Avaliação do risco coronariano e sua relação com as ações de saúde em
hipertensos
INTRODUÇÃO
No âmbito mundial, inclusive no Brasil, as doenças cardiovasculares (DCV)
constituem a primeira causa de morbimortalidade em adultos, e cada vez mais
pessoas morrem anualmente dessas doenças, em relação a qualquer outra causa(1-
2).
Uma dessas doenças é a hipertensão arterial sistêmica (HAS) que, por sua vez,
multiplica o risco para desenvolvimento de outras DCV. Nesse sentido, é um
importante fator de risco a ser considerado na morbimortalidade cardiovascular
(3,4).
Na assistência ao portador de HAS, as ações de saúde devem contemplar a
abordagem para redução dos fatores de risco para as DCV através de terapêutica
medicamentosa e mudanças no estilo de vida. O sucesso do controle desses
fatores depende da adesão do paciente e, para isso, a equipe de saúde deve
utilizar a educação em saúde como ferramenta principal, além das consultas
individuais(4-5).
Todas essas intervenções devem ser realizadas no primeiro nível de atenção à
saúde, especificamente na Estratégia de Saúde da Família (ESF) que, por sua
conformação e processo de trabalho, pressupõe vínculo com a comunidade e
usuários, e melhores condições para controle dos fatores de risco para as
doenças cardiovasculares, pela natureza multidisciplinar dos atendimentos(5-6).
Com relação ao atendimento clínico, as diretrizes e os protocolos para
tratamento da HAS recomendam a avaliação do risco cardiovascular em hipertensos
e uma forma de classificá-lo é a utilização de algoritmos, sendo o modelo de
Framingham recomendado pelas diretrizes brasileiras(5,7).
O estudo de Framingham, iniciado em 1948, teve como objetivo investigar os
fatores de risco para as doenças do coração, pois foi uma época de transição
epidemiológica em que a mortalidade e a incidência da DCV aumentavam
progressivamente e pouco se conhecia sobre seus fatores de risco e
fisiopatologia. Foi um estudo de longa duração, que permitiu definir e
estratificar o risco cardiovascular como a probabilidade de ocorrer um evento
cardiovascular em 10 anos e para a estratificação foram utilizadas variáveis
clínicas e laboratoriais, utilizadas na prática clínica.
Considerando que os hipertensos que participam de forma mais frequente das
ações de saúde propostas pela Estratégia de Saúde da Família têm a
possibilidade de reduzir os fatores envolvidos no risco cardiovascular, este
estudo objetivou avaliar o risco para desenvolvimento de eventos coronarianos
agudos – infarto agudo do miocárdio ou morte por doença coronariana nos
próximos 10 anos – de acordo com os critérios de Framingham, e relacionar este
risco com as ações de saúde realizadas em hipertensos atendidos em uma Unidade
de Saúde da Família, em Vitória-ES.
METODOLOGIA
Trata-se de estudo observacional, de corte transversal realizado em uma Unidade
de Saúde da Família (USF) do município de Vitória, ES com hipertensos
cadastrados no Sistema de Informação da Atenção Básica (SIAB) da USF. Para o
cálculo amostral foram considerados os parâmetros para populações finitas, a
prevalência do agravo de 50%, população de 2676 sujeitos, conforme dados do
SIAB de setembro de 2009, nível de significância de 95% e erro amostral de 5%.
A amostra foi constituída por um mínimo de 330 hipertensos, aleatorizados por
sorteio sistemático.
Como critérios de inclusão foram considerados: ser hipertenso, ter idade igual
ou maior a 18 anos, ter registro no prontuário de pelo menos uma medida de
pressão arterial (PA) e um resultado de colesterol total (CT), HDL colesterol
(HDL-c) e de glicemia de jejum em um período de 18 meses, de julho de 2008 a
dezembro de 2009, resultados utilizados para cálculo do risco coronariano. Como
critério de exclusão foi considerado o indivíduo com diagnóstico de hipertensão
secundária, segundo registro no prontuário.
Os dados foram coletados diretamente dos prontuários dos hipertensos e a
pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética e Pesquisa com Seres Humanos da
Universidade Federal do Espírito Santo, sob o número 011/10.
