Validação de diagnósticos de enfermagem: desafios e alternativas
INTRODUÇÃO
A pesquisa sobre diagnósticos de enfermagem tem sido fortemente influenciada
pela proposta de Fehring(1). Um levantamento desenvolvido sobre os modelos de
validação de diagnósticos de enfermagem utilizados nas produções dos programas
de pós-graduação do Brasil mostrou que 58,3% dos estudos utilizavam as
recomendações deste autor(2). Fehring propôs três modelos principais: Validação
de conteúdo diagnóstico, Validação clínica e Validação de diagnóstico
diferencial(3). Estas etapas, aliadas a uma etapa prévia de análise de
conceitos, têm formado a base dos estudos de validação de diagnósticos de
enfermagem.
Apesar das características positivas destes métodos, pesquisadores têm relatado
algumas dificuldades e limitações dos mesmos, tanto na analise do conceito como
na identificação e formação do grupo de experts.
Na realização da etapa de análise de conceito, alguns estudos têm encontrado
dificuldade para obter material adequado em qualidade e quantidade para a
construção ou mesmo revisão de diagnósticos de enfermagem. Um estudo sobre o
risco para Débito cardíaco diminuído descreveu que uma das limitações
enfrentadas foi um número insuficiente de artigos para uma revisão consistente
do diagnóstico(4). Ainda com referência a esta etapa, discute-se o fato de que
os modelos tradicionais de análise de conceito não foram especificamente
desenvolvidos para processos de validação de diagnósticos de enfermagem(5). Com
isso, o uso destes modelos esbarra na falta de direcionamento sobre como os
elementos de um diagnóstico (indicadores clínicos e fatores etiológicos) devem
ser tratados nesta análise e extraídos do material selecionado.
O processo de validação de conteúdo recomendado por Fehring(3) inclui a
identificação de experts para compor um painel com a finalidade de analisar os
componentes e suas definições supostamente desenvolvidas com a análise de
conceito. Novamente os estudiosos têm descrito dificuldades para o
desenvolvimento desta etapa, sobretudo em relação ao processo de captação de
experts(6). Os critérios de seleção propostos pelo autor parecem privilegiar a
formação acadêmica em detrimento da experiência clínica. Isto aparentemente,
vai de encontro às recomendações internacionais para o estabelecimento de
expertise em enfermagem(7-8). Uma possível justificativa para isto seria o fato
de que Fehring propôs seu método no final da década de 1980, um período em que
a titulação acadêmica era obtida por pesquisadores experientes e que, de certa
forma, aliavam duas características importantes, conhecimento teórico e
experiência clínica, o que não obrigatoriamente se aplica ao momento atual.
A partir destas situações observou-se que alguns pesquisadores passaram a fazer
adaptações dos critérios de seleção propostos por Fehring(2). Estas
recomendações incluíam a adoção de um tempo de experiência prática, mudança nas
pontuações inicialmente propostas, acréscimo de outras características dos
supostos experts que indicariam maior aproximação com o tema ou mesmo a
especificação de conhecimento ou experiência com um diagnóstico específico.
Apesar dos esforços, estas adaptações para uma seleção mais adequada parecem
que não surtem o efeito desejado. Um estudo sobre risco de aspiração em
pacientes com acidente vascular encefálico(9) descreveu grande dificuldade na
obtenção de um número mínimo de experts, ao utilizar oito critérios adaptados,
dois dos quais eram obrigatórios, e buscar aliar a formação acadêmica com a
experiência clínica na temática em estudo. Ainda com referência à composição do
grupo de experts, há controvérsias sobre o seu tamanho numérico. A proposta
inicial de Fehring descrevia um quantitativo mínimo de 25(1) para, em seguida,
determinar um mínimo de 50(10), experts como adequado, embora não exista
nenhuma justificativa para a apresentação de tais números.
