Fazeres dos enfermeiros em uma unidade de internação psiquiátrica de um
hospital universitário
INTRODUÇÃO
A assistência de enfermagem em saúde mental vem passando por um processo de
transformação, tendo como desafio implementar a mudança de paradigma do modelo
asilar para o modelo psicossocial. Essa transformação teve início no Brasil na
década de 70, em meio a um movimento político chamado Reforma Psiquiátrica,
A Reforma Psiquiátrica direciona o olhar para o sujeito como um ser pleno de
subjetividades e visa a implementação de serviços extra-hospitalares, tendo
como ênfase a assistência do sujeito no território, objetivando a superação do
manicômio enquanto espaço de segregação, tutela e de isolamento. A proposta
desse movimento é de reduzir leitos psiquiátricos, inserir os pacientes
crônicos institucionalizados em programas comunitários e desenvolver
equipamentos de saúde que possam substituir a internação psiquiátrica
tradicional(1).
Os manicômios, que faziam parte do modelo pré-reforma psiquiátrica, passaram a
ser substituídos por alternativas comunitárias da rede básica de saúde, como os
Centros de Atenção Psicossociais (CAPS), unidades básicas de saúde,
ambulatórios especializados, hospital-dia, serviços de urgência e emergência
psiquiátricas, leito ou unidade em hospital geral e serviços residenciais
terapêuticos(2). Essas alternativas ao manicômio, preconizadas pelo Ministério
da Saúde, visam à inclusão social e à desinstitucionalização do sujeito em
sofrimento mental.
No contexto do manicômio, o fazer do enfermeiro restringia-se ao de assistente,
observando, vigiando, repreendendo e registrando o comportamento dos pacientes
(3). Esse modo de fazer tem base na formação flexneriana, reducionista, sob a
idéia de que é preciso isolar para conhecer, e conhecer para intervir(4). A
forma de tratar, nesse modelo, direciona o olhar apenas para o sintoma e para o
diagnóstico, em um processo fragmentário do sujeito, incapacitando o
profissional de estabelecer uma relação de ajuda com o usuário do serviço de
saúde, tornando-o um objeto a ser tratado.
Os recursos, utilizados pela enfermagem no modelo hospitalocêntrico, eram de
fazer o doente sentir medo, além de usar métodos punitivos e técnicas
disciplinares, em que tratamento e punição se confundiam(5). O controle da
liberdade de expressão, do direito de ir e vir, de escolher, de decidir e de
participar no tratamento era tolhido pela Enfermagem e demais profissionais. O
objetivo terapêutico desse modelo era a adaptação da pessoa com patologia
psiquiátrica aos padrões morais aceitáveis pela sociedade.
No modelo psicossocial, é necessário que o enfermeiro evolua para um papel
terapêutico e não opressor, desprendendo-se do modelo médico que visa apenas a
doença e não o sujeito em seu contexto social, considerando, assim, a pessoa
com transtorno psiquiátrico como um sujeito na sua totalidade(6). Na
atualidade, o profissional deve organizar seus fazeres fundamentado na
integralidade da atenção em saúde, em uma ótica mais flexível e criativa,
vislumbrando um cuidado complexo e singular.
Nessa perspectiva de intervenção ampliada, as ações dos enfermeiros devem
constituir-se em fazeres que olhem a pessoa dentro de seu contexto de vida, ou
seja, alguém com história, desejos, relações, modos de viver com família e
viver na cidade, no qual o seu cuidado aconteça a partir de suas demandas e
necessidades. Essa transformação na saúde mental pressupõe a transformação de
paradigmas na atenção aos sujeitos em sofrimento psíquico, substituindo a
palavra "tratar" que leva uma nomeação diagnóstica, por "cuidar", termo que
inclui várias dimensões da complexidade do sujeito(4).
A prática atual da Enfermagem Psiquiátrica deve ser pautada na noção de
cuidado, como uma ação complexa e integral, respeitando e acolhendo as
necessidades de cada indivíduo. Assim, o cuidado pressupõe capacidade para a
escuta e o diálogo, além de disponibilidade para perceber o outro, como um
sujeito com potencialidades, resgatando-lhe a autonomia e estimulando-lhe a
cidadania.
