A Enfermagem Psiquiátrica, a ABEn e o Departamento Científico de Enfermagem
Psiquiátrica e Saúde Mental: avanços e desafios
A ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA NO BRASIL: CAMINHOS PERCORRIDOS
No Brasil, à época do império, as práticas de enfermagem ocorriam no lar, para
os abastados. Aos pobres e indigentes era reservado o cuidado das irmãs de
caridade e leigos, tendo a assistência à saúde um caráter doméstico e de
caridade. Em 1852, foi inaugurado o Hospício Pedro II, considerado marco da
Psiquiatria no Brasil. Nesta época, os médicos não tinham influência e a
Enfermagem era exercida por leigos de má reputação, sob as ordens das irmãs de
caridade. O papel da Enfermagem era manter a ordem asilar através da
vigilância, repressão, coerção, violência e ordem disciplinar(1).
Em 1890, diante de conflitos entre médicos e irmãs de caridade, o governo da
República convidou enfermeiras francesas para contribuírem na assistência
psiquiátrica, e para a criação da primeira escola brasileira destinada à
formação de pessoal de enfermagem, denominada Escola Profissional de
Enfermeiras do Hospital Nacional de Alienados. A preparação das enfermeiras
seguia o modelo francês da Escola de Salpétrière e, até os anos quarenta, foi
assumida pelos próprios psiquiatras, seja através da criação de escolas de
enfermagem nos estabelecimentos psiquiátricos, seja a partir da implementação
de mecanismos informais de preparação(1-2).
Embora mantenha importância na formação de enfermeiros para a assistência
psiquiátrica e higiene mental, a Escola Profissional de Enfermeiras do Hospital
Nacional de Alienados não é reconhecida como marco do surgimento da Enfermagem,
enquanto categoria profissional no Brasil. Esse marco é atribuído à Escola de
Enfermagem Anna Nery, fundada em 1923, que seguia o modelo Nightingaleano no
preparo dos profissionais para a prática sanitária, excluindo os aspectos
relacionados à saúde mental(2-3).
A psiquiatria e a Enfermagem Psiquiátrica são oriundas do conhecimento
desenvolvido sobre e no hospital psiquiátrico. Os agentes de enfermagem e as
práticas por eles desenvolvidas tiveram importância no processo de constituição
e consolidação do modelo asilar, concebido pelos psiquiatras brasileiros no
final do século XIX e existente até hoje no país, apesar das mudanças de modelo
assistencial(2).
Nas primeiras décadas do século XX, o trabalho de enfermagem nos hospitais
psiquiátricos brasileiros era cercado de preconceitos, por ser associado ao
trabalho manual, ou por ser visto pelas pessoas como atividade degradante e
insalubre. No entanto, o ingresso no hospital psiquiátrico podia representar
não apenas um meio de sobrevivência, mas também uma alternativa de
profissionalização. Desta forma, as enfermeiras percebiam este tipo de
atividade não como trabalho manual, mas como trabalho intelectual, em função da
necessidade de escolarização específica. Assim, o trabalho de enfermagem,
significou a possibilidade de ascensão social, embora mantivesse a subordinação
ao médico(4).
No período compreendido entre 1890 e 1930 teve início o preparo formal de
enfermeiras em escolas, para a área psiquiátrica, com crescente papel
terapêutico. A elas cabia executar ou assistir ao médico nos procedimentos
psiquiátricos, administrando drogas e implementando medidas hidroterapêuticas.
No entanto, o seu papel era custodial e baseado nas necessidades físicas dos
pacientes. Em relação às necessidades psíquicas, preocupavam-se em manter boas
atitudes como tolerância, gentileza e humanidade para com os pacientes(1).
Neste panorama, há de ressaltar que, a partir da década de 1940, surgiram
teóricas no campo da Enfermagem Psiquiátrica que trouxeram contribuições
significativas no relacionamento terapêutico as quais nortearam as
transformações da assistência de enfermagem. Peplau, Travelbee e Minzoni
descrevem a práxis da Enfermagem Psiquiátrica baseadas no processo
interpessoal, com nomenclaturas diferentes para tal processo. Peplau denominou-
o de processo interpessoal de cunho terapêutico; Travelbee nomeou-o de relação
de pessoa-a-pessoa e Minzoni preferiu a relação interpessoal terapêutica ou
relação de ajuda(5).