Na prática, tem se mostrado quase inviável nas pesquisas que envolvem validação
garantir que os 50 sujeitos encontrados, convidados e que tenham analisado o
material enviado (devolvendo-o em tempo hábil) sejam, de fato, experts. Não é
incomum que pesquisadores relatem em seus estudos um número inferior ao
recomendado(2). Parte disso se deve, provavelmente, ao fato de que pessoas com
a expertise necessária estão, em geral, comprometidas com muitos outros
compromissos, uma vez que este é um universo limitado por indicadores de
qualidade acadêmica e assistencial.
Para atender ao número de avaliadores considerado adequado nos modelos
adotados, tenta-se incluir pessoas que apresentam os critérios mínimos
recomendados, mas de forma não consistente, pois demonstram pouca experiência
clínica ou mesmo são recém pós-graduados. Estes novos pesquisadores, em geral,
necessitam ainda desenvolver certas habilidades na condução de estudos e/ou na
análise crítica de situações envolvendo diagnósticos específicos em populações
específicas. Estas características são desenvolvidas com o tempo e, embora
estes sujeitos possuam algumas habilidades, certamente lhes faltam outras.
Além das dificuldades inerentes à obtenção quantitativa e qualitativa de
experts, a proposta de Fehring(3) se baseia no cálculo de um índice de validade
de conteúdo. Este índice é, na verdade, uma média ponderada que atribui um peso
linearmente mais forte quando o expert acredita na adequação de um componente
diagnóstico. Em outras palavras, o IVC proposto pelo autor superestima o valor
de cada item avaliado; isto é, um item que seria excluído na etapa anterior tem
uma chance maior de permanecer e ser avaliado na etapa subsequente. Alguns
estudos recentes, utilizando uma abordagem de validação clínica diferente da
proposta por Fehring, têm demonstrado que indicadores que apresentam IVC mais
baixos, não apresentam bom desempenho após serem avaliados com aplicação de
testes estatísticos específicos(6).
Por fim, a etapa de validação clínica tradicionalmente segue a abordagem
retrospectiva, ou seja, um pesquisador (expert) avalia um conjunto de pessoas e
seleciona aqueles que apresentam o diagnóstico em questão. Em seguida, dois
enfermeiros avaliam simultaneamente cada paciente tentando identificar os
indicadores clínicos e fatores etiológicos presentes.
Novamente dificuldades e críticas são apontadas neste processo. Para um
pesquisador formular com relativa acurácia um diagnóstico, será necessário que
o mesmo perceba o comprometimento do sujeito. Isto é denominado viés de
espectro e significa que os componentes validados são característicos do grau
de comprometimento calibrado pelo próprio pesquisador. Também não pode ser
omitido o problema representado pelo caráter retrospectivo do método, ou seja,
o desfecho (diagnóstico) já é conhecido e a dupla de examinadores tentará
identificar o que pode caracterizá-lo ou o que pode tê-lo causado. Desenhos
retrospectivos são classicamente reconhecidos pelo viés de seleção(11), ou
seja, o conhecimento prévio do desfecho pode levar o avaliador a buscar dados
específicos de forma tendenciosa, ou a exagerar em suas conclusões como forma
de confirmar uma suspeita. Este problema é particularmente grave na análise de
fatores etiológicos na qual o risco de se trocar a relação causa-efeito por
efeito-causa aumenta(12).
Para indicadores clínicos a situação não é muito diferente. Se um pesquisador
formulou um diagnóstico, isto significa que ele usou um processo de raciocínio
clínico no qual identificou indicadores clínicos, agrupou-os e estabeleceu a
presença / ausência do mesmo. Logo em seguida, os examinadores vão identificar
os (mesmos!) indicadores clínicos e verificar se eles são mais ou menos
importantes para aquele diagnóstico inicialmente elaborado. Isto é denominado
viés de incorporação e é tido como uma tautologia no processo diagnóstico(13).
A limitação do método de validação clínica também inclui o fato de apenas
indivíduos classificados como portadores do diagnóstico ser avaliados quanto à
presença de indicadores clínicos e fatores etiológicos. Nesta situação, não é
possível verificar a especificidade destes elementos, ou seja, não há como
garantir que estes mesmos elementos não estariam presentes entre indivíduos sem
o diagnóstico.
Além dos aspectos já mencionados, os quais levam à critica dos modelos
tradicionais de validação, a análise da validade dos elementos para o
diagnóstico em questão é baseada num coeficiente de confiabilidade que nada
mais é do que a frequência média de um indicador clínico identificado pelos
dois avaliadores, ponderada pela concordância absoluta entre eles. De forma
intuitiva, isto quer dizer que o valor de um indicado clínico é fortemente
influenciado por sua frequência. Em epidemiologia isto é conhecido como viés de
prevalência(12).
O modelo de diferenciação diagnóstica segue um padrão similar ao modelo de
validação clínica, inclusive utilizando o mesmo coeficiente de confiabilidade
(3). Embora, os modelos propostos por Fehring apresentem essas limitações, sua
importância para a pesquisa sobre validação de diagnósticos é incontestável.
Vários estudos foram desenvolvidos com base nestes modelos e ainda hoje muitos
os utilizam.
Face às dificuldades e questionamentos apresentados, a busca de outras
abordagens que permitam um novo olhar sobre os processos de validação de
diagnósticos se faz necessária. Métodos que auxiliem a superar as limitações
descritas podem permitir o aperfeiçoamento das classificações de diagnósticos
de enfermagem, minimizando as inconsistências e maximizando a capacidade de os
enfermeiros identificarem corretamente o fenômeno de enfermagem expresso por um
indivíduo. Assim, este artigo descreve a seguir alguns métodos alternativos que
recentemente vêm sendo desenvolvidos e utilizados na pesquisa de validação de
diagnósticos de enfermagem.
ALTERNATIVAS AOS MÉTODOS CLÁSSICOS DE ANÁLISE DE CONCEITOS
Um diagnóstico de enfermagem não é um conceito em si, entretanto, cada
diagnóstico é composto por um núcleo conceitual. Este núcleo permite o
estabelecimento de relações temporais entre fatores que supostamente antecedem
e se relacionam para a formulação de um conceito e as consequências de tal
formulação. As propostas usuais de análise de conceito denominam estes dois
elementos como antecedentes e consequentes(14). Ademais, um conjunto mínimo de
características que delimitam o conceito em si constituem o que se denomina de
atributos essenciais(14).
Como discutido anteriormente, uma das dificuldades do uso de modelos clássicos
da análise de conceito em processos de validação de diagnósticos de enfermagem
é justamente a forma como estes elementos são relacionados e analisados. Como o
núcleo conceitual está associado ao foco da prática profissional (por exemplo,
Autoestima) e não apresenta um elemento que defina um julgamento (por exemplo,
Baixa), a análise de conceito mostrará como elementos antecedentes todos os
fatores que interferem e ajudam a formar a Autoestima de um indivíduo. Estes
elementos incorporam fatores biológicos, sociais e espirituais de uma forma
geral. Assim, a questão respondida neste tipo de abordagem seria: "Que
elementos influenciam o desenvolvimento da autoestima de uma pessoa?" Se o foco
do pesquisador estiver relacionado à revisão do diagnóstico Baixa autoestima
situacional, uma parte significativa dos achados serão descartados ou induzirão
a inclusão de elementos sem importância clínica.
Se pensarmos em atributos essenciais, o problema se apresenta de forma similar
à análise de antecedentes. Estaríamos tentando, neste momento, identificar
quais os elementos que caracterizam a autoestima de uma pessoa? Isto é, os
atributos seriam os elementos que me possibilitam afirmar que a pessoa tem
autoestima. A situação é ainda mais confusa quando é feita a análise de
consequentes. Nos modelos clássicos, os consequentes representam situações
produzidas a partir da ocorrência do conceito(14). Consequentes do conceito
Autoestima poderiam incluir interação social, formação de laços afetivos,
produtividade laboral etc. Claramente, estes itens não se assemelham a
elementos que compõem um diagnóstico e parecem remeter a metas a serem
alcançadas por um indivíduo. Desta forma, embora a análise de conceito seja uma
etapa fundamental para a revisão dos elementos que delimitam a profissão, seu
uso como etapa de um processo de validação de diagnósticos de enfermagem
necessita de reestruturação para permitir um melhor direcionamento a este
propósito.
