Gestão do cuidado à tuberculose: da formação à prática do enfermeiro
INTRODUÇÃO
O governo brasileiro, por meio de atos normativos, a exemplo do pacto pela
vida, destaca a necessidade do fortalecimento de ações voltadas para gestão do
cuidado à tuberculose (TB) com o intuito de garantir o controle efetivo da
doença. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS)(1), estima-se que 100
milhões de pessoas são infectadas anualmente pelo bacilo da Koch em todo mundo.
Desses, estima-se, oito a dez milhões desenvolverão a doença durante a vida. A
metade dos infectados apresentará a forma contagiante e três milhões deles irão
a óbito a cada ano.
No Brasil a TB vem assumindo lugar de destaque entre as prioridades de governo.
Políticas de financiamento, bem como a descentralização das ações de controle
da TB para as unidades de atenção básica e equipes de saúde da família,
ampliaram o escopo de profissionais envolvidos com o diagnóstico, tratamento e
acompanhamento dos casos. Tais iniciativas vêm repercutindo na redução da
incidência, expressa pela tendência de quedas de novos casos, com média anual
de decréscimo de 2,4%. Entretanto, no ranking mundial, o país ainda ocupa a 19ª
posição entre os 22 países responsáveis por 80% do total de casos de
tuberculose. Em 2012, foram notificados no Brasil 70.047 casos novos da doença,
com taxas de incidência de 36,1 e mortalidade de 2,4 casos por 100 mil
habitantes(2).
Embora seja positiva a trajetória política de ações de controle da TB, estudos
assinalam fragilidades no modo de gerenciar, organizar e disponibilizar
recursos que facilitem o diagnóstico precoce e produção do cuidado ao doente de
TB no âmbito da atenção básica(3-5).
A equipe de saúde da família, por atuar em território definido, exerce um papel
determinante para a cura e tratamento da TB. Entretanto, algumas dificuldades
no processo de trabalho dessas equipes - como a ineficiência na qualificação
profissional para a produção do cuidado ao doente de TB - têm impedido tanto a
identificação precoce dos casos, quanto as reais necessidades de saúde dos
usuários acometidos.
Como um dos membros da equipe de saúde, o enfermeiro é um ator importante para
efetivação do cuidado da TB na medida em que gerencia as ações de controle e
compreende a complexidade envolvida nesse processo. No entanto, considera-se
necessário que sua formação esteja voltada para o desenvolvimento de
habilidades e competências que favoreçam o cuidado integral e humanizado,
conforme preconiza o Sistema Único de Saúde (SUS). A formação desses
profissionais, no campo da educação superior, deve promover práticas reflexivas
como forma de integrar os diferentes tipos de conhecimento para a produção do
cuidado das pessoas, especificamente neste estudo, aos doentes de TB. Diante
deste contexto questiona-se: a formação do enfermeiro está voltada para
promover a gestão do cuidado à TB?
Os apontamentos teórico-conceituais sobre a gestão do cuidado, abordados por
Cecílio (2011), nortearão a discussão desse estudo. Compreende-se por gestão do
cuidado
o provimento ou a disponibilização das tecnologias de saúde, de
acordo com as necessidades singulares de cada pessoa, em diferentes
momentos de sua vida, visando seu bem-estar, segurança e autonomia
para seguir com uma vida produtiva e feliz(6).
Assim, este estudo tem como objetivo analisar a relação entre a formação do
enfermeiro e as ações direcionadas à gestão do cuidado à tuberculose.
MÉTODO
Estudo de natureza qualitativa, que teve como cenário de estudo, um dos
municípios da região metropolitana de João Pessoa-PB. A escolha deste local
deu-se por ser considerado prioritário para o controle da TB. Distribuídas em
seu território encontram-se dezenove equipes da Estratégia Saúde da Família
(ESF), totalizando uma cobertura de 85%.
Participaram do estudo dez enfermeiros, cuja inclusão se deu em função de
critérios, como: tempo de atuação na ESF (no mínimo há 01 ano) e presença de
casos de TB, devidamente notificados no Sistema de Informação de Agravos de
Notificação (SINAN), nas áreas de abrangência da Unidade de Saúde da Família
(USF) em que atuam.
