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BrBRCVHe0034-71672014000300366

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variedadeBr
ano2014
fonteScielo

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Abuso de álcool e drogas e violência contra as mulheres: denúncias de vividos INTRODUÇÃO A violência contra as mulheres (VCM) é reconhecida mundialmente como problema de saúde pública, principalmente pelo impacto em suas vidas e de outras pessoas envolvidas, como também pela dimensão econômica e social(1). Além de perda de produtividade, diminuição do desempenho no trabalho, absenteísmo laboral e perda do emprego de muitas mulheres. Dados do Produto Interno Bruto brasileiro revelam que 5% são gastos na assistência às vítimas e na reparação dos danos causados pelas violências(2).

A VCM ocasiona sofrimento psíquico, aumento nas taxas de suicídio, maior incidência de problemas relacionados à cefaléia e distúrbios gastrointestinais.

Somam-se problemas vinculados a saúde sexual e reprodutiva como a gravidez indesejada, dor pélvica crônica, doença inflamatória pélvica e as doenças sexualmente transmissíveis, incluindo a Aids(3).

Também o uso abusivo de álcool e outras drogas se configuram como uma questão de saúde pública, pois agregam problemas de ordem física, psíquica, familiar, social, econômica e laboral. Isto foi evidenciado em uma pesquisa de âmbito nacional sobre o padrão de consumo de álcool na população brasileira na qual 25% dos entrevistados disseram que o(a) companheiro(a) com quem morou ficou irritado(a) com a bebedeira, enquanto 12% disseram ter iniciado discussão ou briga com o parceiro quando bebiam. É fato que, em nosso contexto, as mulheres em situação de violência são agredidas, situações essas advindas, inclusive, dos problemas decorrentes do abuso de álcool(4).

Em estudo com associações temporais entre o uso de álcool e a VCM evidenciou-se que as taxas de agressões contra as mulheres foram 6,5 mais altas quando os homens bebiam exageradamente, em comparação com dias de consumo de álcool considerado socialmente aceitável(5). Em outro estudo desenvolvido em 27 municípios de São Paulo/Brasil foi revelado que dos 2.372 domicílios que constituíram amostra da pesquisa, 52,7% das mulheres mencionaram situação de violência com autor alcoolizado, entre os quais 9,7% também estavam intoxicados por outra droga. A situação de violência envolvia predominantemente o casal, embora com frequência, se estendesse a outros moradores da casa(6).

No tocante ao equilíbrio da relação conjugal e familiar, percebe-se que a violência ocasiona uma desagregação quando um dos membros usa e abusa do álcool (7). Essa substância é consumida em larga escala no Brasil, uma vez que o uso é estimulado e naturalizado como um hábito associado à cultura. Tem como principal usuário o público masculino, de modo que o consumo demasiado acarreta mudanças de humor que repercutem desfavoravelmente na relação conjugal com a mulher e potencializam situações de discussões e violência entre o casal(8).

Estas atitudes requerem mudanças culturais, educativas e sociais para seu enfrentamento e um reconhecimento desse fenômeno.

Estudo realizado com profissionais de enfermagem no contexto de um hospital universitário do Estado de São Paulo revelou que o alcoolista é reconhecido como uma pessoa que não respeita seus familiares. Isto pode estar relacionado às repercussões sociais do uso prejudicial do álcool, tais como o aumento da agressividade, situações de conflitos interpessoais, rupturas familiares, dentro outros(9).

Estudo realizado em três Unidades Básicas de Saúde da Região Nordeste do país apontou a percepção de 30 profissionais de saúde sobre os fatores que influenciam situações de violência. Os profissionais expressaram como principais causas da VCM o machismo, as condições econômicas, o alcoolismo e os antecedentes familiares de violência(10). Assim, estudiosos argumentam que o uso de álcool e outras de drogas pode estar presente na VCM, tornando o enfrentamento desta, bem como a prevenção e a assistência às mulheres que vivenciam esta situação, ainda mais complexo e multidimensional(5,10-11).

