Estilos de cuidar de enfermeiras na Terapia Intensiva mediados pela tecnologia
INTRODUÇÃO
A ideia que as enfermeiras atuantes em cenários de terapia intensiva (TI)
constroem sobre a tecnologia lá inserida implica em uma ação (cuidado) marcada
por elementos que expressam este pensamento sobre a tecnologia. Neste sentido,
há uma tipologia específica de cuidado que ocorre na dependência da utilização
da tecnologia no cliente, e outra forma diferenciada de cuidar dirigida aos
demais clientes(1). Este cuidado específico, categorizado como "cuidado
tecnológico", diferencia-se pela aplicação de um conhecimento especializado,
que orienta a atenção da enfermeira na busca de dados objetivos e subjetivos,
oriundos do cliente, e objetivos provenientes do uso do maquinário.
Requer que a enfermeira detenha um conhecimento em relação às máquinas
(manuseio/domínio), aos aspectos fisiopatológicos da doença em curso, bem como
um conhecimento semiológico, aliando-os aos fundamentos do cuidado de
enfermagem, que incluem o toque, a audição, a observação. Ao reunir tais
habilidades, consegue realizar este cuidado especializado denominado de
tecnológico(1). Contudo, uma linha de ação que também sobressai no cuidado de
TI refere-se a uma supremacia da máquina. Sob esta ótica, identifica-se a
hierarquização do saber tecnológico sobre o agir da enfermeira, sendo este
orientado pela máquina, na crença de que apenas seu manuseio e respostas sejam
suficientes para cuidar do cliente. Neste caso, ter-se-ia uma 'ação
tecnológica', destituída dos elementos próprios ao cuidado de enfermagem(1).
Tais características apontam indícios de estilos de cuidar característicos
deste cenário, conduzindo à reflexão sobre as repercussões das tecnologias para
as práticas de cuidado em saúde e no de enfermagem em particular. Como parte
desta discussão, observa-se uma tendência de avaliação positiva da tecnologia
(2), a qual está amparada no sistema capitalista, que internaliza nos
indivíduos através da socialização e educação formal o valor da tecnologia, uma
vez que ela gera lucro e produtividade. Assim, este valor é estimulado por um
marketing leigo e profissional.
Cotidianamente, através dos meios de comunicação, demonstram-se os pontos
positivos de novas tecnologias, meios diagnósticos e de tratamento, com
disseminação precoce dos dados. Essa difusão dos seus atributos produz crenças
na ciência e tecnologia. Como consequência, os indivíduos acreditam que a
qualidade do tratamento depende da utilização de recursos sofisticados, o que
se reflete em ações de cuidado que reproduzem essa lógica.
A problemática deste estudo situa-se nos indicativos de existência de duas
linhas condutoras da ação da enfermeira na TI que se utiliza do maquinário, o
"cuidado tecnológico" e a "ação tecnológica". Estas linhas trazem implicações
diretas na assistência de enfermagem prestada, em termos de riscos e
benefícios, levantando-se o pressuposto de que a tecnologia (maquinário)
inerente aos ambientes de TI possa estar orientando a formação de estilos de
cuidar na enfermagem.
O objeto desta pesquisa se delineia em torno das práticas de cuidado em face
das tecnologias ao cliente de TI, tendo em vista as representações sociais (RS)
das enfermeiras que dele cuida. Questiona-se: Quais são as representações
sociais de enfermeiras sobre a sua prática de cuidar em face das tecnologias
presentes na TI? Como agem no cuidado aos clientes hospitalizado? Objetivou-se,
portanto, analisar as RS de enfermeiras que atuam na TI sobre as suas práticas
de cuidado, face à tecnologia.
As RS surgem diante a objetos socialmente relevantes, abarcando aspectos
cognitivos, avaliativos, afetivos e simbólicos, e sendo compartilhada pelos
membros do grupo social(3). É nesta perspectiva teórica que alinha-se o
fenômeno das práticas de cuidar na TI, mormente pela sua interface com as
tecnologias, já que promove uma mudança no padrão de comportamento das
enfermeiras intensivistas, suscitando intensas conversações que alicerçam seus
pensamentos, e que, por sua vez, terminam por conduzir os atos de cuidar.
Então, conhecer o modo como as enfermeiras representam suas práticas fornece
subsídios para entender que elementos integram seu pensamento sobre elas, e os
nexos que guardam com a forma como agem diante do cliente na conformação de
estilos de cuidar. Proporciona desvelar quais aspectos compõem tais estilos,
que importância a objetividade/subjetividade assume na assistência, e como isso
se traduz em qualidade.
METODOLOGIA
Pesquisa de campo, qualitativa, com aplicação da Teoria das Representações
Sociais na sua vertente processual. Entende-se que as práticas de cuidado na
TI, em vista das repercussões que o avanço tecnológico traz ao agir da
enfermeira frente ao cliente, possuem uma espessura social, encontrando-se
imbricadas de forma consistente no cotidiano do grupo de enfermeiras
intensivistas, penetrando-o e sendo alvo de intensas conversações. Isto a faz
configurar-se objeto de RS(3), justificando a utilização da teoria. Na formação
de tais RS, os sujeitos processam as informações do universo científico com as
que circulam nas conversações cotidianas e com os saberes de suas próprias
experiências sensíveis. Reelaboram o conhecimento que o ajuda a orientar suas
ações.
