Linhas de pesquisa em enfermagem: destaques filosóficos e epistemológicos
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
As Linhas de Pesquisa em Enfermagem têm preocupado enfermeiras e enfermeiros,
no Brasil, desde 1970, ano da aplicação da Reforma Universitária de 1968 (Lei
5.540/68) e desafios da Pós-Graduação stricto senso (Mestrado e Doutorado) em
todas as áreas programáticas de formar profissionais no ensino universitário.
As questões do assunto foram amplamente discutidas no Seminário Nacional sobre
Ensino de Pós-Graduação e Pesquisa em Enfermagem (2º SENPE), realizado em
Brasília, de 24 a 26 de março de 1982, sob auspícios do Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e liderança da Associação
Brasileira de Enfermagem (ABEn). Na ocasião, a entidade era presidida por Dra.
Circe de Mello Ribeiro, docente da Escola de Enfermagem da Universidade de São
Paulo. Várias instituições da área profissional participaram, em fórum de
debates, sobre a temática central designada "A Situação da Pós-Graduação em
Enfermagem e de sua Produção Científica"(1).
O Decreto Nº 70.553/72(2)Plano Básico de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico Área Ciências da Saúde serviu de ponto de partida para as
discussões, no 2º SENPE. