Eventos adversos relacionados a medicamentos: percepção de técnicos e
auxiliares de enfermagem
INTRODUÇÃO
Quando uma pessoa procura um serviço de Saúde, pressupõe-se que o profissional
esteja habilitado, capacitado, e qualificado para atendê-la com segurança nos
procedimentos que integram a assistência de enfermagem.
A segurança, frequentemente definida como estar livre de lesão psicológica e
física, é uma necessidade humana básica que deve ser satisfeita. O cuidado de
saúde, fornecido de maneira consciente, e um ambiente comunitário seguro são
essenciais para a sobrevivência e bem-estar do cliente e também contribuem para
a redução de atos não seguros dentro do sistema de assistência à saúde, assim
como para a utilização de boas práticas visando a alcançar ótimos resultados
para o paciente(1-2).
Os hospitais têm buscado aprimorar a qualidade da assistência como forma de
obter diferenciação no contexto da Saúde. Nesse sentido, algumas entidades
certificam as organizações hospitalares, de acordo com critérios estabelecidos
e metas a serem alcançadas.
A Joint Commission Internacional é uma organização que estabelece e avalia
padrões assistenciais voltados à segurança do paciente. Para os hospitais serem
credenciados nessa Organização, devem apresentar conformidade com metas, dentre
elas: identificar os pacientes corretamente, melhorar a efetividade da
comunicação entre profissionais da assistência e melhorar a segurança de
medicações de risco(3).
Durante a graduação em enfermagem, aprenderam-se inúmeros procedimentos
técnicos que são de competência do enfermeiro, do técnico e do auxiliar de
enfermagem. Dentre eles citam-se o preparo e a administração de medicamentos,
como sendo um processo que envolve várias etapas: prescrição médica,
dispensação, distribuição, preparo e administração propriamente dita.
Esse processo está associado a um índice elevado de eventos adversos nos
hospitais e tem sido foco de atenção dos gestores de enfermagem. Os eventos
adversos são definidos como lesão não intencional que resulta em alguma
incapacidade, disfunção transitória ou irreversível e/ou prolongamento do tempo
de permanência no hospital ou morte, como conseqüência do cuidado prestado(4).
Para uma administração segura de medicamentos o profissional da Área de
Enfermagem deve atender a seis acertos: medicamento correto, dose correta,
paciente correto, via correta, hora correta e documento correto(5).
Os erros na administração de medicamentos podem trazer danos e prejuízos
diversos ao paciente, desde o aumento de tempo de internação hospitalar,
necessidade de intervenções diagnósticas e terapêuticas e até conseqüências
irreversíveis como a morte(6).
Um dos problemas enfrentados, devido à ocorrência de erros de medicação, é a
ênfase dada à punição e não à educação, o que leva à subnotificação e facilita
a repetição do erro(7).
Os erros de medicação podem ser classificados em: erros de prescrição, de
omissão, de horário, administração de uma medicação não autorizada, dose
incorreta, apresentação, preparo, técnica de administração inadequadas,
medicamentos deteriorados, monitoramento ineficiente, erros em razão da
aderência do paciente e outros(8).
Em estudo realizado no ano de 2003, encontrou-se como primeira causa mais
frequente de erros de medicação a caligrafia ilegível do médico, de difícil
leitura e como a segunda causa a sobrecarga de trabalho do profissional de
enfermagem(8).
Muitos profissionais da Área da Saúde não comunicam ou notificam eventuais
erros por sentirem vergonha, por terem "idéia punitiva", por medo de sofrerem
sanções administrativas, punições verbais, escritas, demissões, processos
civis, legais e éticos(9).
Para evitar que erros aconteçam, as Instituições de Saúde têm se preocupado em
adotar uma política de segurança do paciente. Para tanto, é necessário que os
erros sejam relatados e notificados para que se conheça a causa do problema e
se possa intervir em caráter educativo, preventivo e não punitivo.
Assim, esse estudo teve como objetivo conhecer a percepção de técnicos e
auxiliares de enfermagem sobre eventos adversos relacionados a medicamentos.