O cenário foi a Unidade de Terapia Intensiva (UTI) de um hospital federal no
município do Rio de Janeiro. Das 24 enfermeiras participaram 21, 17 mulheres e
04 homens, que atenderam aos critérios de inclusão: atuarem em UTI, diretamente
na assistência no período da pesquisa.
Esta UTI comporta 10 leitos, que apresentam alta demanda pelo fato da
instituição ser considerada porta de emergências, cujos clientes são de alta
complexidade clínica e tecnológica. A equipe é multiprofissional e a escala de
trabalho da enfermagem é de 12 por 60 horas, com uma média de dois a três
enfermeiros e cinco a seis técnicos de enfermagem por turno.
O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa no hospital que serviu
de campo para o estudo, sob o número de protocolo 35/10. O pesquisador realizou
um período inicial de exploração do campo, para se aproximar da realidade e
convidar as enfermeiras a participar. Aquelas que aceitaram voluntariamente
assinaram do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido.
Os dados foram produzidos entre o mês de novembro de 2010 e maio de 2011
através de entrevista individual com a aplicação de um roteiro de coleta de
dados sociodemográficos, com questões objetivas e discursivas, com o propósito
de descrever o perfil dos sujeitos; e de um roteiro de entrevista
semiestruturada, composto de questões abertas para a exploração do objeto de
estudo. As entrevistas duraram em média uma hora e trinta minutos, se
realizaram à tarde, em sala reservada no próprio setor.
Os dados foram submetidos à análise lexical contextual de um conjunto de
segmentos de texto, através do software Alceste na versão 2010, que é um método
informatizado para a análise de textos, cuja tese principal é a de que todo
discurso expressa um sistema de mundos lexicais, que organiza uma racionalidade
e dá coerência a tudo que o locutor enuncia(4).
Os mundos lexicais podem ser estudados através da análise da organização e
distribuição das palavras principais coocorrentes dos enunciados simples de um
texto. A metodologia focaliza a distribuição estatística de sucessões de
palavras sem tomar em conta a sintaxe e semântica do discurso, mas unicamente a
coocorrência ou presença simultânea de várias palavras funcionais
(substantivos, adjetivos, verbos) em um mesmo enunciado. A ideia é que ao
utilizar um vocabulário determinado o locutor evoca um lugar comum de
enunciação, o qual se define por oposição a outros lugares, de sorte que um
mundo lexical não se define em si mesmo, mas em relação aos outros(4).
O arquivo contendo as entrevistas foi submetido ao software Alceste e gerou um
relatório no qual se obteve 58% de aproveitamento. Assim, os enunciados das
enfermeiras foram classificados em função da semelhança e da não semelhança
estatística do vocabulário que o compõe, evidenciando os mundos lexicais. O
texto foi dividido em unidades de contexto elementar (UCE) explorando a
distribuição do vocabulário para extrair do corpus as classes lexicais. O
perfil de cada classe correspondeu ao conjunto de palavras mais
significativamente presentes nestas. O grau de associação de uma palavra ou uma
variável a uma classe foi calculado por um Chi2 (qui-quadrado).
O corpus foi dividido em 3855 uce, das quais 2244 apareceram numa mesma classe
em duas classificações hierárquicas descendentes, equivalendo a 58,21% do total
e denotando a estabilidade das classes. O corpus sofreu uma primeira divisão em
duas partes: uma originou as classes 3, 6 e 5 e a outra as classes 1, 2 e 4. No
prosseguimento da análise, a primeira parte origina a classe 5 e sofre uma nova
partição para gerar as classes 3 e 6. Logo após, a segunda parte inicialmente
deriva a classe 1, e novamente se divide para produzir as classes 2 e 4,
últimas formadas.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Tomando como referência as seis classes produzidas, a análise organizou-se em
dois blocos, sendo um contendo as classes 1, 2 e 4, denominado "O sentido da
tecnologia na TI e a organização dos estilos de cuidar"; e outro as classes 3,
5 e 6, intitulado "A condição do cliente e suas repercussões na prática de
cuidar das enfermeiras".
As classes 3, 5 e 6 congregaram os discursos de enfermeiras sobre sua prática
de cuidar, amparados pelo seu cotidiano do fazer e de assistir o cliente em
face das tecnologias neste cenário, agregando uma característica mais feminina,
marcados pelo fator da experiência profissional, além de ter sido mais
veiculado pelas enfermeiras do turno diurno e de religião católica. As classes
1, 2 e 4 possuem um tom mais conceitual, crítico-avaliativo articulado ao uso
da tecnologia, com um olhar mais masculino e jovem dos que trabalham no período
noturno e não católicos.
O sentido da tecnologia na TI e a organização dos estilos de cuidar
A classe 1 se relaciona às funcionalidades da tecnologia na assistência de
enfermagem na terapia intensiva. As palavras tecnologia, cuidado e tecnológico
ilustram isso, indicando que uma das faces funcionais da tecnologia é a
cuidativa, mais relacionada à pragmática de assistência e cuidado ao cliente
através da avaliação, identificação, direcionamento e previsão dos fatos.