A noção de integralidade da atenção ocorre pelo reconhecimento de que cada
pessoa é um todo indivisível e social, que as ações de promoção e recuperação
da saúde não podem ser fragmentadas(7). Essas ideias corroboram o modelo
psicossocial, que salienta que as interações entre profissionais e usuários dos
serviços de saúde devem ser pautadas na horizontalidade, colocando esses dois
protagonistas no mesmo patamar de importância no processo de reabilitação.
No campo da saúde mental e da psiquiatria, o enfermeiro utiliza a formação do
vínculo terapêutico como principal ferramenta de trabalho. Esse processo de
ajuda ao sujeito em sofrimento psíquico implica o conhecimento teórico
associado à capacidade de comunicação e de autoconhecimento do enfermeiro. Essa
capacidade de ajuda exige alguns requisitos básicos, como capacidade para amar,
empatia pelo outro, capacidade técnica, científica e de consciência crítica(8).
Desse modo, entendemos que o relacionamento é um dos eixos das diretrizes
atuais da assistência psiquiátrica, visando à promoção da saúde mental.
Pensamos que os fazeres do enfermeiro devem ser embasados em acolhimento,
interdisciplinaridade, responsabilidade, vínculo e na integralidade das ações
em oposição à vigilância e à opressão propostas nos manicômios. A partir do
modelo psicossocial, esse profissional deve assumir novos fazeres, no qual o
enfermeiro deve visualizar que saúde e doença não são sinônimos de bem e mal,
positivo ou negativo, mas que os fazeres devem se organizar a partir da
responsabilização e das relações de cuidado centradas no acolhimento e produção
de vínculos, questionando as ações intervencionistas, limitantes e
estigmatizantes(8). Para o enfermeiro, isso implica na busca e na análise
contínua de seus fazeres, sendo necessário considerar a atenção em saúde mental
na sua dimensão ampliada como produção de vida.
Nesse novo cenário de cuidado, a enfermagem deve considerar a subjetividade do
indivíduo, valorizando-o como cidadão com direitos e deveres. O estímulo à
cidadania faz-se no cotidiano dos serviços de saúde e no contexto da
multidisciplinaridade e na intersetorialidade. Para lidar com problemas
complexos, há que diversificar ofertas de maneira integrada e buscar
articulação em outros setores. Consequentemente, os profissionais de saúde,
dentre eles o enfermeiro, precisam articular-se nessa caminhada(7). O que se
quer são fazeres comprometidos, nos quais as práticas assistenciais orientam-se
na busca da autonomia, reinserção e inclusão social, aumentando a
contratualidade da pessoa com transtorno psiquiátrico.
Através da concepção ampliada de assistência, do modelo psicossocial,
preconizada pela Reforma Psiquiátrica, interessa-nos analisar os fazeres dos
enfermeiros psiquiátricos. Entende-se por fazeres as atividades, as ações e
intervenções realizadas no seu cotidiano assistencial.
Assim, o presente estudo, baseado no Trabalho de Conclusão de Curso Saberes e
Fazeres dos enfermeiros em uma unidade de internação psiquiátrica de um
hospital universitário(9), objetiva contribuir para os conhecimentos e
concepções dos fazeres dos enfermeiros, articulando teorias e práticas,
propondo uma reflexão sobre a atuação deste profissional no contexto proposto
pela Reforma Psiquiátrica.
REFERENCIAL METODOLÓGICO
Este estudo tem caráter exploratório descritivo, com abordagem qualitativa. A
pesquisa qualitativa responde questões muito particulares. Ela trabalha com o
universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, que
corresponde a um espaço mais profundo das relações dos processos e dos
fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis(10).
A pesquisa foi realizada na Unidade de Internação Psiquiátrica de um hospital
universitário. Participaram todos os oito enfermeiros da equipe de enfermagem
dessa unidade, que concordaram em participar e assinar o termo de Consentimento
Livre e Informado. O tipo da amostra foi intencional, por convite, ocorrendo
nos meses de agosto a outubro de 2005, no próprio local de trabalho, por meio
de entrevistas, as quais foram gravadas e posteriormente transcritas. A
pesquisa teve como critério de exclusão os enfermeiros que estiveram em licença
saúde ou em férias no período da coleta de dados. O instrumento utilizado na
coleta de dados foi a entrevista semiestruturada consistindo de dois
questionamentos: Como ocorre o seu cotidiano de trabalho? Quais são as
atividades que você desempenha na Unidade de Internação Psiquiátrica?
