Sistema de informação para apoio à Sistematização da Assistência de Enfermagem
INTRODUÇÃO
A necessidade de capacitar os profissionais da Enfermagem para uma assistência
sistematizada, de qualidade, tem sido objeto de preocupação, tanto de
instituições formadoras quanto das entidades de classe. A Associação Brasileira
de Enfermagem (ABEn), por meio da Subcomissão de Sistematização da Prática de
Enfermagem (Portaria Nº 002/2008, ABEn Nacional, Gestão 2007/2010. Disponível
em: http://www.abennacional.org.br/images/conteudo/PORTARIA_002.pdf), participa
do esforço para a implantação da Sistematização da Assistência de Enfermagem
(SAE) nas instituições de saúde brasileiras. Parte-se do princípio que a SAE
contribui para organizar o cuidado, tornando possível a operacionalização do
Processo de Enfermagem e, dessa forma, dando visibilidade à contribuição da
Enfermagem no âmbito da atenção à saúde, em qualquer ambiente onde a prática
profissional ocorra, seja em instituições prestadoras de serviços de internação
hospitalar, ou em serviços ambulatoriais, escolas, associações comunitárias,
fábricas, domicílios, entre outros.
O Processo de Enfermagem requer conhecimento teórico, experiência prática e
habilidade intelectual; e indica um conjunto de ações executadas face ao
julgamento sobre as necessidades da pessoa, família ou coletividade humana, em
determinado momento do processo saúde e doença(1).
Nesse contexto, é preciso ter em conta que o cuidado profissional de Enfermagem
não é um fenômeno natural e, sim, resultante de um empreendimento humano, ou
seja, é um instrumental tecnológico desenvolvido ao longo da formação
profissional e aperfeiçoado em atividades de educação permanente, que resultem
numa prática reflexiva e crítica dos profissionais da Enfermagem.
O desenvolvimento e o aperfeiçoamento da competência para aplicação, de modo
planejado e dinâmico, de um processo assistencial, possibilita identificar,
compreender, descrever, explicar e predizer quais as necessidades da pessoa,
família ou coletividade humana, em determinado momento do processo saúde e
doença(1).
A SAE e o Processo de Enfermagem, regulamentados na Resolução COFEN nº 358/
2009, representam uma necessidade colocada cada vez mais frequentemente pelos
serviços de saúde. Assim, considerando a importância, pertinência e necessidade
de sua implantação nos diferentes ambientes em que os profissionais da
Enfermagem atuam é que se propôs a elaboração de um sistema de informação para
apoio à SAE.
A construção deste sistema de informação, como uma ferramenta para a
assistência, gestão e controle social no SUS, faz parte do plano de trabalho da
Subcomissão de Sistematização da Prática de Enfermagem, da ABEn Nacional,
Gestão 2007-2010. Sua concepção foi atribuída a um grupo de trabalho (Portaria
Nº 001/2009, ABEn Nacional, Gestão 2007/2010. Disponível em: http://
www.abennacional.org.br/images/conteudo/PORTARIA_001.pdf), responsável por
definir aspectos fundamentais para a elaboração da modelagem preliminar de um
software baseado nas etapas do Processo de Enfermagem, nas Necessidades Humanas
e utilizando a linguagem de diagnósticos, intervenções e resultados de
enfermagem para documentação da prática profissional.
O desenvolvimento deste sistema de informação resulta de uma parceria entre a
ABEn, por intermédio dos membros da Subcomissão de Sistematização da Prática de
Enfermagem, e a Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), Programa de
Pós-Graduação em Tecnologia em Saúde (PPGTS), envolvendo a participação de
docentes e graduandos do curso de Bacharelado em Sistemas de Informação.
Este artigo tem como objetivo descrever as etapas metodológicas e os resultados
do desenvolvimento do referido sistema de informação.
ETAPAS METODOLÓGICAS
Tratou-se do desenvolvimento de um instrumento tecnológico, cuja finalidade
seria a de apoiar a SAE, para cujo desenvolvimento foram utilizadas as etapas
descritas a seguir.
Levantamento de requisitos
Foram utilizadas várias técnicas para o levantamento de requisitos, dentre as
quais: contatos iniciais, workshop, observação no local e prototipação em
papel.
