Subconjunto de conceitos diagnósticos da CIPE® para portadores de doença renal
crônica
INTRODUÇÃO
A Doença Renal Crônica (DRC) caracteriza-se pela perda progressiva e
irreversível da função renal. Sua definição se dá a partir de dois critérios,
que podem aparecer em conjunto ou isoladamente. São eles: anormalidades
estruturais e/ou funcionais do rim por um período maior ou igual a três meses,
ou seja, lesões estruturais renais e/ou taxa de filtração glomerular menor que
60ml/min/1,73m2; neste último caso, com ou sem lesão do parênquima renal(1).
O caráter progressivo da patologia é dividido, do ponto de vista clínico e
epidemiológico, em vários estágios. No último deles, o estágio cinco, se faz
necessário utilizar uma terapia renal substitutiva (TRS), pois os rins perderam
as suas funções glomerulares, tubulares e endócrinas e já não são capazes de
manter a filtração, reabsorção, excreção e produção hormonal, gerando diversas
repercussões clínicas para o indivíduo(1).
A DRC é considerada um problema de saúde pública no Brasil e no mundo. Costuma-
se fazer um paralelo entre a mesma e um iceberg, em cuja ponta estariam os
pacientes com DRC diagnosticada e, na parte submersa, aqueles pacientes ainda
não descobertos, ou seja, que se encontram nas fases assintomáticas da doença.
Na América Latina, sua prevalência é de 330 pacientes por milhão de habitantes,
ao passo que nos EUA é de 1.100. A única razão que se pode atribuir a tamanha
diferença é a subnotificação da patologia na América Latina(2).
O caráter irreversível da doença obriga o paciente a conviver constantemente
com rigoroso regime terapêutico, que inclui, entre outras coisas, restrição
hídrica e dietética, terapia medicamentosa, frequentes consultas médicas e a
realização de uma TRS. Para tanto, se faz necessário uma mudança no estilo de
vida do próprio paciente e de seus familiares, que acaba por culminar com
modificações também sobre a vida social de todos.
A diversidade de necessidades humanas apresentadas pelo doente renal crônico
requer da Enfermagem um atendimento integral e individualizado, que pode ser
facilitado pela utilização deliberada do Processo de Enfermagem (PE), uma
ferramenta de que o enfermeiro utiliza para aplicação dos seus conhecimentos. O
PE encontra-se regulamentado pela Resolução 358/2009 do Conselho Federal de
Enfermagem, que "dispõe sobre a Sistematização da Assistência de Enfermagem e a
implementação do Processo de Enfermagem em ambientes, públicos ou privados, em
que ocorre o cuidado profissional de Enfermagem". Ainda de acordo com a
referida Resolução, o PE deve ser pautado por uma Teoria de Enfermagem e
liderado pelo enfermeiro, sendo privativo deste profissional o diagnóstico e a
prescrição de enfermagem(3).
A Teoria de Enfermagem norteia o desvelar da natureza e da vida e embasa a
construção do conhecimento da profissão. Seu uso auxilia no reconhecimento da
realidade, ajuda a definir papéis e promove uma adequação e qualificação do
desempenho profissional. O PE, quando fundamentado numa Teoria de Enfermagem,
adquire um caráter científico que facilita a tomada de decisão do enfermeiro
conferindo-lhe uma prática segura e resolutiva(4).
Para Wanda de Aguiar Horta, a Enfermagem traçava um caminhar do empirismo em
direção à ciência ao desenvolver suas próprias teorias e sistematizar os seus
conhecimentos. A referida teórica dizia que "a autonomia profissional só será
adquirida no momento em que toda a classe passar a utilizar a metodologia
científica em suas ações, o que só será alcançado pela aplicação sistemática do
processo de enfermagem"(5).