No cuidado de enfermagem a tecnologia possibilita, pelas alterações
evidenciadas no paciente, melhor direcionar o cuidado em si, tem como
ser utilizada a nosso favor, na medida que perceba alterações e
implemente aquele cuidado preconizado no paciente. (uce 2212, enf.
15)
Nesta classe, enquanto o emprego das palavras questão e aliar remetem a ideia
de proximidade ao cliente, as palavras hoje, administrativo e ano demarcam
outra funcionalidade da tecnologia, a funcional organizativa do trabalho,
próxima ao estrutural das atividades. Tais palavras indicam uma questão
temporal e sugerem que a evolução científica e tecnológica repercutiu-se no
cotidiano assistencial, dividindo a atenção da enfermeira com atividades
administrativas.
E hoje não tem como fugir da questão da tecnologia em terapia
intensiva, nossa grande preocupação é aliar a questão do cuidado aos
avanços tecnológicos, aliar no sentido de não fugir da nossa
essência, estar próximo do paciente, tocando, sentindo o que ele
sente. (uce 2209, enf. 15)
Mas hoje essa questão da tecnologia no cuidado é muito mais dividida
com as questões administrativas. Na minha geração de trabalho no CTI,
meu cuidado era muito mais leito do que administração, esta vem de um
curto espaço de tempo, dois anos. (uce 2273/ 2239, enf. 15)
Tais excertos de entrevista denotam existir uma zona de tensão que envolve o
debate sobre a utilização da tecnologia. Esta última, a despeito de seu uso
tratar-se de uma exigência da atualidade, por si só não é suficiente, sendo de
igual modo necessário o desenvolvimento de uma relação interpessoal com o
cliente.
No caso da face funcional organizativa, o emprego de tecnologias se dá na
lógica do gerenciamento das respostas do cliente, podendo gerar o afastamento/
distanciamento da enfermeira para resolver atividades administrativas. Logo, a
enfermeira aproveita-se das vantagens e facilidades resultantes da
implementação dos recursos tecnológicos, conferindo a estes uma conotação de
facilitador do processo de trabalho. A palavra distante traz em si este senso
de afastamento.
Creio que existam profissionais que com a tecnologia se afastam mais
do cuidado e preferindo visualizar as vantagens que a tecnologia dá
no sentido de permanecer mais distante e estabelecer outras
prioridades que não o cuidado na essência. (uce 2213, enf. 15)
O uso da tecnologia na assistência ao doente crítico em TI suscita um cuidado
com as máquinas, havendo necessidade de análise da função relacional dos
aparelhos com a enfermeira, o doente e o ambiente de cuidado, para que se
obtenha maior chance de efeitos terapêuticos positivos. Há que se repensar as
tecnologias duras como um estar com o doente crítico, deixar de lado a
concepção de que ao se cuidar da máquina se esquece daquele que de certa forma
depende dela(5).
Inúmeros trabalhos concebem a relação entre o homem e as tecnologias como sendo
puramente racional e instrumental, e nestes, as tecnologias são vistas como
meios funcionais a serviço de fins humanos. Todavia, defende-se que as
tecnologias e seus utilizadores se reconfiguram reciprocamente nas suas
práticas particulares. Então, a oposição entre a frieza da tecnologia e o calor
do cuidado não se sustenta, pois existem diferentes conexões entre as pessoas e
as tecnologias nos seus contextos de uso, as quais permitem criar laços
afetivos e sociais(6).
O uso da tecnologia traz benefícios, sobretudo no que tange à objetividade, e
apela pelo respeito aos valores da profissão através da resolução das
necessidades do cliente de modo integral, já que, ao contrário, a valorização
da dignidade humana seria posta em cheque.
Na classe 2 sobressai-se a noção dos elementos pessoais e profissionais que
possibilitam a organização dos estilos de cuidar em enfermagem na TI. A
afirmação acerca da existência de diferenças nos estilos ganha substância nas
palavras cada, cuida e maneira, mostrando diferentes modos de cuidar das
enfermeiras, considerando as particularidades inerentes a este sujeito.
Cada um cuida da sua maneira, não existe uma unificação, um padrão,
até porque a sua vida, o teu comprometimento profissional, o grau de
satisfação pessoal e profissional influencia a sua maneira de cuidar,
na sua maneira de lidar com o outro. (uce 149, enf. 2)
As palavras que se apresentam na sequência são buscar, conhecimento, querer,
conduzindo ao argumento de que um aspecto que distingue tais estilos de cuidar
é a capacidade individual de busca e domínio constante do conhecimento. A
necessidade de busca do conhecimento para subsidiar as ações em face das
tecnologias extrapola o perfil profissional para trabalhar na UTI, e se
constitui como uma obrigatoriedade por si só, independente de outras
características.
Quem gosta de terapia intensiva mesmo, se quiser consegue agregar
muito conhecimento. Vai de cada um querer agregar, querer buscar,
querer crescer, querer saber. (uce 3407, enf. 20)
O papel que o conhecimento desempenha na organização dos estilos é o que
direciona o perfil profissional para trabalhar na TI, representado na classe
pelas palavras adaptar e perfil. O que justifica um modo de agir marcado pela
busca incessante do saber para o domínio dos instrumentos articulados a este
local é a existência do perfil e consequente adaptação da enfermeira à
assistência.