Neste contexto, os profissionais de saúde, sobretudo os da área da enfermagem são os que realizam, na maioria das vezes, o primeiro atendimento às mulheres em situação de violência nos diversos níveis da rede de atenção à saúde. Por esta razão, precisariam estar qualificados no que tange ao acolhimento das necessidades multidimensionais e das demandas intersetoriais dessas mulheres.

Isso requer que os profissionais possam reconhecer as dimensões de nível relacional e social, que solicitam considerar também as questões de gênero, de raça/etnia, de geração e de classe na exacerbação do fenômeno do uso abusivo do álcool e de outras drogas.

Acolher as demandas dessas mulheres significa também que a atuação dos profissionais da enfermagem necessita ir além das questões biológicas e do cuidado das mesmas tendo em vista ampliar o cuidado para os companheiros alcoolistas e/ou usuários de outras drogas. Esta postura torna-se indispensável uma vez que, tanto as mulheres em situação de violência quanto os homens estão, frequentemente, nos serviços de saúde, seja em âmbito hospitalar, seja na atenção primária à saúde(9).

Apesar da importância do tema VCM e sua interface com a saúde mental, parte considerável dos casos de violência não é identificada pelos profissionais da enfermagem e nem pelos outros da área da saúde, contribuindo para a invisibilidade do fenômeno da violência associada ao uso abusivo de álcool e outras drogas pelo companheiro agressor e com repercussões negativas deste vivido na saúde mental das mulheres. Essa pode ser atribuída à falta de capacitação desses profissionais para detectar situações de violência nas queixas apresentadas pelas mulheres(3), principalmente em função da carência de abordagem da temática durante a formação tanto na graduação quanto na pós- graduação. No contexto do abuso de álcool e outras drogas é necessário também voltar mais atenção à formação desses profissionais, incluindo em seus currículos conteúdos sobre o tema em questão, com a finalidade de prepará-los para o enfrentamento do problema, visto que a assistência a essa clientela prescinde da tríade conhecimento, habilidades e atitudes(9).

Apresenta-se como questão de pesquisa: qual a interface entre o uso abusivo de álcool e outras drogas e a vivência da violência pelas mulheres? E, como objetivo: analisar a interface entre o uso abusivo de álcool e outras drogas pelos companheiros e o vivido de mulheres que denunciam situações de violência.

MÉTODO Estudo qualitativo, que se constituiu de uma releitura em banco de dados da pesquisa "Perspectivas de mulheres que denunciam o vivido da violência: cuidado de Enfermagem à luz de Alfred Schutz", cujo protocolo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) sob o 0283.0.243.000-09.

As participantes da pesquisa foram treze mulheres que realizaram a denúncia da violência do companheiro em um órgão especializado no atendimento ao segmento feminino, a Delegacia de Polícia para a Mulher (DPPM) e a Delegacia de Pronto Atendimento (DPPA), em município do interior do Rio Grande do Sul, Brasil. As entrevistas foram desenvolvidas nas referidas delegacias, em sala disponibilizada pelo serviço a fim de garantir a privacidade mediante assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido pelas participantes da pesquisa. A produção de dados ocorreu entre março e abril de 2010, por meio de entrevistas com tempo médio de 22 minutos, que teve como questão: o que você tem em vista quando realiza a denúncia da violência? A seleção das mulheres foi aleatória e o número de participantes não foi pré- determinado, visto que a etapa de campo, desenvolvida concomitante à análise, mostrou o quantitativo de entrevistas necessário para responder ao objetivo da pesquisa(12). Os depoimentos das mulheres foram identificados com nomes fictícios de flores escolhidas pelas mesmas visando garantir o anonimato.

Neste estudo, foi desenvolvida a análise de conteúdo temática, composta pelas fases de pré-análise, exploração do material e tratamento dos resultados obtidos(13). Na fase de pré-análise, foi realizada a leitura flutuante das entrevistas, a fim de se obter um maior contato com o conteúdo. Na sequência, houve a captação dos núcleos de sentido, o agrupamento por afinidade das ideias em comum em que foi feito um recorte das respostas à questão central, sendo realizada codificação cromática dos achados, e categorizados conceitos gerais que orientaram a análise. Por meio de leitura exaustiva foram estabelecidos questionamentos teóricos a fim de melhor identificar a relevância do conteúdo.