A análise dos dados deu-se através das três etapas propostas por Minayo:
ordenação dos dados, classificação dos dados, análise final(10). A primeira
etapa consistiu no mapeamento dos dados obtidos nas entrevistas, ou seja,
transcrição, leitura e reeleitura do material, e organização dos relatos; já na
classificação dos dados, foi realizada através de uma leitura exaustiva e
repetida dos textos, estabelecendo interrogações com base na fundamentação
teórica, buscando identificar o que aparece de relevante e as ideias centrais
das falas dos entrevistados; por fim, pretendeu-se estabelecer articulações
entre os dados e referenciais teóricos de pesquisa, respondendo ao objetivo
proposto no estudo.
Foi utilizado o Termo de Consentimento Livre e Informado, em duas vias, de
acordo com a Resolução 196/96 do Conselho Nacional de Saúde, que aprova
diretrizes e normas regulamentadoras de pesquisa envolvendo seres humanos(11).
Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do referido hospital
sob o protocolo 05-331.
FAZERES DOS ENFERMEIROS
A formação do enfermeiro para o cuidado, como prática profissional, tem início
em 1860, na Inglaterra Vitoriana com Florence Nightingale, onde ocorreu a
organização da equipe de enfermagem em Nurses e Lady-Nurses. Através dessa
divisão social do trabalho, as atividades relacionadas ao cuidado eram
fragmentadas, já que às ladies cabia o ensino e supervisão, e às nurses as
tarefas manuais(12). Na atualidade, o enfermeiro tem seus fazeres organizados
em ações de cuidado direto ao paciente (atividades assistenciais) e cuidado
indireto centrado nas atividades de gerência do cuidado (atividades
administrativas).
Contrapondo-se à visão fragmentada do cuidado, na contemporaneidade, os fazeres
devem ter o usuário no centro do cuidado, ou seja, devem ser usuário-centrados.
Essa prática assistencial propõe um processo de trabalho multiprofissional,
permeado por ações baseadas no acolhimento, vínculo, autonomização e resolução
(13). Desse modo, os fazeres do enfermeiro devem estar pautados pela
integralidade da atenção e acolhimento, buscando um atendimento ampliado,
proporcionando espaços de fala, escuta, escolhas em que a vida do sujeito deve
direcionar o cuidado em saúde mental.
O acolhimento traz à tona a ideia de relação, de ouvir e dialogar que pressupõe
uma atitude da equipe de comprometimento em receber, escutar e tratar de forma
humanizada os usuários e suas necessidades, por meio de uma relação de mútuo
interesse entre trabalhadores e usuários(14). Por sua vez, a integralidade
aponta para uma visão mais abrangente das necessidades dos sujeitos de que
cuidamos. Essas idéias devem nortear os fazeres dos enfermeiros para que possam
cuidar, buscando transformar os modos de viver e sentir dos indivíduos, em
sofrimento psíquico, no seu cotidiano.
Os enfermeiros entrevistados trazem o conceito de integralidade da assistência
e o relacionamento interpessoal como concepções norteadoras do seu fazer,
propondo que, ao cuidar, cada pessoa é um todo indivisível, parte da sociedade
e que as ações de saúde devem configurar-se em um sistema capaz de prestar
assistência integral.
É o cuidar do todo, é ter a visão ampla. Não tem como cuidar de uma
coisa só do paciente psiquiátrico, tu acabas te envolvendo e cuidando
dele inteiro, do corpo, da cabeça, do sentimento, da família (E6).
Nos depoimentos, transparece uma visão ampliada do fazer, não cuidando apenas
da parte que está doente, mas explorando, considerando a pessoa na sua
subjetividade, na sua história e suas relações com a família e a rede de apoio.
O atendimento integral vai além da formulação de um planejamento terapêutico,
mas contempla a reorientação das relações entre o Estado e a Sociedade e o
olhar para o sujeito-usuário dentro de uma lógica de atendimento que considere
o cuidado nas mais diversas dimensões do ser humano(15).
Nesse cenário, o enfermeiro deve considerar e entender os fatores sociais e
familiares para traçar uma estratégia de intervenção, embora não seja uma
tarefa fácil, tendo em vista o desenvolvimento de suas atividades que, por
muitos anos, ocorreram apenas dentro da instituição psiquiátrica(16). Nesse
sentido, o enfermeiro deve organizar seus fazeres desinstitucionalizando suas
ações para práticas nas quais as relações aparecem como eixos articuladores
para atividades mais abrangentes de saúde, em uma construção política e social.