Na década de 1970, enfermeiras da área já questionavam o modelo asilar da
assistência psiquiátrica até então vigente e apresentaram o enfoque comunitário
com possibilidade de prestar assistência em saúde mental fora dos muros
hospitalares, sem isolamento do indivíduo da sua família e do seu próprio
ambiente(6). Em consonância ao contexto político nacional de redemocratização,
surgiu o Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM) que direcionou
críticas ao modelo psiquiátrico clássico ao constatar práticas manicomiais das
instituições psiquiátricas e seu papel explicitamente médico-terapêutico(4).
Vivia-se também neste momento intensa insatisfação com o sistema de saúde
brasileiro, gerando mobilização por parte dos trabalhadores que culminou com a
Reforma Sanitária e os profissionais da área da saúde mental reivindicando
melhoria da assistência às pessoas com transtorno mental, cujo movimento
originou a Reforma Psiquiátrica brasileira(4).
TRANSFORMAÇÕES DA ASSISTÊNCIA DA ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA: SUPORTES LEGAIS
No campo da saúde, as transformações a partir da Reforma Psiquiátrica e a
lógica da desinstitucionalização norteiam a Política Nacional de Saúde Mental.
Essa política reverteu o Modelo Manicomial para o de Atenção Psicossocial, onde
o acesso, o acolhimento, o vínculo e o acompanhamento das pessoas em situações-
limite têm sido por serviços territorializados.
Em virtude deste movimento, no ano de 2001 foi promulgada, após 12 anos de
tramitação no Congresso Nacional, a Lei Federal nº 10.216, também conhecida
como Lei Paulo Delgado ou Lei da Reforma Psiquiátrica. Esta lei redireciona a
assistência em saúde mental, privilegiando o oferecimento de tratamento em
serviços de base comunitária. Dispõe ainda sobre a proteção e os direitos das
pessoas com transtornos mentais, onde se incluem os dependentes de substâncias
psicoativas(7).
Em 2001 a Política Nacional de Saúde Mental é instituída tendo como diretrizes
a desinstitucionalização, com a redução progressiva de leitos em hospitais
psiquiátricos; a expansão e consolidação da rede de atenção especializada,
priorizando-se os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS); a inclusão das ações
de saúde mental na atenção básica; a atenção integral ao usuário de crack,
álcool e outras drogas; a implantação de um programa permanente de formação de
profissionais para Reforma Psiquiátrica; a promoção dos direitos de usuários e
familiares e por fim a implantação de um programa de geração de renda e
trabalho(7).
Em consonância com a Lei nº 10.216 entra em vigor a Portaria nº 336 de
fevereiro de 2002 que estabelece as funções, modalidades e composição das
equipes dos CAPS. Esta Portaria, até o ano de 2011, direcionou a atenção em
saúde mental tendo o CAPS como ordenador da entrada da pessoa com transtorno
mental no SUS e como articulador da rede de cuidados.
Para atender a esta lógica, foi instituída, em 2011, no âmbito do Sistema Único
de Saúde (SUS), por meio da Portaria nº 3.088, de 23 de dezembro de 2011, a
Rede de Atenção Psicossocial (RAPS) para pessoas com sofrimento ou transtorno
psíquico. Esta rede tem então a finalidade de criar, ampliar e articular pontos
de atenção à saúde para estas pessoas(8).
Entende-se que a complexidade da atenção em saúde mental só pode ser atendida
se houver articulação entre serviços e dispositivos sociais existentes na
comunidade, seguindo a lógica da atenção territorial, para favorecer a inclusão
social com vistas à promoção de autonomia e ao exercício da cidadania.
Desta forma, a RAPS é constituída pelos seguintes componentes: I - atenção
básica em saúde, II - atenção psicossocial especializada, III - atenção de
urgência e emergência, IV - atenção residencial de caráter transitório, V -
atenção hospitalar, VI - estratégias de desinstitucionalização e VII -
reabilitação psicossocial(8).
Vale lembrar que, na construção desta concepção de rede e linhas de cuidado,
apontada pela Portaria nº 3.088/11, a Enfermagem possui um papel significativo,
uma vez que em todos os componentes da RAPS preconizam a presença do
profissional enfermeiro.
Considerando a importância da Enfermagem nos espaços de cuidado, é fundamental
considerar que as ações referentes a saúde mental devem ser contempladas na
assistência de enfermagem em todas as áreas. Assim, o acolhimento, a
valorização da pessoa, a formação de vínculo, o atendimento em situações de
sofrimento mental, decorrentes de circunstâncias da vida, em que há mais
vulnerabilidade, precisam ser reconhecidas pelos profissionais, em favor da
legitimação da práxis do enfermeiro.
