A família como foco dos cuidados de enfermagem em meio hospitalar: um programa
educativo
INTRODUÇÃO
A evolução dos contextos histórico e sociocultural levou a família à
diversidade de transformações, traduzidas em mudanças em sua estrutura, papéis
e funções. Entre as novas formas de organização familiar, comumente observadas,
destacam-se as famílias monoparentais e as famílias reconstituídas, que incluem
adultos e crianças sem laços sanguíneos. É na família, não importa que tipo
seja, que as pessoas crescem; nutrem-se fisica, psicológica e socialmente;
ganham um sentido de si e de coletividade enquanto uma unidade cultural
familiar; cultivam crenças e valores acerca da vida e progridem ao longo do
ciclo vital, até à sua terminalidade. Também, é na família que recebem suporte
material e psicológico em situações de maior estresse pessoal, pelo que,
enquanto valor, a família ocupa um lugar primordial na vida dos indivíduos seja
na saúde, na doença, na alegria, nas adversidades. Porém, em nosso meio
hospitalar a família é tantas vezes esquecida ou ignorada, ou se é lembrada, é
apenas vista como um recurso. A família exerce um papel significativo no
hospital, nomeadamente na internação de adultos, idosos, crianças, mulheres
grávidas. Ela deve ser parte integrante de intervenção em saúde em qualquer
fase da doença e em todos os contextos de assistência, o que aponta para a
relevância da relação entre o cuidado ao indivíduo e seu contexto familiar,
como um factor indispensável ao cuidado integral da pessoa do paciente(1).
A evolução do sistema de saúde colocou muitas vezes o paciente no hospital como
elemento isolado e a família não integrada no processo de internação embora
protagonista de negociação com o Hospital(2). O que se observa no cotidiano
hospitalar, a maior parte das vezes é, que intervenções de enfermagem são
otimizadas em relação ao paciente, e a unidade familiar não é tomada por alvo
do processo de cuidados(3). É necessário avançar e aprofundar em conhecimentos
sobre família, utilizar métodos viáveis de intervenção na familia do paciente
internado(4).
Contudo, há alguns obstáculos para isso, tais como(5): a) a maior parte dos
enfermeiros ainda não foi exposta a ensinamentos de cuidados de família durante
a sua formação, e continua a praticar enfermagem com base no paradigma de
enfoque individual; b) A enfermagem tem ainda fortes traços históricos de sua
prática baseada em enfoque no modelo biomédico, que centra tradicionalmente no
indivíduo como cliente, e a família é vista na melhor das hipóteses como
contexto e não como outro cliente; c) os enfermeiros acreditam que o estudo da
família e de enfermagem de família, faz parte do senso comum não necessitando
de aprendizagem e capacitação; d) falta modelos, tecnologias e instrumentos
mais específicos para avaliar e intervir nas famílias.
É necessária a alteração dessa realidade porque a enfermagem tem compromisso
com atenção às famílias de modo efetivo, na actualidade, no conjunto dos
cuidados de saúde(6).
Mas como alterar tal situação? É necessário investir na formação dos
enfermeiros e na sua capacitação/atualização no campo profissional.
Ciente dessa problemática, foi desenvolvido junto ao departamento de formação e
atualização dos recursos humanos de uma instituição hospitala, uma experiência
de ensino do modelo Calgary de Avaliação e Intervenção de Família(7). O relato
e discussão dessa experiência foram acolhidos e avaliados pelo corpo de
enfermeiros da instituição, e constituiu matéria do presente artigo.
ENQUADRAMENTO TEÓRICO-METODOLÓGICO
É possivel a família ser o foco de cuidados de enfermagem em meio hospitalar?
O hospital representa uma organização complexa, sua principal função consiste
em dar resposta às necessidades de cuidados de saúde da população. O hospital
constitui-se de setor estratégico de prestação de assitência(8-9), trata-se de
estabelecimento de elevada diferenciação, disposto de recursos tecnológicos e
humanos, cujo objetivo é prestar serviços de saúde nas 24 horas do dia,
desenvolvendo atividades diagnósticas, terapêuticas, cuidativas e de
reabilitação em regime de internamento ou ambulatorial. Para além de oferecer
cuidados à população, outras funções atribuídas, são o ensino e a investigação.
