Síndrome mão-pé induzida por quimioterapia: relato de um caso
INTRODUÇÃO
A síndrome mão-pé (SMP), ou eritrodisestesia palmo-palmar é uma reação cutânea
tóxica que ocorre com frequência e constitui importante problema clínico. O
desenvolvimento da SMP pode levar à interrupção do tratamento e, com
frequência, à redução da dose do quimioterápico. Mesmo quando não representa
fator dose-limitante das drogas antineoplásicas, pode afetar severamente a
qualidade de vida do paciente oncológico e causar desconforto crônico bem como
limitação das atividades diárias(1). Decorre da alta vulnerabilidade dos
tecidos cutâneos à ação de drogas antineoplásicas e caracteriza-se por edema,
dor, eritema e descamação de mãos e pés após a administração de drogas como
capecitabine, fluorouracil, citarbine e doxorubicina(2).
A síndrome foi descrita em associação com quimioterápicos pela primeira vez por
Zuehlke, em 1974. Em 1984 Lokich and Moore também descreveram o desenvolvimento
de SMP em um paciente recebendo infusão contínua de 5-fluorouracil (5-FU) no
Hospital New England Deaconess.(3). Desde então, tem sido associada com vários
outros agentes quimioterápicos(4,5). Está classificada entre as toxicidades
dermatológicas sistêmicas e é também conhecida como Eritrodisestesia palmo-
plantar, Eritema Acral, Reação de Burgdorf, ou Síndrome de Lokich-Moore(6).
Os mecanismos precisos que levam ao aparecimento da SMP são ainda
desconhecidos. Teorias se baseiam no fato de que apenas as mãos e os pés
estejam envolvidos em diferenças de temperatura, microvascularização
diferenciada, elevada taxa de queratinócitos, alta frequência de glândulas
écrinas e células epidérmicas se dividindo rapidamente(7,8). A superexpressão
da Ciclooxigenase 2 (COX -2) pode ser um potencial mediador para
desenvolvimento da SMP. É possível que a terapia citostática possa mediar um
efeito tóxico sobre os queratinócitos basais. Aparentemente, a taxa de
reprodução dessas células as torna mais suscetíveis aos efeitos tóxicos da
quimioterapia. Essa hipótese é apoiada por investigações histológicas e
estruturais em que foram encontradas uma hiperproliferação compensatória basal
da epiderme, além de uma prematura e irregular queratinização, e aumento de
mastócitos(9). Suspeita-se, ainda, da possível existência de uma base genética.
Em pacientes coreanos, foi encontrado um ponto de mutação correlacionado à
(10). Outro estudo encontrou uma maior frequência de SMP entre americanos
negros tratados com capecitabina, do que em pacientes brancos sob o mesmo
regime terapêutico(11).
Recentemente, foi observada significante redução de SMP ao se combinar o 5-FU
com inibidor de dihidropirimidina desidrogenase. Este achado evidenciou que a
toxicidade poderia ser resultante de um co-produto da degradação catabólica do
5-FU, iniciada por esta enzima(1).
A classificação da SMP mais utilizada é baseada na Terminologia Comum para
Critérios de Eventos Adversos (CTCAE, v. 4.0), um sistema de classificação para
os eventos adversos relacionados às quimiotoxicidades, estabelecida pelo
Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos (NCI)(12). Segundo esta
classificação, a SMP é estadiada em 3 graus sendo que o grau 1 é caracterizado
por dormência, disestesia, parestesia, formigamento, edema, eritema ou
desconforto nas mãos ou nos pés, considera-se que estes sintomas não perturbam
o desempenho das atividades de vida diária (AVD) ou atividades de vida diária
instrumental (AVDI). O grau 2 é caracterizado por presença de eritema doloroso
e edema nas mãos e/ou nos pés, com desconforto que afeta as AVD e AVDI. No grau
3, estão presentes a descamação úmida, as ulcerações, a formação de vesículas e
dor intensa nas mãos e/ ou nos pés. Pode haver desconforto grave, impedindo o
paciente de trabalhar e realizar as AVD e as AVDI(10,12).
