Percepção materna sobre transtornos psiquiátricos no puerpério: implicações na
relação mãe-filho
INTRODUÇÃO
A evolução da psiquiatria clínica tem demonstrado que as fases do ciclo
reprodutivo envolvem elementos potencialmente estressores, indicando
vulnerabilidade para transtornos mentais, tendo como fatores atuantes as
alterações neuroquímicas e hormonais, associadas a agravos menstruais,
alterações de personalidade, predisposição biológica, bastante característicos
desse momento do ciclo de vida da mulher e mais evidentes após o parto(1).
No puerpério ocorrem reações conscientes e inconscientes na mulher envolvendo o
seu ambiente familiar e social, ativando ansiedades. Uma das mais importantes é
a vivência inconsciente da angústia do trauma do próprio nascimento. Ao longo
dos nove meses de gestação o filho é parte integrante e inerente da mulher que,
no momento do parto, vive uma grande perda. O nascimento do filho gera a
diferenciação(2).
Esse significado do parto pode trazer uma situação de transtorno à puérpera: o
parto representa vida e também morte. Os transtornos psiquiátricos mais comuns
são: disforia do pós-parto, síndrome da tristeza Pós-Parto e psicose puerperal
(3)
A disforia no pós-parto inclui sintomas depressivos leves e pode ser
identificada em 50% a 85% das puérperas, dependendo dos critérios diagnósticos
utilizados(4).. A Síndrome da Tristeza Pós-Parto, ou depressão pós-parto, é um
distúrbio emocional comum, podendo ser considerada uma reação esperada no
período pós-parto imediato e que geralmente ocorre na primeira semana depois do
nascimento da criança. Entre 50 a 80% de todas as mulheres apresentarão reações
emocionais(3).
Diversos fatores influenciam a precipitação de transtornos associados ao
puerpério, sendo importante destacar os biológicos e psicológicos, bem como a
associação destes com o meio cultural e social da mulher. Os biológicos
resultam da variação nos níveis de hormônios sexuais circulantes e de uma
alteração no metabolismo das catecolaminas, causando alteração no humor e
podendo contribuir para a instalação do quadro depressivo. Os psicológicos se
originam de sentimentos conflituosos da mulher em relação a si mesma, como mãe;
ao bebê; ao companheiro; ou a si mesma, como filha da sua própria mãe(4).
A percepção da mãe é um aspecto importante no diagnóstico indício para um bom
prognóstico em psiquiatria, considerando que uma mãe que tem consciência do seu
estado mental adere mais facilmente ao tratamento proposto tendo assim um
resultado mais rápido e eficaz. Isso resulta em uma melhora significativa no
relacionamento afetivo materno, o que, após tudo que já foi exposto, conferindo
o fortalecimento intra-familiar, cuja expansão permitiria configurar uma rede
social mais efetiva para uma melhor qualidade de vida para a mãe e o bebê(5).
Todos esses aspectos vêm sendo considerados pela equipe de saúde mediante a
busca de estratégias para melhor oferecer assistência à saúde da mulher, bem
como de todos os familiares envolvidos. Estudos que tratam de medidas
preventivas dentro da Estratégia Saúde da Família favorecem essa dimensão do
cuidado mais próximo da família, conferindo qualidade em todo o ciclo vital
pela identificação precoce de doenças e eliminação de riscos(5).
Diante da problemática apresentada surgiu a preocupação em pesquisar o tema
deste estudo, que tem como objeto a percepção materna frente aos transtornos
psiquiátricos puerperais. O estudo foi norteado pela seguinte questão: Quais as
implicações dos transtornos psiquiátricos na relação mãe-filho, na percepção de
mulheres que sofrem (ou sofreram) de transtornos psiquiátricos relacionados ao
puerpério? O objetivo foi o de analisar as implicações dos transtornos
psiquiátricos na relação mãe-filho na percepção da mulher em puerpério.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Trata-se de uma pesquisa qualitativa, descritiva, escolhida por promover uma
abordagem mais adequada à compreensão e descrição da percepção materna nos
transtornos psiquiátricos do puerpério, baseando-se na premissa de que existe
uma relação dinâmica entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito. A
pesquisa foi submetida ao Comitê de Ética e Pesquisa da Faculdade NOVAFAPI
(processo CAAE n. 1862.0.000.043-08).
