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BrBRCVHe0034-71672011000400006

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variedadeBr
ano2011
fonteScielo

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Violência denunciada: ocorrências de maus tratos contra crianças e adolescentes registradas em uma unidade policial

INTRODUÇÃO As crianças e adolescentes são apontadas como as vítimas mais vulneráveis à violência, devido às suas fragilidades físicas e de personalidade.

Infelizmente, trata-se de um problema que ocorre independentemente de raça, classe, religião ou cultura. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), em 2002, 53 mil crianças foram assassinadas no mundo inteiro(1).

No entanto, somente nas últimas três décadas a discussão sobre violência sexual contra crianças e adolescentes obteve uma maior visibilidade por parte de órgãos governamentais, entidades civis e organizações não governamentais no País e no mundo. Porém, no que diz respeito ao atendimento especializado às crianças e adolescentes vitimizados ainda se encontra em fase de construção no Brasil, necessitando de um maior comprometimento das instituições envolvidas neste processo(2), tendo em vista que as estimativas do País demonstram que 18 mil crianças são agredidas por dia, 750 por hora e 12 por minuto(3). Dessa forma, destaca-se que as principais causas de óbitos na faixa etária entre 5 e 19 anos são a violência e os acidentes, matando mais que doenças parasitárias e inflamatórias(4).

A agressão de uma criança em sua própria casa, local onde supostamente estaria protegida da violência, cria uma situação de profundo desamparo para a vítima.

A obrigação de conviver com seu agressor e enfrentar o pacto do silêncio que costuma envolver as pessoas mais próximas nesse tipo de situação, são fatores que podem gerar efeitos desastrosos na formação da personalidade desses sujeitos que ainda não chegaram à fase adulta(5). Nesse sentido diferencia-se violência doméstica de violência intrafamiliar, a primeira trata-se de pessoas que habitam a mesma casa, como por exemplo, os empregados, violência intrafamiliar é aquela cometida por um membro da família, não necessariamente cometida dentro do espaço físico do lar(6).

Neste contexto classificam-se as diferentes formas de violência sendo elas: Física- qualquer ação que cause dor física a uma criança; Psicológica- quando depreciação da criança pelo adulto o que pode bloquear seus esforços para sua autoaceitação, gerando grande sofrimento mental; Sexual- qualquer ato ou jogo sexual, relação heterossexual ou homossexual entre pais, parentes ou responsáveis e uma criança que tenha por finalidade estimulá-la sexualmente ou utilizá-la para obter uma estimulação sexual; Negligência- omissão das necessidades físicas e emocionais da criança e do adolescente e pode ser identificada quando os pais ou responsáveis deixam de atender necessidades de alimentação, vestimenta, moradia, higiene, desde que isso não seja resultado de condições de vida que extrapolem seu controle. E por fim a violência fatal, que ocorre como resultado das outras formas levando o indivíduo à morte(7).

Desta forma, a violência contra a criança deve ser entendida como um fenômeno articulado a um problema estrutural e social ao qual a sociedade está exposta (8), e ser reconhecida e considerada como um problema de saúde pública dada às altas taxas de morbimortalidade que ocasiona.

Para tentar minimizar as conseqüências acarretadas pela violência faz-se necessário um maior investimento em estratégias de prevenção na primeira infância. As iniciativas de cooperação entre setores tão diversos como os da saúde, educação, serviços sociais, a justiça e a política são indispensáveis para resolver essa questão(9).

A notificação é um poderoso instrumento de política pública, pois ajuda a dimensionar a questão da violência intrafamiliar, além de determinar a necessidade de investimentos em núcleos de vigilância e assistência, permitindo o desenvolvimento de pesquisas e o conhecimento da dinâmica da violência em família(10).

A denúncia pode ser iniciativa de qualquer pessoa que se sinta prejudicada individualmente ou coletivamente e objetiva provocar a punição do criminoso ou infrator. Esta constitui um fator crucial para o enfrentamento das situações de abuso contra crianças e adolescentes, uma vez que a proteção desses indivíduos depende do conhecimento da violência pelos órgãos competentes.