Os contatos iniciais tiveram como finalidade a identificação dos objetivos e
restrições do sistema a ser construído. Estes contatos envolveram enfermeiros
de unidades básicas de saúde; pesquisadoras e membros da Diretoria Nacional e
da Subcomissão de Sistematização da Prática de Enfermagem da ABEn, Gestão 2007/
2010, todas com experiência em Processo de Enfermagem e uso de sistemas de
classificação dos elementos da prática da Enfermagem. O objetivo foi o de obter
informações relevantes a respeito das necessidades dos usuários, de possíveis
problemas existentes com o processo de controle e registro do cuidado de
Enfermagem à clientela.
A observação visava facilitar o entendimento dos profissionais de sistemas de
informação (SI) e garantir que o sistema atenderia as necessidades reais dos
enfermeiros. Assim, os profissionais de SI participaram da rotina de trabalho
de enfermeiros, para observar os atendimentos realizados a usuários de uma
Unidade de Saúde da cidade de Curitiba-PR; como o trabalho de Enfermagem era
realizado e suas dificuldades. A partir desta vivência, foram visualizados
quais requisitos eram importantes; como se utilizava o sistema de informação
existente na Unidade de Saúde; que dados eram armazenados e que relatórios eram
emitidos; que dados e relatórios eram considerados relevantes ou
desnecessários; e que dados, apesar de relevantes, não estavam incluídos.
Também foram observadas as dificuldades de usabilidade do sistema implantado,
que contribuíam para certa insatisfação dos profissionais de Enfermagem.
Os workshops envolveram enfermeiras integrantes do grupo de trabalho instituído
pela ABEn e outras enfermeiras, de diferentes estados do Brasil, com interesse
na SAE e no Processo de Enfermagem, para delimitação de objetivos,
funcionalidades e usabilidade do sistema.
Para esboçar a interface do sistema, foram desenhados, previamente ao
desenvolvimento, protótipos em papel, de sorte a possibilitar uma discussão da
usabilidade do sistema. A prototipação em papel é uma maneira fácil e rápida de
criar esboços.
Modelagem do sistema
O sistema foi modelado utilizando a Unified Modeling Language (UML)(2) com o
objetivo de especificar, documentar e visualizar o sistema como um todo. A
modelagem foi totalmente baseada nas necessidades de informações básicas dos
profissionais de Enfermagem que acompanharam este processo. Foram desenvolvidos
os seguintes artefatos: diagrama e especificação de casos de uso, diagrama de
classes e diagramas de sequência.
Mapeamento objeto-relacional
Como, para a construção do sistema, foi utilizado um Sistema Gerenciador de
Banco de Dados (SGBD) relacional, houve necessidade de um mapeamento objeto
relacional(3), para facilitar o acesso aos dados e possibilitar várias
abordagens em seu tratamento.
Implementação do sistema
O sistema foi implementado em linguagem de programação Java com arquitetura
cliente-servidor. Isso permite que suas funcionali-dades estejam acessíveis em
um navegador de páginas de internet, a partir de um servidor de aplicação na
internet e/ou intranet corporativa. Para garantir o tempo de disponibilidade e
segurança dos dados, o bem mais precioso gerenciado por este sistema, todo o
acesso a eles foi implementado para que possa operar até mesmo com múltiplos
servidores de bancos de dados redundantes e geograficamente distribuídos,
usando-se a implementação do EJB3 (Enterprise Java Beans) no servidor de
aplicação JBoss e do JPA (Java Persistence API) do Hibernate.
Foi utilizado o SGBD MySQL 5(4) por ser robusto e confiável, além de ser
gratuito, mas nada impede que o SGBD seja substituído por qualquer outro,
facilmente, se houver suporte para implementação do Hibernate, o responsável
por executar as operações de persistência no banco de dados.
Para obter uma boa usabilidade do sistema e desenvolvimento aliado aos melhores
padrões de projeto do mercado, utilizou-se o framework Apache Wicket (http://
wicket.apache.org). Para o usuário, o Wicket oferece uma interface rica e
poderosa; para o desenvolvedor aumento de produtividade com uma ferramenta de
fácil aprendizado e inúmeros recursos - reduzindo o custo sobre o tempo de
programação; e do ponto de vista do sistema, o Wicket é capaz de torná-lo
robusto, extensível com novas funcionalidades, seguro e compatível com alguns
dos melhores recursos de acesso a banco de dados, contudo sem perder em
desempenho para outros frameworks disponíveis no mercado.