MÉTODO
Tratou-se de um estudo de caráter qualitativo desenvolvido em uma unidade de
internação clínica e cirúrgica de um hospital universitário, situado na cidade
de Porto Alegre,RS, Brasil. A população pesquisada incluiu dez profissionais de
enfermagem, de formação técnica ou auxiliar, que prestavam assistência de
enfermagem no referido setor desse hospital. A amostra foi selecionada a partir
do número total de funcionários da Unidade, que trabalhavam nos turnos da
manhã, tarde, noite I e noite II e possuíam mais de um ano de trabalho na
Unidade em estudo e/ou Instituição. Do número total de funcionários (86),
somente 72 preenchiam os critérios de inclusão, e destes, apenas 10 técnicos e
auxiliares aceitaram participar do estudo. Para a ocasião da coleta dos dados,
as pesquisadoras foram até o campo de prática, apresentaram o propósito do
estudo ao enfermeiro, aos técnicos e auxiliares de enfermagem da referida
Unidade. A coleta dos dados foi realizada por meio de entrevista semi-
estruturada com cinco questões abertas, no período dos meses de março e abril
de 2009.
As entrevistas foram realizadas em local reservado na instituição e em horário
que melhor se adequou aos entrevistados, gravadas, transcritas e armazenadas em
um banco de dados. Cada participante recebeu um nome fictício para a
identificação das entrevistas (E1 a E10) e também para a preservação do
anonimato de sua identidade. Os dados coletados foram analisados, utilizando-se
a análise de conteúdo pelo método de Minayo(10), cuja temática desdobra-se nas
etapas: pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos
e interpretados. Os princípios éticos, a preservação da identidade, a
privacidade e confidencialidade das informações foram respeitadas, de acordo
com os pressupostos em relação à pesquisa com seres humanos, conforme resolução
196/96(11) e o estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da
instituição.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Com base na análise dos dados, identificaram-se três temáticas e seus
respectivos subtemas, que serão apresentados a seguir.
Etapas do preparo e da administração de medicamentosA literatura descreve que o
processo da medicação envolve várias etapas que vão desde a prescrição até a
administração do fármaco. A enfermagem atua na última etapa que é o preparo e a
administração de medicamentos. Neste momento deve-se atender aos seis acertos,
que englobam: medicamento correto, horário correto, dose correta, paciente
correto, via correta e documentação correta(5). Além disso, devem-se esclarecer
dúvidas, identificar o medicamento com nome do paciente, leito, nome do
medicamento, via de administração, gotejo e tempo de infusão, bem como
verificar a validade dos equipos e da medicação diluída(12).
Nessa temática emergiu uma sub-temática que será descrita a seguir.
Rotinas no preparo e administração de medicamentos
Embora a maioria dos entrevistados não tenha referido a conferência dos seis
acertos como etapa fundamental do preparo e administração dos medicamentos,
alguns não se esqueceram desse conceito, porém o aplicam de modo parcial, como
pode ser evidenciado nas falas a seguir:
[...] na hora de administrar tu dá uma olhadinha se é pra aquele
paciente.(E3)
[...] coloca o nome da medicação, a quantidade dela e a via a ser
administrada. [...] o cuidado com as vias certas, o paciente certo, é
isso aí?(E4)
[...] rótulo com nome e sobrenome, leito, assinatura, horário, tudo
certinho, em que foi diluído, coisas desse tipo.(E9)
[...] conforme a prescrição é diluída, é separada por horários,
rotulada com nome de paciente, leito, horário e via.(E8)
As medicações devem ser devidamente etiquetados com o nome do medicamento,
dose, data e hora em que foi preparado, velocidade de gotejo, duração da
infusão e a assinatura do profissional(5).
A rotina de preparo das medicações nas instituições de Saúde deveria, por via
de regra, seguir uma sistemática padrão, respeitando as recomendações
fornecidas pela indústria farmacêutica e também priorizando os seis acertos
descritos na literatura para o preparo e administração de medicamentos.
Entretanto, para uma administração segura do medicamento deve-se: manter cada
medicamento em seu recipiente e com o seu devido rótulo; protegê-lo da
exposição ao calor e luz conforme a particularidade de cada um; refrigerar, de
forma adequada, o fármaco, quando o mesmo exige; verificar o prazo de validade;
ler os rótulos cuidadosamente e seguir as instruções para o preparo,
notificando ao médico efeitos colaterais que o paciente possa apresentar(1).