A PRÁTICA DA ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA NO CONTEXTO ASSISTENCIAL BRASILEIRO
Com o surgimento dos serviços abertos de saúde mental foi necessário
reorganizar os processos de trabalho e, consequentemente, o projeto terapêutico
institucional. Nesse sentido, coube também à Enfermagem assumir atitude
terapêutica, crítico-reflexiva, numa perspectiva humanista e de autonomia
profissional, aprendendo a lidar com técnicas grupais e valorizando o
relacionamento interpessoal(1,9).
Neste cenário, a promoção da saúde mental, a prevenção da enfermidade, a ajuda
à pessoa no enfrentamento de pressões, adversidades, sofrimento e dificuldades
do cotidiano, passam a fazer parte da assistência de enfermagem, que estende
seu olhar para o sadio, junto à família e comunidade, ajudando-os a encontrarem
um sentido para o sofrimento mental(4,9).
A meta do cuidado de Enfermagem é maximizar as interações positivas da pessoa
com o ambiente, promover o bem-estar e melhorar a percepção de si próprio,
valorizando-se o contexto da pessoa, com vistas a sua inclusão social(10).
Os familiares e cuidadores devem ser incluídos no processo de tratamento e
reabilitação, assim como considerados uma unidade de cuidado. Vale ressaltar
que o enfermeiro, na construção do projeto terapêutico, pode incentivar a
participação em entrevistas individuais e em grupos de apoio para orientação e
acolhimento de todos os envolvidos no processo de adoecimento(11).
Neste contexto, o relacionamento terapêutico é uma importante tecnologia de
cuidado que possui um rol de saberes e práticas destinadas ao entendimento do
ser humano em sua totalidade, de suas limitações, possibilidades, necessidades
imediatas e potencialidades sendo, portanto um instrumento de cuidado que
permite a reintegração e reorganização da pessoa com transtorno mental(10).
Há ainda outras importantes estratégias de cuidado, como o acolhimento e o
vínculo, que fortalecem a concepção ampliada do processo saúde-doença. Neste
sentido são desenvolvidas ações como as visitas domiciliares, atendimento em
grupo, sala de espera e palestras, reuniões de equipe, participação em eventos
festivos, os quais deslocam o olhar das tecnologias centradas na doença para a
valorização de contextos e temporalidades na complexidade do sujeito(11-12).
Na prática da Enfermagem Psiquiátrica, destaca-se como ações exclusivas do
enfermeiro a consulta de enfermagem como um importante recurso junto à pessoa e
sua família, assim como a supervisão e capacitação da equipe de enfermagem(13).
Estudos afirmam que há uma convergência teórica em torno da compreensão de que
o papel do enfermeiro em serviços de saúde mental é o de oportunizar o usuário
a se reconhecer e a melhorar suas relações terapêuticas exigindo do
profissional iniciativa, criatividade e diferentes modos de assistir(3,11,14).
No modelo asilar a assistência tendia a focalizar a doença do sujeito, seus
sinais e sintomas. Entretanto, no modelo proposto pela Reforma Psiquiátrica, a
assistência está voltada para a inclusão social da pessoa, no desenvolvimento
da autonomia do sujeito, a convivência e a comunicação com o outro e a
participação em grupo(14), indo além das funções de supervisão, administração
de medicamento, alimentação e higiene(11).
No entanto, estudos mostram que os profissionais de saúde em geral têm
apresentado dificuldade para se incluir nesse modelo assistencial, de modo que
o trabalho realizado atualmente nos serviços abertos por vezes afasta-se do
proposto pelas diretrizes da Reforma Psiquiátrica(3,9,12-13,15).
Uma das constatações sobre a atuação dos profissionais de enfermagem em saúde
mental é de que, ainda é possível perceber, com frequência, atribuições dos
enfermeiros voltadas para o âmbito individual e bastante próximo das atividades
executadas em ambiente hospitalar psiquiátrico, valorizando ainda o tratamento
farmacológico(3,14,16). O atendimento individual, por meio de consultas
seguidas do tratamento medicamentoso é privilegiado e as ações relacionadas aos
procedimentos terapêuticos não são atividades constantes e sistematizadas, o
que faz remeter ao modelo medicalocêntrico(9).