A implantação de políticas para enfrentar essa situação no âmbito familiar, tem sido uma preocupação do Estado brasileiro. Contudo a formulação e o correto planejamento de ações necessitam embasamento epidemiológico. Esses dados podem ser originados pelas denúncias feitas às inúmeras Instituições responsáveis: o Conselho Tutelar, Ministério Público, Judiciário e a Delegacia de Polícia.

Dada à escassez e precariedade de informações, pode-se afirmar que as Delegacias de Polícia constituem fontes importantíssimas de dados que devem ser aproveitados para a formulação das políticas públicas, uma vez que as pessoas da comunidade geralmente buscam essas instituições, haja vista a grande vinculação existente entre "polícia e violência".

Neste contexto o objetivo do trabalho foi verificar a ocorrência de maus-tratos físicos, psicológicos e/ou sexuais e negligência contra crianças e adolescentes, de ambos os gêneros, registrados nas ocorrências policiais da Delegacia de Defesa da Mulher de Araçatuba-SP, no ano de 2008. E desse modo determinar as relações de parentesco entre agressores e vítimas; analisar as agressões quanto ao dia, horário e local de maior ocorrência e descrever o perfil de agressores e vítimas.

MATERIAIS E MÉTODOS O estudo foi conduzido na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Araçatuba-SP.

O município não conta com uma delegacia específica para o atendimento de crianças e adolescentes. Desta forma, os crimes praticados contra esse grupo são apurados pela DDM, independentemente do gênero da vítima.

A população do estudo compõe-se de todas as ocorrências registradas na Delegacia de Defesa da Mulher de Araçatuba-SP, no ano de 2008. Os dados referentes a 2008 somente foram disponibilizados para estudo após o encerramento do ano, dessa forma a coleta de dados referentes a 2008 foi realizada no ano de 2009. Dentre as ocorrências registradas, foram selecionadas para compor a amostra apenas as que se referiram à violência física, psicológica, sexual e negligência, praticadas contra crianças e adolescentes de qualquer gênero. Considera-se criança o indivíduo com idade entre 0 e 11 anos, e adolescente aquele que possui entre 12 e 18 anos(11).

A coleta de dados foi realizada a partir dos seguintes registros policiais: Boletim de Ocorrência e Termo Circunstanciado. O Boletim de Ocorrência é o registro inicial do delito, apresentando os dados básicos do fato e das partes envolvidas. Em alguns casos, no entanto, se faz o Termo Circunstanciado, usado apenas para crimes considerados de menor potencial ofensivo como lesões corporais leves, ameaças, entre outros.

Nesses documentos todos, foram analisadas as seguintes informações: Agressão - horário; dia da semana; local da ocorrência; relação vítima-agressor; parentesco vítima-agressor - classificado em três grupos, sendo o primeiro (Grupo A), composto por relações entre casais (cônjuges, companheiros, namorados, etc.), o segundo (Grupo B) entre responsáveis (pais/responsáveis, padrastos, madrastas) e o terceiro (Grupo C) entre os demais familiares (irmãos, primos, tios etc.); características dos agressores e vítimas quanto ao gênero e idade; procura da vítima por serviço de saúde.

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Odontologia de Araçatuba-UNESP para apreciação, respeitando-se os ditames éticos da Resolução 196/96. A fim de preservar a identidade das vítimas e agressores, os documentos foram analisados de forma a ocultar nomes ou quaisquer outras informações que pudessem identificá-los.

Os dados coletados foram digitados em uma planilha eletrônica criada no programa Epi Info, versão 3.5.1. Foi realizada a análise estatística descritiva.