Também foram criadas folhas de estilos Cascading Style Sheet (CSS)(5) para
padronizar layouts e controlar cores, margens, linhas, alturas, larguras e
posicionamento de imagens.
Validação do sistema
Em cada etapa do desenvolvimento, o sistema foi sendo validado pelos
profissionais envolvidos no processo de levantamento de requisitos. Um
protótipo das telas foi apresentado no 15º Seminário Nacional de Pesquisa em
Enfermagem, realizado no Rio de Janeiro-RJ, 2009, tendo havido sugestões de
participantes, as quais foram consideradas em modificações no sistema. O
sistema ainda terá que ser homologado pelos profissionais de Enfermagem
envolvidos no processo.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Levantamento de requisitos
Optou-se pela construção de uma versão preliminar do sistema com
funcionalidades básicas capazes de atender às diversas áreas de atenção e
realidades do Brasil para que, posteriormente, fosse sendo aperfeiçoado e
adaptado às realidades e necessidades locais.
O sistema tem como objetivo o apoio à Sistematização da Assistência de
Enfermagem no Sistema Único de Saúde; como escopo a coleta de dados,
diagnóstico de enfermagem, planejamento da assistência, implementação da
assistência e avaliação da assistência; e, como usuários do sistema,
Enfermeiros, Auxiliares de Enfermagem, Técnicos de Enfermagem, estudantes de
graduação e estudantes do nível médio.
O Quadro_1 apresenta uma lista dos requisitos básicos do sistema, sendo que
cada um deles foi descrito e detalhado pelo grupo de enfermeiras envolvidas no
levantamento de requisitos.
Modelagem do sistema
Foram desenvolvidos vários artefatos para permitir o entendimento do domínio de
aplicação, documentação e posterior manutenção do sistema. Dentre os diagramas,
serão apresentados os de casos de uso, de classes e um exemplo dos de
sequência.
Diagrama de Casos de Uso
Os diagramas de casos de uso (Figura_1) são considerados fundamentais na
modelagem de sistemas, pois identificam as interações necessárias, descobertas
durante o levantamento de requisitos. Nesse diagrama, os usuários,
equipamentos, banco de dados, ou mesmo outros sistemas que possam interagir com
o sistema a ser desenvolvido, são representados por atores (stickman); os casos
de uso (ações) são representados por elipses; e as interações entre os atores e
os casos de uso são representadas por uma linha contínua(6-7).
Diagrama de Classes
O diagrama de classes (Figura_2) representa as interações estáticas e as
classes envolvidas no sistema, permitindo também identificar as hierarquias das
classes, representadas por heranças e agregações. Este diagrama permite
visualizar os dados que serão armazenados e manipulados pelo sistema(6,7). Na
tentativa de melhorar a sua legibilidade, o diagrama está apresentado
parcialmente.
Diagrama de Sequência
Os diagramas de sequência são elaborados para acrescentar informações aos casos
de uso. Esse tipo de diagrama apresenta a dinâmica das operações e interações
entre os atores e objetos envolvidos com o sistema(7,8). O diagrama de
sequência (Figura_3) é composto por atores, objetos e mensagens, sendo os
objetos representados por retângulos sobre uma linha tracejada denominada linha
da vida, por representar a vida do objeto na interação do sistema. A mensagem é
representada por uma linha com uma seta na ponta, indicando a direção da
mensagem entre dois objetos. Este diagrama apresenta as interações para a
realização de uma consulta.
Interface do Sistema
O sistema foi desenvolvido levando em consideração a necessidade de rapidez no
acesso às informações, possibilidade de diagnósticos, intervenções e resultados
de enfermagem mais precisos e padronizados, relatórios e estatísticas
relevantes para obtenção de informações epidemiológicas e facilidade no uso. As
principais funcionalidades do sistema são explicadas a seguir, com a respectiva
interface.