Foram estudados o risco coronariano e as variáveis relacionadas com as ações de
saúde - pressão arterial, número de consultas, de reuniões educativas e de
medicamentos prescritos. No que concerne às ações de saúde, foram registrados
todos os atendimentos individuais realizados pelos diversos profissionais, bem
como a participação em ações educativas desenvolvidas em grupo no período de
julho de 2008 a dezembro de 2009. Também foram computadas as visitas
domiciliares nesse período e a medicação prescrita na última consulta (médica
ou de enfermagem).
Para o cálculo do risco coronariano optou-se por usar a escala proposta pela
Sociedade Brasileira de Cardiologia na formulação da IV Diretriz Brasileira
sobre Dislipidemias e Prevenção da Aterosclerose que classifica o risco
coronariano em baixo – probabilidade menor de 10% de ter evento coronariano
agudo; médio – probabilidade entre 10 e 20%; e alto – probabilidade maior que
20%. O algoritmo de Framingham utilizado neste estudo emprega os valores de CT,
de HDL-c, de pressão arterial sistólica e a presença de diabetes e de tabagismo
(7).
Para a avaliação do valor da pressão arterial, do CT e do HDL-c foram
utilizadas as últimas medidas registradas no prontuário nos dezoito meses do
estudo. Como critério de tabagismo foi convencionado o uso de cigarro
diariamente, independente da quantidade; foram considerados como diabéticos
aqueles que tinham prescrição médica de hipoglicemiantes orais ou de insulina
ou valores de glicemia em jejum alterados(7). Também foram registrados os
últimos valores do LDL-c por constituir fração do CT.
As variáveis quantitativas (pressão arterial, número de consultas e de reuniões
educativas) foram analisadas através de média e desvio padrão e comparadas pela
ANOVA. O teste t pareado foi utilizado para comparação da pressão arterial no
período estudado. Foi considerada uma associação estatística significante
quando p <0,05. Para análise estatística foi utilizada a versão 15.0 do pacote
estatístico SPSS.
RESULTADOS
Dos 696 prontuários acessados, houve perda de 366 por não atenderem aos
critérios de inclusão do estudo. Desses 366, 256 sujeitos não possuíam registro
de exames laboratoriais nos dezoito meses do estudo; 63 prontuários não foram
encontrados no arquivo da Unidade de Saúde; 47 sujeitos não tinham registro de
consulta nos dezoito meses, sendo que três deles eram acompanhados por
profissionais do plano de saúde, e um sujeito não mais residia na área de
abrangência da Unidade de Saúde da Família. Dessa forma, foi necessário acessar
mais do que o dobro de prontuários para se chegar à amostra de 330 hipertensos.
Dos 330 sujeitos estudados, 199 (60,3%) não tinham registro do uso de tabaco no
prontuário, sendo necessário buscar essa informação com os agentes comunitários
de saúde da Unidade.
Sobre a variável pressão arterial, a média da pressão sistólica (PAS) foi de
138 (± 20) e da pressão diastólica (PAD) foi de 85 (± 13) mmHg; porém, de
acordo com o valor da mediana (140x80), a metade dos sujeitos apresentou PAS
acima de 140 mmHg. Além disso, 201 (60,9%) sujeitos apresentavam pressão
arterial elevada. Foram utilizados neste estudo os termos pressão arterial
elevada, segundo a orientação da VI Diretriz Brasileira de Hipertensão
Arterial, que considera satisfatória a redução da pressão arterial para valores
abaixo de 140X90 mmHg nos pacientes hipertensos sem complicações. Por outro
lado, para aqueles de elevado risco cardiovascular, com diabetes e com
nefropatia, deve-se considerar como meta do tratamento valor inferior a 130X80
mmHg(4).
Também foi avaliado o comportamento da pressão ao longo de 12 meses, visto que
alguns epidemiologistas sugerem que a PA é um parâmetro quantitativo e não deve
ser descrita ou categorizada de acordo com um sistema de base binária (elevada
ou não elevada), pois, quanto mais alta a pressão arterial, maiores serão as
consequências no organismo.
Dos 330 sujeitos, 110 apresentaram registro em prontuário de pelo menos dois
valores de PA com intervalo de seis meses durante os 18 meses do estudo e 28
sujeitos tinham três registros de pressão com intervalo de seis meses, no
período analisado. Foi observado que as médias apresentaram pouca variação e
não houve diferença estatística entre elas (Tabela_1).
