Validação das diretrizes gerais de comunicação do enfermeiro com o cego
INTRODUÇÃO
Deficiência é toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica que gera incapacidade para o desempenho
de atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano. O termo
deficiência visual refere-se a uma situação irreversível de diminuição da
resposta visual, em virtude de causas congênitas ou hereditárias, mesmo após
tratamento clínico e/ou cirúrgico e uso de óculos convencionais(1).
A pessoa com deficiência visual, especialmente os cegos, encontra inúmeras
dificuldades na integração social, na medida em que o despreparo e o
desconhecimento da sociedade criam barreiras de toda natureza. Assim,
obstáculos arquitetônicos nas vias e logradouros públicos, falta de sinalização
sonora no trânsito, inexistência de materiais didáticos, problemas de
comunicação, são alguns exemplos dos transtornos enfrentados no dia-a-dia por
essas pessoas. A sociedade plural e, em particular, os profissionais de saúde,
dentre eles os enfermeiros, precisam se conscientizar e entender que as
pessoas, independentemente da sua condição, devem ser tratadas com igualdade,
pois todas detêm os mesmos direitos fundamentais que provêm da humanidade e
definem a dignidade da pessoa(2). Embora o cego tenha limitações, isso não pode
impedir sua comunicação e seu relacionamento com outras pessoas.
A comunicação é eficaz quando a mensagem transmitida torna-se comum. Esse
processo pode ser afetado por vários fatores, dentre os quais se sobressaem:
inadequação do emissor na maneira de se expressar; falta de habilidade do
emissor para transmitir a mensagem e do receptor de compreendê-la; alterações
da mensagem durante a transmissão em virtude de falha no canal de comunicação
(3).
O processo de comunicação é organizado tradicionalmente como comunicação verbal
e não verbal, com referenciais teóricos específicos. A comunicação com a pessoa
cega também obedece esta organização, mas tem características próprias.
Antecedendo e acompanhando a comunicação com o cego sugerem-se diretrizes
gerais que norteiam este processo. Nestas diretrizes, na comunicação verbal
atenta-se para o uso da linguagem, o tom de voz e a manutenção da comunicação
verbal; na comunicação não verbal, destacam-se o toque, a descrição do ambiente
dentre outros componentes(4-5).
Assim, precedendo este estudo foram elaboradas diretrizes gerais para a
comunicação verbal e não verbal do enfermeiro com a pessoa cega. O objetivo
deste estudo foi validar estas diretrizes durante a realização de consulta de
enfermagem.
METODOLOGIA
Estudo de validação com abordagem quantitativa, realizado entre abril de 2008 e
março de 2009, no Laboratório de Comunicação em Saúde do Departamento de
Enfermagem da Universidade Federal do Ceará, ambiente preparado para
experimentos de comunicação e com recursos para filmagem onde foi montado um
consultório modelo.
Para melhor detalhamento, o conceito de validade é abordado como sendo o grau
em que um instrumento mostra-se apropriado para mensurar o que supostamente ele
deveria medir. Assim, quando se submete um instrumento ou material ao
procedimento de validação, na realidade não é o instrumento ou material em si
que está sendo validado, mas sim o propósito pelo qual está sendo usado(6).
Os sujeitos foram trinta enfermeiros que conduziram a consulta de enfermagem e
que foram recrutados por convite afixado em três cursos de graduação em
enfermagem na cidade de Fortaleza-CE; e pessoas cegas de ambos os olhos e seus
acompanhantes convidados em uma associação de cegos do estado do Ceará. Como
critério de inclusão, os enfermeiros deviam ser recém-formados e, portanto, com
possível domínio de habilidades de comunicação para conduzir consulta de
enfermagem. Os quinze primeiros compuseram o grupo controle e conduziram a
consulta de enfermagem apoiados nos conhecimentos prévios e em um formulário
padrão disponibilizado pela pesquisa.