Outra característica do fazer, apontada pelos enfermeiros, refere-se à
peculiaridade de que as ações de enfermagem devem ser individualizadas,
buscando atender às necessidades terapêuticas de cada um, tendo como
pressuposto que cada indivíduo é um ser único.
O plano terapêutico é tu poderes avaliar os sinais e sintomas que o
paciente está apresentando e poderes traçar um cuidado para ele.
Poder estimular atividades recreativas, poder dar dados de realidade.
É traçar um cuidado para ele que seja individualizado, porque cada
paciente vai ter um plano terapêutico diferente. (E3).
O plano de atendimento é uma forma de individualizar o cuidado, mas, para que
isso aconteça, é preciso que o enfermeiro esteja atento às necessidades do
sujeito em sofrimento psíquico. O plano terapêutico é uma ferramenta de
trabalho que está em constante mudança juntamente com as necessidades do
paciente, implicando em uma constante avaliação para direcionar os fazeres dos
enfermeiros. Para tanto, deve-se ter claro que essa ação é contínua, requer
compromisso diário para não se caracterizar como um processo normativo do
fazer.
No modelo psicossocial, o enfermeiro deve entender e estimular a participação
do sujeito na formulação do seu cuidado, tendo presente que o fazer com outro,
em relação, implica em troca e negociação da equipe com o usuário frente aos
diferentes interesses.
Nas falas dos enfermeiros, pode-se observar que o profissional enfermeiro
mostra-se disponível para uma prática profissional interdisciplinar, estando
aberto para discutir, debater, aprender com outras equipes, trocando
informações e compartilhando pensamentos em prol do bem-estar do paciente.
Discutir em equipe o que é melhor para o paciente naquele momento,
para aquela situação, discutindo sobre a melhor forma de cuidar.
Dividir, quando tu não sabes algo, com o colega (E3).
Troca de ideias, de informações com as demais equipes de trabalho:
equipe médica, de nutrição, serviço social, psicologia [...] (E5).
Nota-se que os entrevistados estão receptivos a trabalhar e a aprender com
outros profissionais. Apontam que a interdisciplinaridade implica a troca, o
compartilhamento, a integração das diferentes áreas exigindo do profissional
interlocução e disponibilidade para repensar suas ações. A
interdisciplinaridade é um desafio, pois reconhece a necessidade de diferentes
olhares sobre um mesmo fazer que se caracterize como coletivo.
O fazer também está relacionado com a interdisciplinaridade, conceito surgido
no século XX com o objetivo de superar o individualismo do conhecimento,
propondo-se a transcender e a ampliar a visão de um mundo fragmentado(17). Na
interdisciplinaridade, o fazer não fica exclusivamente limitado ao campo
biológico ou dentro da área de atuação de cada profissional. Desse modo,
caracteriza-se pelo envolvimento com todos os profissionais, reconhecendo
diferentes olhares, buscando ampliar as ações da equipe de enfermagem e de
saúde.
A interdisciplinaridade propõe troca de idéias e pressupõe uma atitude
diferente a ser assumida pelos profissionais, substituindo uma visão
fragmentada do conhecimento para uma visão ampliada, transcendendo o saber
unitário de um profissional específico(17). Atualmente, é considerada como uma
alternativa para se alcançar as inovações propostas pelo novo modo de atenção
em saúde mental, o qual requer profissionais capazes de articular conhecimentos
profissionais específicos com o de toda a rede de saberes envolvidos no sistema
de saúde(18).
Nesse sentido, o fazer integral, como ação dos enfermeiros, tem como desafio
oferecer um cuidado desenvolvido em aliança, considerando as dimensões da vida
e da pessoa, em que saúde é uma produção social, ou seja, é condicionada pelo
ambiente, lazer, trabalho, renda, educação, acesso aos serviços de saúde e
outros.
A complexidade do cuidado direto também transparece nos depoimentos, onde o seu
fazer caracteriza-se como amplo, abrangente, implementando ações para atenção
individual que considera o sujeito em sua potencialidade e fragilidade para com
a sociedade, ou seja, trabalho, lazer, moradia são questões consideradas na
promoção da saúde mental Assim, evidencia-se a preocupação dos entrevistados em
ajudar seu cliente a realizar atividades simples do dia-a-dia, como
alimentação, higiene e vestir-se, atividades da vida diária que o constituem
como pessoa reconhecida na sociedade.