Tabela 1 Pressão arterial em três momentos em 110 hipertensos
Pressão Inicial 6 meses 12 meses
Média DP Md Média DP Md Média DP Md
PAS 136,9 21,2 130 137,4NS 21,5 135 136,4NS 24,8 130
PAD 85,5 13,5 80 84,3NS 12,1 80 85,7NS 17,7 80
Teste t pareado entre inicial x 6 meses e inicial x 12 meses.
NS - não significante
Com relação às ações realizadas pelos profissionais de saúde da Unidade, os
hipertensos do estudo frequentaram uma média de 7,1 (± 3,2) consultas nos
dezoito meses, o que corresponde a uma consulta a cada dois meses e meio. As
faltas nas consultas foram relativamente baixas, menor que uma falta nos
dezoitos meses (Tabela_2). Destaca-se que só foram computadas as consultas
médicas e de enfermagem que, de alguma forma, estavam relacionadas com o
tratamento da hipertensão.
Tabela 2 Número de consultas e reuniões educativas frequentadas pelos
hipertensos
Variável MédiaD. PadrãoMínimoMáximoMediana
Total de consultas 7,1 3,2 1,0 18,0 7,0
Médicos 5,6 2,6 0,0 14,0 5,0
Enfermeiros 1,3 1,4 0,0 7,0 1,0
Outros profissionais 0,2 0,5 0,0 4,0 0,0
Faltas 0,6 0,8 0,0 4,0 0,0
Total de reuniões 1,6 1,3 0,0 5,0 1,0
Médicos 2,0 1,1 0,0 5,0 2,0
Enfermeiros 0,7 0,8 0,0 4,0 1,0
Outros profissionais 2,1 1,1 0,0 6,0 2,0
Dessas consultas, a maioria, 5,6 (± 2,6), foi realizada pelo médico, seguido
pelo enfermeiro, com 1,3 (± 1,4). O número de atendimento realizado por outros
profissionais (psicólogos, educador físico, assistente social e farmacêutico)
foi baixo nos 18 meses do estudo, 0,2 (± 0,5) (Tabela_2).
Sobre as reuniões educativas realizadas em grupo, algumas foram realizadas por
mais de um profissional e, nesse caso, todos eles foram considerados neste
estudo. Na Tabela_2 observa-se que os sujeitos participaram em média de 1,6 (±
1,3) reuniões no período estudado, e destaca-se que um pouco mais de um terço
da amostra não tinha registro em prontuário quanto à participação de algum tipo
de reunião educativa. Dos profissionais da equipe, houve a participação em
maior frequência do médico e do enfermeiro.
Encontrou-se registro da participação de outros profissionais, como o
farmacêutico, psicólogo, educador físico e auxiliar de enfermagem nas reuniões
educativas em menor quantidade, média 2,1 (± 1,1) (Tabela_2).
Também foi observado durante análise dos prontuários que a atividade educativa
foi organizada diferentemente nas equipes de saúde, e não foram encontrados
registros desse tipo de atividade nos prontuários de quatro equipes de saúde da
família dentre as sete equipes que trabalham na USF.
Além dessas ações, consultas e reuniões, foram registradas as visitas
domiciliares realizadas, em sua maioria, por auxiliares de enfermagem e
enfermeiros, assim como as visitas médicas. Ao todo 64 (19,4%) hipertensos
receberam visitas no domicílio, entre 4 e 17 visitas no período de 18 meses.
Com relação às medicações em uso, dos 330 prontuários analisados, 12 (3,6%)
sujeitos não utilizavam nenhuma medicação, pois o controle da pressão estava
sendo realizado somente com as medidas higienodietéticas. Daqueles que faziam
uso de medicação, 175 (53%) sujeitos possuíam registro de uma a duas classes de
medicação e 143 (43,3%) utilizavam três ou mais medicamentos diferentes.
