Conhecimento do cuidador de crianças com hidrocefalia
INTRODUÇÃO
A hidrocefalia congênita e os quadros de malformações do sistema nervoso
central são as mais frequentes situações clínicas da neurocirurgia infantil(1).
A criança com hidrocefalia passa por diversos procedimentos que diferem da
rotina de uma criança saudável. Estes procedimentos acabam fazendo parte da
rotina de suas famílias(2).
O tratamento de eleição da hidrocefalia é cirúrgico e consiste em derivações
liquórica com interposição de válvulas unidirecionais para a drenagem do Líquor
Cefalo Raquidiano (LCR) do ventrículo lateral para o peritônio ou átrio
esquerdo do coração(3-9).
A criança com hidrocefalia necessita cuidados específicos, geralmente visam
instituir medidas de prevenção de complicações pós-operatórias, cuidados com a
pele para prevenção de úlceras por pressão na cabeça, manutenção da
hidratação e nutrição, bem como, aplicação de medidas de conforto(10-11).
O nível da gravidade das manifestações clínicas apresentados pela criança irá
determinar a intensidade de cuidados que deverão ser destinados a ela(10-15).
Alguns cuidados são específicos da equipe de enfermagem, outros, podem ser
realizados no domicílio pelo cuidador(11).
É comum presenciar familiares cuidando de suas crianças contando com seus
próprios conhecimentos e criatividade. A literatura afirma que essas famílias
cuidam baseadas em seus referenciais, crenças, costumes e recursos. Esses
referenciais são geralmente, adquiridos informalmente, baseados na cultura
popular, nem sempre compatíveis com a cultura de cuidado da equipe de saúde(11-
14).
Este estudo teve como objetivo identificar as fontes de informação de preparo
para assumir os cuidados e verificar o conhecimento dos cuidadores sobre
aspectos importantes da hidrocefalia.
MÉTODO
Tratou-se de um estudo descritivo-exploratório. A pesquisa foi desenvolvida com
54 cuidadores de crianças com hidrocefalia congênita atendidas no Ambulatório
de Neurocirurgia do Hospital Universitário da Universidade Federal de Sergipe
em Aracaju-Brasil. A amostra foi acidental, não probabilística.
A coleta de dados foi realizada no período de novembro de 2007 a agosto de
2008, utilizando-se a técnica de entrevista padronizada.
Neste estudo foi considerado como cuidador familiar principal, o cuidador
exclusivamente familiar, não remunerado, responsável pelo cuidado domiciliar, e
que permanece a maior parte do tempo com a criança.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética da Universidade Federal de Sergipe
com número de identificação CAAE-0126.0.107.000-07. Os cuidadores aceitaram
participar do estudo e assinaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
garantindo os aspectos éticos previstos na Portaria 196/96 do Conselho Nacional
de Saúde do Ministério da Saúde.
Para análise estatística foram utilizados os testes Qui-quadrado de Pearson e
Exato de Fisher com a ajuda do programa SPSS (Statistical Package for Social
Sciences) versão 15.0.
RESULTADOS
Cinquenta e quatro cuidadores foram entrevistados. A idade do cuidador variou
de 18 anos a 52 anos (média 27,3±7anos). O gênero dos cuidadores foi
predominantemente feminino N=54 (P<0,0001).
Em relação ao grau de parentesco houve predominância significativa de mães
(P<0,0001), sendo 53 (98,14%) mãe biológica e uma avó.
No que se refere ao grau de instrução 13 (24,1%) cursaram menos de quatro anos
de estudo, 23 (42,6%) cursaram entre quatro a oito anos e 18 (33,3%) cursaram
mais de oito anos de estudo.
Em relação ao preparo para ser cuidador, apenas 25 cuidadoras (46,3%) receberam
orientações sobre os cuidados com a criança. Dentre estas, a identificação das
fontes de informação de preparo para assumir os cuidados mostrou que 14
cuidadoras (56,0%) receberam orientação de médicos, sete (28%) receberam
orientação de leigos e quatro cuidadoras (16,0%) receberam orientações no
momento da alta hospitalar. Chama a atenção que 29 (53,7%) não receberam
informação e aprenderam a cuidar sozinhas.
Em relação aos conhecimentos dos cuidadores, observou-se que 25 (46,3%)
conhecem a definição de hidrocefalia. Verificou-se entre as 54 cuidadoras,
pouco conhecimento das causas da hidrocefalia N=11 (20,4%). A análise do
conhecimento sobre o tratamento mostrou que 34 (63,0%) sabem a finalidade da
realização da cirurgia.
Verificou-se uma proporção significativa (P<0,05) de maior conhecimento entre
cuidadoras com mais de oito anos de estudo (Tabela_1).
![](/img/revistas/reben/v63n5/14t01.jpg)
Registrou-se maior conhecimento entre aquelas que realizam cuidados de um a
quatro anos, no entanto não houve relação entre maior conhecimento e tempo de
realização dos cuidados (Tabela_2).
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DISCUSSÃO
A caracterização dos cuidadores deste estudo revelou a predominância do gênero
feminino, fato este registrado em outras fontes na literatura(13,16). Os
achados confirmam que há uma provisão feminina no cuidado da família, elas o
assumem baseadas em valores que foram passados de geração em geração.
A análise do grau de parentesco do cuidador demonstrou predominância
significativa de mães. Os resultados encontrados demonstram que a provisão do
cuidado está relacionada com o vínculo consanguíneo(16-18). Outros estudos
coincidem em afirmar que a própria mãe acredita que ninguém está à altura de
cuidar e proteger seu filho(16-19).