Os outros quinze enfermeiros do grupo experimental foram preparados para
utilização das diretrizes gerais para comunicação verbal e não verbal com o
cego e tiveram aula expositiva sobre deficiência visual. Na primeira fase do
treinamento foram abordadas diretrizes gerais de comunicação verbal com o cego
que destacam que o enfermeiro deve dirigir-se ao cego quando fala com ele;
empregar com naturalidade o termo cego; evitar palavras no diminutivo que
infantilizam a relação; empregar palavras que indicam a direção em que o cego
deve andar ou onde poderá encontrar um obstáculo (exemplos: em frente, à
direita); falar com voz audível e clara, ou seja, não falar alto inferindo que
o cego não houve; identificar-se, dizer seu nome e função, pois o cego não pode
ler sua identificação; depois disto, solicite que ele se apresente, assim
saberá como prefere ser chamado; a partir de então, chame-o pelo nome ou como
preferiu ser chamado, isto faz com que o cego saiba que está falando com ele e
não com outra pessoa presente no ambiente, por exemplo, seu acompanhante.
A segunda fase do treinamento contemplou a comunicação não verbal com o cego,
sendo explicada a necessidade de manter-se atento e olhando para ele, isto para
identificar sinais de expressão tais como de agrado ou não, de compreensão
sobre o que está sendo falado; ao sentar-se ou permanecer de pé, posicionar-se
em frente ao cego, desta forma ao falar, sua voz indicará sua posição e, se
lateralizado, transmite a sensação de que você está atento a outro
acontecimento; ao andar no ambiente mantenha a conversação, por exemplo, ao
posicionar o cego na balança, ande na sua frente, pelo movimento do som ele
saberá por onde andar; acomode o cego, dirija sua mão aos móveis que usará
(exemplo, a cadeira, a maca); descreva o ambiente, seu tamanho aproximado, a
localização das portas e janelas, a disposição dos móveis, informe a existência
de outra pessoa no ambiente e lembre-se disto durante toda a consulta; toque
ligeiramente a mão, braço ou ombro do cego durante a consulta, este gesto
reforça a comunicação verbal e orientações transmitidas; evite gesticular, o
cego não vê seus movimentos, ao pensar em mostrar uma cadeira, dê a informação
verbal "a cadeira encontra-se a dois passos à sua direita".
Ainda no treinamento, os enfermeiros do grupo experimental simularam consultas
em dupla: um com olhos vendados simulando ser cego e o outro como enfermeiro;
logo após invertiam os papéis. Cada enfermeiro realizou três consultas
simuladas, o que permitiu verificar que estavam aptos para iniciar a coleta de
dados, e, propiciou reflexão sobre a experiência de não enxergar. Foram
realizadas 30 consultas, destas, 15 do grupo controle e 15 do experimental. Não
foi determinado tempo; portanto, o enfermeiro tinha autonomia para conduzir a
consulta como achasse mais apropriado. Uma das pesquisadoras filmou as
consultas com aquiescência dos participantes. Esta se manteve em outra sala,
protegida por um vidro unidirecional que impedia que as pessoas em cena a
visualizassem preservando a espontaneidade.
As filmagens foram analisadas por três juízes treinados que avaliaram se os
enfermeiros que realizaram as consultas observaram ou não as diretrizes gerais
da comunicação com o cego. No início da análise de cada filmagem, fazia-se
revisão das diretrizes e do instrumento de análise. Assistia-se a filmagem
completa para entendimento do contexto da consulta, em seguida, com
interrupções a cada 30 segundos para registro no instrumento. Para evitar
influência nas respostas, os juízes não foram informados sobre qual grupo
estavam avaliando, se controle ou experimental, e, não havia troca de
informações entre juízes. A análise individual e o preenchimento do instrumento
eram realizados simultaneamente. As variáveis analisadas estão organizadas
segundo as diretrizes da comunicação verbal e não verbal. O conteúdo
estabelecido recebeu por parte dos especialistas a classificação péssimo/ruim,
regular, bom e excelente.