A implementação do PE em todas as suas etapas requer o suporte conceitual de
uma teoria e pode ser facilitado pela utilização de uma classificação dos
termos empregados na prática profissional. A visibilidade da profissão e o
reconhecimento dos resultados alcançados por sua prática estão diretamente
associadas à aplicação de uma linguagem comum, que possibilite a comparação de
dados entre diversos setores clínicos e populações em áreas geográficas e/ou
tempos distintos, que permita também a correlação entre as ações implementadas
e os resultados obtidos e com isso facilite a alocação correta se recursos
financeiros para a saúde(6).
A Resolução que previa o desenvolvimento da Classificação Internacional para a
Prática de Enfermagem - CIPE® foi aprovada pelo Conselho de Representantes
Nacionais do CIE por ocasião do Congresso Quadrienal realizado em 1989, em
Seul, Coréia. A partir de então, o CIE envidou esforços para a concepção de tal
classificação, que ao longo dos anos foi sendo melhorada e aprimorada. Em 2008,
a CIPE® foi reconhecida como parte da Família de Classificações Internacionais
da Organização Mundial da Saúde (FCI-OMS)(7).
A CIPE® possui como objetivos estratégicos servir como base para a articulação
entre a contribuição da Enfermagem e a saúde global, bem como promover a
harmonização com outras classificações utilizadas. Os benefícios de sua
utilização consistem no estabelecimento de uma linguagem internacional que
facilite a descrição e a comparação das práticas de enfermagem; a representação
dos conceitos de enfermagem utilizados nas diversas especialidades e culturas;
a geração de informações sobre a prática que influenciem na tomada de decisão e
na construção de políticas de saúde; a melhoria da comunicação entre os
profissionais de saúde e, ainda, a possibilidade de propiciar um conjunto de
dados que subsidiem pesquisas na área(8).
A partir da Versão 1.0, lançada em 2005, a CIPE® adotou uma nova estrutura de
classificação dos termos nela contidos, o Modelo de Sete Eixos: Foco,
Julgamento, Cliente, Ação, Meios, Localização e Tempo. Os termos constantes
nestes eixos, seguindo as regras estabelecidas pela CIPE®, auxiliam a tomada de
decisão clínica e a elaboração de afirmativas que contemplam os elementos do
processo de cuidar/cuidado da Enfermagem: o que fazer (intervenções) em função
de necessidades humanas identificadas (diagnósticos) para alcançar um resultado
satisfatório (resultados)(6).
O Modelo dos Sete Eixos facilita a composição de afirmativas, que podem ser
organizadas de modo a se ter acesso rápido a agrupamentos de "enunciados
preestabelecidos de diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem" - os
Subconjuntos de Conceitos da CIPE®, anteriormente denominados Catálogos CIPE®
(9).
A elaboração de Subconjuntos de Conceitos da CIPE® tem sido uma estratégia do
CIE para facilitar o uso dessa classificação durante a execução e registro do
Processo de Enfermagem. Os Subconjuntos de Conceitos da CIPE® são compostos por
enunciados preestabelecidos de diagnósticos, intervenções e resultados de
enfermagem, que podem estar direcionados tanto a clientelas (indivíduo, família
e comunidade), quanto a prioridades ou a condições específicas de saúde,
ambientes ou especialidades de cuidado, bem como a fenômenos específicos de
enfermagem. Podem originar dados a serem usados para apoiar e melhorar a
prática clínica, o processo de tomada de decisão, a pesquisa e a formação
profissional. Além disso, têm o potencial de contribuir para a expansão do uso
da CIPE® no âmbito mundial, uma vez que permitem focalizar as variações
culturais e linguísticas, locais, regionais e nacionais(9).
Portanto, muitos são os benefícios que podem advir da utilização destes
Subconjuntos de Conceitos: o uso de uma linguagem unificada permite o
mapeamento das ações de enfermagem, bem como a descrição consistente destas
ações e dos resultados por elas gerados. Esta documentação sistemática aumenta
a segurança do trabalho da Enfermagem e a qualidade dos cuidados prestados(9).