Durante a exploração do material foram identificadas as ideias comuns refletidas nestes recortes, cada entrevista era lida e relida na íntegra, a fim de confirmar que essas ideias estavam expressas ao longo das falas dos sujeitos. Buscou-se, por meio das leituras das falas, identificar a relação das categorias entre si, chegando assim aos aspectos comuns e inter-relacionados. A etapa de classificação possibilitou construir a categoria empírica "Interface entre o uso abusivo de álcool e outras drogas pelos companheiros e a violência vivida pelas mulheres" responsável pela especificação dos temas e os conceitos teóricos que orientaram a descoberta e a construção dos núcleos de sentido, que dão o embasamento da análise. A análise final consistiu no tratamento dos resultados obtidos e sua interpretação, procurando articular o material estruturado dos depoimentos com a literatura especializada indexada em bases de dados, visando à identificação do conteúdo subjacente ao que foi manifestado.

Adotou-se gênero como categoria analítica(13), uma vez que fundamentou e balizou o conhecimento do objeto estudado. A categoria gênero foi proposta para elucidar as relações sociais estabelecidas entre os sexos, com a finalidade de romper com a dualidade até então prevalente nas concepções essencialistas sobre homens e mulheres, com franca prevalência do poder deles sobre elas e naturalizada(14). Apreende-se então que ser mulher não é apenas diferente de ser homem, como também implica em desigualdade de direitos, inferioridade e opressão. Nesta perspectiva, percebe-se que determinados problemas de saúde geram distintos perfis de adoecimento em homens e mulheres, o que justifica a incorporação da abordagem de gênero na atenção à saúde das mulheres em todas as etapas de sua vida(2).

RESULTADOS Considera-se importante destacar que, no contexto dessa pesquisa, a violência associada ao abuso de álcool e outras drogas emergiu a partir do relato do vivido de 11 das 13 mulheres entrevistadas que denunciaram as agressões cometidas pelos companheiros, sem que fossem questionadas sobre tal situação.

Nesse sentido, ressalta-se a importância desse estudo desenvolver as articulações entre a saúde mental e a saúde das mulheres, como forma de ir ao encontro das suas necessidades e demandas em saúde.

Caracterização das mulheres participantes do estudo A idade das mulheres entrevistadas foi entre 18 e 49 anos. O número de filhos variou de um a oito filhos, com uma média de 2,38 filhos. Quanto à situação civil, três declararam serem casadas e dez moravam com o companheiro. Dez referiram trabalhar fora, duas não trabalhavam fora e uma referiu ser dona de casa. A escolaridade assinalou oito mulheres com primeiro grau incompleto, três com ensino superior incompleto, uma com o segundo grau incompleto e uma com ensino superior completo. Com relação à violência, relataram ter realizado entre uma a cinco denúncias policiais do companheiro (Tabela_1).

Tabela 1 Caracterização das mulheres que denunciaram o vivido em violência em uma delegacia de polícia. Brasil, 2012  Idade Uso abusivo . de Pseudônimoem Tempo de relacionamento . de filho/sOcupação pelo denúncias anos companheiro Orquídea 19 Relação estável de 04 01 Auxiliar de Álcool e 01 anos limpeza drogas Copo de 26 Relação estável de 08 01 Doméstica Drogas 01 leite anos (Crack) Rosa 28 Relação estável de 04 01 Cuidadora de Álcool 05 anos idoso Boca de 31 Casada 10 anos 01 Representante Álcool 01 leão de vendas Girassol 37 Relação estável de 18 05 Faxineira Álcool 03 anos Amaralis 18 Relação estável de 02 01 Desempregada Drogas 01 anos Lisianthus 26 Relação estável de 02 01 Auxiliar de Álcool 02 anos limpeza Crisântemo 31 Casada 05 anos 01 Médica - 01 Violeta 24 Relação estável de 07 03 Do lar Drogas 02 anos (Crack) Lírio 49 Relação estável de 08 08 Aposentada Álcool 01 anos Tulipa 41 Casada 22 anos 03 Recicladora - 05 Gérbera 28 Relação estável de 04 01 Cuidadora de Álcool 01 anos criança Onze horas 30 Namoro de 01 ano 04 Auxiliar de Drogas 01 padaria Interface entre o uso abusivo de álcool e outras drogas pelos companheiros e a violência vivida pelas mulheres A partir da análise dos depoimentos, tem-se a compreensão que as mulheres, ao vivenciarem a ação de denunciar a violência cometida por seu companheiro esperam acabar com a situação. Referem que a mesma está insustentável, uma vez que é permeada pelo abuso de álcool e outras drogas que, em certas ocasiões desencadeiam agressões, discussões e desentendimentos. Interferindo negativamente no cotidiano de vida e saúde mental dessas mulheres.