Um entrevistado relatou como realiza o processo de preparo e administração de
medicamentos, conforme a fala que segue:
[...] A gente prepara o material, tudo na hora. Não podemos preparar
mais que 30 minutos antes de administrar. Levo tudo numa bandeja
[...]. Preparo a medicação no posto, deixo tudo arrumadinho na
bandeja, levo tudo, equipo, caixinha descarpack, para não precisar
voltar no posto. Os comprimidos eu não levo aberto e abro na frente
do paciente. [...] E medicações endovenosas eu já deixo tudo
preparadinho e só coloco lá, rotulado tudo, com nome, leito, conforme
manda a situação.(E7)
Percebe-se, nesta fala, que muitas medicações podem estar sendo preparados
trinta minutos antes do horário que deveriam ser administradas, expondo os
fármacos a fatores ambientais como calor, luminosidade, armazenamento
inadequado, podendo, assim, ocasionar a inativação ou redução da ação desejada.
Em contrapartida, outros entrevistados referiram que o preparo e administração
[...] "ocorre no posto, preparamos a medicação e administramos em
seguida, tudo rotulado (E5)", e que "[...] O preparo de medicamentos
é realizado no exato momento da administração da medicação, aqui na
instituição é norma, é regra. [...] violar o frasco somente no
momento da aplicação do medicamento no paciente".(E1)
Alguns entrevistados acrescentaram, em suas falas, a forma de diluição, o tempo
de permanência dos equipos e a permeabilidade do acesso, além de outros
cuidados importantes:
[...] Dependendo da medicação, tu dilui em soro glico ou fisio, aí tu
tem que ver a quantia do soro [...](E2)
[...] Na hora de dar a medicação, sempre conferi o equipo, se está
com a validade. Cuidar se o paciente está com flebite, se o acesso
está bom. Acho que é isso.(E10)
Antes de administrar uma solução endovenosa deve-se avaliar a permeabilidade do
acesso e os sinais inflamatórios que possam indicar uma possível flebite.
Nestas situações deve-se providenciar um novo sítio intravenoso, observar a
data de validade da solução e a freqüência da troca dos equipos e acessos
venosos, de acordo com a política da Instituição(1).
Ao avaliar o exposto nesta temática, considerando, sobretudo, as
características individuais de cada sujeito, percebe-se que, mesmo
entrevistando pessoas que trabalham em uma mesma unidade, sob uma mesma rotina,
inseridos em uma mesma realidade, existe condutas diferentes para a realização
do preparo e administração dos medicamentos, propiciando um ambiente favorável
a falhas e ocorrências de eventos adversos, relacionados a medicamentos.
Os eventos adversos são injúrias não intencionais decorrentes da desatenção à
saúde, não relacionadas à evolução natural da doença de base, que ocasionam
lesões nos pacientes acometidos, prolongamento do tempo de internação e/ou
morte(13).
Fatores que podem induzir ao erro de medicação
Como a enfermagem atua na última etapa do processo da medicação, ela tem
oportunidade de verificar e evitar um erro ocorrido nas etapas iniciais, sendo
uma das últimas barreiras de prevenção(14).
Nas entrevistas, quando questionados quanto aos fatores que poderiam induzir ao
erro de medicamento e de suas percepções quanto a eles, os sujeitos revelaram
que os fatores que mais lhes induzem aos erros são: a sobrecarga de trabalho, a
letra ilegível da prescrição médica e a identificação incorreta do paciente/
cliente.
Sobrecarga de trabalho
A literatura traz dados de outro estudo, no qual se identificou a sobrecarga de
trabalho como a segunda causa mais freqüente para a ocorrência de erros de
medicação ou quando o profissional é distraído por colegas, pacientes ou
ocorrências no seu local de trabalho(8).
No que tange à sobrecarga de trabalho os entrevistados referem que:
[...] Pode acontecer de o técnico dar uma medicação errada por [...],
muita correria, muito paciente [...](E3)
Olha, às vezes tu pega escala com doze pacientes, [...] dois, três
pacientes dependentes e mais as outras pessoas te exigindo, que tu
leve pra exame, que tu colete sangue, que tu troque fralda, tudo
isso, então fica uma rotina, às vezes, quase impossível de realizar.
Então tu tens que se desdobrar em dois, três, para dar conta disso.