Em geral, o paciente procura assistência médica com a queixa de sensação de
tensão nas mãos e nos pés, formigamento, queimação ou pontadas nas palmas das
mãos, dedos, solas dos pés ou das regiões plantares dos dedos do pé(13). Mãos e
pés edemaciados, avermelhados e doloridos em um paciente recebendo
quimioterapia são sintomas geralmente suficientes para se estabelecer o
diagnóstico. Muitas vezes, há grandes áreas simétricas de eritema acinzentado
que podem ser acompanhadas, em casos graves, de descamação lamelar intensa,
edema, bolhas, erosões ou, raramente, ulcerações. A presença de disestesia é
comum, o que se constitui em sintoma diferencial entre esta síndrome e outras
doenças eritematosas. Além disso, é comum a presença de prurido nas mãos ou nas
solas dos pés. A severidade dos sintomas está relacionada à dose-cumulativa,
tornando-se pior a cada novo ciclo da droga antineoplásica, mas podendo
regredir espontaneamente durante os intervalos.
Os métodos recomendados para se tratar SMP constituem-se basicamente de medidas
tópicas. Algumas propostas têm sido estabelecidas tais como o uso de pomadas
protetoras a base de uréia ou de lanolina, acompanhado de redução da dose ou
mesmo interrupção do quimioterápico(2,14). Outras propostas de controle e
tratamento da SMP têm sido pesquisadas, tais como a terapia tópica com
corticosteróides, ainda em fase de investiga(2). Para os comprometimentos de
SMP grau 1, sugere-se que o paciente evite fricção mecânica da pele das palmas
das mãos e plantas dos pés. O uso de cremes emolientes suaves é aconselhável.
Uma abordagem interessante é o uso profilático de adesivos tópicos de nicotina
para se promover vaso constrição local, reduzindo assim a ação da capecitabina
nas mãos e nos pés(10).
Após o primeiro episódio de SMP, uma vez que os sintomas tenham diminuído, a
quimioterapia poderá voltar ao esquema inicial. Nos casos, porém, de
recorrência de SMP grau 3, poderá haver a necessidade da suspensão definitiva
do uso do quimioterápico(10). A cura completa da SMP após o tratamento
antineoplásico é possível enquanto não houver ulcerações localizadas. As
principais complicações observadas, embora sejam raras, são as infecções com
estafilococos ou bactérias granm-negativas ou ainda a ocorrência de erisipela
(10).
Percebe-se, portanto, que o impacto da SMP na qualidade de vida da pessoa com
câncer merece especial atenção da equipe de saúde. Frente a isso e, ao
considerarmos a importância do cuidado de enfermagem sistematizado, este estudo
tem como objetivo descrever um caso de Síndrome mão-pé grau 3 associada ao
quimioterápico capecitabina, situação na qual implementamos o uso de creme
hidratante aquoso à base de aloe vera.
METODOLOGIA
Trata-se do relato de um caso que ocorreu em 2007 num ambulatório de
quimioterapia de um hospital do interior de Minas Gerais. Uma paciente em uso
de capecitabina para tratamento de câncer de mama avançado procurou
voluntariamente a equipe de enfermagem do ambulatório reportando os sintomas.
Após a toxicidade ter sido diagnosticada pelo médico assistente como Síndrome-
mão pé grau 3, solicitamos à paciente autorização para fotografar e documentar
a evolução das lesões e implementar as medidas cabíveis para solução do
problema. Após assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido,
procederam-se às condutas necessárias. A paciente foi acompanhada por 40 dias,
em retornos a cada 10 dias com a enfermeira especialista em oncologia.
A capacidade funcional da paciente foi avaliada a cada consulta de enfermagem.