A relação no início era boa, mas agora de dois anos pra ele sai, fica na rua, volta bêbado e drogado! Ele nunca me bateu, mas ameaça tirar a bebê de mim e me ofende muito com palavras!(Orquídea) Ele trabalha para comprar droga. Agora mesmo nós tivemos essa briga, por causa da droga! [...] Ele usava a maconha, a cocaína e bebia. o que estragou mais foi a pedra, foi o que praticamente estragou nosso casamento! [...] Ele tinha me agredido antes um monte de vezes. Ele vem frescar, passa mão em mim, me força a algumas coisas quando está chapado, duro de pedra! Não mais! Está demais, está demais a situação! (Copo de leite) No início até foi boa nossa relação, nos primeiros meses, depois ele começou a beber! [...] O mal dele é a bebida. [...] A maioria das vezes que ele me agrediu foi quando ele estava bêbado! foi um inferno desde a minha gestação, toda a minha gravidez foi um inferno, pois ele bebia e me batia! [...] Eu ali grávida, não queria, mas ele me pegava, me forçava, dizia que eu tinha obrigação! (Rosa) Ele sai, toma o trago que quiser e volta com cheiro de cerveja das festas! Mas um dia ele ficou furioso depois de uma festa, pegou a faca e me disse: vou te matar! (Boca de leão) Ele bebe e o que ele tem na mão ele joga, não importa se vai machucar, se vai quebrar! [...] Ele voltou a beber e agredir! quando ele bebe, acontece dele ser uma pessoa agressiva! ele quer despejar tudo de uma vez, do modo dele! (Girassol) A relação era boa até ele começar a usar droga. [...] ele começou a me agredir não ajudava em casa. [...] Por isso que eu vim aqui, pra ele não fica mais me incomodando! (Amaralis) A nossa relação no momento que ele não bebe é ótima! [...] É que ele é uma pessoa assim, que não sabe se controlar! Se ele toma uma, ele tem que tomar outra e outra! Até ficar num estado alcoólico que não para aguentar! Não posso falar nada que ele começa a falar palavrão, a xingar e a falar asneira! E ainda puxou uma faca contra mim na frente da minha filha! Ele ia me esfaquear! Chegou um ponto que não mais! Eu nem ia fazer a denúncia sabe! que foi um ponto assim que eu disse: chega! que não mais pra eu viver! Eu não sei se eu amo uma pessoa que é uma coisa e bêbado é outra. [...] Não tem mais como conviver! (Lissianthus) A nossa relação foi assim sabe, com traição, beberagem, essas coisas todas! eu disse se ele um dia me agredisse que eu ficasse marcada eu não iria mais querer ele, pois seria a última chance da vida dele! [...] Não tem como conviver com uma pessoa diretamente se não temos diálogo de nada entendeu? Ele não senta para conversar comigo! Senta para discutir quando está bêbado ainda! Ele não se abre comigo, não senta e conversa! E isso não é vida pra gente! [...] Não mais! (Lírio) Quando ele não fuma crack ele é bom, a gente conversa, a gente se entende! Mas quando ele usa crack é uma relação totalmente bagunçada assim! Ele promete de me matar, de colocar fogo dentro de casa![...] Eu coloco dinheiro pra dentro de casa e ele rouba tudo para beber e para fumar crack, até vender a comida das crianças! (Violeta) Fomos a uma festa ai eles sabiam que, a gente estava passando por isso, então pra evitar maiores problemas, não teve cerveja [...] ele que não gostou, implicou com tudo, daí veio a casa a baixo! (Gérbera) Ele usa drogas, sabe! eu pensei seriamente em eu me matar, para parar com essas brigas e violência toda! (Onze horas) As mulheres ao descreverem a relação conjugal demarcam um início de bom relacionamento, mas, com o tempo, algumas ações e atos do companheiro como o uso abusivo de álcool e/ou drogas, ciúmes e relações extraconjugais tornaram o convívio social dificultado. Somam-se a isso os atos violentos, descritos pelas mulheres como agressões físicas, verbais, psicológicas, sexuais e ameaças de morte. Situações que as levaram a denunciar a violência vivida.