Os hospitais, independente das suas possíveis insuficiências, continuam sendo
locais de prática de cuidados de saúde. São os locais de ensino prático de
médicos, enfermeiros e outros profissionais(10-11). Apesar de o paciente ser
referido como a figura central do hospital, a realidade revela-nos uma malha de
relações e interdependências onde se movem motivações bastante diferentes. Essa
realidade assume contornos bem mais complexos e menos evidentes quando se
transpõe a esfera da presença da família no espaço hospitalar enquanto
acompanhante e responsavel pelo seu paciente internado. Ainda em muitos dos
nossos hospitais, se observam rotinas impostas por horários rígidos de visitas
onde a família é tantas vezes esquecida ou ignorada(12). As famílias ficam
assim excluídas, não só do envolvimento no tratamento dos seus familiares
doentes, como de atenção como cliente, em momentos estressantes por que passam
pela hospitalização de seus entes queridos.
Toda mudança exige comprometimento e tempo para sua efetivação. É possivel que
familias acompanhantes de pacientes internados sejam alvo de atenção da equipe
hospitalar, sobretudo da enfermagem, se as considerar como parceiras no cuidado
do paciente, e cliente do enfermeiro quando manifestam necessidades de saúde e
de cuidados face às situações estressantes da doença e da hospitalização(6).
Por que a família deve ser o foco de cuidados em ambiente hospitalar?
A família representa o pilar fundamental das sociedades humanas, na realidade,
ela constitui a primeira base na qual a maioria dos seres humanos constrói a
sua personalidade. A família constitui célula fundamental e valor inalienável
da sociedade, assim reconhecida pela Declaração Universal dos Direitos do Homem
que atesta a importância que a mesma assume no desenvolvimento da pessoa
humana. Por isso, é essencial conceber e desenvolver um caminho para integrar a
família nos cuidados de saúde das pessoas. A esse respeito, especialista e
pesquisadora sobre família(5) postula que, de forma geral:
os comportamentos saudáveis e de risco
são aprendidos dentro do contexto familiar;
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]a família é afetada quando um ou mais
de seus membros têm problemas de saúde, sendo a unidade famíliar um fator
importante na manutenção ou desiquilíbrio do estado de saúde e bem-estar dos
indivíduos;
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]um dado funcionamento da família, pode
afetar a saúde de seus membros, como também certos acontecimentos e
comportamentos em/de cada membro, podem afetar a saúde e o equilíbrio de toda
unidade famíliar;
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]a eficácia dos cuidados de saúde a um
indivíduo se torna evidente quando se enfatiza o cuidado envolvendo a família e
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]a promoção, manutenção e restauração da
saúde da unidade famíliar é essencial para a sobrevivência da sociedade.
A família tem sido objeto de estudo e de atenção especial nos últimos tempos em
vários campos: político, social, científico, ao que a enfermagem não é alheia.
A enfermagem, em todo o mundo, está se movimentando na direção da incorporacão
da família nos cuidados de enfermagem em quaisquer especialidades, como também,
do desenvolvimento do corpo de conhecimentos enquanto especialidade de
enfermagem de família. Tal movimento tem produzido muitos marcos históricos de
difusão e debates sobre o cuidado das familias(7), sendo considerados marcos
importantes:
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]1984 - 1ª edição de Enfermeiras e
Familias de Wrigth & Leahey;
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]1988 - I International Family Nursing
Conference, Calgary-Canadá;
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]1994 - 2ª edição de Enfermeiras e
Familias de Wrigth & Leahey;
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]1994 - Implantação da assistência à
família por meio do Programa Saúde da Família, instituído pelo Ministério da
Saúde, Brasil;
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]1995 - Criação do Journal of Family
Nursing;
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]1997 - IV International Family Nursing
Conference, Valdivia-Chile;
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]1999 - International Family Nursing
Research Congress, Tampere-Finlândia;
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]2000 - II WHO Ministerial Conference on
Nursing and Midwifery in Europe, Munique;
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]2000 - Conferência da Ordem dos
Enfermeiros de Portugal "A cada família o seu Enfermeiro";
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]2006 - Linhas de ação a priorizar para
o desenvolvimento dos cuidados primários de Saúde (incluindo a família) em
Portugal;
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]2009 - IX International Family Nursing
Conference, m Reykjavic, Islândia;
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]2011 - 5ª edição de Enfermeiras e
Familias de Wrigth & Leahey;
[/img/revistas/reben/v65n4/marcador.jpg]2011 - X International Family Nursing
Conference, Kyoto-Japão.