Os dados foram processados no Statistical Package for Social Sciences (SPSS)
14.0 e analisados por meio de tabelas univariadas com frequência relativa e
porcentagens. Para a associação entre as variáveis, empregaram-se os testes
Qui-quadrado (χ2), teste de Fisher-Freeman-Halton e máximo de verossimilhança.
Fixou-se o nível de significância de 5%(7). Foi calculado também o índice de
concordância entre os juízes (ICC) aceitando-se IC 95%.
O estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFC, sob o número
243/07. Os sujeitos do estudo assinaram o Termo de Consentimento Livre e
Esclarecido. Para os sujeitos cegos o termo foi lido na presença de testemunha
vidente que também assinou o documento.
RESULTADOS
A seguir será apresentada a validação das diretrizes gerais para a comunicação
verbal do enfermeiro com o cego, a partir de comparações entre o grupo de
enfermeiros controle e o experimental. (Tabela_1).
Tabela 1 Comparação, entre grupo controle e experimental, das diretrizes gerais
para a comunicação verbal do enfermeiro com o cego, Fortaleza-CE, 2009
Diretrizes Péssimo/RuimRegular Bom Excelente P
N % N % N % N %
1. Dirige-se ao cego
Controle 3 6,7 8 17,8 28 62,2 6 13,3 0,0001 2
Experimental - - 4 8,9 41 91,1
2. Emprega termo cego
Controle - - 16 35,6 21 46,7 8 17,8 0,0001 1
Experimental - - 11 24,4 34 75,6
3. Evita palavras no diminutivo
Controle - - 8 17,8 22 48,9 15 33,3 0,0001 1
Experimental - - 1 2,2 12 26,7 32 71,1
4. Emprega palavras que indicam
a direção
Controle 44 97,8 1 2,2 - - - - 0,0001 2
Experimental - - 10 22,2 27 60,0
5. Fala com voz audível/clara
Controle 2 4,4 17 37,8 22 48,9 4 8,9 0,0001 2
Experimental - - 15 33,3 27 60,0
6. Identifica-se
Controle 19 42,2 4 8,9 13 28,9 9 20 0,0001 1
Experimental - - 2 4,4 7 15,6 36 80
7. Solicita apresentação
Controle 43 95,6 - - 2 4,4 - - 0,0001 1
Experimental - - - - 6 13,3 39 86,7
8. Chama pelo nome ou apelido
Controle 10 22,2 10 22,2 18 40 7 15,6 0,0001 1
Experimental - - 3 6,7 20 44,4 22 48,9
(1)Teste de x2;
(2)Teste de Fisher-Freeman-Halton.
ICC = 0,992; IC 95%: [0,992 - 0,994].
As diretrizes gerais para a comunicação verbal consideradas péssimas ou ruins
estiveram ausentes nos oito itens avaliados no grupo experimental. Em todas as
diretrizes o grupo experimental apresentou melhor desempenho do que o controle
(p<0,05). O índice de concordância (ICC) entre os juízes foi significante
(0,992- 0,994). A seguir a Tabela_2 mostrará as comparações das diretrizes dos
dois grupos de acordo com a comunicação não verbal com o paciente.