DISCUSSÃO O consumo abusivo de álcool e outras drogas pelo companheiro vulnerabiliza ainda mais as mulheres para situações de violência nas relações conjugais e familiares. A convivência torna-se incômoda e sofrida para a mulher que não deseja mais compartilhar o mesmo tempo e espaço na relação social com o companheiro, significando a ação de denunciar uma perspectiva de romper com o ciclo da violência vivida(15).

A agressão vivida pelas mulheres é atrelada ao abuso de bebida alcoólica e outras drogas, uma vez que, quando os companheiros não estão sob o efeito destas, demonstram ter comportamento mais tranquilo. Além disso, o uso de drogas pode levar o homem a forçar a companheira a ter relações sexuais o que agrava ainda mais os casos de violência(5). Embora, o abuso de álcool e a violência sejam abordados como uma relação causal destaca-se que esse não é a causa da violência sofrida. Mas, um fator que potencializa ou vulnerabiliza as mulheres ao contexto violento.

Desse modo, o abuso de álcool e outras drogas frequentemente têm um papel importante nas atitudes violentas. No entanto, se trata de uma articulação complexa que envolve diversos aspectos, indo de encontro à designação causal.

Seu papel específico não está claro, ou seja, é difícil determinar com precisão o nexo causal entre o uso de substâncias psicoativas e atos violentos; as influências do meio e as características individuais de usuários de álcool e drogas; a prevalência e as correlações precisas entre elas. O fenômeno da violência e a articulação com as drogas exige que estes temas sejam tratados com instrumentos, conhecimentos e ações que ultrapassem o moralismo simplista.

Desta forma, necessidade de se distinguir a complexidade do contexto, a dinâmica social, normas culturais historicamente construídas - a questão de gênero, de fatores de personalidade e individualidade(16).

Esses achados convergem com estudo realizado na Índia, o qual teve como participantes 44 mulheres cujos maridos faziam uso de álcool, e forneceu evidências de que a violência doméstica é agravada quando havia uso abusivo. Em geral, o uso do álcool começa antes ou logo após o casamento. As mulheres explicaram a violência de seus maridos como consequência da bebida ou como uma resposta a suas críticas e tentativas de persuadi-lo a parar de beber, parar de forçá-las a ter relações sexuais, ou outras divergências(5). Nesta mesma perspectiva, pesquisas destacam que a violência, que não acontece contra a mulher, mas entre e com outros membros da família, está associada, em geral, ao abuso de álcool e outras drogas pelos seus companheiros. Assim, a pesquisa ressalta o papel do álcool como catalisador e potencializador de violência contra as mulheres(7,17).