Ações voltadas às atividades assistenciais de natureza técnica, tais como
verificação de sinais vitais, medidas de higiene e conforto, além da
administração de medicamentos ainda prevalecem entre os cuidados de enfermagem
nos serviços especializados em saúde mental, em detrimento das tecnologias
relacionais. Há de se mencionar, entretanto, avanços na prática da Enfermagem
Psiquiátrica, que introduziu algumas ações voltadas para o relacionamento
terapêutico, educação e gerência(17).
Desta forma, a prática efetiva dos enfermeiros está centrada, principalmente,
no desenvolvimento de atividades burocrático-administrativas, em virtude do
"agir terapêutico" e o que se observa ainda é que são eles que menos realizam
atendimentos diretos à clientela nos serviços extra hospitalares(3).
Paradoxalmente, esses profissionais possuem conhecimento técnico e científico
sobre as concepções do modelo psicossocial, síndromes psiquiátricas,
assistência e tratamento especializados. No entanto, reconhecem que sua
capacidade política deve ser aprimorada, enquanto espaço de participação
social, articulando-se com os diversos movimentos e transformações
psiquiátricas(18).
Além das dificuldades em discorrer sobre o papel do enfermeiro, percebe-se o
desconhecimento da equipe de enfermagem a respeito do papel de outros
profissionais na equipe multiprofissional. As atividades de enfermagem são
relacionadas às dos psicólogos e do terapeuta ocupacional e os profissionais
consideram que "podem fazê-lo como se fossem o referido profissional assumindo
o seu papel na equipe"(19). Neste sentido, há preocupação com os equívocos
quanto ao papel do enfermeiro na equipe interdisciplinar, trazendo prejuízos
para os pacientes e seus familiares(19).
Diante deste panorama e considerando-se também que há enfermeiras, nos dias
atuais, ainda com práticas de subordinação ao trabalho e ao saber-fazer médico,
é premente a necessidade de mudança na formação profissional, com enfoque no
modelo de atenção proposto pela Política Nacional de Saúde Mental.
A FORMAÇÃO DO ENFERMEIRO PARA A ASSISTÊNCIA PSIQUIÁTRICA E EM SAÚDE MENTAL
As mudanças que tem ocorrido na assistência em saúde mental têm instigado
repensar o atual ensino de Enfermagem Saúde Mental/Psiquiátrica na graduação
(12,14,16,20). "Sabe-se dos problemas, muda-se o discurso, mas superar as
dificuldades tem se mostrado um processo tão lento, quanto árduo"(20).
A maioria dos enfermeiros não se sente preparada para atuar em Enfermagem
Psiquiátrica ou Saúde Mental e não está adequadamente informada sobre as
mudanças políticas que vêm ocorrendo na área. Grande parte desses profissionais
que vão trabalhar em serviços de saúde mental se surpreende com sua falta de
conhecimento específico, vivendo uma situação de emaranhamento de papéis que
dificulta seu ajustamento(3,9,12,18-20).
O acadêmico egresso possui um domínio teórico limitado, conforme
ensinado na graduação, sendo que, muitas vezes, a teoria fica
centrada no modelo tradicional e segregante da psiquiatria,
dificultando a percepção e a capacitação dos profissionais para as
práticas atuais na assistência à saúde mental(16).
Com relação à área de Enfermagem Saúde Mental/Psiquiátrica no ensino de
graduação, têm-se discutido abertamente o descompasso entre o ensino e a
prática do cuidado de enfermagem em saúde mental(21). Evidencia-se a distância
entre a PNSM, a Política Nacional de Atenção Básica, a relação entre a saúde
coletiva, a saúde mental e o cuidado de enfermagem, cujo cenário traz um
convite para repensar como se educam os educadores para o campo da atenção
psicossocial.
Vale lembrar que a concepção de Saúde Mental orienta a formação e prática
profissional. Saúde Mental é um campo de conhecimento e como tal é polissêmico,
sustentando-se em três dimensões: a) transversal à saúde - valoriza-se a
subjetividade de cada pessoa e família; b) é uma especificidade - a intervenção
é junto à pessoa em sofrimento psíquico; c) é uma especialidade - promove-se
ações em saúde com pessoas com transtornos mentais severos e graves(21). Tal
contexto remete a necessidade da formação do enfermeiro generalista num
processo de ensino-aprendizagem baseado em cuidados primários em saúde mental,
que valoriza o processo subjetivo em qualquer ação em saúde, com vistas ao
desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e atitudes para intervenções as
pessoas em sofrimento psíquico(15), independente da presença de transtornos
mentais.