Foi utilizada a Escala de Performance de ECOG a qual foi desenhada pela Eastern
Cooperative Oncology Group e validada pela OMS em 1982(15). Por meio dela, é
possível identificar o índice de desempenho diário. Trata-se de um instrumento
de avaliação funcional que ajuda a avaliar a resposta ao tratamento
antineoplásico e estima o nível de atividade e independência do indivíduo. É
uma escala clinicamente útil, que varia de 0 a 4, amplamente utilizada por
enfermeiros e demais profissionais em oncologia, pois medem parâmetros
importantes como atividade física, sintomas de doença e grau de assistência
necessária, além de ser um importante parâmetro para avaliação da tolerância e
da resposta ao tratamento(16).
Relato do caso
Trata-se de uma paciente do sexo feminino, 37 anos de idade, que havia sido
tratada por adenocarcinoma de mama esquerda com quimioterapia neoadjuvante,
mastectomia radical, e radioterapia adjuvante em 2005. Em 2007, seus exames
mostraram metástase em plastrão e, diante disso, novo tratamento com
radioterapia e capecitabina foi iniciado. Na nona semana, passou a receber 3g/
dia de capecitabina e após 10 dias retornou com queixa de formigamento em mãos
e pés, grave dificuldade de deambulação e dificuldade em segurar coisas. Foi
diagnosticada como SMP grau 3, ECOG 1 (restrição a atividades físicas
rigorosas; capaz de trabalhos leves e de natureza sedentária). Iniciou
tratamento convencional com automassagem diária usando hidratante para a pele
não alcoólico à base de uréia e hidratação oral em volume de 2 litros diários.
Retorna após 10 dias com piora dos sintomas e, ao exame físico mostrava membros
superiores e inferiores com ressecamento e descamação significativa,
sensibilidade dolorosa, coloração acinzentada, presença de bolhas e edema,
índice de desempenho ECOG 2 (capaz de realizar todos os auto-cuidados, mas
incapaz de realizar qualquer atividade de trabalho). O diagnóstico de
enfermagem principal foi "Integridade Tissular Prejudicada, relacionada ao uso
de capecitabina, evidenciada pela SMP grau 3, não responsiva à hidratação local
com creme emoliente à base de ureia" (Fotos 1,2,3).
O caso foi discutido em grupo formado pelos enfermeiros do serviço, médico da
paciente e farmacêutico da central de quimioterapia. Após estudos do grupo,
optou-se por desenvolver e utilizar um creme de aloe vera aquoso em base
neutra, como meio de favorecer o processo de cicatrização o mais rápido
possível. Apesar de não encontrarmos estudos que descrevessem o uso desse
produto para prevenção ou cura da SMP, não encontramos também qualquer
contraindicação. O aloe vera foi escolhido por possuir propriedades umectantes,
emolientes, antiinflamatórias, cicatrizantes e regeneradoras de tecidos.
Sugere-se que a manose-6-fosfato, o principal polissacarídeo presente na aloe
vera, seja o responsável pela propriedade cicatrizante. A cicatrização ocorre
pela estimulação direta da atividade dos macrófagos e fibroblastos. A ativação
dos fibroblastos aumenta tanto a síntese do colágeno como a de proteoglicanas,
promovendo assim a reparação dos tecidos. O mecanismo de ação baseia-se na
inibição dos produtos derivados do metabolismo do ácido araquidônico, tais como
tromboxano B, o qual limita a produção de prostaglandina F2a, prevenindo a
isquemia dérmica progres06,17,1 ^. O gel aquoso à base de tapioca foi utilizado
por ser um veículo farmacotécnico com propriedades que contribuem e facilitam o
carreamento do ativo aloe vera, tornando o meio mais propício para um
tratamento efetivo e rápido.
O farmacêutico responsável manipulou o hidratante, conforme as técnicas e os
critérios necessários. Ao receber o produto a enfermeira, em consulta de
enfermagem, orientou a paciente a aplicá-lo três vezes ao dia, massageando em
todas as áreas das mãos e dos pés em sentido de retorno venoso. Somado a isso,
a paciente foi orientada sobre a necessidade de adotar uma dieta "colorida",
fracionada a cada 3h, e de manter hidratação oral em um mínimo de 2 litros
diários, tal como já fazia anteriormente. Ensinamos estratégias para redução do
nível de ansiedade, e programamos retorno para reavaliação. O médico assistente
foi comunicado, e optou por suspensão do protocolo antineoplásico.
