sudorese, nervosismo e até alucinações (Tabela_4).

DISCUSSÃO Esse estudo pretendeu traçar o perfil e a vulnerabilidade às práticas de risco como uso de drogas e relações sexuais com parceiras eventuais entre motoristas de caminhão de rotas longas e, embora representado por amostra composta por 50 sujeitos, os resultados poderão contribuir para o estabelecimento de intervenções que visem a prevenção de doenças e promoção da saúde específicas para esses profissionais.

De maneira geral, o estudo revelou baixos níveis de escolaridade na amostra estudada, 68% não concluíram o ensino fundamental, e dificilmente voltarão aos estudos, pois, o trabalho lhes ocupava grande parte do tempo e, além disso, a maioria dos motoristas era casada e tinha filhos. Essa baixa escolaridade é preocupante, pois, é proporcional ao nível de conhecimentos sobre prevenção de DST/AIDS(1). É necessário que sejam implementadas intervenções, através de estratégias educativas para a promoção da saúde e prevenção de doenças entre os caminhoneiros. A educação em saúde pode ser uma forma de intervenção eficaz, é uma prática social, um processo que contribui para a formação e desenvolvimento da consciência crítica das pessoas, a respeito do seu problema de saúde e estimula a busca de soluções e a organização para a saúde coletiva.

A maioria dos sujeitos estudados (70%) fazia uso de “rebite” (mistura de álcool, cafeína, anfetaminas) dos mesmos 60% faziam uso mais de cinco anos. O uso dessas drogas é uma prática comum entre os caminhoneiros, para se manterem em estado de alerta e suportarem as noites de sono perdidas, por pressão de prazos para a entrega de mercadorias.

Segundo o CEBRID, Centro Brasileiro de Informações sobre Drogas Psicotrópicas, essas drogas levam á inúmeros efeitos no organismo como: inapetência, insônia, midríase, agressividade, taquicardia, intoxicações e morte.

Entre os entrevistados que utilizam a droga 20% referiram sentir alguns desses efeitos após o uso.

Estudos mostraram a ocorrência de morte de motorista de caminhão, devido ao uso crônico de metanfetamina(9). Em uma população estudada de motoristas de caminhão envolvidos em acidentes de trânsito, na Austrália, houve prevalência do uso de álcool (74%) e estimulantes(10).

Foram observadas extensas jornadas de trabalho entre os motoristas e 74% apresentavam jornada superior a 12 horas; 50% dos mesmos relataram que chegavam a dirigir mais que 20 horas por dia, o que acabava levando à fadiga e a déficit de sono. Estudos mostraram a ocorrência de stress em dias de trabalho(20) e problemas relativos à jornada de trabalho extensas em motoristas de caminhão (13).

A maioria dos motoristas não praticavam atividades físicas (88%), o que é um fator preocupante visto que 68% apresentavam um IMC superior a 25 kg/m2 e 32% uma circunferência abdominal acima de 100 cm, fatores que predispõem a doenças cardioentrevistados vasculares. Um estudo com motoristas de caminhão, propôs algumas medidas que visavam o bem-estar do motorista, entre elas um programa de exercícios físicos(21).

CONCLUSÃO Embora os resultados obtidos nesse estudo tenham avaliado um número reduzido de caminhoneiros, o que traz limitações à generalização dos resultados, é possível que essa realidade seja encontrada entre outros motoristas de caminhão que estejam submetidos a semelhantes condições de trabalho, saúde e vida da amostra estudada.

Tendo em vista que os resultados analisados mostraram condições de vida e trabalho nem sempre favoráveis a saúde do caminhoneiro é necessário enfocar ações de saúde embasadas na atuação de equipe multidisciplinar. Sendo a enfermagem uma área de conhecimento de grande importância nesse processo, o enfermeiro pode trazer inúmeras contribuições à saúde do trabalhador pois tem habilidade de ação em equipe multidisciplinar e conhecimentos que constituem importantes ferramentas na discussão e embasamento de políticas de prevenção de doenças e promoção de saúde, enfatizando-se a importância do desenvolvimento de programas voltados à prevenção das DST/AIDS.


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