No estudo indiano(5), contata-se que a violência é progressiva e é provável que as mulheres que vivenciam uma forma de violência possam vir a experienciar formas de manifestações mais graves ao passar do tempo. Além disso, a forma mais comum de violência relatada pelas mulheres é a verbal. Em geral, essa ocorre concomitantemente com a violência física. As mulheres são forçadas a manter relações sexuais contra sua vontade, uma vez que os maridos alegam sexo no casamento como um direito básico. Esse entendimento foi aprovado e reforçado por membros da família que expressaram a preocupação de que se as mulheres recusarem sexo com seus maridos, estes iriam procurar outras parceiras fora do casamento para satisfazer as suas necessidades(5), revelando os papeis de gênero construídos e exercidos na ordem patriarcal. Fato que é agravado porque em muitas sociedades a mulher não compreende o sexo forçado como violência, se ela estiver casada ou vivendo com o agressor. Entretanto, alguns países reconhecem o estupro matrimonial como crime, outros ainda acreditam que o marido tem o direito legal de acesso ilimitado à esposa(17).

As dificuldades em expressar os sentimentos e a falta de diálogo fazem com que o companheiro os guarde para si, acumulando ansiedades e angústias, contexto que pode culminar no ato violento. Essa assertiva é ilustrada pela fala das mulheres participantes do estudo, Girassol e Lírio. Considera-se esse fato afeito aos comportamentos e papéis culturalmente delegados a homens e mulheres, uma vez que aqueles apreendem que não podem demonstrar suas fragilidades, inseguranças e sentimentos. Assim, muitos apresentam problemas em se relacionarem com a companheira, com os filhos e na comunidade que pertencem.

A justificativa para o uso do álcool está engajada em contextos sociais e culturais aceitáveis, relacionados à contribuição do álcool para a desinibição e melhora do humor. Além, disso aumenta a concentração sobre os acontecimentos imediatos reduzindo a sensibilização sobre os eventos futuros, ou que estão distantes temporalmente, produzindo efeitos redutores de estresse social nos homens. Como um potencializador do humor, essa substância também pode aumentar os sentimentos existentes de raiva e frustração. Deste modo, a percepção dos homens sobre as mulheres pode ser agravada pelas consequências do abuso do álcool, o que pode chamar a atenção para as mulheres como um alvo imediato e vulnerável(5).

Os homens que praticam a VCM, diversas vezes, apresentam transtornos mentais caracterizados como psicoses em virtude das ideias delirantes do ciúme ou de perseguição, mas que também podem ser advindas do consumo abusivo de álcool e outras drogas. Também, são comuns as dificuldades em expressar emoções, devido ao fato de que certos homens aprendem a não expressarem seus sentimentos porque isso é considerado como fraqueza e eles precisam ser fortes. Isto leva a não interpretarem adequadamente os sentimentos de sua companheira. Além disso, geralmente apresentam dificuldades em se comunicar, bem como apresentam baixa tolerância à frustração e estratégias inadequadas para solucionar os problemas.

Tornam-se pessoas inseguras, agressivas e obcecadas por controlar a companheira (18).

No que se refere à relação familiar, esta se torna comprometida pelo momento da inserção do uso de drogas. O homem passa a não ajudar mais em casa, utilizando a renda para comprar a substância. Tal situação é geradora de conflito entre o casal uma vez que compromete a sustento da família.

Apesar de algumas destas mulheres expressarem o desejo de romper com o ciclo de violência a partir da realização da denúncia, outras desejam abandonar a vida, na intenção de acabar com o sofrimento gerado. Isto pode ser atribuído à intensidade e percepção da violência sofrida, a qual acarreta perda da autoestima e sofrimento psíquico para essas mulheres de tal modo que para uma delas a morte seria a melhor saída para acabar com a dor causada pela violência e o abuso de drogas pelo companheiro.

Estudo realizado com mulheres sobre suas experiências psíquicas apontou que vivenciar a violência nas relações familiares, em especial com o companheiro, promove sofrimento psíquico. Elas relacionaram o abuso de álcool como um motivo para seu desprazer e que aumenta o sofrimento(7).

Outros estudos reportam-se ao aumento nas taxas de depressão e sofrimento psíquico feminino devido ao uso de álcool pelo companheiro, suicídio, abuso de álcool e outras drogas(19). Pesquisa realizada na Região Nordeste do país buscou analisar a violência doméstica como desencadeadora de problemas de saúde para as mulheres. Os resultados apontaram que 100% das mulheres participantes do estudo e que apresentavam lesões corporais por queimaduras, decorrentes de tentativa de suicídio, responderam que a violência por parte do companheiro antecedeu a tentativa de suicídio(20).