Ele tem a opção de ser um para agregar na equipe, e nem sempre essa
pessoa tem perfil. Muitos se adaptam, mas muitos não têm esse perfil,
e aí lá na frente dão um problema e você acaba tendo que trocar
porque realmente se não tem perfil não vai se adaptar. (uce 3336/
3329, enf. 20)
A ausência de perfil gera a não adaptação da enfermeira, a qual passa a não
agregar valor à equipe de trabalho, produzindo um estilo de cuidar passivo,
guiado pela tarefa, com menor utilização do conhecimento, e, possivelmente,
mais distância do cliente. O conhecimento é um componente fundamental no
contexto assistencial da TI, sobretudo quando pensado no contraponto com os
avanços tecnológicos, a exemplo da pesquisa sobre as RS acerca do trabalho da
enfermeira no CTI(7). Nesta emergiram duas categorias centrais: o trabalho da
enfermeira associado ao estresse e responsabilidade; e o que se associa à
assistência integral e gratificação. A característica de ser uma prática
estressante e de responsabilidade tem interface com o conhecimento adquirido
diante de transformações e desafios da atualidade; mas, a despeito disso, faz
sobressair os atributos pessoais e profissionais para quem lá vai atuar(7).
Este perfil profissional encontra respaldo em pesquisas recentemente publicadas
(7-9). Há confluência na discussão dessas produções quando se pautam na
complexidade do cuidado intensivo, onde dimensões objetivas e subjetivas
impactam ativamente, para ressaltar a preocupação com a atuação da enfermeira,
já que esta precisa assistir de maneira segura, ética e com qualidade. Por
conseguinte, em virtude das peculiaridades do ambiente, acentua-se a questão
das competências e habilidades do profissional, formando uma figura-tipo da
enfermeira intensivista.
Estes dados da classe 2 retratam a dimensão da atitude das RS, pois mostram um
posicionamento de singularidade, em termos de investimento de cada profissional
na busca de informações e constituição de um perfil profissional congruente às
características do ambiente e do cliente, organizando uma prática influenciada
por estes aspectos. RS são tomadas de posição simbólicas organizadas de
maneiras diferentes. Em cada conjunto de relações sociais, princípios ou
esquemas organizam as tomadas de posição simbólicas ligadas a inserções nessas
relações(10).
A classe 4 trata da inter-relação dos fatores estruturais com as práticas
próprias da enfermeira na TI, e suas implicações nos estilos de cuidar. As
palavras enfermeira e profissionais, interação e lidar, apontam a interface
entre os membros da equipe de saúde neste campo.
A gente tem um pouco de briga com esses profissionais externos, mas
os profissionais que ficam dentro do CTI, de modo geral o
relacionamento é bom, com certeza se alguma enfermeira escutasse isso
ele iria falar, ainda mais se eu conheço a equipe que tem lá. (uce
2756, enf. 17)
Você não tem que ter medo de falar o que você pensa, eu acho que
muitas vezes a pessoa se retrai um pouco, mas em sua maioria não, a
maioria da equipe de enfermagem, eu percebo que eles lidam muito bem
com os outros profissionais das outras áreas. (uce 2021, enf. 13)
O uso frequente da palavra médico dá a entender que este profissional ocupa
posição central no relacionamento da enfermeira com a equipe, do qual emergem
possíveis conflitos que podem dificultar o exercício do profissional, retraí-lo
e impactar nos seus modos de agir.
Existem profissionais que são assim, em contrapartida outros
profissionais médicos não são assim, simplesmente tomam as condutas
deles e não repassam para gente. (uce 1416, enf.9)
Essa influência de determinantes externos nas práticas assistenciais se
materializa também na existência de outros assuntos, como é o caso das
condições de trabalho, que ocupa a atenção e concorre para uma sobrecarga da
enfermeira. Isto é evidenciado no arranjo da classe 4 pelas palavras estrutura,
terapia intensiva, serviço, hospital, que sinalizam a presença de problemas
relacionados à estrutura institucional, a exemplo do quantitativo de membros da
equipe de enfermagem em comparação ao número de leitos na UTI, disponibilidade
de material, e têm fortes reflexos no nível de desgaste, cansaço e motivação
dos enfermeiros.
Por falta de pessoal, pela estrutura deficiente, bem aquém do que a
gente precisaria, em alguns momentos a gente está lidando com uma
equipe desgastada, cansada. (uce 3770, enf. 21)
Em pesquisa feita com 235 enfermeiras de Portugal, retomaram-se os fatores
geradores do estresse em UTI. Houve associação estatística significativa
mostrando que, quanto pior for a relação interpessoal, maior é o nível de
estresse das enfermeiras(11). Estudo francês analisou os efeitos da modificação
da divisão sexual do trabalho na relação social entre médicos e pessoal de
enfermagem. Em um cenário com predomínio de médicos homens, houve conflito
direto entre as duas categorias, resultado de uma ordem sexuada tradicional,
numa configuração fortemente hierarquizada com divisão entre concepção e
execução que separa médicos e enfermeiras(12).