O cenário da pesquisa foi um hospital psiquiátrico, de Teresina, Piauí,
escolhido por ser uma instituição psiquiátrica pública estadual e considerado o
serviço de referência no Estado. O hospital é uma instituição de ensino com 160
leitos de internação integral pelo SUS (Sistema Único de Saúde), trinta leitos
de semi-internação (Hospital-Dia) e doze apartamentos reservados a atendimentos
particulares e conveniados. São realizados mensalmente de cinco a seis mil
atendimentos ambulatoriais, cerca de seiscentos atendimentos de urgência e
emergência e duzentas internações integrais, que ocorrem de forma contínua,
podendo ser mensal ou bimestral com duração de aproximadamente um ano (em
média).
Os sujeitos do estudo foram dez puérperas em acompanhamento ambulatorial no
hospital no período de setembro de 2007 a setembro de 2008 selecionadas
conforme histórico de transtornos psiquiátricos associados ao puerpério e
denominadas respectivamente de M1 a M10. O termo de Consentimento Livre e
Esclarecido foi assinado por todos os sujeitos estudados, em consonância com o
disposto no Decreto nº 93933 de 14 de janeiro de 1987 e na Resolução nº 196/
1966 do Conselho Nacional de Saúde, que dispõe sobre as Diretrizes e Normas
Regulamentadoras de Pesquisa envolvendo Seres Humanos. Após a assinatura do
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, os sujeitos foram entrevistados no
período de julho a setembro de 2008, tendo suas falas gravadas e transcritas
com a máxima fidedignidade.
Após as transcrições dos depoimentos dos sujeitos, os dados foram analisados
pela técnica de análise de conteúdo, realizando-se a análise temática das
entrevistas e construindo-se três categorias. A primeira, intitulada O
desconhecimento da doença como fator de risco para o sofrimento psíquico, e a
segunda, Interação mãe-filho, deram origem às seguintes subcategorias: o
adoecimento e o prejuízo na relação materno-infantil; e o instinto maternal
como fator de superação. A terceira categoria foi intitulada O impacto dos
transtornos psiquiátricos puerperais no cotidiano das mães.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
As doenças psiquiátricas do puerpério foram descritas na metade do século XIX
pelo médico francês Louis Victor Marcé. Os efeitos da septicemia, trauma, dor,
perda de sangue e exaustão contribuíam para incidência dos quadros psicóticos
no pós-parto. Verificando a relação desse fenômeno com alterações fisiológicas
da mulher e a alta prevalência de delirium, esse autor propôs que tais quadros
teriam um caráter orgânico. A partir do século XX, a diminuição de infecções
puerperais diminuiu a incidência de quadros confusionais psicorgânicos(7).
A Síndrome da Tristeza Pós-Parto é descrita como uma síndrome leve e
transitória que se inicia no terceiro ou no quarto dia após o parto, com
tendência a atingir maior severidade entre o quinto e o décimo dia. A remissão
dos sintomas ocorre espontaneamente e desaparece em, no máximo, duas semanas.
Os sintomas são episódios frequentes de choro, flutuações do humor, tristeza,
irritabilidade, fadiga, confusão, dificuldade de concentração, insônia e
ansiedade, sendo esta, na maioria dos casos relacionada ao bebê(3).
Durante toda a gestação a mulher tem contato com mudanças significativas, de
ordens físicas, hormonais e psíquicas, e o nascimento da criança materializa
essas mudanças. Com o nascimento de um filho o meio circundante espera que a
mulher esteja contente com o evento e seja 'uma boa mãe' (grifo nosso) não
levando em conta, possíveis alterações na relação conjugal e familiar, ou na
inserção social da mulher, que tem atividade ou carreira profissional
interrompida(8).
Nesse sentido, considerou-se pertinente caracterizar os sujeitos pesquisados
quanto à idade, estado civil, antecedentes familiares, transtorno diagnosticado
e número de gestações: 40% com 15-20 anos; 40% com 21-25 anos e 20% com 26 anos
ou mais; 50% eram casadas, 30% separadas e 20% solteiras; 100% das
entrevistadas têm antecedentes psiquiátricos na família e 70% apresentaram
transtorno de humor antes ou durante a gravidez; 80% das entrevistadas eram
primíparas.