Para produção do material empírico utilizou-se a entrevista semiestruturada
baseada em um roteiro contendo perguntas subjetivas relacionadas à formação do
enfermeiro e a prática da gestão do cuidado à TB. A coleta de informações foi
realizada no mês de fevereiro de 2010. Cada entrevistado recebeu informações
sobre a natureza e os objetivos do estudo, assim como a permissão para
participação mediante assinatura do consentimento informado. As entrevistas
foram realizadas nas USF, local de trabalho dos sujeitos, de acordo com a
disponibilidade de horário por eles informada.
Os depoimentos foram gravados mediante aquiescência dos sujeitos e
posteriormente transcritos. Para o tratamento dos dados empíricos, optou-se
pela utilização da Técnica de Análise de Conteúdo Categorial, por ser entendida
como um meio de expressão do sujeito. Por meio dessa técnica o analista
categoriza palavras ou frases que aparecem com mais frequência no texto e,
posteriormente, inferindo uma expressão que possa representá-los de forma
adequada(7). Nesse sentido, as transcrições foram lidas repetidas vezes e, a
partir desta leitura, foram construídas duas categorias: A formação do
enfermeiro para gestão do cuidado à TB e Prática do enfermeiro na gestão do
cuidado à TB.
Para facilitar a apresentação dos resultados e manter o sigilo quanto à
identidade dos sujeitos, foi atribuído um número seqüencial a cada participante
(E1, E2, E3... E10). Em todas as etapas deste estudo foram respeitados os
aspectos éticos da Resolução 196/96 CNS/MS que dispõe sobre o envolvimento
direto ou indireto com seres humanos em pesquisa bem como a Resolução nº 311/
2007 COFEN que aprova o Código de Ética dos profissionais de enfermagem. Sua
aprovação se deu pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Faculdade de Enfermagem
Nova Esperança, sob o nº do Protocolo 09/2010 e CAEE: 0176.0.000.351-10.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
A formação do enfermeiro para gestão do cuidado à TB
Os depoimentos dos enfermeiros revelam que no curso de graduação os espaços de
aprendizagem estavam voltados, principalmente, para o campo curativo. Observa-
se que os sujeitos com maior tempo de formação tiveram sua experiência para o
controle da doença, exclusivamente no hospital de referência do estado. Já os
enfermeiros com menos de dez anos de formação, além do espaço hospitalar,
também vivenciaram o cuidado à TB na Unidade de Saúde da Família (USF).
Passamos também pelo Clementino, [...]. Na época também passamos pelo
pronto socorro Municipal. Os estágios geralmente eram no HU mesmo.
[E4]
Somente nos estágios curriculares que tivemos [experiência] no
Clementino Fraga. [E6]
A gente pagou a disciplina e na prática fomos para o Clementino
Fraga. [E8]
O que chama atenção nos depoimentos dos enfermeiros relaciona-se à
predominância da temática TB no espaço hospitalar, o que favorece a formação de
profissionais com olhar restrito à clínica da doença. A experiência dos
enfermeiros, colaboradores do estudo, no processo de sua formação evidenciam um
aparente distanciamento entre o que rege a política de formação de
trabalhadores para o SUS e o ensino.
A Resolução nº 3 do Conselho Nacional de Educação(8) institui as diretrizes
curriculares do curso de enfermagem, as quais orientam a formação do enfermeiro
para atuar nos distintos níveis de atenção em saúde. A formação do enfermeiro
deve atender as necessidades sociais da saúde, com ênfase no Sistema Único de
Saúde, e assegurar a integralidade da atenção e a qualidade e humanização do
atendimento.
Observa-se nas falas dos enfermeiros que às matrizes curriculares enfatizam uma
abordagem estritamente biológica colaborando para formação de profissionais com
agir em saúde puramente clínico e, consequentemente, distanciado da realidade
em que os grupos populacionais vivenciam o adoecer de TB.
No período que eu estava cursando Enfermagem, foi muito simples,
porque como a gente estudava doenças infectocontagiosas vimos só uma
parte. Então, não foi muito aprofundado para o controle, foi mais
aprofundado a questão da assistência. [E3]
Somente o que a gente aprendeu em sala de aula [os sinais e sintomas
da TB], porque a teoria é totalmente diferente da prática. [E2]
Na graduação a gente não vê isso [controle da tuberculose] muito
detalhado, quando a gente veio pra estágio em PSF foi que vi melhor
essa parte [de controle]. [E9]
Percebe-se pelas falas que os enfermeiros abordaram tanto a superficialidade
quanto o distanciamento do cuidado à TB no que concerne à relação entre a
teoria e a prática. Pressupõe que a inadequação dos processos de ensino-
aprendizagem tradicionais e organizados em disciplinas concorre para manter
lacunas existentes entre instituição formadora e dinâmica do serviço. Quando se
trata de uma doença social e estigmatizada, considera-se importante que esse
profissional não aprenda apenas a clínica, tratamento e controle, mas que
avance na compreensão da subjetividade e singularidade envolvidas no processo
de cuidar pautado, sobretudo, na integralidade do cuidado.