Entende-se que o preparo do profissional generalista deve focar os cuidados
primários em saúde mental, enquanto que a formação do especialista procura
tornar o enfermeiro apto a atuar nos serviços de maior complexidade e que
exigem este perfil.
Na tentativa de formar profissionais aptos a trabalhar em saúde mental nos
diversos cenários de cuidado, o ensino da enfermagem em saúde mental é
fundamentado por alguns paradigmas que norteiam sua práxis: paradigma médico
custodial, paradigma das relações interpessoais, paradigma holístico, paradigma
da reabilitação psicossocial e transição paradigmática para o campo da Atenção
Psicossocial(21).
Considerando a evolução destes paradigmas e as práticas terapêuticas em saúde
mental, é possível refletir que muitas ações podem não superar os resquícios
medicalocêntricos e muito menos promover a ressocialização psicossocial da
pessoa com transtorno mental, embora seja eficiente no atendimento em estado de
crise(9). Neste sentido, o incentivo à educação de enfermeiros em saúde mental
assume uma posição estratégica que se volta ao desafio da consolidação da
reforma psiquiátrica.
Há estudos que enfatizam que, para atuar em saúde mental, o enfermeiro deve ter
preparo suficiente e de qualidade, com práticas que não se restrinjam ao
hospital psiquiátrico, mas considerem os modelos de atenção à saúde com enfoque
na comunidade. A graduação deve possibilitar o pensamento teórico, permitindo a
compreensão das demandas no modelo psicossocial e a formação de identidade
profissional(13-14,16,19).
A exposição de conteúdos curriculares adequados que envolvem a Saúde Mental e a
prática clínica supervisionada torna mais provável que os estudantes de
enfermagem desenvolvam competências adequadas nesta área. A aproximação do
aluno com os serviços substitutivos sensibiliza-o para a abrangência da rede
social que permeia o cuidado da pessoa com transtorno mental e caracteriza o
espaço de trocas de experiências e aprendizados mútuos entre alunos, usuários e
os profissionais que já atuam nos serviços. Inserindo-se em espaços que
coadunam finalidades assistenciais e humanísticas, favorece sua compreensão
acerca do portador de transtorno mental como um sujeito capaz de circular
autonomamente pelos diversos espaços sociais, em um processo contínuo de laços
afetivos e contratuais(22).
Num movimento de mútua influência, a presença de estagiários nos serviços de
saúde mental pode incentivar e estimular os profissionais que ali atuam. Por
outro lado, torna-se mais provável o estigma e desinteresse por este campo de
atuação, quando os futuros profissionais fazem contato com assistência
desqualificada nos cenários de prática.
No campo da identidade profissional, acredita-se que a Sistematização da
Assistência de Enfermagem (SAE) é um instrumento capaz de proporcionar maior
autonomia para o enfermeiro, favorecer o registro das suas ações, além de
promover a aproximação com usuário e a equipe multiprofissional(23). Tal
instrumentalização poderá resultar na limitação do número de reinternações ao
atender de forma integral os usuários, visto que a SAE permite atender as
necessidades individuais e coletivas de cada indivíduo de forma sistematizada.
Sendo assim, sua utilização possibilita concretizar as recomendações do atual
paradigma assistencial em Saúde Mental. Vale destacar, ainda, que o uso da SAE,
como ferramenta de gestão da assistência, evidencia não só a participação do
enfermeiro na atenção à saúde da população, mas também, contribuí para sua
visibilidade e o reconhecimento profissional(24).
Tais considerações precisam estar bem fortalecidas no âmbito das instituições
formadoras para empreenderem a capacitação profissional em total equivalência
às demandas conceituais e da assistência, em razão das políticas públicas da
saúde.
POLÍTICA DA ABEN NO DESENVOLVIMENTO DA PRÁTICA PROFISSIONAL: DEPARTAMENTO
CIENTÍFICO DE ENFERMAGEM PSIQUIÁTRICA E SAÚDE MENTAL
Diante das intensas mudanças no contexto assistencial brasileiro da área da
Saúde Mental torna-se imprescindível que os profissionais da Enfermagem se
organizem para repensar seu posicionamento nas diversas funções e papeis que
assumem nos serviços especializados. Isto inclui a assistência, gestão ou a
formação de recursos humanos, norteados pela Política Nacional de Saúde Mental
e orientados pelo processo de Reforma Psiquiátrica.