Tabela 2 Comparação, entre grupo controle e experimental, das diretrizes gerais
para a comunicação não verbal do enfermeiro com o cego, Fortaleza-CE, 2009
Péssimo/ Regular Bom Excelente P
Diretrizes Ruim
n % N % n % N %
1. Mantém-se atento olhando para o
cego
Controle 12 26,7 13 28,9 14 31,1 6 13,3 0,0001
1
Experimental - - - - 4 8,9 41 91,1
2. Posiciona-se em frente ao cego
Controle 8 17 15 33,3 16 35,6 6 13,3 0,0001
1
Experimental 1 2,2 - - 7 15,6 37 82,2
3. Comunica-se andando na frente do
paciente
Controle 45 100 - - - - - - 0,0001
2
Experimental 1 2,2 2 4,4 7 15,6 35 77,8
4. Acomoda o cego
Controle 39 86,7 5 11,1 1 2,2 - - 0,0001
2
Experimental - - - - 7 15,6 38 84,4
5. Descreve ambiente
Controle 45 100 - - - - - - 0,0001
1
Experimental - - - - 8 17,8 37 82,2
6. Informa existência de outra pessoa
Controle 45 100 - - - - - - 0,0001
2
Experimental - - 1 2,2 10 22,2 34 75,6
7. Toca ligeiramente a mão, braço ou
ombro
Controle 43 95,6 1 2,2 1 2,2 - - 0,0001
1
Experimental - - 6 13,3 12 26,7 27 60,0
8. Evita gesticular
Controle 31 68,9 13 28,9 1 2,2 - - 0,0001
2
Experimental - - 5 11,1 40 88,9
(1)Teste de x2;
(2)Teste de Fisher-Freeman-Halton.
ICC = 0,944; IC95%: [0,915 - 0,960].
Nas diretrizes gerais da comunicação não verbal com o cego o grupo experimental
com enfermeiros treinados obteve predominantemente desempenho bom/excelente.
Porém, um enfermeiro não se posicionou em frente ao cego, quatro não associaram
o cumprimento verbal a aperto de mão e um, falava andando a frente do cego.
Aqui, também o índice de concordância (ICC) entre os juízes foi significante
[0,915 - 0,960].
DISCUSSÃO
As diretrizes da comunicação verbal compreendem a oralização e a escrita. O
enfermeiro e o cego deste estudo têm o português como língua pátria. A escrita
do ser humano que enxerga é em tinta e a do cego em braile. Escrita em tinta
para o cego é uma folha em branco e, raramente o enfermeiro escreve em braile.
Ao estabelecer a comunicação verbal recomenda-se dirigir-se ao cego, ou seja,
falar com ele, porém, frequentemente este comparece com acompanhante, fazendo
com que seja ignorado durante a consulta, prevalecendo o diálogo com o
acompanhante. Ao efetuar uma consulta ou qualquer interação profissional, o
paciente deve ser estimulado a participar ativamente para aproveitar ao máximo
seu potencial no processo saúde-doença(4). Isso não deve ser diferente com as
pessoas cegas, já que as mesmas precisam expor suas particularidades
necessitando muitas vezes de privacidade, o que torna evidente a importância da
habilidade do enfermeiro de se comunicar com essas pessoas, sem a presença de
um acompanhante(8). Neste estudo ambos os grupos obtiveram avaliação entre bom
e excelente com um total de 75% no grupo controle e 100% no experimental,
havendo diferença estatística significativa.
A expressão "cego" designa pessoa com deficiência específica, e vai ao encontro
da evolução histórica do termo(9). Novamente, o grupo experimental obteve
desempenho entre bom e excelente (100%). A expressão "cego" ainda é
interpretada como pejorativa em determinados contextos sociais. Os cegos
aceitam esta denominação com naturalidade, aderindo ao conceito de pessoa com
deficiência. Fazer com que o profissional aceite este conceito evidencia
compreensão da proposta deste estudo.
Há uma tendência na linguagem oral do uso do diminutivo, que tanto pode denotar
carinho ou ser interpretado como não reconhecimento da autonomia. De acordo com
a experiência e contato das pesquisadoras com este público, percebeu-se que as
pessoas cegas se desagradam deste tratamento. A sociedade, em algumas
situações, utiliza expressões diminutivas que caracterizam pessoa dependente,
que merece comiseração. Não houve neste estudo este tipo de tratamento por
parte dos profissionais, reforçando a formação adequada do enfermeiro para o
respeito de cidadania. Este resultado foi melhor no grupo experimental com
87,8% entre bom e excelente.