RESULTADOS Em 2008 foram registrados na Delegacia de Defesa da Mulher (DDM) de Araçatuba, 1.281 Boletins de Ocorrência e 242 Termos Circunstanciados, dos quais 311 correspondiam a ocorrências contra crianças e adolescentes.

Em relação ao tipo de ocorrência, 37,7% dos casos correspondia à categoria "Outro". Esta categoria inclui: abandono de incapaz, corrupção de menores, tortura e lesão corporal culposa (quando não intenção de lesionar a vítima), porém nenhum desses resultados isolados foi maior que a prevalência de Lesão Corporal, correspondendo a 22,6% das ocorrências (Figura_1).

A maior ocorrência de violência foi entre 18 e24 horas, correspondendo a 33,4% dos dados. O sábado (16,4%) foi o dia da semana com maior registro de ocorrências policiais. A própria residência foi o local onde ocorreu a maior parte das agressões, totalizando 59,8% dos casos (Figura_2).

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Em relação ao agressor (Tabela_1), houve predominância do sexo masculino (49,52%); em relação à cor da pele, a prevalência foi a branca (39,87%).

Analisando a idade, foi possível verificar que a maioria dos agressores pertence à faixa etária de 21 a 30 anos. Quanto ao parentesco com a vítima, em 11,90% dos casos tratava-se da própria mãe e em segundo lugar o pai, com 10,61%.

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Em 49,6% dos casos o motivo que ocasionou a violência não foi relatado, e em 35,9% dos casos houve discussão ou desentendimento entre os envolvidos (Figura 03).

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Em 67,84% dos casos de violência registrados, as vítimas são do sexo feminino e a maioria (64,95%) apresenta pele branca, sendo a faixa etária de maior prevalência dos 11 aos 15 anos (41,48%). A maior parte das vítimas estava presente no momento do registro da ocorrência, acompanhadas pela mãe no Plantão Policial (45,98%); em 23 casos (7,39%) houve procura pelo serviço de saúde (Tabela_2).

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DISCUSSÃO As crianças e os adolescentes figuram como as principais vítimas de todos os tipos de violência intrafamiliar, o que contraria a idéia de que o lar é um local seguro e confere proteção à criança.

Dentre as formas de violência sofridas, destacam-se a violência física, o abuso sexual e as negligências, tanto de ordem material, quanto afetiva(12).

Os dados deste estudo evidenciaram vários tipos de crimes praticados contra as crianças e adolescentes, dentre eles, lesão corporal (violência física), maus tratos (agressão e/ou negligência) e ameaça (violência psicológica). Abandono de incapaz, estupro, corrupção de menores, entre outros, também se destacaram entre as denúncias analisadas, o que confirma a diversidade das formas de agressão.

Estudosenfatizam que a violência física é a mais notificada, seguida pela negligência e violência psicológica(13). O lar aparece como local privilegiado para os episódios desse tipo de violência, pois tanto as vítimas quanto os agressores, muitas vezes, costumam permanecer a maior parte do dia em seu domicílio(14). Isso porque o agressor supostamente conta com a cumplicidade de outro(s) membro(s) da família ou ainda, por não assumir a criança mantendo uma postura de não comprometimento com o agredido. No presente estudo pudemos confirmar esse fato. Porém, esse tipo de violência também apareceu, com uma menor freqüência, em outros locais como as instituições escolares e vias públicas.

A agressão física é, sem dúvida, de mais fácil reconhecimento, todavia não é essa forma de violência que pode desenvolver-se no interior das famílias. A violência psicológica tem-se mostrado muito freqüente e exige atenção redobrada do profissional de saúde, que sua manifestação, às vezes sutil, pode passar despercebida. Destaca-se dessa forma a grande importância desses profissionais em detectar e denunciar os casos comprovados ou mesmo suspeitos aos órgãos competentes.

Quanto às características das agressões, de forma geral, o fato de ocorrerem com mais freqüência aos sábados, no horário noturno, pode ser atribuído também pela maior permanência dos membros da família em suas casas aos finais de semana e durante a noite.