Em 2008, foi publicado o Guia para Desenvolvimento de Subconjuntos de Conceitos
CIPE® e o primeiro desses Subconjuntos, Estabelecer parceria com indivíduos e
família para promover aderência ao tratamento. Em 2009, houve a publicação do
Subconjunto Cuidado paliativo para morte digna. A CIPE® não estabelece um
modelo teórico ou conceitual específico para a construção dos Subconjuntos de
Conceitos, ficando esta escolha livre aos seus desenvolvedores(9-10).
O estímulo à construção dos Subconjuntos de Conceitos CIPE®, por parte do CIE,
aponta a possibilidade de relacionar os Diagnósticos de Enfermagem aplicáveis
aos pacientes renais crônicos no estágio final da doença, quando já carecem de
terapia renal substitutiva e, assim, atendê-los em toda sua complexidade, desde
os diagnósticos de enfermagem relacionados aos aspectos biológicos até àqueles
relacionados às suas necessidades sociais e espirituais.
A partir da reconhecida demanda por um atendimento integral ao doente renal e
todas as necessidades por ele apresentadas, a questão que norteou este estudo
foi: que afirmativas de diagnósticos de enfermagem pertinentes ao doente renal
crônico no estágio cinco da doença podem ser construídas, tendo como base a
CIPE® Versão 2, a literatura da área e as Necessidades Humanas Básicas?
A realização desta pesquisa se justificou pela necessidade de uma abordagem
integral aos pacientes renais crônicos, bem como pela emergência de
padronização da linguagem prática da Enfermagem. A construção de um subconjunto
de diagnósticos de enfermagem para pacientes renais crônicos em estágio
terminal permite, ao mesmo tempo, a individualização do cuidado e a
documentação da prática profissional, dando visibilidade ao trabalho da
Enfermagem e promovendo a melhoria assistencial.
Os objetivos deste estudo foram: propor um subconjunto de diagnósticos de
enfermagem para pacientes renais crônicos, no estágio cinco da doença,
elaborando-os segundo as orientações da CIPE® e organizando-os de acordo com a
Teoria das Necessidades Humanas Básicas de Wanda de Aguiar Horta; e validar o
subconjunto de diagnósticos de enfermagem proposto, submetendo-os a
especialistas para julgamento de sua pertinência a pacientes renais crônicos,
no estágio cinco da doença.
METODOLOGIA
Trata-se de um estudo descritivo que, em sua realização, foi dividido em duas
etapas: 1) elaboração das afirmativas de diagnósticos de enfermagem com base
nos termos constantes no Modelo dos Sete Eixos, da CIPE® Versão 2; e 2)
validação das afirmativas de diagnósticos de enfermagem, submetendo-os a
especialistas que julgaram sua pertinência a pacientes renais crônicos, no
estágio cinco da doença.
A primeira etapa consistiu em levantamento de artigos científicos na base de
dados Literatura Latino-Americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS),
utilizando-se o descritor Insuficiência Renal Crônica, publicados no período de
2006 a setembro de 2011, que tratassem de temas pertinentes à doença renal
crônica comum à maioria dos doentes renais no estágio cinco da patologia. Foram
definidos como critérios de exclusão: artigos que tratavam de grupos humanos
específicos como gestantes, portadores de HIV, crianças e usuários de drogas;
bem como artigos referentes ao tratamento conservador e aos pacientes
transplantados. Foram incluídos os artigos disponíveis na íntegra e nos idiomas
português, inglês e espanhol.