O interesse pelo cuidado enfocado na família surge numa época marcada por
grandes mudanças estruturais da sociedade e da família, cujas consequências
para o futuro são difíceis de prever. Concretamente, em Portugal(8), os dados
demográficos revelados nos últimos Censos (1991, 2001, 2011) alertam-nos para
um envelhecimento da população transversal a todas as regiões do país, com
aumento significativo na última década de divorciados e recasados; mais
mulheres viúvas e divorciadas do que homens. Ainda, as famílias são hoje (2011)
de menor dimensão com média de 2,6, o que era de 2,8 na decada anterior. As
famílias de maior dimensão têm vindo a perder expressão: em 2011 as famílias
com 5 ou mais pessoas representavam 6,5%, em contraposição às taxas de 9,5% e
15,4% das décadas anteriores. Houve aumento de peso das famílias com 1 e 2
pessoas. As famílias unipessoais foram as que mais cresceram - 37,3% nos
ultimos dez anos. Com efeito, a dinâmica familiar se alterou de tal modo que,
se era frequente constituir-se família pelo casamento e sua dissolução
normalmente provocada pela morte, hoje a família tem se apresentado com novas
compleições(8,9). Dai, suas necessidades sao outras e devem ser contempladas
pelos servicos sociais e de saúde se deseja-se que seus servicos tenham enfoque
integral e holístico de seus usuários abrangendo as necessidades e expectativas
de suas famílias.
O Modelo Calgary de avaliação e intervenção de família
O Modelo Calgary(4,7)de avaliação e intervenção de famílias desenvolvido pelas
enfermeiras pesquisadoras Wrigth e Leahey, da Universidade de Calgary, Canadá,
vem sendo continuamente aperfeiçoado e divulgado nos ultimos 25 anos, desde
1984 e culminando com a 5ª edição, em 2009. Graças a sua tradução e edição em
vários países, o modelo tem sido difundido e usado para o ensino em muitas
partes do mundo. É abrangente incluindo a avaliação e intervenção de famílias,
sendo aplicável em quaisquer contextos de prática clínica. O modelo, de
avaliação e intervenção, fundamenta-se em um esquema conceitual necessário à
compreenção do sistema familiar como uma unidade de cuidados, integrando alguns
conceitos de sistemas, cibernética, comunicação, biologia do conhecimento e
teoria da mudança. A primeira parte integra um sistema abrangente com trípla
estrutura evolucionária e funcional de avaliação da família. Em linhas gerais,
fornece duas ferramentas de avaliação estrutural : o genograma e o ecomapa. Na
parte da intervenção, dá acesso a um repertório de intervenções baseadas em
práticas clínicas, que ajuda os enfermeiros a manter ou alterar o funcionamento
da família , no que diz respeito à cognição, comportamento e afeto.
EXPERIÊNCIA DE PROGRAMA EDUCATIVO DE ENFERMAGEM DE FAMILIA
A experiencia de implementação de programa de enfermagem de familia para
enfermeiros hospitalares aconteceu em um hospital geral situado no norte de
Portugal, que atende aos servicos de Ortopedia, Cirurgia, Pediatria,
Neonatologia, Obstetrícia, Ginecologia, Bloco Operatório, Consulta Externa e
Urgência; com capacidade para 140 leitos; e com corpo de enfermagem composto de
200 enfermeiros. Essa experiência, de iniciativa de uma das autoras, enfermeira
atuante nesse hospital, teve inteira aceitação por parte do corpo de enfermagem
e autorização formal da direcão como da comissão de ética do Hospital. Assim
todos os 200 enfermeiros que atuavam diretamente no atendimento dos clientes
nos diferentes servicos referidos, e que se encontravam presentes no periodo
definido da realização do programa educativo, aceitaram particpiar da
experiência.
Avaliação diagnóstica do contexto do ensino/aprendizagem
O programa contou com um planejamento estratégico iniciado com um levantamento
no sistema de informação de Suporte e Apoio à Prática de Enfermagem (SAPE®), de
todos os Diagnósticos de Enfermagem registrados pelos enfermeiros, dos servicos
de internação do hospital, por durante um mês (11/2009). O sistema SAPE®
adotado pela enfermagem segue a mesma terminologia da Classificação
Internacional para a Prática de Enfermagem (CIPE®), versão Beta(11,13). Os
diagnósticos constituem "decisão sobre um fenómeno que representa foco das
intervenções de enfermagem".
Os diagnósticos de enfermagem registrados no sistema estavam concentrados no
fenómeno de enfermagem focado no tipo Indivíduo/função (59,1%); no tipo
Individuo/pessoa/ação realizada pelo próprio (27,2%). Diagnósticos no tipo
focado no Grupo/família somaram apenas 0,7%. Em outras palavras, os
diagnósticos identificados pelos enfermeiros nos diversos contextos de cuidado,
estavam, majoritariamente, associados às funções de intervenção focadas no
indivíduo.