O desconhecimento da doença como fator de risco para o sofrimento psíquico.
A dificuldade das pacientes em se perceber doentes, devido a fatores culturais
e sociais que agem frente aos fatores biológicos na definição de diagnóstico e
tratamento dos transtornos, é condição prejudicial ao prognóstico.
Como eu não sabia dos sintomas não tinha nem como eu [...] é [...]
saber da doença, reconhecer que eu tava doente. Por isso que eu acho
que atrapalhou. (M9)
A maioria dos depoimentos indicou desconhecimento sobre os transtornos o que,
para as entrevistadas, interferiu de forma significativa para o agravamento do
quadro clínico. Isso porque, culturalmente, as mulheres tendem a buscar mais
auxílio médico do que os homens, de modo que, se forem desenvolvidas
estratégias de identificação de sintomas, as mesmas podem recorrer em busca de
tratamento precoce.
Percebi quando eu senti que minhas forças não davam mais, que eu
estava me sentindo assim, meu corpo já não dava mais para agüentar
tanta coisa, mas eu não sabia que era depressão. (M1)
As depoentes sentiram-se doentes quando houve associação de sintomas típicos de
depressão como alterações de humor, choro fácil, anedonia, tristeza profunda,
pensamentos negativos e sentimentos de abandono e desesperança com quadros
alucinatórios e ideação suicida. Pacientes mentalmente deprimidos costumam ter
uma visão negativa do mundo e de si próprios. O conteúdo dos seus pensamentos
por vezes inclui ruminações sobre perda, culpa, suicídio e morte( 9).
Percebi quando comecei ver coisas e sentir gente puxando meu cabelo,
quando estava deitava na cama. (M10)
Desse modo, a pessoa não é mais capaz de sentir prazer em qualquer atividade e
perde interesse pelas mesmas. Nesse sentido, uma depoente descreve que,
no momento da crise, você pensa que vai morrer, fica naquele
desespero, naquela agonia. Uma coisa horrível demais. A vontade é de
se livrar logo, de morrer ou não sei como é. (M5)
Por outro lado, os fatores sociais e culturais agravam os pedidos de "socorro"
quando depressão esta associada aos estigmas da preguiça, conforme declara M4.
Porque é assim, quando a gente não tá dentro, a gente pensa que é
bobagem, né? Quando vê uma pessoa dizer que tá deprimida, que não
consegue pensar coisas boas, a gente pensa que é bobagem, frescura.
Eu até já falei isso, que uma vizinha minha ela ficou com depressão,
aí eu pensei: 'É frescura dela, é preguiça, é não sei o que'... Aí,
quando a gente tá dentro é que a gente sabe como é... (M4)
Os dados mais significativos indicam que um episódio de psicose pós-parto é
essencialmente uma manifestação de transtorno do humor, em geral de um
transtorno bipolar ou, talvez, de um transtorno depressivo. O processo do parto
pode ser visto como um estresse não específico que causa o desenvolvimento de
um episódio de transtorno maior do humor, talvez devido ao mecanismo hormonal
(4).
Interação mãe-filho
A interação mãe-filho fez emergir sentimentos conflitantes próprios do quadro
das pacientes. Os transtornos mentais no pós-parto interferem não apenas na
segurança da paciente, mas também na de seu bebê. As mães devem ser observadas
em sua relação com os recém-nascidos: as ideias que expressam; como reagem ao
contato e às demandas da criança. Mães deprimidas podem acreditar que o recém-
nascido sofre de doenças ou malformações, podem se sentir culpadas por não
sentirem amor pelo bebê, por não estarem cuidando dele. Uma mãe psicótica pode
se encontrar sob uma influência delirante, e ver na criança algo anormal,
diabólico. Deve-se, nesse caso, estar atento para o risco de infanticídio e de
suicídio. A mãe pode, também, negar o nascimento da criança, não reconhecê-lo
como filho. Uma avaliação formal da capacidade da mãe cuidar do bebê, para que
se tornem as devidas medidas legais, pode ser necessária(3).