Esses artigos foram categorizados em temas centrais que fundamentaram a
construção dos diagnósticos de enfermagem. São eles: Uremia e Neuropatia;
Desequilíbrio Hidroeletrolítico; Osteodistrofia Renal; Diabetes Mellitus;
Hipertensão Arterial Sistêmica; Doença Cardiovascular; Anemia; Infecções na
DRC; Nutrição na DRC; Família e Cotidiano; Sentimentos Conflitantes e Adesão ao
Tratamento e Aspectos Espirituais. A partir da discussão destes temas centrais,
foi realizado um mapeamento cruzado entre as evidências clínicas neles
encontradas e os termos do eixo Foco, do qual foram extraídos os componentes
das afirmativas diagnósticas, a que se adicionou um termo do eixo Julgamento,
seguindo a orientação da CIPE® para construção das afirmações diagnósticas. Em
seguida, estas afirmativas foram distribuídas de acordo com as Necessidades
Humanas Básicas.
Na segunda etapa, as afirmativas dos diagnósticos de enfermagem foram
apresentadas a um grupo de oito especialistas, sendo dois enfermeiros
professores de nefrologia e seis enfermeiros assistenciais, lotados em um
centro de diálise de um hospital escola localizado na cidade de Niterói-RJ,
todos com mais de cinco anos de atuação em nefrologia. No instrumento proposto,
o participante foi orientado a assinalar sim, quando considerasse que o
diagnóstico era concernente ao doente renal no estágio cinco da doença; e não,
quando julgasse que o mesmo não era pertinente. De maneira que, somente a
pertinência da afirmativa de diagnóstico de enfermagem ao doente renal foi
julgada. Foram consideradas válidas as afirmativas de diagnósticos que
apresentaram um Índice de Concordância (IC)≥0.80. Os especialistas
participantes do estudo também receberam um guia com os conceitos dos
diagnósticos de enfermagem. Estes foram extraídos das definições dos termos do
eixo Foco e Julgamento contidas na CIPE® Versão 2.(10).
O presente estudo foi submetido ao Comitê de Ética e Pesquisa do Hospital
Universitário Antonio Pedro tendo sido aprovado com o número de Protocolo
0332.0.258.000-11. Todos os participantes assinaram o Termo de Consentimento
Livre e Esclarecido.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A pesquisa na base de dados LILACS resultou em 68 artigos que foram analisados
e distribuídos nos seguintes temas centrais, já mencionados: Uremia e
Neuropatia; Desequilíbrio Hidroeletrolítico; Osteodistrofia Renal; Diabetes
Mellitus; Hipertensão Arterial Sistêmica; Doença Cardiovascular; Anemia;
Infecções na DRC; Nutrição na DRC; Família e Cotidiano; Sentimentos
Conflitantes e Adesão ao Tratamento e Aspectos Espirituais.
Foi, portanto, a partir da discussão destes temas que foram identificadas
evidências clínicas, submetidas a um processo de mapeamento cruzado com os
termos constantes no eixo Foco da CIPE® Versão 2. Em seguida a este mapeamento,
os diagnósticos foram formulados e distribuídos de acordo com os conceitos
principais da Teoria das Necessidades Humanas Básicas - necessidades
psicobiológicas, necessidades psicossociais e necessidades psicoespirituais - e
suas respectivas subcategorias.
Os 47 diagnósticos de enfermagem que contemplam as Necessidades Psicobiológicas
do doente renal crônico no estágio cinco da doença, validados pelos
especialistas, estão apresentados no Quadro_1.
A perda progressiva de massa renal diminui a disponibilidade de néfrons
funcionais e reduz progressivamente as funções glomerulares, tubulares e
endócrinas do rim. No estágio cinco da doença, os rins perdem a capacidade de
manutenção da homeostase do organismo(1).
A filtração glomerular é reduzida e a capacidade de excreção de água e produção
de urina ficam prejudicadas, em consequência disso tem-se o acúmulo de líquidos
no organismo. Isto requer uma severa restrição hídrica, que se não seguida,
pode culminar com o edema agudo de pulmão. Além disso, a sobrecarga hídrica é
danosa à pressão arterial e ao coração provocando um aumento constante do
débito cardíaco(11).