A intrigante tensão teoria/prática permeia os mais diversos setores da
sociedade. Um exemplo para tal dicotomia é o que acontece em grande parte dos
cursos de formação dos profissionais de saúde, nos quais, muitas vezes, a
teoria aparece dissociada da prática, não dando margem à reflexão acerca da
relação existente entre elas(9), o que impede o profissional de pensar sobre o
plano de cuidado específico para cada usuário. Talvez um dos grandes entraves
para tal dicotomia esteja relacionado ao entendimento e/ou vivência de
políticas públicas de cunho preventivo que prevaleceram desde o início do
século passado.
É necessário que as matrizes curriculares das instituições de ensino superior
favoreçam a formação do profissional de saúde para atuar, não somente na
atenção aos usuários do SUS, mas acima de tudo, que essa assistência seja feita
sob o uso de tecnociências em consonância com os princípios do SUS e segundo a
concepção da Atenção Primária em Saúde (APS). Para tanto é necessário utilizar
abordagens pedagógicas que possibilitem uma maior aproximação entre o que é
visto na teoria com o que é vivenciado na prática. Os processos pedagógicos
devem aliar métodos que possam favorecer a construção de profissionais críticos
e reflexivos e que, sobretudo, compreendam o cuidado como valor.
O cuidado como valor nasce no entendimento de ultrapassar as fragmentações de
saberes existente no campo da saúde. Defende a reintegração entre o agir e o
pensar em saúde, enquanto agir político e valor ético na construção de práticas
eficazes de integralidade(10).
Reconhece-se que as metodologias ativas de aprendizagem sejam viáveis nessa
proposta, pois o estudante se coloca ao lado do professor que tem a tarefa de
orientar e facilitar o processo educativo como um ser que também busca o
conhecimento. Entretanto, dialogar com esses estudantes não significa lhes
delegar toda a elaboração do problema, mas sim conduzi-los a um processo que
possibilite uma análise profunda da problemática, a fim de que possam descobrir
sua dimensão e buscar respostas às questões propostas(11).
Ao ampliar essa discussão, há necessidade de compreender que a construção de um
pensamento fundado no reconhecimento da transdisciplinaridade colabora na
conformação de profissionais atuantes numa perspectiva de trabalho em equipe
(12) e, consequentemente, com à gestão do cuidado. Nesse sentido, os métodos
pedagógicos, utilizados pelas instituições formadoras, devem auxiliar na
formação de profissionais de saúde com habilidades de enxergar o usuário como
sujeito singular, com vivências e histórias a serem consideradas no processo de
cuidar, exercendo assim, sua capacidade autopoiética, ou seja, a autocriação
contínua. A relação entre viver, conhecer e fazer coloca a vida como criação e
o conhecer como ato de poiesis (recriação)(13).
Assim, se faz necessário apostar em abordagem que concilie a filosofia e a
política. Estes conteúdos quando articulados, possibilitam "diálogos
epistemológicos produtivos e necessários ao desenvolvimento da capacidade
humana de valorar e constituir seu ethos"- entendido aqui como o ser humano
organiza sua vida, seja nas particularidades da esfera privada, seja nas
singularidades produzidas no grupo - principalmente na sua maneira de conhecê-
los e analisa-los(10).
Outro ponto identificado nas falas dos enfermeiros refere-se ao não
acompanhamento de pessoas doentes de TB nos espaços de estágio, havendo muitas
das vezes, apenas, a apresentação da estrutura e da organização do serviço de
saúde e observação da assistência ao doente.
A gente via a teoria e depois víamos a parte prática. É tanto que
quando fomos para prática não tivemos oportunidade de acompanhar um
paciente com TB. [E4]
Vi a parte da assistência no Clementino, à parte ambulatorial e de
internação, mas não acompanhamos nenhum paciente. [E10]
A deficiência na formação, no que se refere aos cuidados direto, é verbalizada
nas falas acima, com ênfase na "observação" de cuidados prestados aos doentes
pelos profissionais do hospital. Além disso, não há depoimentos, dos
enfermeiros entrevistados que ressalte os cuidados preventivos, nem tampouco
mencionam que a sua realização é feita priorizando a família e comunidade, já
que são constituintes da vida dos doentes.