Quanto ao esquema terapêutico foram encontradas 12 classes de medicações
prescritas nos prontuários, quais sejam: diurético tiazídico
(hidroclorotiazida), diurético de alça (furosemida), diurético poupador de
potássio (espironolactona), inibidores da enzima de conversão da angiotensina I
- ECA (captopril e enalapril), betabloqueador (atenolol e propranolol),
bloqueador da angiotensina I (losartana potássica), bloqueador de canais de
cálcio (anlodipina e nifedipina), inibidor adrenérgico (metildopa),
hipoglicemiante oral (glibenclamida e metformina), hipoglicemiante parenteral
(Insulina), antiplaquetário (AAS), hipolipemiante – estatinas (sinvastatina),
medicamentos esses dispensados pela rede municipal de saúde dos municípios.
No que tange ao risco coronariano global, a média encontrada foi de 11,5% (±
9,2) e a mediana de 8,0, sendo que 115 (34,8%) sujeitos apresentaram risco
baixo, 67 (20,4%) risco médio e 148 (44,8%) risco alto de desenvolver eventos
coronarianos nos próximos 10 anos. Destaca-se que a média não considerou os
sujeitos portadores de diabetes da amostra 103 (31,2%) e outros agravos, pois
são condições que, conforme o algoritmo utilizado, classificam o indivíduo como
risco elevado.
Dos 148 (44,8%) indivíduos categorizados como alto risco, 102 (68,9%)
apresentaram LDL colesterol acima de 100 mg/dl, valor meta de tratamento para
esses indivíduos
de acordo com a Sociedade Brasileira de Cardiologia (2007). Desses indivíduos
com LDL elevado apenas 12 (11,7%) tinham o registro do uso da sinvastatina. Dos
67 (20,4%) indivídu os com médio risco, 38 (56,7%) possuíam LDL acima de 130
mg/dl, valor meta para essa categoria de risco, e apenas 5 (13,1%) tinham
prescrição de sinvastatina.
Ainda com relação aos 148 (44,8%) sujeitos com alto risco coronariano, 48
(32,4%) possuíam pelo menos duas medidas de PA no intervalo de 6 meses e 12
(8,1%) sujeitos tinham três registros de PA em dezoito meses (Tabela_3).
Tabela 3 Pressão arterial em três momentos nos 148 hipertensos de alto risco
Tempo
Pressão Inicial 6 meses 12 meses
MédiaDP Md Média DP Md Média DP Md
PAS 141,6 20,1 140 144,7NS 21,2 140 139,2NS 11,6 130
PAD 85,1 14,5 80 86,3NS 11,3 90 82,5NS 12,2 80
Teste t pareado entre inicial x 6 meses e inicial x 12 meses
NS - não significante
Em análise do comportamento da PA nos indivíduos com alto risco observa-se que
não houve diferença estatística entre as médias ao longo do tempo, sendo que a
PAS manteve-se pouco elevada nos dois momentos iniciais e aos doze meses, as
médias e medianas reduziram de forma não significante. (Tabela_3).
Na relação do risco coronariano com as ações de saúde (consultas e atividades
educativas), os dados mostraram que não houve associação estatisticamente
significante. Em análise descritiva, o número de consultas e de reuniões
educativas realizadas por enfermeiros é menor naqueles hipertensos de risco
coronariano alto, em relação aqueles de baixo risco (Tabela_4).
Tabela 4 Relação entre as consultas e reuniões educativas realizadas pelos
profissionais de saúde e o risco de infarto ou morte por doença coronariana no
período de 10 anos, segundo critério de Framingham
Risco Coronariano
Variável Baixo Médio Alto p-valor
MédiaDP MédiaDP Média DP
Total consultas 7,0 3,1 7,2 3,0 7,1 3,4 0,911
Médicos 5,3 2,4 6,0 2,8 5,6 2,6 0,260
Enfermeiros 1,5 1,4 1,0 1,2 1,3 1,4 0,058
Outros profissionais 0,2 0,6 0,2 0,5 0,2 0,5 0,823
Total de reuniões 1,7 1,4 1,6 1,2 1,5 1,3 0,325
Médicos 2,1 1,1 1,9 1,1 1,9 1,1 0,479
Enfermeiros 0,9 0,9 0,7 0,8 0,6 0,8 0,065
Outros profissionais 2,3 1,1 2,0 1,0 2,0 1,1 0,196
Houve associação entre a quantidade de classes de medicação consumida com o
risco coronariano. Os indivíduos com maior risco usam, em sua maioria, três ou
mais classes de medicamentos, enquanto a maior parte dos indivíduos de baixo
risco faz uso de uma ou duas medicações diferentes (p 0,000), mostrando que
aqueles de maior risco fazem uso de mais medicamentos (Tabela_5).