Com certeza te induz ao erro, com certeza!(E4)
"Eu acho que o erro de medicação ocorre mais quando tu está com muito
serviço, muitos pacientes".(E5)
As falhas humanas como falta de atenção, de conhecimento, de interesse e a
pressa foi considerada a razão dos erros de medicação em um estudo do tipo
survey exploratório em um hospital geral universitário(19). Como exemplo disto,
cita-se a fala desses entrevistados:
[...] Mas, isso tudo ocorre devido à pressa pra terminar as tarefas,
intercorrências que acontecem no plantão e também excesso de tarefas
dos funcionários.(E8)
[...] acontece alguns erros de troca de medicação, por causa da
correria. O pessoal sai correndo que nem louco, dando medicação. Não
olha.(E9)
Os fatores ambientais, como interrupções da tarefa, podem interferir na atenção
no momento do preparo da medicação, conforme expressa a fala a seguir:
"Eu acho que é a pressa, às vezes a campainha tá tocando, tem que
atender, se tu te distrai mais, até na hora de tirar a medicação,
alguém chama e aí quando tu voltou tu já não está mais no mesmo
pensamento ou tem que fazer algum transporte. Eu acho que é a pressa,
mesmo que atrapalha".(E10)
Acredita-se também que a pressa na execução do trabalho está fortemente ligada
à sobrecarga de trabalho, conforme evidenciou-se nas falas dos entrevistados
citados nesta subtemática.
Prescrição médica
Uma prescrição de medicamento somente é completa se possuir: nome completo do
paciente/cliente; data em que a prescrição foi feita, incluindo dia, mês, ano,
horário; nome do medicamento, escrita correta (essencial para evitar confusão
com homônimos); dose do medicamento a ser administrado; quantidade e tempo de
infusão (se medicação endovenosa); via de administração; horário, freqüência da
administração e assinatura do médico, o que torna a prescrição um documento
legal(1).
Acrescido aos aspectos cima descritos, as prescrições devem ser legíveis, sem
apresentar equívocos, datadas e assinadas com clareza para comunicação entre o
prescritor, o farmacêutico e o enfermeiro(15).
Em um estudo realizado em quatro hospitais de diferentes regiões do Brasil, com
uma amostra de 152 profissionais que atuavam na clínica médica e farmácia
hospitalar, os tipos de erros mais citados foram àqueles relacionados à
prescrição/transcrição de medicamentos(16).
Muitos entrevistados do presente estudo citaram a prescrição médica como um
fator que pode induzir ao erro de medicação e falaram sobre situações em que
podem identificar o erro antes da administração, conforme pode ser evidenciado
nos relatos a seguir:
[...] Às vezes tem algumas letras meio difíceis de entender o que o
médico quer prescrever [...](E2)
[...] uma medicação que é IM eles prescrevem EV [...]. Às vezes eles,
também, não colocam a via de acesso [...]. Tu não vai dar uma
medicação que seria VO, EV. Não são todas, tem medicações que são
líquidas, não são todas que são tipo comprimido, Acho, mais por aí.
(E6)
[...] letra ilegível dos médicos [...](E8)
Outro fator também referendado pelos participantes do estudo foi o
armazenamento incorreto dos documentos que devem permanecer dentro do
prontuário do paciente, como, por exemplo, o descrito na fala abaixo:
[...] às vezes os médicos se enganam muito. Tipo assim, recebi
medicação, tinha dentro da pasta apenas a medicação. E se aquela
folha está avulsa ali, eu vou saber pra quem é? Não tinha nome, não
tinha leito. Aí a gente precisa sair adivinhando, sair atrás de
médico para descobrir pra quem é essa medicação. Aí fica difícil.
(E7)
Para corroborar os achados deste estudo, dados da literatura revelam que em
pesquisa realizada com uma amostra de 256 profissionais (enfermeiros, técnicos
e auxiliares de enfermagem), encontrou-se como causa mais freqüente para a
ocorrência de erros de medicação a caligrafia ilegível do médico e, como
segunda causa mais freqüente, a sobrecarga de trabalho, ou quando o funcionário
é distraído por pacientes, colegas de trabalho ou outras ocorrências, na
unidade(8).
Identificação incorreta do paciente/cliente
Um dos graves problemas da ilegibilidade é a ocorrência de interpretações
equivocadas, levando à troca de medicamento, de paciente e/ou da via de
administração(17).