Uma análise de conceito como etapa de um processo de validação de diagnóstico
não pode desconsiderar eixos que constituem o diagnóstico como um todo. Assim,
embora a busca de material inclua inicialmente o núcleo conceitual, a
identificação de material relevante para o estudo deverá considerar o elemento
julgamento. Ou seja, ao invés de buscar todo o material disponível sobre
autoestima, o interesse deve recair sobre a Baixa autoestima. Embora pareça
limitante, existem razões para tal atitude.
Num processo de validação de diagnóstico, três elementos são essenciais: a
definição, os fatores etiológicos e os indicadores clínicos. Existe uma relação
direta entre os antecedentes de um conceito e os fatores etiológicos de um
diagnóstico. Todavia, diferentemente da questão de pesquisa usual para
antecedentes, neste caso estamos interessados em responder a pergunta: "Que
fatores podem levar a uma baixa autoestima entre os indivíduos de uma dada
população?"
Retomamos aqui o outro ponto que justifica especificar o foco da análise de
conceito: a identificação dos atributos essenciais. Estes elementos devem
compor a definição do diagnóstico, ou seja, eles são responsáveis pelo limiar
clínico mínimo que permitirá ao enfermeiro decidir pelo estabelecimento do
diagnóstico. Um ponto importante neste elemento é que parte da definição deverá
incorporar algum(uns) indício(s) clínico(s) observável(eis); ou seja, em muitas
situações, indicadores clínicos farão parte da definição do diagnóstico.
Os indicadores clínicos constituem o terceiro elemento de um processo de
validação. Em geral, estes são elementos que apresentam maior dubiedade para os
pesquisadores. Por um lado, eles podem ser confundidos com antecedentes
(fatores etiológicos). Por outro, é sempre difícil estabelecer quais
indicadores clínicos são essenciais na determinação de um limiar clínico
adequado para estabelecer a presença de um diagnóstico.
A maior dificuldade em utilizar os modelos clássicos de análise de conceitos
para estudos de validação de diagnósticos de enfermagem é que nem todos os
indicadores clínicos são essenciais para formar a definição de um diagnóstico.
Entretanto, todos os indicadores clínicos representam gradientes clínicos de um
diagnóstico. Estes gradientes são denominados espectro clínico e representam o
nível de comprometimento do diagnóstico apresentado pelo indivíduo.
A identificação de indicadores clínicos é facilitada se atribuirmos a eles um
status de consequentes, ou seja, se pensarmos em responder a questão: "Que
sinais e sintomas clínicos são apresentados por indivíduos com um diagnóstico
em particular?" É obvio que a ocorrência de indicadores clínicos é posterior à
instalação de uma resposta humana. A dificuldade em visualizar tal situação
talvez esteja associada ao fato de algumas pessoas entenderem o produto
diagnóstico como uma situação clínica dicotômica, na qual passamos de um estado
a outro de forma abrupta. Claramente, um processo diagnóstico representa uma
evolução clínica gradual na qual não temos como estabelecer com total precisão
o ponto exato em que uma resposta humana se estabeleceu.
Consequentes definidos a partir dos métodos clássicos de análise de conceito
representam metas, caracterizando o diagnóstico como um produto, ou seja, um
elemento do processo de enfermagem. Por outro lado, ao utilizar a ideia de
indicadores clínicos como consequentes, estabelece-se a noção de diagnóstico
como um processo de raciocínio clínico(15), o qual está diretamente associado
aos métodos de validação de diagnósticos de enfermagem.
Outro aspecto a ser destacado numa análise de conceito é a captação do material
em si. A maioria dos autores descreve a busca em bases de dados, incluindo
etapas de revisão integrativa ou mesmo sistemática. A maior limitação destas
estratégias é que grande parte dos artigos científicos disponíveis que tratam
de pesquisas originais dificilmente abordam fatores etiológicos ou indicadores
clínicos. Isto é particularmente verdade para os desenhos que representam alto
nível de evidência.