Tabela 5 Relação entre o número de medicações utilizadas e o risco de infarto
ou morte por doença coronariana no período de 10 anos, segundo Framingham
Risco Cardiovascular
Variável Baixo Médio Alto p-valor
n % n % n %
Medicações
Até duas 88 47,1 42 22,5 57 30,5 0,000
Três ou mais27 18,9 25 17,5 91 63,6
DISCUSSÃO
Grande parte dos prontuários foi descartada por não possuir registro de
consulta, de exames laboratoriais e informações sobre o hábito de fumar no
período do estudo e, por vezes, o prontuário não foi encontrado, o que além de
dificultar a coleta de dados, entendemos ser uma limitação do estudo, à medida
que pode introduzir um viés de seleção da amostra.
Tais situações podem remeter a três questões: a) o não registro dos resultados
de exames e da consulta; b) o usuário não retorna para mostrar os exames aos
profissionais e dar continuidade ao tratamento; c) falha na organização do
serviço no que diz respeito à manutenção do arquivo e extravio dos prontuários;
e d) falta de padronização da conduta, pois a VI Diretriz de Hipertensão sugere
que o hipertenso deva consultar no mínimo a cada seis meses quando não
apresenta complicações. Não foram encontrados nos documentos oficiais sobre o
tratamento da hipertensão informações sobre a periodicidade de solicitação de
exames bioquímicos, mas os consensos determinam avaliação laboratorial de
rotina, com periodicidade no mínimo anual(4).
A ocorrência de quaisquer dessas possibilidades sugere problemas na
estruturação do processo de trabalho do serviço de saúde e prejudica o
acompanhamento de dados clínicos, como a pressão arterial, os dados
laboratoriais e o tratamento, se distanciando das proposições do Ministério da
Saúde, o que implica em discutível qualidade na continuidade do cuidado
oferecido(4-5).
No que se refere aos dados laboratoriais, a IV Diretriz de Dislipidemia
estabelece valores de referência para os componentes do perfil lipídico de
acordo com a classificação de risco coronariano. Com relação ao LDL-c, para os
indivíduos de baixo risco a meta a ser alcançada é abaixo de 160 mg/dl; para
aqueles que possuem risco médio a meta diminui para 130 mg/dl e para os de alto
risco deve-se ter LDL-c menor que 100 mg/dl(7).
Sob essa perspectiva, embora o valor de LDL estivesse acima da meta para
aqueles do médio e alto risco para eventos coronarianos, apenas 11,7% dos
hipertensos tinham algum tipo de estatina prescrita. Essa classe de medicamento
tem a propriedade de reduzir o LDL-c de 15% a 55% em adultos; diminuir o TG de
7% a 28% e elevar o HDL-c de 2% a 10% e dessa forma, são capazes de reduzir a
mortalidade cardiovascular, a incidência de eventos isquêmicos coronários
agudos, a necessidade de revascularização do miocárdio e a ocorrência do
acidente vascular encefálico(7).
Ao ser avaliado o comportamento da pressão arterial ao longo de 12 meses em 110
sujeitos da amostra que tinham pelo menos duas medidas nesse intervalo de
tempo, foi observado que as médias apresentaram pouca variação e não tiveram
diferença estatística entre elas, sugerindo que a PA desses 110 hipertensos se
manteve constante ao longo do tempo e com valores abaixo de 140X90 mmHg (Tabela
1).
No entanto, os últimos valores registrados em prontuário revelaram percentual
de 201 (60,9%) indivíduos com PA igual ou acima de 140x90 mmHg, dados esses
mais elevados em relação a outros estudos também realizados com hipertensos em
acompanhamento em Unidade de Saúde da Família(8-9).