Realizar a prescrição médica apenas com o número de leito, sem conferir o nome
do paciente é uma prática não recomendada e que não deve ser realizada, pois
pode induzir a um erro de medicação, porque, com freqüência, o paciente tem seu
leito trocado, alterando assim, o número do mesmo:
[...] Às vezes o médico tem dois ou três pacientes com o mesmo nome e
já aconteceu de prescrever para o paciente A achando que era para o
paciente B, digamos assim, e ele continua prescrevendo pro A como se
fosse a D. Maria, e é a D. Joana, aí tu tem que ver direitinho se é
aquela medicação pra aquela pessoa.(E2)
Esta questão pode ser agravada pela mecanização excessiva das atividades
realizadas pela equipe de enfermagem, como por exemplo, quando um técnico ou
auxiliar que está há vários dias na mesma escala e está familiarizado com os
pacientes e suas respectivas medicações. E em determinado plantão, por
necessidade da unidade, de outros pacientes ou por outros motivos, o paciente é
trocado de leito. Nesta situação pode ocorrer um erro associado à mecanização
das tarefas. O profissional que se detém na mecanização, na rotinização das
tarefas, e, sobretudo, por ventura, já esteja sobrecarregado de trabalho, com a
atenção reduzida, é um profissional potencialmente perigoso para incorrer na
situação de evento adverso relacionado a medicamentos. Esta situação se afirma
também nas falas abaixo:
[...] Pode acontecer de o técnico dar uma medicação errada ou por
troca de leito, que acontece muito, e às vezes não é trocado na
prescrição o número do leito [...](E3)
[...] algum número de quarto, de leito, se confunde na hora a
medicação [...](E4)
[...] muito erro de medicação ocorre é, os médicos colocam um nome de
um paciente e colocam o leito de outro [...](E7)
Em outra pesquisa realizada com enfermeiros, técnicos e auxiliares de
enfermagem, encontrou-se, como causa circunstancial do erro, a falha na
identificação do paciente. Os profissionais de enfermagem referiram, em quatro
relatos, que não havia pulseira de identificação no paciente, os leitos não
estavam identificados em três relatos e, em outros três, não perguntaram o nome
do paciente, administrando o medicamento somente pelo número do leito(18).
Percepção do técnico e auxiliar de enfermagem frente à condução de um erro de
medicamento
Nessa temática, evidenciaram-se duas subtemáticas: a percepção dos
entrevistados sobre a sua conduta e a percepção de como deveria se conduzir
diante de um erro de medicação. Para melhor compreendê-la, a percepção pode ser
descrita como sendo o ato ou a faculdade de perceber pelos órgãos dos sentidos
(20).
Percepção sobre a sua conduta
Aprender a encarar o erro de frente e comunicá-lo faz dessa ação uma fonte de
análise sistemática e de prevenção em situações futuras. Ao compreender e
analisar o erro de forma multidisciplinar pode-se aproveitá-lo para corrigir a
prática(21).
Quando os sujeitos foram questionados de como se conduziriam ou reagiriam se
ocorresse com eles a situação de evento adverso, relacionado a medicamentos, a
maioria referiu que se reportaria à enfermeira:
"Prontamente informaria a enfermeira do ocorrido para que tomasse as
medidas cabíveis". [...] Quanto a isto não tem o que esconder, porque
tem que ser dito.(E1)
[...] Eu mostraria para ela (enfermeira) a prescrição e a gente
entraria em contato com o médico pra saber qual seria o procedimento
correto. (E2)
[...] quando é dada uma medicação errada, tu tem que ter noção
daquilo ali que tu realmente fez errado e comunicar o enfermeiro e
deixar o paciente em observação.(E3)
"Eu comunicaria a enfermeira, pararia a medicação e comunicaria a
enfermeira".(E5)
"Em primeiro lugar avisar a enfermeira, ela vai entrar em contato com
o médico. Avisar porque tem medicação que não aconteceria nada com o
paciente, mas tem outras que poderiam alterar o quadro".(E6)
Direto pro enfermeiro. [...] Fala, tal medicação foi dada pra tal
paciente e o paciente era errado. Aí ela entra em contato com os
médicos.(E7)
[...] imediatamente comunica o enfermeiro. E o correto seria ele
comunicar a equipe médica [...](E8)
[...] Eu ia, a primeira coisa, comunicar o enfermeiro para ele tomar
a conduta certa.(E9)
Pelas respostas, observa-se que os entrevistados preocupam-se em relatar a
ocorrência do evento adverso, independente da decisão que será tomada frente ao
erro. Corroborando essa afirmativa, a literatura nos diz que, diante da
ocorrência de um erro, os benefícios ou complicações dependerão das condutas
tomadas pelos envolvidos(9).