A falta de contato direto do estudante de enfermagem com a pessoa doente de TB
impossibilita o reconhecimento do ethos cultural de quem é cuidado. Segundo
Pinheiro(10), se o ethos for compreendido como uma "dimensão prática da vida
humana", se observará, que sua irá auxiliar o ser humano no reconhecimento da
diversidade/pluralidade expressas por demandas, compreensíveis, muitas vezes,
por saberes produzidos localmente. Nessa dinâmica se faz necessário que o
estudante de enfermagem compreenda particularidades culturais e singularidades
das pessoas doentes de TB, tendo em vista ser uma doença de cunho social.
O estabelecimento de vínculo entre os profissionais e usuários na assistência é
de grande importância para sua formação, pois além de permitir uma melhor
sensibilização, ajuda o profissional a relacionar-se com a prática cotidiana
identificando as reais necessidades desse usuário.
Reconhece-se que a aprendizagem do cuidado de enfermagem poderia ser melhor
desenvolvida no contato direto do aluno com o usuário do serviço de saúde
porque proporciona ao discente a possibilidade de vivenciar diferentes
contextos na prática, ao qual favorece o estabelecimento das relações de
cuidado nos distintos espaços de aprendizagem(14). A esse respeito, Bousso
enfatiza que o campo de estágio "é o lócus onde a identidade profissional do
aluno é gerada, construída e referida; volta-se para o desenvolvimento de uma
ação vivenciada, reflexiva e crítica"(15).
Importante ressaltar que quando indagados acerca da influência da formação na
dificuldade de controle dos casos de TB, inclusive nos casos de abandono,
alguns enfermeiros mencionaram que não há relação, pois depende da
responsabilidade e compromisso do profissional em buscar a qualificação,
considerando a aprendizagem em seu lócus operandi, isto é, a partir do seu
espaço de atuação e reflexão sobre as práticas de cuidado.
Eu acho que vai muito do interesse do profissional, porque a academia
que a gente exerce vale muito do estudante. [E1]
[...] não é determinado pelo que a gente aprende na faculdade, mas
sim pelo que o profissional faz por esse paciente, então depende
muito da vontade que o profissional tem. [...] O profissional ele tem
que se envolver, tem que fazer com que o paciente acredite no que
você está colocando para ele. [E9]
Entretanto, outros depoimentos mencionaram que a maneira como as instituições
formadoras ensinam sobre TB influenciam na efetividade da gestão do cuidado,
tanto nas dimensões individual, quanto organizacional.
Acho que pode influenciar sim, pois assim que uma pessoa termina o
curso, inicia o seu trabalho e pega um caso desses (de tuberculose),
se ele não tiver tido uma experiência ou uma sensibilização maior
para a tuberculose, ele não conseguirá dar conta da prática. [E6]
Eu acho que influencia, porque você pode até não ter se aprofundado
naquele assunto, mas se a pessoa pagou a disciplina bem, assistiu às
aulas e teve interesse sobre o assunto, aí sim, quando chegar à
prática você vai só aplicar o que aprendeu. Como é que você vai
tratar um paciente se você não teve uma boa formação? [E8]
Faz-se necessário esclarecer que a educação superior vem sendo desafiada a
romper com modelos tradicionais de ensino - que favorecem a fragmentação de
saberes e práticas em detrimento a transdisciplinaridade - para direcionar uma
formação com pertinência social e coerência com as Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCN), ou seja, com as necessidades de transformação do processo de
formação profissional.
O novo modelo de atenção construído a partir da concepção da APS, no Brasil
representado pela Estratégia Saúde da Família, exige novas formas de construção
do conhecimento, pressionando mudanças no processo de formação de profissionais
capacitados para o atendimento da população. Essa necessidade de mudança
decorre de elementos, tais como as novas modalidades de organização do mundo do
trabalho em saúde e das exigências no perfil de novos profissionais voltados
para a transdisciplinaridade na produção do conhecimento(16).