Na verdade, alguns estudos relatam que a maior parte dos artigos dos quais
foram obtidos dados para a análise de conceito eram classificados em níveis de
evidência inferiores(6-7,16). Uma possível explicação para este fato é que
estudos sobre elementos que compõem um diagnóstico são tratados por estudos
observacionais e não por ensaios clínicos. Assim, a utilização de níveis de
evidência pode levar a falsa impressão de baixa qualidade da análise de
conceito.
Na verdade, o uso de artigos científicos captados de bases de dados é, em
geral, insuficiente para incorporar todos os elementos de um processo de
validação ou para construir definições (conceituais e operacionais) para os
mesmos. Duas alternativas para contornar esta situação é a incorporação de
livros-texto, sobretudo quando o diagnóstico em questão refere-se a aspectos
fisiológicos, e a busca de opinião de experts. Esta última estratégia é
interessante para a construção de definições quando o material encontrado não
apresenta elementos suficientes para tanto.
ALTERNATIVAS AOS MODELOS DE VALIDAÇÃO DE CONTEÚDO
Sobre as propostas de adequação dos modelos de validação de conteúdo
diagnóstico, uma primeira sugestão é a troca do termo validação por análise. Um
processo de validação é complexo e não podemos garantir que a opinião de um
grupo, geralmente pequeno, de indivíduos possa nos assegurar que um conjunto
específico de indicadores clínicos e fatores etiológicos representam o
verdadeiro conteúdo de um diagnóstico. Se isto fosse verdade, não seria
necessária a etapa de validação clínica de um diagnóstico, pois nossos supostos
experts já teriam nos garantido tal validade.
Além disso, se a opinião de experts fosse suficiente, os estudos de validação
clínica apenas confirmariam o óbvio e todos os elementos apresentariam
estatísticas confirmando tal fato. Entretanto, a grande maioria dos estudos de
validação clínica realizados descartou elementos que haviam sido validados na
etapa anterior. É claro que uma explicação possível para isto é que, talvez, os
experts não possuíam o nível de expertise necessário. Desta forma, esta etapa
se aproxima mais de uma pré-análise do que de uma validação propriamente dita,
justificando o uso do termo Análise do conteúdo diagnóstico.
Não se pode ignorar também a importância da definição e os clareamentos dos
aspectos qualitativos e quantitativos comentados em relação aos experts. Em
primeiro lugar é preciso considerar que não existe um consenso na literatura
internacional sobre o perfil mínimo de experts(2). A proposta de Fehring está
baseada em critérios ponderados, mas se apresenta extremamente academicista.
Apesar da falta de consenso, muitos autores destacam a importância da
experiência clínica na formação de um perfil de expertise, bem como a
necessidade de equilíbrio entre experiência e formação acadêmica sólida(7).
Devido à dificuldade de se definir um perfil adequado e de encontrar indivíduos
com expertise, alguns estudos descrevem adaptações da proposta de Fehring. Tais
adaptações não impediram as críticas usuais aos resultados desta etapa de
validação. É provável que grande parte dos sujeitos alocados em estudos de
validação apresente um perfil mais próximo de uma proficiência do que de
expertise. Assim, termos mais adequados para definir tais sujeitos seriam
juízes ou avaliadores.
Muitos estudos referem um número reduzido de experts, justificando ser esta
etapa uma abordagem mais qualitativa do que quantitativa. Tal justificativa é
prudente se os indivíduos que julgam a pertinência do conteúdo em questão
forem, de fato, experts. Todavia, observa-se que tal fato é, na grande maioria
das vezes, pouco plausível se analisado sob a ótica da literatura
especializada.
Sabe-se que estimativas de tamanhos amostrais são baseadas, entre outras
coisas, na precisão e no grau de confiança que se deseja obter do parâmetro em
estudo. Por exemplo, Fehring propõe utilizar um índice de validade de conteúdo
como parâmetro para aceitação / rejeição de um componente diagnóstico. Neste
caso, se partimos de uma suposição de normalidade, considerarmos uma amplitude
total deste índice entre 0 e 1, e aceitarmos um erro de estimativa de 0,1, os
cálculos amostrais nos indicariam a necessidade de onze avaliadores. Deve-se
ter em mente que algumas suposições podem não ser plausíveis. O IVC proposto
por Fehring é um índice tipicamente assimétrico, tornando discutível o
pressuposto de normalidade.