Influência de fatores externos na qualidade do cuidado ao cliente crítico
alinha-se ao dimensionamento da equipe de enfermagem. Isto porque a
subestimação do quantitativo da equipe contribuiu na produção de condições
como: alta taxa de extubação e aumento da necessidade de reintubação por
extubação acidental, com o aumento do risco para infecção hospitalar e de
complicações desta, elevação do índice de quedas e de suas intercorrências(13).
Observa-se, no entanto, que a RDC 26/Anvisa(14), que dispõe sobre os requisitos
mínimos para funcionamento de Unidades de Terapia Intensiva, prevê um
enfermeiro para cada 10 pacientes, e no cenário desta pesquisa a relação era,
em média, de dois a três enfermeiros para os 10 pacientes do setor. Todavia, os
resultados mostram a insatisfação sobre condições de trabalho inadequadas,
incluindo-se nestas o número de profissionais. Este é um dado que merece ser
investigado, no sentido de desvelar especificidades do contexto da assistência
e da organização do trabalho desta equipe que culmina nas queixas apresentadas
pelos participantes deste estudo.
As relações profissionais e condições de trabalho vivenciadas pelas enfermeiras
participantes deste estudo estão situadas em um campo macro contextual, que se
delineia de especificidade, e que é acessado por estas na estruturação de uma
lógica que sustenta suas narrativas sobre a prática de cuidar na TI. Este
contexto de produção de sentidos tem papel fundamental na escolha de uma forma
de pensamento em detrimento da outra. A maneira como as pessoas tratam a
informação depende do contexto em que esta se inscreve e de tudo que se
encontra a ele articulado, fazendo emergir as diferentes causas(15).
As RS das enfermeiras da TI acerca das suas práticas de cuidar se organizam com
base na atribuição de sentido que conferem à tecnologia e que a coloca em dois
blocos funcionais, um pragmático e um organizativo, entre os quais há uma
questão valorativa e identitária da profissão que serve de referência para os
usos desta tecnologia, em vista do grupo de pertença.
À luz destas funcionalidades da tecnologia, as enfermeiras orientam sua prática
de cuidar ao cliente. Assumem um comportamento frente ao socialmente instituído
acerca da necessidade de domínio constante do conhecimento e aquisição dos
atributos profissionais que irão sustentar a aplicação das tecnologias em tal
ambiente, e que o faz dar forma a um estilo singular de cuidar. Para tanto,
entra no lócus contextual que está retratado no seu cotidiano através do
contato com outros profissionais e condições de trabalho, que contribuem para
explicar as escolhas feitas.
Destacam-se, pois, dois estilos de cuidar. No primeiro, a enfermeira é ativa e
criativa, sendo tal estilo marcado pelo maior acesso à face funcional cuidativa
da tecnologia, considerando a maior proximidade ao cliente e a atenção às suas
necessidades físicas e psicossociais. Este uso é mediado por um conhecimento
constantemente renovado pelo profissional, reflexo de determinados atributos
adquiridos. O outro estilo de cuidar é marcado pela passividade da enfermeira,
com utilização da face funcional de cunho administrativo da tecnologia, por
meio da qual gerencia o cuidado à distância, aproveitando-se dos benefícios dos
recursos tecnológicos, os quais facilitam seu processo de trabalho. Este uso
justifica-se por fatores como: ausência do perfil desejado de atuação no setor,
levando-o a orientar-se pela tarefa, e fazer apenas aquilo que está programado/
protocolizado; pelo apoio em aspectos estruturais que dizem respeito ao
contexto em que se circunscreve o trabalho das enfermeiras, como argumentos
para uma passividade diante da assistência ao cliente.
A condição do cliente e suas repercussões nas práticas das enfermeiras
A classe 3 traduz o cotidiano das enfermeiras da TI, respondendo por 18,9% do
material analisado com 406 uce. O dia-a-dia é sublinhado pela urgência do
cumprimento de um conjunto de atribuições da enfermeira, formado por questões
burocráticas e assistenciais. O uso do verbo fazer vem assinalado por uma ideia
de separação entre funções burocráticas e assistenciais.
Existem milhões de coisas para fazer como você observou muito bem, e,
então eu tento, em primeiro cuidado, eu quero estar junto, só que tem
a burocracia a ser feita. (uce 824, enf. 6)
Dentre as atividades indiretas (burocráticas) de grande relevância nesse
cotidiano está a ordenação de ações prévias à administração do medicamento, que
demandam atenção e cuidado, traduzida nas palavras medicação, horário, farmácia
e prescrição.
Existem enfermeiras que não têm perfil de estar naquela parte
burocrática (...) preciso dar uma continuidade para o técnico da
medicação, para ele fazer a medicação. (uce 830, enf. 6)
De outro lado, dentre as funções que a enfermeira precisa também fazer, estão
aquelas de cuidado direto ao cliente, as quais passam a ter um cunho
procedimental na constituição da classe 3, exemplificada pela aplicação de
palavras como banho, curativo, hora e sonda.