Na subcategoria O adoecimento e o prejuízo na relação materno-infantil foram
abordados sentimentos culturalmente incomuns na relação mãe-filho e típicos de
transtornos psíquicos puerperais. Assim desabafaram duas das depoentes:
Eu peguei meu filho com força e queria jogar ele no chão, só que,
assim, antes de eu fazer isso minha irmã viu, chegou e pegou ele de
mim [...] (choro) [...] Senão eu teria feito isso. (M7)
Acho que considero meu filho como o culpado por tudo que aconteceu.
No término do meu relacionamento, já que o cara me largou quando
soube que eu estava grávida [...] Sinto raiva do meu filho por isso.
(M5)
A depressão materna no pós-parto é um dos fatores que provocam transtornos mais
profundos na ligação mãe-bebê, prejudicando assim a interação. Quando a mãe não
consegue oferecer respostas suficientes para atender as demandas e necessidades
do seu bebê, ela pode experienciar reação de ansiedade, culpa, raiva, vergonha
e autodepreciação, mostrando-se até mesmo hostil com seu bebê.
É uma coisa que não gosto nem de falar, mas, tinha hora que eu
desejava que meu filho morresse [...] Ave Maria, depois que eu passei
por isso foi que eu fui ver mesmo. Deus me livre. [...] Tinha hora
que eu pensava assim: ' Meu Deus se meu filho morresse ia me livrar
de tanto trabalho', essas coisas. (M2)
A depoente aponta a morte como uma solução para a falta de manejo e
responsabilidade, além de um medo frente ao novo papel a ser desempenhado. O
infanticídio e o suicídio estão entre as complicações mais graves decorrentes
de transtornos puerperais sem intervenção adequada. No entanto, a existência de
transtornos psiquiátricos não só no puerpério, mas também na gestação, pode
levar a outras graves consequências(5).
As mães podem, entretanto, apresentar mudanças de humor acentuadas e
intermitentes em relação aos seus filhos, alterações estas que podem variar da
extrema hostilidade, com rejeição, até extrema compensação dessa hostilidade,
na forma de supersolicitude ao bebê(10).
Minha rejeição foi só na mente mesmo, mas de corpo assim não! Sempre
cuidei dele. Eu tava com aquilo na minha mente, aquela agonia,
chorava por cima dele e ele olhando para mim, e eu ficava 'ô meu Deus
do céu tira essa coisa ruim de mim, essa agonia ruim'[...] Mas eu
nunca deixei de dar assistência a ele não, nunca deixei de cuidar
como tem que cuidar não. (M4)
Percebe-se que os sintomas descritos até o momento são clássicos e afetam a
contingência da interação mãe-bebê. A labilidade de humor, o afeto prejudicado,
o déficit de atenção, a hostilidade, além dos outros sentimentos experimentados
pelas puérperas inibem a interação com o bebê. Essa defasagem de sentimentos
leva algumas mães a uma espécie de prostração, ficando indiferentes ao bebê.
Algumas não conseguem nem mesmo amamentar a criança.
Eu não amamentei. Eu não senti vontade de amamentar. Eu não queria
ver ele logo que ele nasceu, achava que ele era o culpado de tudo, e
[...] sentia raiva dele, assim, eu não [...] Não tive muita
aproximação com ele logo que ele nasceu. Não tive uma relação
verdadeira, relação de uma mãe com um filho [...] e agora não tem
como voltar atrás. (M7)
O filho de mães que apresentam diagnóstico de depressão pós-parto tem
dificuldades para dormir e se alimentar. Apresentam interação corporal com o
ambiente e sorriso social diminuídos. As participantes deste estudo queixavam-
se com muita freqüência de cansaço excessivo, o que acabava refletindo de forma
negativa no relacionamento com seus filhos e, por consequência, no
desenvolvimento deles. Deve-se, portanto, avaliar cada caso com especial
atenção, a fim de estabelecer-se a melhor estratégia de tratamento para cada
situação em particular, da maneira mais precoce possível(4).
Pelo exposto percebe-se que o sentimento de culpa que atinge as mães que não
podem ou não conseguem, de maneira satisfatória, responder as necessidades
básicas dos seus filhos é agravado quando fatores culturais e sociais como
ideal da maternidade é aproximado do cotidiano de mulheres que vivenciam esse
sofrimento psíquico.