Ao entrar em ambiente desconhecido, a pessoa cega deve receber descrição quanto
a tamanho, distribuição de portas e janelas e do mobiliário. É importante
orientá-la usando expressões do tipo à direita ou esquerda, a tantos passos, no
sentido dos ponteiros do relógio dentre outras que indiquem direção e volume no
interior do ambiente. Desse modo, indica-se para onde deve andar e a quantos
passos aproximadamente encontrará, por exemplo, uma cadeira para sentar-se. Os
enfermeiros do grupo controle tiveram desempenho péssimo/ruim (97,8%) das
situações, ou seja, não orientaram o cego no ambiente do consultório. O grupo
experimental obteve resultado entre bom e excelente (82,2%) confirmando o
aprendizado sobre diretrizes gerais para comunicação com o cego.
A fala deve respeitar uma pronúncia clara, evitando expressões corriqueiras e
também aquelas de origem técnica que podem não fazer parte do vocabulário do
receptor da mensagem. Ao estabelecer o diálogo o profissional da saúde deve
manter posição frontal ao cego e observar sinais não verbais quanto à adequação
do volume da voz e expressões ou movimentos que indiquem compreensão ou não do
conteúdo(10). Neste quesito, o grupo controle obteve desempenho péssimo/ruim e
regular (42,2%) enquanto o grupo experimental registrou de bom a excelente
(93,3%). Recomenda-se atenção para manter tom de voz normal, há uma tendência
de o vidente falar mais alto quando se dirige ao cego, e este declara em parte
sério e também brincando: "sou cego não surdo".
Identificar-se ao interlocutor deve ser uma ação desempenhada por todo
profissional de saúde(4), mas frente ao cego isto se torna primordial, pois a
informação contida no crachá de identificação profissional lhe é inacessível.
Sendo assim o enfermeiro deve informar sua atividade e seu nome, o que
considerado de forma boa e excelente no grupo controle (48,9%) e no
experimental (95,6%). Portanto, significativamente melhor no grupo que recebeu
treinamento.
Da mesma forma como se apresenta, o enfermeiro deve solicitar ao cego sua
apresentação. Denota reconhecimento à sua individualidade. Neste quesito, o
grupo controle registrou desempenho péssimo/ruim em 95,6% das interações; o
grupo experimental teve avaliações boas e excelente (100%).
Durante o transcorrer da consulta o enfermeiro deve dirigir-se ao paciente
chamando-o pelo nome ou, apelido se assim ele preferir(5). Neste estudo o grupo
controle teve desempenho entre péssimo/ruim e regular (44,4%). No grupo
experimental estes valores foram bons e excelentes (88,9%). Há de se convir que
esta forma de tratamento não deve ser exclusiva para a pessoa cega, mas geral a
todos os pacientes o que torna este resultado mais crítico.
A comunicação não verbal compreende a expressão facial, os movimentos do corpo,
a aproximação ou distanciamento entre os interlocutores. Sendo assim, gestos,
postura, pausa são indicadores de comunicação não verbal(11-12). O ambiente
também favorece ou prejudica a comunicação de acordo com sua organização de
mobiliário, interrupções, privacidade, movimentos externos e ruídos(5). Manter-
se atento durante o diálogo e olhando para o interlocutor permite que o
enfermeiro observe a expressão facial, movimentos do corpo e das mãos que são
indicadores da sua compreensão do que está sendo dito. Estudo evidenciou que
foi possível identificar as expressões faciais do cego quando este estiver
utilizando o computador(13). Da mesma forma, o enfermeiro deve estar atento às
expressões faciais durante a consulta. Como o cego não observa esta
gestualidade sua expressão facial é pobre e pouco elucidativa, exigindo maior
atenção do enfermeiro(14-15). Por outro lado ele consegue perceber a
concentração ou não do enfermeiro pela entonação e direção da voz. Na avaliação
dos especialistas, os enfermeiros do grupo controle tiveram desempenho péssimo/
ruim e regular (55,6%) e o experimental bom e excelente (100%). Atribui-se este
resultado ao treinamento disponibilizado ao grupo experimental. Conforme
experiência das autoras é relevante atentar para esses aspectos, pois do ponto
de vista de quem não tem a visão comprometida torna-se bastante complexo.