A perda da capacidade de reabsorção e excreção tubulares ocasiona o acúmulo de
diversos eletrólitos. A hipernatremia, que eleva a pressão arterial e contribui
para a retenção hídrica; a hiperfosfatemia, que colabora para a redução do
cálcio circulante a alimenta o processo de retirada de cálcio dos ossos; a
hiperpotassemia, responsável por um risco iminente de morte em função da sua
capacidade de provocar arritmia cardíaca e o excesso de íons H+ responsável
pela acidose metabólica e o consequente desequilíbrio no sistema tampão(11).
Outro acúmulo importante é o da ureia, que se eleva no sangue e, por ser
difusível no lúmen gastrointestinal, provoca náuseas e vômitos. Além disso, se
não controlada, essa elevação acomete o sistema nervoso central causando a
encefalopatia urêmica e diversos sintomas dela decorrentes(1).
A eritropoetina, hormônio produzido pelos rins, é responsável por estimular a
produção de hemácias na medula óssea. Consequentemente, sua redução provoca
anemia e diminui a disponibilidade de oxigênio circulante, causando fadiga,
cansaço, dispneia, diminuição da libido, entre outros sintomas(12). A outra
função endócrina do rim afetada pela redução da massa renal é a produção do
metabólito ativo da vitamina D. Este metabólito é o responsável pela absorção
de cálcio intestinal, logo, sua redução provoca uma hipocalcemia. Os níveis
baixos de cálcio estimulam a produção de paratormônio pelas paratireoides para
que seja retirado o cálcio dos ossos e restabelecido o nível satisfatório de
cálcio no sangue. Assim, os ossos tornam-se quebradiços e há um risco constante
de quedas e fraturas. Além disso, o cálcio circulante acumula-se no interior
dos vasos e nos tecidos moles, calcificando-os(12).
A doença cardiovascular é a primeira causa de morte entre os doentes renais,
pois eles têm dez vezes mais chances de desenvolver uma doença arterial
coronariana e trinta vezes mais chances de morrer por causas cardiovasculares
(13). A segunda causa de morte são as infecções, uma vez que a necessidade
permanente de acesso para diálise traduz uma constante exposição ao risco de
infecção. Além disso, a manipulação sanguínea nos centros de diálise predispõe
à hepatite B e C(14).
Os 21 diagnósticos de enfermagem que contemplam as Necessidades Psicossociais
do doente renal crônico no estágio cinco da doença, validados pelos
especialistas, estão apresentados no Quadro_2.
Estudos qualitativos, identificados na etapa de revisão da literatura, que
focalizavam a percepção do doente renal no enfrentamento da doença, trazem
constantemente questões relacionadas à descoberta da necessidade de diálise.
Esta descoberta, em geral abrupta, transforma a vida do doente e requer deste e
de seus familiares um ressignificado de papéis e valores. Ao se deparar com o
diagnóstico de uma doença crônica e irreversível, o paciente vivencia
sentimentos variados, como angustia, sensação de incapacidade, diminuição do
interesse e do prazer nas atividades, irritação, deterioração nas relações
sociais e familiares e negação(15).
A necessidade de adaptação ao rigoroso regime terapêutico instituído requer do
paciente e de seus familiares uma mudança no estilo de vida e na rotina
familiar. A maneira de enfrentamento que cada família estabelece vai ser
influenciada por suas crenças, valores, características e cultura. Cabe
ressaltar, ainda, que, quando um indivíduo adoece, o papel que este ocupa no
seio familiar também irá repercutir no modo de enfrentamento da doença. Se este
ocupar um papel de provedor, também recairá sobre a família o desafio de
readequar as finanças e encarar prováveis privações materiais(16).
Apesar de maneiras peculiares de reação, é fato que haverá, em algum momento,
estresse e conflito no seio familiar, variando em intensidade e duração. A
estabilidade psicológica se encontrará abalada podendo afetar a
sustentabilidade da família. Neste momento, pode ser fundamental o apoio de uma
rede social composta por amigos e também pelos profissionais de saúde(16).