Somente um dos sujeitos conduziria esta situação de uma maneira diferente das
acima citadas:
"[...] é muito difícil a gente assumir um erro pra uma chefia e tal.
Eu ia reagir dependendo da medicação. Se ele não tem alergia, é
lúcido e fala, eu não vou dizer pra minha chefia que eu dei errado.
[...] se é uma coisa mais simples, um paracetamol, que não tem
alergia, eu tento não falar.(E10)
Esse fato decorre, provavelmente, pelo medo da punição ou outra conseqüência
que possa levar à demissão do funcionário. Em um estudo com uma amostra de 36
profissionais de enfermagem, observou-se que a maioria das condutas exercidas
aos profissionais, frente a um erro de medicação, foi a punição, totalizando
66% das respostas obtidas(13).
Percepção de como deveria ser conduzido um erro de medicação
Em estudo realizado com uma amostra de 256 pessoas vinculadas a enfermagem, com
cinco cenários apresentados, que representavam um erro de medicação, a equipe
julgou tratar-se de um erro em quatro cenários e que, desses, três deveriam ser
notificados ao médico(6).
Ao serem questionados de como percebem que deveria ser conduzido o evento
adverso relacionado ao medicamento, os sujeitos do presente estudo disseram que
o enfermeiro e médico deveriam ser comunicados e poucos falaram sobre a
percepção deles de como deveria ser conduzida esta situação.
Deveria ser conduzida pelo enfermeiro, no caso. A gente passaria para
a enfermeira e ela iria ver o histórico, anamnese. Se achar
necessário, falar com o médico responsável.(E1)
Devido à reação do paciente, a gente espera a resposta do médico pra
saber se eu poderia dar outra medicação no lugar daquela [...](E2)
[...] eu pararia a medicação e comunicaria a enfermeira.(E5)
[...] Acho que o correto seria avisar a enfermeira, em primeiro
lugar, e conforme [...] ela que iria tomar as atitudes [...](E6)
Em um estudo realizado no ano de 2005, verificou-se por meio da análise dos
dados, que 116 enfermeiros da amostra indicaram um total de 346 condutas
distribuídas conforme a frequência - comunicam ao médico (33,0%), intensificam
os controles do paciente (30,0%), repreendem o funcionário e anotam no
prontuário (13,0%)(22).
Para os entrevistados do atual estudo, prevaleceram as seguintes considerações:
[...] Comunicar, imediatamente à chefia, no caso, a enfermeira. Que
tenha a conduta de assumir a situação e comunicar ao médico [...](E8)
Bom, primeiramente comunicaria ao enfermeiro, que provavelmente
comunicaria ao médico da equipe. Que foi administrada uma medicação
errada, pro médico avaliar se vai dar um efeito colateral, uma coisa.
É isso.(E9)
Muitos dos entrevistados acreditam que a enfermeira deve comunicar ao médico,
como já evidenciado na subtemática anterior. Em estudo com enfoque nas
percepções sobre o erro de medicação com auxiliares e técnicos de enfermagem e
enfermeiros, eles foram unânimes, ao responder que o médico deveria ser
comunicado e preenchido um relatório de ocorrências, fato que diferencia do
resultado da presente pesquisa, onde o relato foi o de procurar o enfermeiro.
Independente de quem o profissional procura, o mais importante é que o erro
seja ser comunicado para que as providências possam ser tomadas(23).
Deve-se criar um ambiente que elimine a cultura da punição e substituí-lo por
um de vigilância e cooperação(23):
[...] Com respeito ao profissional, que neste caso errou. Ninguém
está livre de erros. Ele deve ser orientado melhor, conversar com
ele, mostrar o quanto é importante que ele tenha atenção, se tratando
de medicamentos [...] Mas as pessoas acabam, às vezes, só olhando o
teu erro. Não, tu errou e não querem saber [...](E4)
Observa-se que, um dos sujeitos, ao responder a última questão norteadora,
entendeu o fato "conduzir esta questão" como sendo referente à relação do
enfermeiro com técnicos e auxiliares de enfermagem, ou seja, relação superior
versus subordinado, e evidenciou em sua fala temer punição:
"Há, eu acho que deveria ser dito, o médico deveria ficar ciente de
algum erro, pra que se desse alguma reação, pudesse prevê essa reação
e pudesse dar uma medicação que revertesse esse quadro antes dele
ficar ruim [...], deveria ser dito, mas é muito difícil assumir essas
coisas até porque a gente é sempre avaliado e pra não perder o
emprego".(E10)
Relatos da literatura descrevem a opinião de profissionais, e muitos deles
associaram os erros de medicação ao profissional, demonstrando a tendência de
responsabilizar somente o indivíduo pelo erro, não valorizando as falhas em
todo o processo de medicação da Instituição, apontando ainda uma prática de
punição(24).