Mais recentemente tem se proposto o uso de testes binomiais para comparação de
proporções(5). Em tal proposta um item é considerado adequado se um determinado
percentual de avaliadores assim o define. Para verificar a aderência à
distribuição aplica-se um teste estatístico (conhecido como teste binomial)
para verificar se a proporção de avaliadores é ou não estatisticamente igual ou
superior ao valor pré-determinado. Desta forma, se os pesquisadores definem
como ideal uma proporção de 85% de aceitação entre os avaliadores e como
proporção mínima aceitável um valor de 70%, o número de avaliadores necessário
considerando uma confiança de 95% será de 22 sujeitos.
ALTERNATIVAS AOS MODELOS DE VALIDAÇÃO CLÍNICA
Recentemente, algumas alternativas à abordagem clássica do processo de
validação clínica de diagnósticos de enfermagem têm sido propostas. Estas
alternativas incluem propostas para validação em separado de componentes
diagnósticos incluindo a validação de indicadores clínicos e de fatores
etiológicos. A validação de indicadores clínicos inclui a análise de acurácia
destes indicadores, o estabelecimento de árvores de classificação para a
definição de um conjunto mínimo de indicadores, a verificação da ocorrência
precoce de indicadores clínicos, e a identificação de um conjunto de
indicadores que formam uma variável latente que representaria um diagnóstico.
Estas diferentes abordagens mostram aspectos diversos que se destinam a
verificar o quão representativo de um diagnóstico podem ser aqueles indicadores
clínicos.
Nas abordagens de acurácia de indicadores clínicos adota-se o treinamento de um
grupo de enfermeiros para atuarem como diagnosticistas. Utilizam-se definições
operacionais para identificar indicadores clínicos, submetendo os achados
clínicos ao grupo de diagnosticistas para que os mesmos possam realizar a
inferência diagnóstica. Esta inferência é considerada como o padrão de
referencia para cálculo das medidas de sensibilidade, especificidade, valores
preditivos entre outras(5). Uma das críticas a este modelo é o viés de padrão-
ouro imperfeito. Isto significa que a avaliação de enfermeiros treinados e
avaliados previamente não representa um procedimento 100% acurado. Embora isto
seja verdade, devem-se levar em conta alguns aspectos: 1) Padrões de referencia
perfeitos raramente existem(17); 2) Alguns padrões de referencia tido como
perfeitos, na verdade dependem da avaliação de sujeitos treinados. Laudos de
biopsias, tomografias ou ressonâncias, por exemplo, são dados por pessoal
treinado e sujeito a erros de interpretação(18); 3) Diagnósticos de enfermagem
representam respostas humanas que, em sua maioria, não podem ser identificados
por dispositivos ou máquinas(5); 4) A literatura internacional recomenda o
treinamento e avaliação rigorosa de diagnosticistas nas situações em que estes
são responsáveis pela inferência diagnóstica(19).
Ressalta-se que os estudos de acurácia diagnóstica apresentam viés de
incorporação, ou seja, os dados a serem calibrados (indicadores clínicos) são
usados pelo padrão de referência (diagnosticistas) para determinação do status
de cada indivíduo avaliado. Por outro lado, é importante notar que, nesta
abordagem, a incorporação afeta todos os indicadores clínicos simultaneamente.
Assim, o que ocorre é uma mudança no parâmetro de localização dos estimadores.
Em outras palavras, ocorre uma superestimação conjunta de todos os indicadores
avaliados, de modo que a comparação entre os mesmos pode ser efetuada, mas os
valores das medidas em si devem ser vistos com ponderação. Além disso, o fato
de não se estabelecer previamente o status dos indivíduos anula a influência do
conhecimento prévio e o viés de seleção.