Esses valores de pressão arterial elevados, em hipertensos cadastrados e
monitorados por equipes de saúde, atendidos em estabelecimento que fornece
praticamente todos os medicamentos necessários para o controle da PA, nos leva
a inferir que os usuários podem não utilizar a medicação conforme a prescrição,
ou seja, apresentam baixa adesão ao tratamento medicamentoso. Apesar de não ter
sido o foco deste estudo a literatura reforça essa possibilidade, pois pesquisa
realizada em um ambulatório-escola de São Paulo identificou que 85,76% dos
hipertensos não aderiram ao tratamento medicamentoso e 85,29% ao tratamento não
medicamentoso, mesmo apresentando em sua maioria (61,76%) assiduidade às
consultas(10). Outros estudos também evidenciam a baixa adesão ao tratamento em
hipertensos atendidos em unidade básica de saúde. Em Maringá-PR, 64% e em
Terezina-PI, 77,5% dos hipertensos não eram aderentes ao tratamento(11-12). Em
perspectiva qualitativa, estudo no Paraná mostra o relato dos profissionais de
saúde quanto as dificuldades encontradas para efetivarem as estratégias de
adesão ao tratamento em hipertensos(13). Nesse sentido, a adesão ao tratamento
é uma questão importante a ser avaliada pelos profissionais de saúde.
A pressão arterial é aferida na USF em questão uma única vez antes da consulta,
seja médica ou de enfermagem, nos indivíduos sentados e após repouso de pelo
menos 10 minutos com utilização de aparelho oscilométrico (coluna de mercúrio e
aneróide) que recebem manutenção preventiva uma vez por mês. Porém, não é uma
prática do serviço realizar treinamentos e procedimentos de controle de
qualidade quanto à técnica de verificação da pressão e, dessa forma, deve ser
considerada a possibilidade de que as medidas apresentadas podem ter um viés de
verificação.
A média de consultas revelou um número de atendimentos médico a cada 3,2 meses
e anual para o enfermeiro. Os documentos e protocolos oficiais que discorrem
sobre o monitoramento e tratamento da hipertensão sugerem que a avaliação
clínica do médico deve ocorrer pelo menos duas vezes ao ano em indivíduos com a
PA controlada, sem sinais de lesões em órgãos-alvo e sem comorbidades. Já para
os indivíduos que, mesmo apresentando controle das cifras pressóricas e da
glicemia, tenham lesões em órgãos-alvo ou comorbidades, as consultas devem ser
trimestrais(6,9). Nessa lógica, se todos os sujeitos estivessem com a PA
controlada, poderíamos dizer que o número de atendimento médico neste estudo
foi satisfatório; porém não é possível fazer essa asserção devido aos dados
referentes à pressão arterial apresentados.
Já para as consultas de outros profissionais a média foi baixa, principalmente
pelo fato de que, nesse quesito, encontravam-se enfermeiro e outros
profissionais (educador físico, psicólogo, farmacêutico e outros) que devem
compor a equipe multiprofissional de atendimento ao hipertenso, tanto com
atribuições no atendimento individual, como também nas atividades coletivas
para a educação em saúde, pois a abordagem multiprofissional é essencial na
atenção ao portador de hipertensão, por ser uma doença multifatorial que
envolve cuidados para vários objetivos, e assim, com olhares de vários
profissionais, seu tratamento tende a ser mais efetivo(4,7).
Dentre as intervenções não medicamentosas da hipertensão arterial – redução do
peso, do consumo de sal, aumento da ingestão de legumes, frutas e fibras e
redução da gordura, atividade física, controle do estresse psicossocial dentre
outros, a abordagem multiprofissional apresenta o mais alto grau de consenso e
evidência científica quanto ao seu uso na prática clínica, recomendação essa
baseada em múltiplos ensaios clínicos controlados(4,7).
O pequeno número de atividades educativas encontrado neste estudo pode ser
decorrente de um baixo registro dessas atividades. No entanto, entende-se que
esse registro é fundamental na organização dos serviços de Estratégia de Saúde
da Família visto que a educação em saúde é uma das atribuições da equipe que
atende o hipertenso e um componente importante no processo de aprendizagem,
necessário no transcorrer da doença crônica, contribuindo para a ampliação de
habilidades e comportamentos, bem como melhor adaptação à doença.
Por outro lado, estudo de revisão sobre as práticas de cuidado de enfermagem ao
hipertenso nas produções científicas dos últimos dez anos identificou o
predomínio da Consulta de Enfermagem e de forma assistemática, individualizada
e centrada no modelo médico hegemônico, em vez de uma prática ancorada em
trabalho educativo e de cunho coletivo com possibilidades de proporcionar
melhor adaptação a cronicidade da doença e maior adesão ao tratamento(14).