Os profissionais de saúde, não foram imunes à visão mecanicista que fragmenta
os cuidados, apesar de se aceitar hoje a relação entre família e doença é,
ainda, também muito evidente, o impacto limitado desta relação aplicado às
intervenções de enfermagem, na qual a família é vista como contexto7. Esta fase
permitiu evidenciar a essencialidade de intervir a este nível.
Tal contexto constituiu-se em estratégia motivadora para a consecução dos
objetivos de ensino/aprendizagem do programa de mudanças para o enfoque de
atenção à familia nos cuidados de enfermagem.
Planejamento e implementação de ações pedagógicas
O planeamento de uma intervenção é um processo metódico, e implica conhecer os
fatores condicionantes onde se pretende intervir, de modo a determinar o tipo
de atividades e escolher a metodologia de intervenção. A aprendizagem é um
processo complexo levar o outro a aprender novas informações e mudar
comportamentos pode ser deveras problemático, para ultrapassar estas
dificuldades devem ser integrados fatores que aumentem a probabilidade de
aprendizagem.16
Na planificação das ações pedagógicas de práticas de cuidados às Famílias em
meio Hospitalar, com base nos princípios da educação de adultos, foram
formulados objetivos, conteúdos, estratégias, recursos, tempo e o tipo de
avaliação sempre tendo por base a aquisição de novos comportamentos e
competências dos enfermeiros participantes. Os formandos de hoje são muito
heterogéneos, com diferentes idades, culturas, crenças e estilos de
aprendizagem. Esta variedade do grupo cria uma maior necessidade de estratégias
inovadoras.17 Optou-se por diferentes métodos para colmatar esta barreira. Na
formação dos grupos foram integrados elementos de diferentes contexto de
trabalho (cirugia, ortopedia, urgência, etc), de modo a privilegiar os momentos
de reflexão e partilha de experiências e reflexões.
Em todos os momentos pedagógicos os seguintes objetivos firmados estavam
presentes para guiar suas ações: a) rever conhecimentos sobre desenvolvimento
da família ao longo do ciclo vital; b) desenvolver capacidade de avaliação
familiar e assegurar a qualidade dos cuidados prestados; c) aprofundar
conhecimentos sobre desenvolvimento familiar e modelos de intervenção; d)
almejar a intervenção dos profissionais de saúde no cuidado de famílias.
Como conteúdo, recursos e estratégia, incluiam-se as reflexões sobre principais
conceitos de família, o modelo Calgary de avaliação e intervenção de familia e
exemplos de sua aplicação, além de complementação e fixação da aprendizagem
exibindo-se um filme de excertos de grandes êxitos do cinema sobre "Saúde/
doença/ Família/Hospital". Por último, para síntese e avaliação da prática
pedagógica adotou-se momento lúdico com o uso do Family Nursing Game um jogo de
tabuleiro em que o progresso é determinado pela capacidade do jogador/equipe
responder às questões sobre conteúdos de Enfermagem de Família. O jogo criado
por duas das autoras, pretendeu incorporar todos os conteúdos abordados ao
longo da sessão. Para jogar, cada grupo era dividido em diferentes equipas,
agrupando elementos de diferentes contextos de modo a potenciar a partilha,
cada equipa vai respondendo às questões do jogo divididas em seis áreas
temáticas: conceitos, funções e estrutura familiar, processo familiar,
enfermagem de família, avaliação na família e intervenção na família. Esta fase
permitiu validar os conteúdos abordados, avaliar a aprendizagem e dirimir
algumas dúvidas que pudessem ainda existir.
Para o processo de formação dos enfermeiros em enfermagem de família, recorreu-
se às dinâmicas metodológicas de educação dialógica. As sessões de ensino/
aprendizagem decorriam em grupos nunca superior a 16 elementos, tendo a
disposição das salas sempre em configuração circular privilegiando a interação.
Cada sessão durava em torno de quatro horas, e iniciava-se com espaço aberto
para analisar o conceito de família e de outros temas relacionados, momento em
que cada participante partilhava sua própria concepção e ao mesmo tempo, em
processo dialogico, procedia-se a construção coletiva dos entendimentos dos
conceitos em estudo. O aprendizado e aplicação prática em casos clínicos do
modelo Calgary ocupou a maior parte do tempo destinado ao desenvolvimento do
programa, que perdurou por um mes.