Árvores de classificação são métodos de análise que se baseiam em etapas
metodológicas similares à análise de acurácia. Entretanto, os algoritmos
utilizados são diferentes e considerados robustos para a determinação de um
conjunto mínimo de indicadores clínicos representativos do diagnóstico(20).
Eles podem ser úteis na identificação de elementos para compor ou revisar a
definição de um diagnóstico.
Modelos de análise de sobrevida representam técnicas baseadas na observação
longitudinal de indicadores clínicos e de um diagnóstico relacionado. As etapas
metodológicas são similares às duas abordagens anteriores acrescidas do
seguimento e mensuração repetida das variáveis. Estes modelos possibilitam
verificar quais indicadores clínicos estão relacionados à identificação precoce
de um diagnóstico, permitindo o estabelecimento de sinais clínicos de alerta
para aquele diagnóstico. A análise é baseada em técnicas estatísticas mais
avançadas, incluindo equações de estimativa generalizada, modelos de Cox
estendido e em paralelo.
Modelos que usam a ideia de variável latente se baseiam na identificação de uma
variável oculta (diagnóstico de enfermagem) nos dados, representada por um
conjunto subjacente observável (indicadores clínicos). Um dos modelos desta
abordagem, que tem sido proposto para aplicação com diagnósticos de enfermagem,
é derivado da teoria da resposta ao item e conhecido como modelagem Rasch(13).
Esta abordagem considera que a relevância de um indicador clínico depende do
quão comum é a ocorrência do indicador (denominado de dificuldade do item) e do
espectro do diagnóstico, ou seja, do nível de gravidade do diagnóstico
apresentado pelo indivíduo (habilidade da pessoa).
Modelos Rasch são flexíveis, permitindo tratar um diagnóstico de forma
dicotômica ou mesmo escalar (dimensional). Esta característica e o fato de não
depender de um padrão de referência são as principais vantagens deste método.
As limitações do modelo incluem a necessidade de reunir todos os indicadores
clínicos para uma estimativa correta dos coeficientes envolvidos, a
complexidade do ajuste e interpretação dos modelos, a ocorrência de curvas
características discrepantes dificultando a decisão sobre a relevância do item
e o fato de suas estimativas se resumirem a uma aproximação da ideia de
sensibilidade utilizada em análise de acurácia de indicadores clínicos.
Infelizmente, a interpretação dos coeficientes gerados numa análise Rasch não é
direta nem segue um padrão uniforme para outros diagnósticos que apresentem os
mesmos indicadores clínicos. Isto impede o desenvolvimento de medidas-resumo
para múltiplas populações com um mesmo diagnóstico ou para múltiplos
diagnósticos que compartilham um mesmo indicador clínico. Este tipo de
comparação é possível nos métodos de acurácia pela aplicação de métodos de
metanálise de testes diagnósticos(17).
Um aspecto particular da validação de indicadores clínicos refere-se aos
métodos para diferenciação diagnóstica que têm sido propostos. Estes métodos
visam estabelecer quais indicadores clínicos auxiliam no estabelecimento de
diferenças clínicas entre dois diagnósticos que apresentam certo grau de
similaridade. A validação de uma diferenciação diagnóstica deve começar com a
análise de conceito. Entretanto, diferente da proposta dos métodos clássicos, o
objetivo desta análise deve incluir a avaliação dos conceitos desenvolvidos por
avaliadores independentes, a confluência posterior das análises independentes
buscando estabelecer os elementos comuns e específicos dos diagnósticos, e a
construção das definições operacionais para todos os elementos.
A etapa de análise de conteúdo deve incluir, além da relevância e adequação dos
componentes, o grau de representatividade dos elementos para cada diagnóstico.
A estrutura desenvolvida nestas etapas, com todos os elementos considerados
importantes para os diagnósticos, é utilizada na avaliação de um grupo de
sujeitos susceptíveis aos diagnósticos e uma técnica conhecida como análise de
correspondências múltiplas pode ser aplicada. Esta técnica permite identificar
a confluência de indicadores clínicos para diagnósticos específicos
possibilitando definir quais indicadores auxiliam na diferenciação dos
diagnósticos.