Na subcategoria Instinto maternal como fator de superação observou-se um
contrapondo frente à hostilidade. Algumas depoentes demonstraram superação,
projeção ou enfrentamento e o ideal de maternidade foi preservado. Utilizando-
se do mecanismo de defesa projeção, uma delas afirma:
Não tentei nada contra meu filho, só contra meu marido. Na hora que
eu tô em crise eu sempre olho pra ele (filho), assim, como se ele
fosse a inspiração pra mim viver minha vida. (M1)
Eu pensava que tinha que me erguer por causa dele, assim como
concorda dizendo num sei não, acho que pode ter sido até com ele
(referindo ao pai da criança), mas com meus filhinhos não mudou nada
não, porque, esta doido, uma vez meu filhinho adoeceu que eu faltei
foi ficar louca... (M6)
Destaca-se, desse modo, a importância dos sentimentos da mãe em relação aos
seus filhos. Na maternidade todas as mulheres, instintivamente, se tornam
meigas, amorosas e dedicadas para com o seu bebê. O amor e a afeição pelo filho
o tornam um objeto de contínuo interesse para a mãe, além de oferecer uma gama
sempre renovada, rica e variada, todo um mundo de experiências vitais. Essa
atitude emocionalmente centrada da mãe servirá para orientar os afetos e
conferir uma qualidade de vida ao bebê(10). Essa superação e enfrentamento
estão expressos na seguinte afirmativa:
Não, Deus me livre. As coisas ruins ficavam no meu pensamento, mas eu
nunca [...] Nunca passou pela minha cabeça fazer alguma coisa com o
meu menino. (M8)
Esse paradoxo é intrigante porque ao mesmo tempo em que a condição da
maternidade abala os alicerces psíquicos da mulher a mesma maternidade pode
servir como estratégia de enfrentamento por meio da sublimação revelando uma
mãe, protegendo, acima de tudo seu bebê. É importante enfatizar que interação
materna infantil satisfatória tem implicações fundamentais no desenvolvimento
biopsicossocial da criança, como também, lembrar que uma boa relação mãe e
filho não traz apenas conseqüências em longo prazo, mas principalmente diminui
a possibilidade de maus tratos aos bebês e, em casos extremos, como no
infanticídio.
O impacto dos transtornos psiquiátricos puerperais no cotidiano das mães.
Os transtornos psiquiátricos puerperais trazem consigo uma gama de dificuldades
inerentes a diversos aspectos da vida da portadora e da criança. Essas
implicações podem vir como consequências da doença, mas também podem ser
entendidas como fatores para a causa desta.
Com efeito, o nascimento de um filho altera a rotina da mulher alcançando uma
perspectiva que ultrapassa o biológico pois, além de toda a responsabilidade
que a sua nova condição impõe, ainda existe a necessidade de conciliar o filho
com os demais papeis porventura desempenhados por ela.
Depois que eu tive ele (filho) as coisas pioraram. Veio a depressão
que influi em varias coisas: não tenho como trabalhar, nem como me
manter, nem manter o bebê. (M2)
O binômio da maternidade, da alegria de ser mãe versus esta responsabilidade,
acarreta sentimentos conflituosos que, em associação com outros fatores
desencadeantes, provoca na mulher estresse e ansiedade.
O meu filho tirou praticamente minha liberdade. Eu antes até
estudava, mas agora tive que largar. (M5)
Existe dificuldade de integrar realização profissional, vida amorosa e
maternidade, o que implica uma série de problemas de ordem prática, os quais
muitas vezes resultam em sentimentos de culpa e inadequação. Além das
preocupações relacionadas com as atividades profissionais e/ou estudantis, as
preocupações de ordem financeira têm sido apontadas como estando associadas à
depressão materna.
Se eu for escolher entre o trabalho e o menino, aí é que eu não vou
ter tempo mesmo. Eu tentei ainda ir trabalhar no lugar do meu pai,
que ele é cozinheiro, fui trabalhar [...] Aí num consegui, não
consegui firmeza para trabalhar. (M6)
Além das dificuldades emocionais e econômicas encontradas para conciliar a
maternidade com a vida profissional, percebe-se que os sintomas dos transtornos
puerperais incapacitam na realização de tarefas, anteriormente consideradas de
simples execução como limpar a casa, fazer uma comida, se alimentar ou até
mesmo ter um padrão de sono e repouso satisfatório.