A DRC traz consigo uma necessidade de modificação do estilo de vida que, na
maioria das vezes, rompe com os paradigmas defendidos e vivenciados pelos
doentes. A perda da autonomia se torna uma das maiores barreiras, suas vidas
passam a ser direcionadas pela equipe de saúde, pela máquina, e pelas
repercussões da patologia em si(17).
Outra questão apontada por estes doentes é o convívio com o tratamento em si,
por vezes visto como salvação e, por vezes, como obrigação. Esta dualidade de
sentimentos reflete diretamente na adesão ao tratamento. Além dos
questionamentos pessoais, é pontuado por estes doentes o preconceito social
retratado aqui não apenas como discriminatório, mas por um desconhecimento da
sociedade em geral sobre a patologia, o tratamento e as possibilidades de vida
do doente(17).
A não adesão ao regime terapêutico é uma realidade entre os doentes renais, que
vem sendo objeto de investigação de muitos autores. Compreender as razões
associadas ao fato permite à equipe de saúde traçar estratégias individuais e
coletivas no sentido de melhorar esta adesão e reduzir a taxa de morbidade/
mortalidade. São considerados fatores que influenciam na adesão ao tratamento:
as peculiaridades da terapia escolhida, as características individuais do
cliente, os aspectos da relação com a equipe de saúde, as condições
socioeconômicas e de acesso à atenção à saúde(18-19).
As redes de apoio são fundamentais para dar segurança ao paciente, o
envolvimento e comprometimento de familiares e amigos dão esperança e confiança
para seguir uma terapia rígida e que não tem perspectiva de término. Acredita-
se que a aceitação do tratamento passa, na verdade, pela aceitação da doença e
que esta depende de fatores internos da pessoa e externos a ela. Outras
condições que interferem na adesão são o nível de escolaridade, os efeitos
colaterais da terapia e sua complexidade, a falta de acesso aos medicamentos e
a longevidade da terapia(18-19).
Os 2 diagnósticos de enfermagem que contemplam as Necessidades Psicoespirituais
do doente renal crônico no estágio cinco da doença, validados pelos
especialistas, estão apresentados no Quadro_3.
Outro aspecto importante a se considerar na abordagem holística do doente renal
é a espiritualidade, aqui entendida como a necessidade de conexão com algo
maior que si próprio e que transcende o tangível. Independente de religião,
considerada como a formalização do culto e da doutrina, a espiritualidade
parece apresentar importante papel em diversos momentos da vida(20).
A cronicidade da DRC parece despertar ou reascender em muitos doentes suas
conexões espirituais. No entanto, o efeito destas sobre o enfrentamento da
doença ainda é bastante obscuro. Os profissionais de saúde precisam estar
sensíveis às necessidades espirituais dos seus pacientes, entendendo-as como
parte de um todo e que precisam ser trabalhadas(20). Cabe ressaltar, no
entanto, que muitas vezes os próprios profissionais não estão preparados para
lidar com tais aspectos e que aceitar as práticas religiosas de outras pessoas,
destituindo-se de qualquer influência pessoal, é um desafio.
Estamos cientes que os diagnósticos Crença espiritual alterada e Crença
religiosa alterada são muito pouco específicos, mas a espiritualidade não pode
deixar de ser abordada pela equipe de enfermagem, respeitando-se sempre as
particularidades de cada indivíduo e de suas crenças.
Validação dos Diagnósticos de Enfermagem
Foi elaborado um total de setenta e sete (77) afirmativas de diagnósticos de
enfermagem, os quais foram submetidos à validação por especialistas. Deste
total, setenta (70), equivalendo a 90%, obtiveram um índice de
concordância≥0.80, sendo considerados válidos para o doente renal crônico no
estágio cinco da patologia (Gráficos 1, 2 e 3).