Auxiliar na alimentação, na vestimenta, organizar o material, o
material de banho, de quarto, a cama, porque quando eles forem para
casa eles terão que fazer isso. Então, a gente deve estimular que
eles continuem fazer aqui dentro, ou se eles não estavam fazendo lá
que voltem a fazer aqui dentro. [...] São atividades como, jogar
sinuca, tomar chimarrão, montar quebra-cabeça, mexer no computador,
fazer trabalhos manuais, fazer um roda de conversa, fazer as unhas.
Isso tudo ajuda na reabilitação (E3).
Transparece a ideia do fazer, indo além do sintoma, na qual autonomia,
cidadania e reabilitação são objetivos desse cuidado. A reabilitação é um
processo que aumenta a capacidade do usuário de estabelecer trocas sociais,
resgatando sua autonomia em casa e no seu contexto social. Esse conceito visa
trabalhar com o sofrimento e com a fragilidade e não com a incapacidade,
valorizando o vínculo, a escuta e o acolhimento.
O que se busca, para a autonomia do doente mental, é a dependência de um maior
número de trocas(19). Os profissionais de saúde devem pautar seus cuidados em
um conjunto de diferentes técnicas que possam trabalhar com as necessidades
individuais e as oportunidades do contexto onde o sujeito em sofrimento mental
se insere. Entende-se que a reabilitação acontece no cotidiano, desde hábitos
para o cuidado pessoal até as questões de trabalho, buscando formas singulares
de intervir, resgatando a cidadania do paciente psiquiátrico e não a simples
restituição dos direitos formais, mas a construção dos direitos substanciais,
como afetos, relações, habilitação, trabalho e recursos materiais(10).
Outra característica apontada no fazer dos entrevistados é o processo de
enfermagem, uma metodologia de trabalho que busca dinamizar o cuidado. Traz a
importância do registro de suas intervenções e avaliações diárias, contribuindo
com um cuidado terapêutico e orientando o trabalho em equipe. Os diferentes
registros, como padrões de sono, autocuidado e hábitos pessoais, possibilitam
uma assistência mais abrangente, abrindo caminho para ação conjunta que procura
ser ampla.
Rever os nossos diagnósticos todos os dias para ver se os nossos
cuidados se mantém ou se a gente tem que alterar. Todos os dias a
gente vivencia ele de forma diferente. Então, a gente está
constantemente avaliando isso (E3).
Os diagnósticos de enfermagem proporcionam à Enfermagem uma estrutura para a
organização de sua ciência. É, no entanto, responsabilidade individual, de cada
enfermeiro, a aplicação do diagnóstico de enfermagem com cautela e cuidado(20).
Os enfermeiros devem utilizar o processo de enfermagem no seu cotidiano de
trabalho, pois o mesmo lhe facilita o planejamento e a execução de suas
atividades assegurando a qualidade da assistência prestada.
Considera-se que o processo de enfermagem pode contribuir para a prática de
enfermagem mais autônoma e com bases científicas, porém, como apontado
anteriormente, o fazer não deve se orientar por uma postura técnica de atenção
à doença. O processo de enfermagem deve organizar-se com foco na complexidade
do fenômeno da loucura, tendo clareza da importância de que as ações devem
estar relacionadas à clínica ampliada.
Nessas atividades, a equipe de enfermagem troca informações sobre as ações
realizadas nas 24 horas de cuidado da área. Relatam verbalmente o que ocorreu,
o que foi feito ou não, checam os cuidados prescritos. Ou seja, é um espaço/
momento em que o fazer pode ser avaliado, planejado, orientando as ações da
equipe de enfermagem.
O meu cotidiano de trabalho começa com a passagem de plantão, vendo
como foi o turno anterior, como estavam os pacientes. Após isso a
gente vai nos quartos para ver como estão os pacientes e ver aqueles
que estão mais difíceis, que precisam de uma maior atenção (E1).
A passagem de plantão serve para dar a continuidade no trabalho (E3).
Entre os fazeres, apontados pelos enfermeiros, a passagem de plantão aparece
como a primeira atividade realizada no cotidiano de trabalho, dando
continuidade ao processo de cuidar. É um momento de troca de informações,
caracterizado como de extrema importância para ordenar os seus fazeres,
organizando o cuidado direto e o cotidiano de trabalho.