Está sendo muito difícil conviver com isso [...] Muito difícil. Eu
não sinto vontade de fazer nada. Sem querer dormir, sem querer comer,
sem vontade de fazer nada, nada em casa. (M8)
Observa-se que o puerpério é o período de maior risco para o aparecimento de um
transtorno mental, se comparado com outros períodos da vida da mulher. Durante
a gestação e o puerpério a mulher vivencia grandes modificações, tanto físicas
como psíquicas e também em seu papel na família e na sociedade. Há alterações
na autoimagem corporal, conflitos relativos à feminilidade, à sexualidade e à
própria gravidez. Além disso, o parto pode ser vivenciado como perda (algo que
fazia parte de seu corpo e foi retirado) e surgem sentimentos ambivalentes em
relação à maternidade, ao novo bebê, ao marido e a si mesma(2).
Não tinha paciência de fazer nada, nada, assim, varrer casa, fazer
comida[...] Você é acostumada a ter um ritmo de vida e quando a
criança nasce é totalmente diferente Eu sempre fui uma pessoa que
gosta muito de organização, de limpeza, de tudo no seu lugar, aí
depois que o menino nasceu não dava mais para mim conciliar ele com
as coisas, aí ficava naquela confusão. (M3)
Enfim, o ciclo gestacional encerra um turbilhão de emoções que se manifestam
fisicamente. A mulher com antecedentes familiares guarda predisposição
biológica que, somada ao ideal de maternidade, ao contexto social e cultural,
traz implicações consideráveis na relação mãe-filho, tornando as alterações
próprias do ciclo reprodutivo uma porta de entrada para precipitação de
transtornos psíquicos.
Nesse sentido a equipe de saúde, em especial os enfermeiros, que assistem as
pacientes nas 24 horas do dia em âmbito hospitalar, deve atuar na prevenção e
detecção precoce de sinais e sintomas, oferecendo apoio emocional e
encaminhamento aos demais profissionais de saúde, desde o puerpério imediato,
agindo assim na qualidade de vida de mulheres, crianças e famílias
susceptíveis.
CONCLUSÃO
Os transtornos da gravidez, parto e puerpério são uma condição patológica
complexa, que inclui desde quadros transitórios benignos, até situações graves
que podem culminar em prejuízos irreparáveis para a mãe, a criança e família.
Aimplicação dos transtornos psiquiátricos na relação mãe-filho revela graves
conseqüências, pois a mãe deprimida não possui estabilidade emocional que
possibilite uma maior interação com o seu filho.
Os fatores desencadeantes dos transtornos psiquiátricos no puerpério
mencionados mostraram-se presentes nos sujeitos estudados, com particularidade
para a história psiquiátrica familiar, detectada em 100% das entrevistadas.
Reflete-se, neste particular, a necessidade de um pré-natal que contemple não
apenas o estado fisiológico e biológico da mãe, como também o seu aspecto
psíquico, quando este e outros fatores podem ser precocemente identificados,
aproximando a equipe de saúde da prevenção de transtornos psiquiátricos
associados ao puerpério.
Assim, faz-se exeqüível que a equipe de saúde fortaleça a rede de apoio da
mulher, favoreça o enfrentamento e, principalmente, esclareça à comunidade os
sintomas de transtornos psiquiátricos de manifestação comuns durante o ciclo
reprodutivo, a fim de estabelecer um diálogo entre o científico e senso comum,
empoderando as mulheres.
Dar voz e vez à percepção das puérperas quanto aos transtornos psíquicos
vivenciados no puerpério é passo importante para auxiliar práticas preventivas
mais efetivas em ações da saúde executadas pelos diversos profissionais
envolvidos na promoção de saúde, numa perspectiva ampliada da elaboração de
programas diferenciados de políticas públicas de saúde, no âmbito da atenção
básica, voltados para a comunidade feminina durante sua fase reprodutiva,
especialmente no ciclo gravídico-puerperal.