Apesar de ainda serem escassos os artigos que utilizam os métodos descritos
para a validação de indicadores clínicos, estudos que buscam validar fatores
etiológicos são ainda mais raros, mesmo se considerarmos os métodos clássicos.
Esta escassez leva a um grande problema: a dificuldade de estabelecer
causalidade. É sabido que a definição de uma intervenção não pode estar baseada
unicamente na resposta humana. Tomemos como exemplo um problema simples e
possível de ocorrer tanto em pessoas expostas ao calor quanto ao frio
excessivos: a queimadura. É obvio que qualquer tipo de ação preventiva vai
depender do fator causador (calor ou frio). Não faz sentido agasalhar alguém
que se expõe excessivamente a um calor de 40oC, nem utilizar bloqueador solar
em pessoas expostas a temperaturas muito baixas para prevenir queimaduras.
Assim, o estudo de fatores etiológicos é tão fundamental quanto o de
indicadores clínicos. Todavia, a investigação sobre estes elementos requer o
uso de métodos específicos. Estudos transversais podem ser utilizados para
analisar a razão de prevalência de um diagnóstico entre pessoas expostas e não
expostas a fatores etiológicos específicos. Pesquisas recentes propõem a
utilização de uma técnica de análise mais robusta denominada regressão Poisson.
Esta técnica apresenta valores de razão de prevalência ajustados. Infelizmente,
estudos transversais têm baixo poder para estabelecer relações causais,
sobretudo, porque representam um retrato momentâneo da situação clínica. Muitas
vezes a relação causa-efeito pode ser confundida por uma relação efeito-causa
(11).
Dois outros métodos podem ser úteis para a análise de fatores etiológicos:
Estudos de caso-controle e estudos de coorte. Estudos de caso-controle se
baseiam na comparação de dois grupos definidos a partir da presença ou não de
um diagnóstico(12). Um exemplo seria estabelecer como grupo caso indivíduos com
hipertensão arterial identificados com Estilo de vida sedentário e como grupo
controle pessoas também com hipertensão arterial, porém, sem Estilo de vida
sedentário. O primeiro problema a ser enfrentado pelo pesquisador é o
estabelecimento claro dos critérios que utilizará para classificar os sujeitos
como caso ou controle. Uma forma de contornar o problema é utilizar indicadores
clínicos com melhor acurácia estabelecidos em estudos anteriores para criar
tais critérios.
Uma vantagem dos estudos de caso-controle é que eles permitem estudo de
múltiplos possíveis fatores etiológicos. Por outro lado, estudos de caso-
controle apresentam um alto risco para vieses, tais como os vieses de seleção,
memória, revisão e de avaliação(12). Existem procedimentos que ajudam a
controlar tais vieses como o cegamento do avaliador, o pareamento e a
utilização de técnicas estatísticas específicas para produzir análises
ajustadas, tais como, as regressões logísticas(11).
Estudos de coorte representam os estudos observacionais que produzem evidências
mais fortes. Coortes permitem calcular taxas de incidência e mensurar o risco
de desenvolver determinado diagnóstico entre pessoas expostas a um fato
etiológico específico, quando comparadas a pessoas não expostas (risco
relativo)(12). Diferentemente dos estudos de caso-controle, as coortes são
definidas com base na exposição ou não ao fator etiológico. Desta forma, este
tipo de estudo permite a análise de um único fator etiológico por vez.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
As abordagens descritas neste artigo são relativamente recentes para validação
de diagnósticos de enfermagem e, consequentemente, o material publicado ainda é
escasso. Um fator que dificulta a "popularização" destes métodos é a
complexidade dos modelos, aliada ao conhecimento incipiente em epidemiologia e
bioestatística, aplicado aos processos de validação. Em alguns currículos estas
disciplinas são relegadas a segundo plano ou são ministradas ainda baseadas na
análise de doenças. Seria interessante se tais disciplinas permitissem aos
alunos conhecer modelos de causalidade aplicando-os ao processo de diagnosticar
em enfermagem.