4 Considerações Finais
Ao finalizar esse estudo, percebe-se a complexidade da temática. Quando os
entrevistados foram questionados sobre como ocorre o preparo e administração de
medicamentos, os seis acertos foram citados de forma parcial, evidenciando-se
que muitas vezes são esquecidos aspectos fundamentais desse processo. Alguns
apontaram para a questão do tempo de preparo antes da administração da
medicação, sendo que um referiu que deve ocorrer no máximo trinta minutos antes
da administração e outros dois relataram que o preparo deve ocorrer no exato
momento antes da administração. Evidenciou-se, ainda, a preocupação em atentar-
se ao tempo de validade de equipos, a permeabilidade do acesso e sinais
flogísticos no local de inserção do mesmo.
Na percepção dos entrevistados, os fatores mais comumente envolvidos em erros
de medicação são a sobrecarga de trabalho, a prescrição médica, a identificação
incorreta do paciente/cliente, que também muitas vezes implica prescrição
médica errônea. Surgiram comentários em relação a interrupções, que podem
distrair o funcionário, intercorrências que podem surgir no turno de trabalho,
e a pressa, a qual se concluiu estar relacionada à sobrecarga de trabalho,
exigindo agilidade e concentração maior do funcionário.
Quando questionados sobre qual seria a sua conduta correta, frente a um erro de
medicação, os sujeitos responderam que imediatamente comunicariam ao enfermeiro
e apenas um dos entrevistados relatou que só comunicaria se a medicação
provocasse reações ao paciente.
Os entrevistados acreditam que o enfermeiro deveria conduzir a questão sobre o
erro de medicação. Ainda um dos entrevistados relatou que, na sua percepção, o
correto seria comunicar à enfermeira e a mesma deveria comunicar ao médico, mas
mostrou-se relutante em tomar essa atitude, temendo punição.
Pensa-se que não se pode partir da premissa de que os profissionais estão
sempre realizando atualizações relacionadas à farmacologia, visto que, muitas
vezes, os mesmos possuem dupla jornada de trabalho, conseqüência exigida pelas
necessidades socioeconômicas atuais, e isso implica falta de tempo, cansaço e
desgaste físico e mental.
Acredita-se ser necessário que as instituições busquem estratégias para manter
a equipe de enfermagem atualizada, no que se refere a mudanças na apresentação
dos medicamentos, armazenamento, formas de administração, interações
medicamentosas e aspectos farmacocinéticos e farmacodinâmicos, por meio de
programas de capacitação.
Outro aspecto que fica evidenciado com a conclusão desse estudo é a necessidade
de padronizar os processos na prática diária de enfermagem, visto que tal
medida contribui para a redução de eventos adversos.
Necessita-se, ainda, instituir uma cultura de prescrição legível, quando
realizada manualmente, pois conforme demonstrado, além de despender um tempo
maior ao tentar executar a prescrição, o profissional da enfermagem pode
interpretá-la erroneamente e provocar danos ao paciente.
A sobrecarga de trabalho é outro fator preocupante, pois muitas vezes resulta
em eventos adversos relacionados a medicamentos. As instituições necessitam
investir em recursos humanos para melhorar o cenário das condições de trabalho.
A idéia punitiva deve ser substituída pela avaliação do processo, instituindo-
se uma política institucional de notificação e a utilização de ferramentas de
análise da causa desses erros, corrigindo-se o sistema, prevenindo, assim,
novas ocorrências de eventos adversos relacionados a medicamentos.
Assim, entende-se que a implantação de estratégias para a segurança do paciente
é um trabalho amplo, que deve envolver todos os atores que participam da
assistência, instituindo-se então, uma cultura de segurança do paciente nas
Instituições hospitalares.