Ao estabelecer o diálogo o enfermeiro deve posicionar-se em frente ao paciente,
isto reforça a ideia de atenção e facilita a comunicação(5). Sentar-se
lateralmente dificulta a percepção das expressões não verbais, esta posição foi
adotada por 50% dos enfermeiros do grupo controle enquanto que do grupo
experimental 97,8% posicionou-se em frente ao cego.
Ao recepcionar o cego na entrada do ambiente de consulta o enfermeiro deve
andar à frente do cego, oferecer-lhe o braço e comunicar-se verbalmente. Desta
forma, o conduzido é dirigido pelos movimentos do enfermeiro e direção da voz.
Os enfermeiros do grupo controle, por ignorarem esta diretriz de comunicação
com o cego, não a obedeceram (100%).
Para acomodar o paciente o enfermeiro o conduz e oferece a cadeira fazendo com
que toque no espaldar, este gesto é suficiente para que saiba como se sentar.
Esta diretriz foi ignorada pelo grupo controle (99%) e realizada pelo grupo
experimental. Há de se considerar que em ambiente desconhecido do cego o mesmo
deverá ser descrito oralmente, dando ideia aproximada das dimensões do aposento
em termos de metros ou passos e, localizar neste espaço os móveis e
equipamentos existentes, novamente o grupo experimental teve desempenho bom e
excelente (100%) neste item.
Sabe-se que um indivíduo com deficiência, seja ela adquirida ou não, necessita
aprender e/ou aprimorar, por meio de reabilitação, suas atividades de vida,
minimizando a possibilidade de acidentes e dependência. Institutos, associações
e organizações têm, comumente, oferecidos essas ações. Contudo, ainda não
existe esta preocupação por parte de outros setores da sociedade que são
potencialmente passíveis de conviver com essas pessoas, mesmo reconhecendo que
treinamentos externos podem ser solicitados(16). Nossa experiência tem mostrado
que profissionais de saúde, em especial de enfermagem, desconhecem e não são
preparados para guiar, caminhar e estabelecer uma comunicação terapêutica com
pessoas cegas.
Eventualmente pode estar presente uma terceira pessoa e, possivelmente, o cego
poderá não se aperceber disto; portanto, cabe ao enfermeiro informar esta
presença bem como quando de sua saída do recinto. Nas consultas do grupo
controle isto não foi feito (100%), no grupo experimental o desempenho foi bom
e excelente (97%). Este cuidado fará com que o cego perceba sua privacidade
respeitada, poderá então interromper uma informação confidencial e reforçará a
confiança em seu interlocutor. Se o enfermeiro necessitar se ausentar do
ambiente deverá comunicar sua saída e posterior retorno. Pesquisa evidenciou
que o cego tem a expectativa de conhecer a identidade, as expressões faciais e
gestuais e, a aparência física das pessoas com quem interagem(17).
Recomenda-se durante a consulta que o enfermeiro regularmente toque ou aperte a
mão, o braço ou ombro do cego, este gesto tem a característica de reforçar a
comunicação verbal e também estabelecer a afetividade e, denota atenção. O
toque fortalece as orientações transmitidas na consulta. Esta gestualidade
demostra afetividade, substitui um sorriso ou movimento de cabeça e reforça um
conteúdo transmitido oralmente, valoriza a ideia de compreensão da mensagem. O
grupo controle teve desempenho péssimo/ruim (97,8%) enquanto que o experimental
alcançou resultado de excelência (86,7%).