Salienta-se que, entre as atribuições das instituições formadoras, está a
responsabilidade em construir pensamentos reflexivos e críticos sobre os
fenômenos estudados/vivenciados, inclusive a capacidade de instigar no sujeito,
neste caso o estudante de enfermagem, o aprendizado baseado nos quatro pilares
da educação moderna que são: aprender a aprender; aprender a fazer; aprender a
conviver e aprender a ser. Por outro lado, se faz igualmente necessário que
este profissional busque a qualificação/atualização perene para que venha
compreender a dinamicidade dos problemas advindos da realidade local para a
posteriori operar processos que venham resolver/minimizar tais adversidades.
O fato de o profissional de saúde referir que não há influência da formação com
a gestão do controle da TB, não exclui a responsabilidade da instituição na
preparação de profissionais que venham dar respostas para o sistema e que
contribuam efetivamente para a gestão do cuidado à TB, em suas distintas
dimensões, especificamente na profissional que se encontra diretamente
relacionada à formação desse trabalhador nas instituições de ensino(6).
Desse modo, uma política educacional deverá considerar a reintegração entre o
pensar e o agir em saúde, de modo que favoreça a formação de profissionais
baseada na valoração - dar sentido à sua existência a fim de optar entre várias
possibilidades de ser - na responsabilização e na ética(10). Nesta perspectiva
os processos de formação, poderia possibilitar uma efetiva articulação entre
universidade e serviços/sistema de saúde. O processo de aproximação e
construção de compromissos, a responsabilidade pública e a relevância social da
universidade, serão ampliados na medida em que se traga para o contexto da
educação o conjunto das diretrizes do SUS, em especial a integralidade(17),
compreendida como "dispositivo legal-institucional, portador de valores ético-
políticos, que têm no cuidado a sua maior expressão como atividade humana"(10).
Prática do enfermeiro na gestão do cuidado à TB
Sobre a organização do serviço para a gestão do cuidado à TB os depoimentos dos
enfermeiros apontam para uma prática mecanicista e tarefeira mais coerente com
a concepção biomédica, onde a partir dos sinais e sintomas apresentados pelo
doente elaboram o menu da assistência como atividades relacionadas ao
diagnóstico, tratamento e monitoramento.
[Eu] realizo uma anamnese nele [pessoa com suspeita de TB], pedimos
uma baciloscopia com duas amostras de escarro, mediante o resultado
dessa baciloscopia, a gente começa o tratamento [...] e seque o
esquema [de tratamento contra TB] do Ministério da Saúde e faz o
acompanhamento [da pessoa com diagnóstico de TB]. [E1]
O paciente chega com tosse há mais de três semanas, pedimos o exame
de baciloscopia e ele leva para o laboratório. [...] Sendo confirmado
o diagnóstico ele vai até a unidade para receber a medicação. Todo
mês o usuário vem pegar a dosagem, daí a gente pesa para saber se
eles estão se alimentando direito. [E2]
Em contrapartida, outros depoimentos direcionam uma organização de serviço para
a atenção à TB voltado a busca ativa de sintomáticos respiratórios, esta,
especialmente realizada pelo Agente Comunitário de Saúde (ACS).
Alguns pacientes detectados que estão com TB procuram a unidade e
outras vezes, é necessário um estado de busca ativa. Às vezes [...]
um ACS vem até a gente com paciente suspeito (de TB), daí fazemos a
visita domiciliar. [E3]
Através da busca ativa com o agente (ACS) de saúde que faz o elo
entre a comunidade e a gente. A gente busca o sintomático
respiratório, solicita a baciloscopia, daí dependendo do resultado é
feito o controle e o tratamento na unidade. [E7]
Observa-se que a organização do serviço se volta para a detecção do sintomático
respiratório (SR), principalmente a busca passiva de casos; diagnóstico e
monitoramento do doente de TB. Não foram identificadas nas falas ações mais
ampliadas que favorecesse a construção de autonomia e ao desenvolvimento de
habilidades pessoais tão importantes na luta contra a TB. A manutenção de
equipamentos e insumos, da mesma forma que a garantia de acesso nos diversos
níveis de complexidade. A identificação de pessoas suspeitas e/ou com
diagnóstico de TB é importante, mas é limitada quando o olhar do profissional
se encontra pautado em concepções biomédicas e curativas do cuidado o que
reflete, algumas vezes, ao tipo de experiência vivenciada no âmbito da
graduação.