Devido a esses aspectos, ressalta-se a importância de reconhecer as articulações das questões que envolvem a saúde das mulheres com a saúde mental.

Essa última diz respeito não em qualificar a atenção à saúde mental das mulheres em situação de violência, mas também requer um olhar atentivo para os companheiros que fazem o uso abusivo de álcool e ou outras drogas.

Assim, dada a complexidade que envolve a VCM, faz-se imprescindível reconhecer as demandas de cuidado das mulheres e suas famílias. Para reconhecimento das necessidades assistenciais e sociais das mulheres em situação de violência é fundamental compreender as relações que estabelecem com os companheiros, filhos, familiares e as demandas de cuidado oriundas dessas relações(15), como proteção dos filhos e ações de enfretamento ao uso abusivo de álcool e outras drogas pelos companheiros. Visualizam-se assim mudanças nas necessidades de saúde da população, bem como a própria história do uso de álcool e outras drogas têm solicitado a implantação de novos serviços e a implementação de estratégias de atuação profissional para além de uma abordagem estritamente biológica, mas também social.

CONCLUSÕES O presente estudo demonstrou parte da realidade social das mulheres que denunciam situações de violência, ampliando a visão acerca dos determinantes socioculturais envolvidos no fenômeno da violência quanto ao abuso de álcool e outras drogas. Em um mundo envolto por brigas, humilhações, agressões, sofrimento, submissão e opressão, parece que o uso abusivo de álcool e outras drogas pelo companheiro potencializou a violência vivida pelas mulheres. Tais questões anunciam a importância de se considerar os nexos entre a saúde das mulheres e a saúde mental. Além de buscar qualificar a atenção à saúde mental das mulheres no contexto da violência, uma vez que essa condição agrava substancialmente sua saúde em todas as dimensões, torna-se imprescindível articular a atenção às mulheres em situação de violência com ações de prevenção do uso abusivo de álcool e/ou outras drogas pelos companheiros, Faz-se necessária a incorporação da perspectiva de que a saúde mental das mulheres e seus companheiros é, em parte, determinada por questões de gênero, somadas às condições socioeconômicas e culturais, à prática das ações de saúde.

Assim a questão de gênero socialmente formulada sinaliza que o uso abusivo do álcool e outras drogas foi obscurecido pela valorização social do consumo entre homens e pelas relações de gênero desiguais. Isso reitera comportamentos e papéis sociais que precisam ser superados e que tem como consequência comportamentos violentos que geram sofrimento e adoecimentos. Ao considerar tal perspectiva, as ações em saúde poderão propiciar um atendimento que reconheça, dentre os direitos humanos das mulheres, o direito à integralidade no cuidado.

Aponta-se a importância de desenvolver nos espaços de educação em saúde, junto aos usuários de serviços de saúde mental como internações psiquiátricas, Centros de Atenção Psicossociais, a discussão do tema violência quanto ao abuso de álcool e outras drogas, para que, junto aos homens, ações de enfrentamento, combate, prevenção de desconstrução de uma cultura machista sejam realizadas pelos profissionais de saúde e de Enfermagem. Além disso, sugere-se que a integralidade no cuidado e as questões de gênero sejam incorporadas como referências na formação dos profissionais que atendem a esses grupos populacionais.

O estudo apresenta as limitações de um estudo qualitativo, contextualizado no local e tempo onde se desenvolveu. A pretensão não é generalizar os resultados, mas aprofundar a análise sobre o tema estudado a partir das mulheres que a vivenciam. Recomendam-se novas pesquisas sobre a violência e o uso abusivo de álcool e outras drogas, abrangendo outras regiões do país. Ressalta-se a importância de serem realizados estudos que se aproximem do contexto vivencial das mulheres, a partir de uma abordagem que considera o ser humano em sua existencialidade e inserido em uma sociedade histórica e culturalmente situada, e não apenas no sentido biológico.


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