Esse momento de troca de informações funciona como um plano diário de trabalho,
priorizando ações que devem ser realizadas no decorrer do trabalho,
proporcionando a identificação de problemas singulares à cada paciente, com o
objetivo de planejar e executar medidas de enfermagem que possibilitem a
eficácia do cuidado ao paciente(20).A equipe de enfermagem deve estar atenta
nesse momento para que o plano diário de trabalho seja planejado e executado
objetivando a satisfação do usuário em relação às suas demandas de saúde.
Na passagem de plantão, acontece a transmissão de informações entre os
profissionais que terminam e os que iniciam o período de trabalho. Abordam o
estado dos pacientes, assistência prestada, intercorrências, pendências e
situações referentes a fatos específicos da unidade de internação que merecem
atenção(20). A passagem de plantão é um fazer que organiza, que dá continuidade
ao trabalho, devendo considerar a subjetividade e a particularidade das ações
para cada paciente.
Além do cuidado direto, os enfermeiros realizam atividades gerenciais, ou seja,
de cuidado indireto. Nas falas dos entrevistados, percebe-se que a supervisão
da equipe enfoca as atividades administrativas como escalas, folgas e férias,
entre outras, associadas à observação, orientação e organização do trabalho em
equipe de enfermagem (técnicos de enfermagem e enfermeiros).
Supervisiono os técnicos e fico muito presente no ambiente. Acho que
é a melhor forma de trabalhar. Observo as horas extras, as escalas,
vejo as folgas. Então, a gente tem que administrar isso também (E2).
Não tem como fugir da administração. A assistência também deve ser
administrada. (E5)
A supervisão vem sendo caracterizada como uma função administrativa que envolve
um processo dinâmico e democrático de integração e coordenação dos recursos
humanos e materiais. Esse processo administrativo envolve planejamento,
execução, avaliação, objetivando a melhora da prática assistencial, servindo
como uma importante ferramenta para gerir e organizar o trabalho em saúde.
Quando bem planejada e conduzida, possibilita intervenções que oferecem
melhores respostas, do ponto de vista do atendimento de necessidades focais,
repercutem benéfica e satisfatoriamente na organização como um todo(20).
Dessa forma, os fazeres dos enfermeiros em uma unidade de internação
psiquiátrica devem estar pautados nos pressupostos da Reforma Psiquiátrica e da
Reabilitação Psicossocial, procurando articular o fazer com o saber, além de
procipiciar um espaço para discussão/reflexão sobre o cuidado, no qual
sentimentos, limites e dificuldades são considerados condicionantes das ações.
Esse espaço deve ser aproveitado como possibilidade de troca e diálogo sobre
dificuldades individuais e coletivas, na qual as vivências do fazer devem ser
expressadas e refletidas, buscando assim, organizar, transformar e facilitar o
trabalho da enfermagem.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O modelo psicossocial de cuidado ao indivíduo em sofrimentos psíquico,
alicerçado nos pressupostos da Reforma Psiquiátrica, deve orientar as práticas
assistenciais dos profissionais de saúde, dentre eles, os enfermeiros. Nesse
modelo de atenção, os fazeres tem a centralidade das necessidades das pessoas
em sofrimento psíquico, em que há um direcionamento para cidadania e autonomia
como pressupostos teóricos para o cuidado em saúde mental.
Os enfermeiros que participaram desse estudo têm seus fazeres pautados no
atendimento integral, através de um trabalho de equipe, incentivando a
participação dos sujeitos em sofrimento psíquico no seu tratamento,
compartilhando experiências com as famílias e com a comunidade. Assim, observa-
se a apreensão de novos conceitos que orientam a assistência em saúde mental,
na qual acolhimento, cuidado integral e individual e consideração da
subjetividade norteiam essa prática.
Visualizamos o enfermeiro, potencialmente, como um importante agente de
mudanças; entretanto, essa potencialidade estará diretamente relacionada ao
grau de consciência desses trabalhadores, ou seja, quanto mais consciente de
seu papel de trabalhador, inserido num contexto social e de cidadão num sistema
político, mais apto estará para eleger instrumentos de trabalho que visem o
resgate dessa mesma condição de sujeito-cidadão às pessoas com transtornos
mentais.