A média de idade do cuidador verificada em nosso estudo foi de 27,3±7 anos. A
literatura descreve que mulheres participam como cuidadores muito cedo em
virtude da prevalência da hidrocefalia em filhos de mães jovens(20-21).
No que se refere ao grau de instrução observou-se um bom índice de
alfabetização entre as entrevistadas, porém a escolaridade média localiza-se em
maior proporção entre cuidadoras que cursaram quatro a oito anos de estudo. Os
resultados encontrados por outros autores(19,22) também demonstram um padrão de
escolaridade mínima, semelhantes a esta casuística.
Outros estudos(23-24) observaram que o nível de escolaridade foi
significativamente associado com altos níveis de conhecimento. Porém, vale
ressaltar que estes estudos são na maioria das vezes realizados em grandes
centros urbanos brasileiros ou em países desenvolvidos. A baixa escolaridade
observada no estudo pode ser relacionada à escolaridade da população sergipana
em geral e à instituição local de pesquisa que atende as classes sociais menos
favorecidas usuárias do Sistema Único de Saúde (SUS).
Algumas pesquisas(25-27) teceram reflexões sobre a importância da atuação do
enfermeiro por meio de estratégias de educação em saúde aos cuidadores. Segundo
estes autores o enfermeiro, como educador deve oferecer subsídios aos
cuidadores. Ao potenciali-zarmos as famílias como cuidadoras, estas poderão
servir de multiplicadoras de conhecimentos em sua comunidade, ampliando o
alcance da atuação profissional na sociedade(14).
No que se refere ao preparo para assumir a posição de cuidador, verificou-se,
em relação à distribuição das fontes de informações de cuidadores, que apenas
46,3% receberam orientações. Os dados assemelham-se aos resultados encontrados
em outra publicação, onde apenas 31,6% dos cuidadores referiram ter sido
orientado(28).
Os achados desta pesquisa mostraram que 56,0% dos cuidadores receberam
orientação médica. Os achados corroboram outras pesquisas onde os autores
observaram que 43% a 50% dos pais de crianças com doença crônica tiveram como
principais orientadores médicos e enfermeiras(19,29).
Este estudo enfoca a necessidade do preparo do cuidador para a alta hospitalar,
chama-se a atenção que apenas 16% receberam orientações no momento da alta
hospitalar. Os dados aqui encontrados são semelhantes aos registrados por
outros autores(28-29), em suas casuísticas, os cuidadores também informaram que
foram orientados por médicos e poucos por enfermeiros, evidenciando que durante
a internação os enfermeiros têm atuado de maneira reduzida na orientação dos
familiares.
É fundamental que o enfermeiro utilize seus conhecimentos e habilidades
pedagógicas na orientação dos familiares estabelecendo uma relação de confiança
com a família para informá-la sobre a doença(25-27).
Outro estudo realizado no Brasil com pacientes neurocirúrgicos demonstrou que
no momento da alta os profissionais ofereceram às famílias uma grande
quantidade de informações visando capacitá-los para realizar o cuidado no
domicílio(30). O que não foi observado neste estudo. Os autores chamaram a
atenção que a alta de pacientes neurocirúrgicos deve ser planejada pela equipe
hospitalar e articulada com a unidade básica de saúde mais próxima da
residência do paciente.
Nossa casuística mostrou que 53,7% da amostra aprenderam a cuidar sozinhas.
Esta informação se confirma com outros estudos, alguns autores observaram que
sem orientação de como proceder com os cuidados e sem muito conhecimento sobre
a doença, o cuidador constrói na prática diária o seu conhecimento de forma
solitária(19,27).
A análise do conhecimento das cuidadoras verificou pouco conhecimento da
definição e causas da hidrocefalia. Verificou-se maior conhecimento entre as
que cursaram mais de oito anos de estudo. Uma investigação realizada na Turquia
com familiares de crianças com hidrocefalia mostrou resultados semelhantes, o
nível de instrução dos pais teve um efeito significativo para o conheci-mento a
respeito da definição e causas da hidrocefalia(29).
Uma revisão de literatura sobre o conhecimento dos pais identificou que o nível
educacional da mãe teve maior valor discriminante em relação ao conhecimento
(24). As pesquisas confirmam a importância da escolaridade materna como uma
variável relevante aos conhecimentos sobre desenvolvimento infantil ressaltando
a importância da escolaridade das mães como uma variável influente sobre a
cognição familiar(23-24).
O conhecimento superficial da definição e das causas da hidrocefalia, observado
nesta pesquisa, pode ser consequência da falta de orientação de profissionais
ou do uso de linguagem científica ao falarem com os familiares, dificultando a
assimilação do conteúdo das informações. Muitas vezes as orientações recebidas
pelos cuidadores denotam grande desinformação, o que para os autores demonstram
falta de compromisso dos profissionais com a continuidade do cuidado(26).
CONCLUSÕES
Este estudo verificou cuidadoras jovens, com pouca escolaridade e poucos
conhecimentos sobre definição e causas da hidrocefalia, prestando cuidados a
crianças com hidrocefalia, porém, apesar destas considerações e de pouca
orientação profissional, foi possível observar que existe entre as cuidadoras
um bom conhecimento sobre o tratamento da hidrocefalia. O conhecimento é maior
entre cuidadoras com maior escolaridade, independente do tempo de cuidado.
Os dados sugerem que o cuidador familiar da criança portadora de hidrocefalia
não foi objeto de cuidado do enfermeiro.