A CIPE® Versão 2 apresenta uma série de afirmativas de diagnósticos de
enfermagem, que podem ser aplicados na prática clínica do enfermeiro em seu
ambiente de trabalho. O mapeamento cruzado das setenta (70) afirmativas aqui
validadas com as que constam no sistema de classificação mostrou que vinte e
cinco (25) afirmativas formuladas já estavam descritas, tendo sido elaboradas,
portanto, quarenta e cinco (45) novas afirmativas.
A CIPE® é um sistema de classificação versátil que permite adequar-se às
diversas realidades e culturas respeitando suas singularidades e
particularidades. Possui fácil utilização e a partir das afirmativas pré-
coordenadas, como sugerem os subconjuntos de conceitos, torna-se mais adequada
aos sistemas informatizados.
Apesar de apresentarem evidências clínicas bem descritas na literatura que
conduziram ao mapeamento cruzado destas com os termos do eixo Foco, e
consequente elaboração da afirmativa diagnóstica, sete (7) afirmativas
diagnósticas não foram validadas. Atribui-se esse fato a uma provável
discordância com os termos empregados ou à não vivência dos participantes da
pesquisa com pacientes que apresentassem tais respostas humanas. Ressalte-se
que outras sete (7) afirmativas diagnósticas foram propostas pelos
especialistas, no espaço reservado para tal fim no instrumento apresentado; no
entanto, as mesmas não foram submetidas à validação. Tanto os diagnósticos que
não foram validados, quanto aqueles propostos pelos especialistas, estão
dispostos no Quadro_4.
Quadro 4 - Afirmativas de Diagnósticos de enfermagem não validados e sugeridos
pelos especialistas.
Ao final, o conjunto de diagnósticos de enfermagem construído ficou composto
por setenta (70) afirmativas validadas. Das vinte e oito (28) subcategorias de
Necessidades Humanas Básicas, dezenove (19) foram contempladas. Foi construído,
portanto, um conjunto de afirmativas bastante abrangente, que poderá subsidiar
uma assistência de enfermagem mais integral ao paciente renal crônico.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O subconjunto de conceitos diagnósticos que resultou desta pesquisa foi
construído a partir de uma vasta pesquisa bibliográfica e da utilização das
regras propostas pela CIPE® para composição dos diagnósticos, tendo como
suporte teórico as Necessidades Humanas Básicas.
Utilizando-se a Teoria das Necessidades Humanas Básicas de Wanda Horta, foi
possível distribuir os diagnósticos de enfermagem nas categorias
psicobiológicas, psicossociais e psicoespirituais, abrangendo o indivíduo na
sua totalidade, de forma que, não apenas as repercussões biológicas da
patologia fossem identificadas, mas também as repercussões familiares e
sociais. A utilização da CIPE® mostrou como este sistema de classificação é
versátil, capaz de atender a uma multiplicidade de repostas humanas e
facilmente adaptável à cultura de trabalho local. As afirmativas propostas
foram bem aceitas e bem compreendidas pelos participantes do estudo.
A validação de conteúdo das afirmativas foi possível utilizando-se a
metodologia definida, de maneira que 90% dos diagnósticos de enfermagem
formulados obtiveram um índice de concordância≥0.80. Esta concordância
demonstrou que, apesar de não registrarem formalmente o Processo de Enfermagem,
os diagnósticos de enfermagem fazem parte do dia a dia profissional dos
participantes da pesquisa. Estes, além de responderem ao questionário, também
fizeram sugestões para a inclusão de sete novos diagnósticos não contemplados
no conjunto inicial.
A padronização da linguagem utilizada nos diagnósticos de enfermagem deve ser
estimulada na assistência, pois sua realização favorece o registro sistemático
da prática clínica da Enfermagem, subsidia uma prática baseada em evidências,
possibilita a mensuração e avaliação dos cuidados prestados e,
consequentemente, contribui para uma melhoria na qualidade do serviço. Por
outro lado, o paciente renal crônico, tão múltiplo e complexo, poderá se
beneficiar de uma assistência integral, tendo suas necessidades atendidas de
maneira mais ampla e estruturada.