Eu gostaria sempre de poder, de todos os dias acompanhar o paciente
no banho com o técnico, trocar os curativos do paciente e visualizá-
lo de costas. (uce 1342, enf. 9)
Essa dicotomia que os profissionais instituem durante sua atuação na TI induz a
efeitos negativos no cuidado, pois provoca a ocorrência de uma desarticulação
assistencial e a realização de atividades automáticas, ao contrário da
perspectiva de integralidade.
Vou dar meus banhos, dei três banhos no leito, acabou, não dou mais
banho hoje, evolui meus pacientes, acabou, não faço mais nada, isso é
uma coisa negativa, muito negativa, e não tem porque ser assim, as
coisas poderiam ser programadas, e embora a gente dependa da
prescrição médica, a gente deveria estar fazendo as coisas junto.
(uce 2529, enf. 16)
Há uma preocupação exacerbada dos profissionais com prescrição médica, banho no
leito e exames, em detrimento do fortalecimento do diálogo, determinando uma
inversão de valores, em um modelo hegemônico. É necessário que se supere esta
clínica fragmentada, indo ao encontro da interdisciplinaridade, com respeito ao
caráter subjetivo e social inerente à complexidade de cada sujeito. O conceito
de integralidade, que vê o cliente na sua plenitude e no qual a autonomia tem
papel central, é primordial para a mudança na estruturação da prática
assistencial(16).
Estudo que analisou a atuação interprofissional na TI à luz da integralidade
demonstrou um cuidado fundamentado em modelo biomédico, fragmentado, que
valoriza os métodos de tratamento. E, ainda, uma organização de trabalho
funcionalista baseada na tarefa, em que as ações são descontínuas, fundadas em
protocolos e centradas no profissional(17).
Tal lógica se reforça pelo fato de que ainda há instituições em que não se tem
implantada a sistematização da assistência, com o cuidado sendo realizado
mediante um modelo de processo de enfermagem, o que influencia de forma
importante tanto na prestação do cuidado quanto na sua gestão.
A classe 5 reflete o caráter da prática das enfermeiras no manejo da tecnologia
no cuidado, a qual demanda o estabelecimento de nexos entre as informações que
têm origem no maquinário com aquelas emitidas pelos clientes como alicerce para
as intervenções. O uso da tecnologia como meio de comunicação entre o corpo do
cliente e o profissional pode ser percebido a partir das palavras de maior
representatividade numérica como é o caso de monitor, alarme, respirador e
sinais, que dão uma conotação centrada nas sinalizações que são feitas pelos
aparelhos incorporados ao cliente.
Tem que ter alguma coisa para ajudar, quer dizer que a tecnologia,
quando um respirador fica alarmando, vai te dar o alerta, se é
monitor, vai te dizer alguma coisa. (uce 13, enf. 1)
As máquinas disparam um alarme ou dão um sinal sob a forma de um dado
codificado, relacionado à saturação do oxigênio, à alteração de uma curva
respiratória. Com tais códigos amplificados pelas tecnologias há a imediata
aproximação da enfermeira para contextualizá-los, fazendo-se primordial o senso
de observação. Este formato empreendido ao cuidado materializa-se de igual modo
na palavra monitor, acrescentada das palavras dado, saturação e curva.
E se o dado que vem do monitor é a dessaturação, e ele está
alarmando, eu vou olhar para o paciente para saber o que está
acontecendo, essa dessaturação pode ser o oxímetro mal posicionado?
Pode. A curva de saturação está boa? (uce 1947, enf. 13)
A distância você já alarma diante de um dado, sem olhar o paciente.
(uce 1884, enf. 13)
Ao exprimir a importância da proximidade da enfermeira ao cliente, o acesso a
um dado reenvia também a necessidade de sua avaliação, à luz do exame clínico
de enfermagem, bem como do aporte teórico que embasa as ações de cuidar. O
verbo correlacionar retrata isso.
Visualizar o dado e não correlacionar à clínica do doente, tem que
estar perto. (uce 1910, enf. 13)
Essa junção dos dados do cliente com os da máquina constitui a estratégia
adequada para uma interpretação clínica correta, ou seja, para o alcance de um
diagnóstico clínico situacional apropriado, que determinará as tomadas de
decisão quanto às intervenções.
Observando o que a tecnologia está mostrando e tentando resolver o
problema, se é uma dessaturação, uma hipotensão, uma arritmia
cardíaca ou um baixo débito urinário, porque está com baixo débito
urinário? Se está hidratado, se não está. (uce 1906, enf. 13)
Em ambiente de cuidados intensivos, a prática de cuidar com a tecnologia
reveste-se de um significado particular. Considerando o seu domínio a partir da
correta interpretação da linguagem emitida pelas máquinas, tal aparelhagem é
vista como aliada para as ações, em benefício do cliente e do profissional.
Assim, fornece um olhar tecnológico pela amplificação dos sinais do corpo do
cliente, que alertam os sentidos destes profissionais para a necessidade de
tomada de decisão, o que os deixam mais seguros e confiantes durante seu
trabalho. Este uso teoricamente imprime uma maior velocidade, sobretudo na
identificação das alterações clínicas e aplicação das intervenções(1).