Ao ver a distribuição das atividades educativas e das consultas de acordo com o
risco coronariano (baixo, médio ou alto), observou-se na Tabela_4 que
mantiveram frequências baixas e semelhantes, sem significância estatística,
independente da categoria de risco coronariano e esse resultado demonstra que
os profissionais não têm discriminado os riscos individuais desses hipertensos
a ponto de intensificarem as ações de saúde para aqueles que apresentam maiores
condições de risco.
Por fim, pelos registros encontrados, parece que o atendimento do hipertenso na
USF estudada está centrado no profissional médico, diminuindo as possibilidades
de uma abordagem para além do tratamento medicamentoso. Nesse contexto, também
é importante a inserção de outros profissionais no atendimento individual para
orientação do uso correto da medicação, principalmente o enfermeiro e o
farmacêutico e no atendimento coletivo, com a participação da equipe de apoio,
pois o tratamento do hipertenso não deve envolver somente a redução da pressão
arterial. O controle dos demais fatores de risco associados deve ser buscado.
Quando se relacionou a medicação com o risco para infarto ou morte por doença
coronariana ficou evidente que os indivíduos de alto risco utilizam mais
medicações do que os de baixo e médio risco, o que é compreensível na medida em
que grande parte dos indivíduos com alto risco possui mais fatores
determinantes do agravo, como diabetes, acidente vascular encefálico,
dislipidemia e outros, demandando outras drogas além dos anti-hipertensivos.
O tratamento medicamentoso é necessário à maioria dos pacientes hipertensos e
apresenta como objetivo principal a redução da morbidade e da mortalidade
cardiovascular. Dessa forma, os anti-hipertensivos devem não só reduzir a
pressão arterial, mas também os eventos cardiovasculares fatais e não-fatais
(4).
CONCLUSÃO
Neste estudo ao avaliar o risco para desenvolvimento de eventos coronarianos
agudos de acordo com os critérios de Framingham e relacioná-lo com as ações de
saúde realizadas na população hipertensa atendida em uma Unidade de Saúde da
Família concluiu-se que não houve diferença de conduta dos profissionais de
saúde ao atenderem o hipertenso de acordo com o grau de risco. Mesmo que não
fosse utilizada nenhuma forma de classificação de risco, mais da metade dos
sujeitos estavam com a pressão arterial e LDL colesterol elevados e se forem
consideradas as metas para o tratamento dessas condições, a discrepância entre
o valor encontrado e o valor ideal, aumenta.
Ainda, pelos registros, houve baixa atuação de outros profissionais não médicos
no atendimento do hipertenso o que sugere a necessidade de maior participação
da equipe multiprofissional.
Evidentemente, não se pretendeu uma análise do desempenho do serviço de saúde,
no entanto, a análise dos dados permitiu discussões sobre o cuidado oferecido e
a organização de uma Unidade de Saúde da Família, considerando que sua
implementação pressupõe, dentre outros, uma visão ampliada do conceito de
saúde, de ações de vigilância e reorientação do trabalho com ênfase nos grupos
populacionais em situação de risco, como é o caso dos hipertensos.
Os resultados observados neste estudo podem ser trabalhados pela Estratégia de
Saúde da Família, considerando as características desse tipo de serviço, pois:
a) apresenta equipes de saúde da família responsáveis por um contingente
restrito de residentes de determinado bairro, e com isso possuem informações
sobre as condições de saúde dos usuários sob sua responsabilidade; b) a essas
equipes estão integrados outros profissionais de apoio da ESF como, psicólogo,
assistente social, educador físico, farmacêutico, com maiores possibilidades de
tratamento e acompanhamento do usuário por equipe multiprofissional; c) tem a
sistemática de busca de faltosos e visita domiciliar para aqueles que
necessitam, e d) utiliza como ferramenta principal a educação em saúde, seja
ela desenvolvida individualmente durante a consulta ou em grupos.
A utilização da classificação de risco global em hipertensos ao determinar o
risco pode contribuir para o planejamento das ações de saúde de forma tal que a
equipe de saúde possa dispensar uma atenção diferenciada e mais qualificada ao
portador de hipertensão.