Pesquisa pessoa
É uma pesquisa realizada para identificar se uma pessoa já realizou uma
consulta anteriormente. A pesquisa é realizada informando um dos seguintes
parâmetros: RG, CPF, nome (ou parte do nome) da pessoa, ou nome (ou parte do
nome) da mãe da pessoa. Por existir variações de grafia para o mesmo nome, a
pesquisa pode ser realizada utilizando a busca fonética conforme apresentado na
Figura_4.
Preferência da pesquisa
Caso a pessoa não esteja cadastrada no sistema, uma tela de preferência é
apresentada, questionando se o nome pesquisado deve ser utilizado para iniciar
uma nova investigação (Figura_5).
Identificação
Refere-se ao registro dos dados pessoais da pessoa (Figura 3). Os campos com
uma seta, como nome, sexo, nome da mãe e cor, são de preenchimento obrigatório,
todos os demais são opcionais. Esta é a primeira tela do sistema, cujas
funcionalidades estão organizadas em abas: Identificação, História, Dados
Gerais, Necessidades Humanas, Diagnóstico e Finalização (Figura_6).
História
Refere-se ao histórico clínico com a intenção de averiguar doenças
preexistentes, predisposições, alergias, restrições alimentares, procedimentos
realizados e medica-ções em uso. Para facilitar o preenchi-mento das
informações e evitar telas com muitos dados, a interface foi desenvolvida de
maneira a permitir a abertura e fechamento da tela sem sair da funcionalidade
História. Em cada fase da História é possível selecionar várias informações
como sendo relevantes, objetivando que estas informações fiquem em destaque nas
próximas consultas. O resultado desta seleção pode ser visualizado na
funcionalidade Sumário da Pessoa (Figura_7).
Dados Gerais
São os dados antropométricos e vitais da pessoa (Figura_8). Preenchendo o peso
e altura, o IMC (índice de massa corpórea) é calculado automaticamente;
preenchendo a pressão sistólica e diastólica, o sistema emite um alerta
indicando a avaliação (ótima, normal ou limítrofe) e o estágio da hipertensão
(1,2 e 3).
NHs (Necessidades Humanas)
As necessidades humanas são apresentadas em categorias (Figura_9). Conforme as
necessidades humanas são selecionadas, novas abas com o conteúdo dos dados
subjetivos e objetivos de cada necessidade humana são adicionadas à página.
Diagnóstico
O objetivo é auxiliar o enfermeiro a identificar o diagnóstico de enfermagem
mais adequado à situação. Esta funcionalidade indica possíveis intervenções
para os diagnósticos firmados (Figura_10).
Sumário da Pessoa
É apresentado um resumo de consultas anteriores e, caso haja uma avaliação de
resultado de enfermagem em aberto, um link destacado em vermelho será
apresentado na tela (Figura_11).
Resultado da intervenção
Para cada diagnóstico de enfermagem identificado por Necessidades Humanas deve
ser indicado um resultado esperado com a intervenção proposta. Este resultado
pode ser avaliado como "Alcançado" ou "Não alcançado" (Figura_12), após o que
se deve clicar no botão "Salvar" para que fique registrado. Com isso, o usuário
do sistema é redirecionado à página de Resumo da Pessoa, onde poderá ser
observado o último resultado de intervenção registrado e um link para iniciar
uma nova investigação, caso seja necessário (Figura_13).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O sistema de informação apresentado necessita de atualizações e de ser
submetido a teste na prática profissional. Neste momento, a principal
atualização é a inserção de listagens de diagnósticos/resultados e intervenções
de enfermagem preestabelecidos, bem como a inclusão de alguns itens para coleta
de dados.
Ressalta-se a importância da participação efetiva de profissionais da área de
Enfermagem na construção de um sistema de informação, em todas as etapas do seu
desenvolvimento. Isto torna este sistema mais aderente à prática destes
profissionais, assegurando maior usabilidade da ferramenta.
Para os profissionais que desenvolvem o sistema, a referida participação
aumenta a chance de se ter um produto de qualidade, com consequente satisfação
do usuário do sistema.
A ABEn, contribuindo para o esforço de implantação da SAE, disponibilizará este
sistema em sua página eletrônica para que os associados e as Escolas e Cursos a
ela vinculados utilizem esta ferramenta na formação e em atividade de educação
permanente.