Destarte, o desenvolvimento de uma profissão envolve a organização política,
científica, cultural e de entidades que a representem no conjunto da sociedade
(25).
Nesta perspectiva, a Associação Brasileira de Enfermagem, desde sua fundação em
1926, tem como eixo a defesa e a consolidação do trabalho da enfermagem como
prática social, aspecto imperativo à assistência de saúde com qualidade, à
organização e ao funcionamento dos serviços de saúde. A ABEn tem como
compromisso defender e propor políticas além de representar a categoria em
ações que visem a qualidade de vida da população e acesso universal e equânime
aos Serviços de Saúde.
Como as demais áreas do conhecimento, a Enfermagem Psiquiátrica e em Saúde
Mental requer organização para seu pleno desenvolvimento político-científico.
No contexto científico, existem no cenário nacional, eventos que discutem a
formação, o exercício profissional e outras demandas da área. Destaca-se o
Encontro Pesquisadores em Saúde Mental e Especialistas em Enfermagem
Psiquiátrica, promovido pela Escola de Enfermagem de Ribeirão Preto, desde
1978, tradicionalmente realizado de dois em dois anos.
A partir de 2008, faz-se uma ampla discussão entre os participantes desse
evento, o qual deliberou a criação da Rede Nacional de Enfermeiros de Saúde
Mental para amadurecimento sobre os rumos coletivos, num ambiente virtual, de
modo a favorecer a participação coletiva de seus membros.
Também como resultado do movimento de articulações, incluindo o envolvimento da
categoria na Luta Antimanicomial, nas Conferências de Saúde Mental, a ABEn,
enquanto entidade representativa, compôs a comissão organizadora da IV
Conferência Nacional de Saúde Mental-Intersetorial. Salientamos de igual forma,
a contribuição da Red Internacional de Enfermería en Salud Mental - RIENSAME
nas discussões profícuas sobre organização da especialidade em vários países.
Considerando a atribuição científica, política e cultural no processo de
desenvolvimento ético-profissional da Enfermagem, a ABEn, por meio de seus
departamentos científicos, oportuniza a organização coletiva dos respectivos
especialistas, enquanto comunidade e rede científica.
Perante este panorama e atendendo a demanda de profissionais da especialidade,
a ABEn criou o Departamento Científico de Enfermagem Psiquiátrica e Saúde
Mental (DEPSM). Seu regimento, aprovado em reunião ordinária do CONABEn
(Conselho Nacional da Associação Brasileira de Enfermagem) em novembro de 2012,
apresenta sua composição que prevê a participação de enfermeiros associados com
atuação na assistência, gestão pública, ensino e pesquisa na área de Enfermagem
Psiquiátrica e Saúde Mental. Dentre seus objetivos destaca-se a defesa dos
interesses da sociedade e da Enfermagem no contexto das políticas públicas e do
Sistema Único de Saúde com ênfase na área de Saúde Mental.
Certamente as ações empreendidas pelo DEPSM favorecerão a troca de
conhecimentos entre a saúde mental e as demais áreas de atuação dos
profissionais da Enfermagem, na perspectiva de práticas interdisciplinares.
Esta iniciativa da ABEn, contribuirá para a promoção e ou apoio de ações com
finalidade de capacitação profissional dos trabalhadores da Enfermagem, visando
a excelência da Atenção Especializada em Psiquiatria e Saúde Mental. Vale
destacar que o DEPSM encontra-se em fase de consolidação dos seus
representantes, devendo ser oficializada no próximo CONABEn, em outubro de
2013.
Os desafios de organização política e científica dos especialistas em
Enfermagem Psiquiátrica e Saúde Mental serão superados na medida em que cada
especialista implicar-se também no processo de constituição e concretização do
DEPSM. É inegável que muitas ações, avanços do conhecimento e conquistas da
categoria não teriam visibilidade se não houvesse meios de alcançar a
comunidade científica, de forma rigorosa e ética.
E, neste sentido, há de se relevar o papel da REBEn, um dos órgãos oficiais de
divulgação da ABEn, considerada por toda área da saúde como periódico nacional
que, ao longo de 85 anos tem cumprido, de forma brilhante, sua função no
desenvolvimento técnico-científico e cultural das diferentes áreas do saber de
interesse da Enfermagem.