Observou-se que grande parte dos enfermeiros não conhecia qualquer modelo de
avaliação de familia, nem de intervenção na família. Foram apontadas ao longo
das sessões como dificuldade, o envolvimento da família, a questão do tempo.
Nessa ocasião foi lhes ensinado a modalidade "entrevista de 15 minutos" parte
do modelo Calgary(7).
Avaliação da experiência educacional
As diferentes fases do programa procuraram trazer contributos distintos e
adequar-se à heterogeneidade da população envolvida. Na primeira fase de
partilha do conceito de família foi visível uma discrepância na concepção
atribuída a esse tema, nomeadamente na integração ou não de apenas laços
sanguíneos. A construção coletiva desses momentos permitiu ir ao encontro dos
que nos refere Wright e Leahey "a família é quem os seus membros dizem que
são."(7)
A escolha de excertos de grandes êxitos do cinema procurou sensibilizar os
participantes para a importância da integração da família nos cuidados de
saúde, tendo-se observado um envolvimento psicológico significativo neste
momento.
Os conteúdos formativos apresentados permitiram realçar a importância da
utilização de um modelo de avaliação e intervenção familiar, nomeadamente um
modelo claro, conciso e abrangente como é o caso do Modelo de Calgary(7).
A apresentação de algumas estratégias de avaliação foi considerada de grande
utilidade principalmente o genograma, dado que quando se considera o número de
palavras a serem empregadas na descrição de fatos ali representados, ficam
claras a simplicidade e a utilidade desses instrumentos(7).
O último momento da formação com o jogo permitiu oferecer um feedback deste
momento formativo e consolidar todos os conteúdos lecionados.
No âmbito geral de todo este percurso observou-me níveis de envolvimento com a
família distinto de acordo com o contexto de cuidados dos enfermeiros. Os
enfermeiros do serviço de urgência situavam-se num polo extremo ao observado
nos enfermeiros do serviço de pediatria.
A avaliação de um projeto de intervenção pode ser observada nas mudanças
produzidas, nos conhecimentos, nas atitudes e nos comportamentos da população
alvo. Nesse programa tornou-se difícil prever a avaliação, dada a implicação da
mudança de comportamento e adquisição de novas competências. No entanto, a
avaliação dos conteudos teóricos foi validada pela aplicação positiva em casos
clínicos, de respostas positivas na aplicação do jogo, além de avaliação
subjetiva pessoal dos participantes conforme se lê em seus depoimentos:
Penso que minha intervenção, mesmo no bloco operatório, poderá vir a
ter maior abrangência considerando a família (E104).
Quando se trabalha com crianças, a família participa nos tratamentos
e temos muitos bons resultados... dai a importância de incluirmos a
família com os usuários de todas as idades (E189).
É verdade que na urgência é complicado lidar com família, que está
estressada. Cabe a nós enfermeiros ultrapassar estas situações (E11).
Segundo avaliação dos enfermeiros participantes, o modelo proporciona um sólido
fundamento para avaliação e intervenção de família, pois é prático e de fácil
aplicação.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A intervenção de enfermagem deve ser analisada com base numa visão holística,
onde se compreenda que a doença num dos membros altera todo o equilibro
familiar, pelo que os cuidados de enfermagem devem ser dirigidos às
necessidades de toda a unidade famíliar e não às de um indivíduo em particular
(14-15). Entendemos o impacto da doença em todos os membros da família, assim
como a influência da interação familiar sobre a sua cura.
É emergente a mudança desse contexto de cuidados, porque a família não é apenas
um recurso do contexto de cuidados, mas um componente essencial na sociedade.
Esta temática assume grande complexidade pelo facto de ter sido visível que a
maioria profissional de saúde incidia essencialmente sobre a prática de
cuidados de enfermagem individuais, assim como a maioria dos profissionais não
detinha conhecimentos sobre esta temática, o que os levava a práticas baseadas
nas suas próprias experiências sobre família.
Um modelo sistematizado de atenção à família como foi o caso do ensino bem
sucedido do Modelo Calgary, é essencial para a formação e capacitacão,
sobretudo de enfermeiros que ainda nao têm qualquer iniciação à especialidade
em questão. A formação de adultos carece de um planeamento exaustivo de modo a
integrar metodologias diversificadas e inovadoras para ir ao encontro das
necessidades de aprendizagem dos formandos. Acreditamos que este percurso
constitui uma mais valia para discussões e reflexões sobre por um a lado a
formação dos enfermeiros sobre Família e por outro a evolução dos processos de
ensino - aprendizagem.