Figura_1
Figura_2
RESULTADOS
Após 10 dias, a paciente retornou novamente para consulta de enfermagem, agora
apresentando significativa melhora da integridade tissular. Houve surpreendente
regressão da SMP (fotos 4,5,6), com importante melhoria de qualidade de vida e
com a paciente informando já ter retomado suas atividades de vida diária (ECOG
0). Diante dos resultados obtidos foi possível o reinício imediato do
tratamento oncológico.
Nos 20 dias que se seguiram, foi recomendado manter os cuidados iniciais de uso
do hidrante aquoso à base de aloe vera. A paciente não apresentou queixas ou
sinais/sintomas de reincidência de SMP.
DISCUSSÃO
Numerosos estudos mostram que a SMP afeta uma grande porcentagem de pacientes
oncológicos, e é uma das toxicidades dose-limitantes mais comuns da
capecitabina. A literatura indica também claramente que a avaliação e o manejo
dos efeitos adversos do tratamento oncológico requerem urgente atenção(19).
Neste sentido, é fundamental destacar a relevância da consulta de enfermagem,
enquanto processo de interação e integração na relação enfermeiro-cliente,
permeada pela educação em saúde(20). É importante que o enfermeiro monitorize
seus pacientes para identificar precocemente sinais de toxicidade, contribuindo
para o controle das dosagens quimioterápicas e para prevenção de maiores
complicações com danos ao paciente. As consultas de enfermagem com orientação,
avaliação e intervenções adequadas são fundamentais para a prevenção e alívio
da SMP, colaborando para com a continuidade da terapia, maior adesão ao
tratamento e melhoria da qualidade de vida do paciente.
Se os pacientes em uso de antineoplásicos potencialmente associados ao
desenvolvimento da SMP forem orientados e capacitados a reconhecer os primeiros
sinais e sintomas desta síndrome, a abordagem poderá ser iniciada precocemente,
favorecendo a otimização dos resultados(10). Com a prestação do cuidado de
enfermagem sistematizado, o enfermeiro oncologista tem papel fundamental uma
vez que, com o maior uso de antineoplásicos orais, tais profissionais deverão
centrar-se menos na administração da droga e mais na educação dos pacientes e
famílias, criando também estratégias para monitorizar os efeitos adversos e
implementar intervenções eficazes(21).
Apesar da literatura fazer referência à eficácia de fitocosméticos com aloe
vera em dermatites decorrentes de radiotera(22-24), não há estudos sobre o uso
dessa planta no tratamento da SMP. O caso apresentado mostrou que o creme de
aloe vera pode ser um importante aliado no tratamento da SMP induzida por
quimioterapia. O período de 10 dias foi suficiente para recuperação total da
paciente, o que geralmente ocorre em um tempo médio de 21 dias após suspensão
do protocolo quimioterápico, quando o nível de antineoplásico sistêmico no
indivíduo já está bem baixo ou ausente(5). Além disso, a paciente relatou ter
sentido significativa sensação de frescor após o uso do produto, o que não
acontecia com o uso de outros cremes hidratantes com uréia.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O tratamento tópico com aloe vera foi bem sucedido, com melhora significativa
da Integridade Tissular, propiciando completo alívio dos sintomas, fundamental
melhoria da qualidade de vida, além de permitir rápido retorno da paciente ao
tratamento quimioterápico, reduzindo assim os riscos de progressão de doença
oncológica. Este resultado sugere que o aloe vera pode ser um importante
coadjuvante na assistência de enfermagem em pacientes submetidos à
quimioterapia antineoplásica com Síndrome Mão-Pé. Por fim, sugere-se que novos
estudos sejam realizados com vistas a esclarecer melhor o impacto do uso de
emolientes com aloe vera para tratamento e prevenção da SMP.