Nesta mesma linha de raciocínio, a gesticulação do enfermeiro apontando objetos
ou locais é incompreensível para o cego. Exemplos desta gesticulação foram
observados durante as filmagens, quando o enfermeiro aponta e solicita ao cego
"Vá até a balança", ou então "Use a escada para subir na maca de exame" sendo
que estas citações não foram acompanhadas de descrição da distância ou da
condução do cego oferecendo o braço. O desempenho do grupo controle foi
péssimo/ruim em 68% das avaliações e bom/excelente para o grupo experimental
(100%).
Observa-se claramente em todas as situações de gesticulação e outras formas
culturais de se comunicar, como acenos, apertos de mão, entre outros, que os
profissionais que não foram treinados sobre as diretrizes gerais não
conseguiram ter um bom desempenho com os cegos. Não foi objetivo desse estudo,
porém pode-se indagar, se essas interações poderiam até influenciar na
validação das mensagens, no prognóstico e na adesão às intervenções de
enfermagem, observando-se ainda se existe diferença referente a esses aspectos
entre o grupo atendido por enfermeiros experimental e o controle.
A comunicação pode se tornar efetivamente terapêutica se durante a interação
entre pacientes cegos e profissionais de saúde houver maior cuidado ao usar a
comunicação verbal e não verbal, com treinamentos específicos, adequação física
das unidades que recebem essa clientela bem como, de preparação nas
universidades que formam esses profissionais pelo menos sobre as diretrizes
gerais de comunicação com esses sujeitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A comunicação verbal e não verbal com o cego obedeceu diretrizes gerais que são
específicas para estas pessoas. Dentre as diretrizes da comunicação verbal
destacam-se dirigir-se ao cego durante consulta de enfermagem, empregar com
naturalidade o termo cego, evitar palavras no diminutivo, empregar palavras que
indiquem direção dentro de um determinado ambiente, falar com voz clara e
audível, identificar-se ao cego dizendo nome e função, pedir que o cego se
apresente e chamá-lo pelo nome.
Para a comunicação não verbal as diretrizes enfatizam que o enfermeiro deve
manter-se atento ao diálogo, posicionar-se em frente ao cego, andar à sua
frente e comunicar-se simultaneamente, acomodá-lo no ambiente e descrever o
mesmo, informar a presença de outras pessoas no ambiente, tocar na mão braço ou
ombro como gesto de reforço e afetividade, evitar gesticular ou apontar móveis
ou objetos imaginando que o cego poderá compreendê-lo.
Assim, fica evidente que há especificidades de comunicação verbal e não verbal
com o cego que não são exigidas para a comunicação com quem tem a visão
preservada. Pode-se questionar e aceitar como limitação do estudo a ausência de
avaliação dos conhecimentos sobre comunicação verbal e não verbal do enfermeiro
com pessoas videntes; este conhecimento de base é que deveria subsidiar o
encaminhamento da consulta pelos enfermeiros do grupo controle.
As diretrizes da comunicação verbal e não verbal com o cego foram transmitidas
para o grupo de enfermeiros do grupo experimental. O grupo controle conduziu a
consulta desconhecendo estas diretrizes, utilizando seus conhecimentos
tradicionais sobre comunicação. Na avaliação dos grupos, o controle obteve
resultados péssimo/ruim em todas as diretrizes enquanto que o grupo
experimental obteve resultado bom/excelente em todos. A estatística aplicada
neste estudo confirmou a significância dos resultados e a qualidade do
treinamento oferecido ao grupo experimental.
Os resultados apontam para a urgência da adoção do ensino destas diretrizes
gerais de comunicação com cegos nos cursos de enfermagem e treinamento com
enfermeiros para qualificar o cuidado ao cego. Pode-se mencionar como
limitações a amostra ser composta por enfermeiros de uma única região do país,
o que aponta para a perspectiva de experimentos similares em outros locais.