Neste enfoque, o modo como se organizam os serviços de saúde desperta uma série
de reflexões acerca da assistência prestada. Onde já existe oferta de serviços
de saúde organizados na lógica da atenção médica curativa, a introdução de
novas estratégias de trabalho implica repensar o modelo de assistência,
remodelar o "velho" e construir o "novo" mediante a constituição do cuidado
como um agir político e valor ético na construção de práticas eficazes de
integralidade(10). Nem sempre esta tarefa é fácil, pois exige da equipe uma
desconstrução do trabalho produzido e disposição para o "fazer" diferente, em
um cenário extra USF que utiliza outros instrumentos de trabalho, outros
saberes e formas de comunicação com a população(18). Sendo tarefa difícil
quando na prática depara-se com profissionais de saúde engessados em concepções
hegemônicas e que são referenciadas deste sua formação.
Apenas um enfermeiro, em seu depoimento, relacionou ações educativas como
atividade que favorece a detecção precoce de casos suspeitos de TB.
A gente realiza atividades educativas que a gente faz na comunidade,
tem o dia D aonde fazemos o movimento, a atuação dos ACS fazendo a
captação precoce, durante as consultas os pacientes que tem a
sintomatologia [...] a gente solicita os exames para investigar o
diagnóstico. [E5]
As ações de educação em saúde é uma atividade essencial para que a comunidade
reconheça a sintomatologia da TB, sobretudo para favorecer a ruptura de medos e
preconceitos da população com a doença. É de responsabilidade da equipe de SF o
desenvolvimento de ações educativas junto aos usuários na unidade de saúde, bem
como na própria comunidade(19).
Destarte, as ações de educação em saúde precisam ser reconhecidas como alicerce
da Atenção Básica e inseridas no âmbito da Estratégia Saúde da Família com a
finalidade de promover uma melhor apreensão dos usuários acerca do processo
saúde e doença e, consequentemente, ofertar subsídios para adoção de novos
hábitos de vida e medidas de saúde, ou seja, contribuir efetivamente para
emancipação de sujeitos(20). O enfermeiro ao reconhecer a educação em saúde
como estratégia para detecção precoce de SR revela que há um processo de
construção de ações voltadas para o campo da vigilância da saúde o que
demonstra que, embora na época de sua formação, esse conceito não era
trabalhado, o enfermeiro prossegue no conceito de controle, aprendido em sua
formação para o de vigilância em saúde.
A utilização do tratamento diretamente observado (TDO) foi mencionada, por
apenas três enfermeiros, como estratégia para acompanhamento do doente de TB,
entretanto, apenas referem-se à visita do ACS para averiguar a tomada da
medicação. Importante ressaltar que o TDO é uma parte do DOTS, o que deixa
claro a ausência ou ineficiência da formação do enfermeiro em uma política mais
ampla que a simples verificação da tomada dos remédios.
[...] quando é confirmado o diagnóstico o paciente é tratado aqui
mesmo na unidade utilizando o DOTs, daí a gente fica acompanhando e
fazendo visita domiciliar para saber se ele está tomando a medicação
correta. [E4]
Notificando o caso ele começa o tratamento e toma a dose
supervisionada aqui e toda semana o agente (comunitário) de saúde vai
fazer a visita para saber se ele está realizando o tratamento
correto. [E9]
Contudo, os enfermeiros ao relacionar o TDO apenas com o monitoramento da
tomada do medicamento fragiliza a construção de um cuidado integral à pessoa
doente de TB, conforme preconiza o SUS, e fortalece, além da exclusão social,
uma organização de serviços e de atenção centrada na cura que revela uma visão
biologicista.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Considera-se que a formação experienciada pelos enfermeiros, colaboradores
deste estudo, não foi favorável para a produção do cuidado à TB. Há necessidade
das instituições formadoras se aproximarem dos serviços de saúde, numa relação
dialógica, para melhor organizar os espaços de aprendizagem, ao mesmo tempo em
que, as metodologias adotadas nesse processo sejam capazes de construir
sujeitos críticos e reflexivos sobre a realidade a ser enfrentada.
Para gestão do cuidado à tuberculose ser efetiva requer a formação de
profissionais orientados à concepções que orientem a compreensão da saúde como
direito social, a exemplo da determinação social da doença, bem como as
práticas de cuidado em saúde sejam operacionalizadas por meio da ética, da
responsabilização e do acolhimento.
Reconhece-se que ainda há um longo percurso a ser trilhado na perspectiva da
formação de profissionais, enfermeiros, que atuem com práticas inovadoras de
cuidado e que se aproximem aos preceitos do SUS, não enquanto sistema de saúde,
mas como uma política que vislumbre à saúde enquanto um direito e bem social.