Considera-se, em vista dos dados, que tanto a classe 3 quanto a 5 expressam
rituais de cuidar que são ricos depósitos de sentido simbólico, indicando
sistemas representacionais colocados em ação. A função simbólica indica o
porquê da representação, ou seja, permite captar as razões e as lógicas,
através das quais o sujeito confere uma racionalidade específica ao seu sistema
de conhecimento. Por meio de símbolos que dão sentido, incute-se na
representação uma complexa rede de significados que vão se repercutir na
mediação das pessoas com o objeto, abarcando os desejos e afetos nesse processo
de conhecer(15). Observa-se na classe 3 uma maneira do fazer profissional
alicerçada em um paradigma de racionalidade, fortemente marcado por uma
fragmentação e com abordagem centrada nos órgãos, enquanto a 5 por intermédio
das ações realizadas pela enfermeira, que associa a estas a importância do uso
de tecnologias, exprime o seu desejo de estar em consonância com as
características de especificidade do ambiente, bem como as que se pautam no
exercício profissional.
A classe 6 aparece como a principal, visto agrupar 30,93% da narrativa das
enfermeiras. Esta classe lexical veicula concepções das enfermeiras que
articulam determinadas características dos clientes para se referir ao trabalho
no UTI. Uma das características que se acentua no material é a sua condição de
comunicação, a qual vem revestida de uma conotação de gratificação do trabalho
e do nível de ocupação. No primeiro caso, falar e estar acordado são
indicativos de alcance do resultado e melhora clínica do cliente. Já quando as
enfermeiras a abordam para tratar da ocupação, diferenciam o cliente acordado e
lúcido, daquele que está sedado e intubado, trazendo em pauta a maior ou menor
demanda de trabalho que cada um deles suscita. As palavras falar, paciente,
acordado, sedado e lúcido sustentam essa afirmação.
Gosto de ver o paciente evoluir, sair falando. Ver o paciente falando
e reclamando não me incomoda. Se ele chegou mais grave, isso me deixa
super satisfeita. (uce 2872, enf. 18)
Não gosto muito de paciente lúcido porque conversa, fica naquela
coisa, adoro, amo conversar, sendo que paciente para mim, depende de
mim, eu não estou dizendo que ele não depende, mas paciente, que é
paciente, está sedado, comatoso e não perturba. (uce 51, enf. 1)
Os dados evocam ainda que haja certa temporalidade nos resultados, através de
palavras que refletem oposição, como chegada e saída, que refletem uma
progressão satisfatória da condição de saúde e justifica todos os esforços
empreendidos pelas enfermeiras, gerando tal sentimento de gratificação e
satisfação. As palavras sair, bem e gratificante explicitam este subtema.
Ele saiu daqui muito bem, saiu do CTI muito bem, cuidei dele muito
bem, posso até falar que quando ele chegou aqui era um paciente
moribundo, nós demos uma geral. (uce 277, enf. 3)
Quando sai daquele quadro, depois retorna para te visitar e fala:
"_olha aqui como eu estou!" É a melhor coisa, a parte mais
gratificante que tem. (uce 57, enf. 1)
Por outro lado, o tipo de demanda e de dificuldades a serem vivenciadas na
relação de cuidado, como é o caso daquelas oriundas da interação comunicativa,
pode levar aos profissionais escolherem cuidar de um cliente sedado que não os
ocupará com esse tipo de atividade, já que não fala, e consequentemente não
relata suas necessidades, insatisfações e queixas.
Têm pacientes chatos. Quando é chato o pessoal vai deixar lá, vai
ficar confinado, o pessoal nem vai aparecer, qualquer coisinha é dor,
às vezes nem é dor, é atenção. (uce122, enf. 1)
As palavras falar/fala permitem captar o sentido que é investido ao diálogo. No
caso da gratificação do trabalho, observa-se que o diálogo se concretiza como
instrumento para apreensão das necessidades do cliente com vistas à obtenção do
resultado, implicando na aproximação a ele. Quando a ideia situa-se na esfera
da ocupação, pode representar um maior quantitativo de solicitações, causando
numa primeira impressão o afastamento da enfermeira.
Se ele tivesse acordando e verbalizando: "_enfermeira, estou com dor
no peito, meu coração está acelerado", isso vai me dar um olhar
diferente para o paciente. (uce 1520, enf. 5)
A enfermeira passando o plantão falou: "_ai fala baixo para ele não
acordar, senão vai chamar". Se dormir ninguém vai acordar para
conversar com ele. (uce 3199, enf. 19)
Grande parte das enfermeiras refere que o trabalho é gratificante porque na UTI
a enfermeira tem autonomia para aplicar os conhecimentos que detêm no
atendimento ao cliente, propiciando-lhe observar sua melhora, e,
consequentemente, o resultado do trabalho, sendo assim fonte de gratificação e
prazer(7). A satisfação advém por meio do sentido de ser profissional de TI, na
medida em que adquirem novos conhecimentos e evoluem profissionalmente, além de
visualizarem a qualidade do cuidado prestado através da alta do cliente do
setor, fazendo-o sentir valorizado.