Os motivos alegados para justificar a agressão praticada contra crianças e adolescentes são os mais variados, mas na maioria dos casos não motivos concretos. Os fatos corriqueiros e banais podem ser os responsáveis pela conversão de agressividade em agressão. Estudos revelam que o elevado nível de violência perpassa as relações entre os seres humanos, como o baixo nível de tolerância ao outro, a ausência de diálogo na resolução dos problemas, a desvalorização da vida e o elevado nível de estresse nas relações interpessoais (15). Os conflitos conjugais geram insegurança emocional nas crianças que presenciam estes eventos, refletindo em perturbações na qualidade e na duração do sono desses indivíduos. Isto traz um efeito negativo em relação ao desempenho acadêmico, comportamental e emocional(16).

Quando se analisa quem seria com maior freqüência o agressor, observa-se a situação da mãe na família, pois é ela quem está mais próxima fisicamente da criança, seja responsabilizando-se pelo cuidado afetivo e educacional dos filhos, seja garantindo sua sobrevivência, que, na maioria das vezes, quando o casal está separado, é com ela que a criança permanece. Essa proximidade parece favorecer a ocorrência de situações de violência(13). Este destaque da mãe enquanto agressor é referendado em vários trabalhos(6,13,14), confirmando os dados obtidos neste estudo. Seguido da mãe, pudemos verificar outras relações entre vítima e agressor, como o próprio pai, colegas de escola, funcionários das instituições escolares e outros adolescentes e adultos em geral.

Quanto ao gênero das vítimas pudemos conferir que as crianças e adolescentes do gênero feminino são submetidas a situações de violência com mais freqüência que as do sexo masculino. Isto pode ser explicado pelo fato de o sexo feminino estar mais vulnerável às agressões e pela ideologia de uma suposta fragilidade feminina.

Quanto a baixa procura pelo Serviço de Saúde, outros estudos demonstraram que ao investigar os locais de escolha por vítimas de violência doméstica encontrou as delegacias de polícia como primeiro lugar (36,8%), enquanto que os serviços de saúde foram buscados em 5,3% dos casos(17). Isso pode significar que as lesões não representaram um problema grave para as vítimas ou que as mesmas não consideram o setor de saúde como competente para lidar com a violência(18). Ou ainda o motivo da não procura de ajuda pode ser porque como são os responsáveis que cometem na maioria das vezes a agressão, não tem consciência do dano causado a criança ou não querem ser condenados, por isso evitam buscar o pronto atendimento. Cabe, no entanto, aos profissionais de saúde ficar atentos para casos suspeitos de violência e a notificação dos mesmos, visto que estão sujeitos a penalidades sob forma de multa e, no caso de reincidência, uma multa com o valor maior ainda. Além disso, a contribuição desses profissionais é de fundamental importância uma vez que estão em contato direto com possíveis vítimas, principalmente aquelas que são agredidas pelos seus responsáveis e desta forma podem não ter acesso à procura por ajuda.

A criança que se desenvolve num ambiente violento pode apresentar sinais como dificuldade para expressar-se, baixa autoestima, e ainda a percepção de ter poucos amigos. Para aquelas que apresentam características emocionais instáveis, como por exemplo, a depressão, o fato de crescer num ambiente violento pode prejudicá-las ainda mais, tornando-se uma atmosfera favorável para novas vitimizações(19).

Em face da complexidade da violência contra menores, necessidade de realizar ações conjuntas entre setores da saúde, setores públicos e da sociedade civil, a fim de prevenir e enfrentar essas situações(20).

Torna-se, portanto, imprescindível o traçado epidemiológico da agressão contra a criança e o adolescente no mundo e no Brasil a fim de conhecê-la, e desse modo mapear sua morbidade que ainda é pouco conhecida, formando assim um diagnóstico que possa subsidiar o direcionamento de medidas de controle, prevenção e efetivas ações de atendimento(20).


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