Uma pesquisa buscou avaliar a preferência de auxiliares de enfermagem de uma
UTI ao prestar cuidados integrais aos clientes com e sem condições de
verbalização, pois experiências práticas forneciam indícios de que a equipe de
enfermagem preferia trabalhar com clientes inconscientes, intubados e
traqueostomizados. Preferem os inconscientes, pois, o que verbaliza chama a
toda hora impedindo-os de cumprir as tarefas rotineiras; além do que não têm
tempo para atender às suas necessidades de comunicação. O inconsciente tem suas
demandas emocionais silenciadas pela sedação/coma, mas requer maior observação
pelo seu quadro clínico. A preferência pelos inconscientes protege-os do
desgaste emocional que os que estão conscientes suscitam(18).
Vê-se que no fenômeno da prática de cuidar na TI acentuam-se os afetos que
tocam as enfermeiras, que pulsam no seu cotidiano de assistir e que se mostram
quando falam desta prática, principalmente sobre o cliente. A dimensão afetiva
é importante à medida que influencia, às vezes organiza ou determina cognições
ou comportamentos avaliativos. A partir do momento em que os indivíduos
produzem uma avaliação do objeto de representação, ou de alguns de seus
aspectos, a dimensão afetiva é ativada, dentro de um raciocínio do tipo: isto
me agrada ou isto não me agrada(19).
A dimensão afetiva evidenciada neste objeto direciona a falar sobre o cliente,
que é central nesta representação tendo em vista os afetos que evocam sua
condição de comunicação. Tal característica do cliente pressupõe dois aspectos:
a gratificação e o nível de ocupação do trabalho. Se o entendimento se assenta
sobre a melhora clínica do cliente objetivada na sua fala e na implícita ideia
de restabelecimento físico que ela carrega, a enfermeira experimenta um
sentimento de gratificação no trabalho, já que se configura como fruto de uma
prática de cuidar com o auxílio da tecnologia, com o objetivo de atender às
especificidades do ambiente onde ela se processa ao tempo que aos princípios
básicos da profissão. Quando alcança sua meta de recuperar o cliente é
representada como uma prática construtiva que gratifica a enfermeira, lhe traz
satisfação, simbolizada pelo cuidado com a tecnologia.
Numa outra codificação, se esta natureza do cliente reenvia a um julgamento
avaliativo deste mediado pelos afetos, distingue-se duas tipologias de cliente:
acordado versus sedado, as quais anunciam uma maior ou menor ocupação dos
profissionais, balizada pela demanda interativa que eles suscitam. Deste modo,
a influência de um modelo assistencial que se estrutura por funções e no qual
as intervenções têm como foco a doença, leva a categorizar o cliente em função
do quantitativo de solicitações e possíveis dificuldades a serem enfrentadas
pela enfermeira durante o trabalho. Então, o cliente em que a fala está
preservada remete a um suposto de maior ocupação, o que pode inviabilizar a
produtividade de atividades burocráticas e assistenciais que atendam à lógica
biologicista, justificando uma maior distância ou a escolha pelo cliente sob
sedação, intubado, bem como a execução de ações fragmentadas e automáticas que
materializam um ritual de cuidado mecânico capaz de devolver mais corpos
recuperados.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os conteúdos veiculados relacionados à tecnologia, ao cliente e ao trabalho no
UTI, caracterizam o pensamento sobre a prática de cuidar, na qual os valores e
identidade profissional, os afetos/ experiência emocional, exercem papel
importante nos sentidos atribuídos a tais conteúdos, e que intermediados pela
atitude, símbolos e normas regem as relações que estes indivíduos mantêm com o
seu meio físico e social, concorrendo para constituir uma realidade comum a
eles.
Face aos resultados, e no contraponto com o pressuposto inicial, coloca-se a
favor de que a tecnologia orienta a organização de estilos de cuidar das
enfermeiras na UTI, que se constroem e se reconstroem no cotidiano da
assistência, onde estão o cliente hospitalizado e o contexto do trabalho, os
quais, por sua vez, influenciam nos sentidos atribuídos por tais profissionais
às suas práticas, permitindo-os elaborarem e (re)elaborarem os seus modos de
fazer em face das tecnologias.
Nesta direção, os resultados contribuem para a geração potencial de políticas
públicas acerca da contratação de pessoal para atuar nestes locais, na medida
em que indicam como as condições de trabalho inadequadas, com números
insuficientes de funcionários influenciam no modo como a assistência é
desenvolvida. Uma política que privilegiasse um maior quantitativo de
enfermeiras produziria reflexos imediatos na prática, subsidiando intervenções
voltadas à mudança no modelo de organização do cuidado baseado na perspectiva
da integralidade. Além disso, por ocasião desta contratação, tal política deve
se alinhar à especialização do conhecimento, valorizando o perfil profissional
congruente ao cenário e a formação permanente das enfermeiras.
Os resultados guardam nexos com o contexto situacional escolhido não cabendo
generalizações, já que as RS respondem pelas características dos grupos que a
constroem. Todavia, este trabalho implica na discussão sobre a humanização x
desumanização, que se estabelece em relação à assistência de enfermagem no UTI.
Indica, neste ínterim, que este debate não pode ser polarizado ou caracterizado
a priori, pois ao demonstrar os aspectos que interferem na configuração dos
estilos de cuidar, como é o caso das condições de trabalho e relações
interprofissionais, aponta o trânsito de comportamento das enfermeiras que
permeia tais estilos à luz da cotidianeidade.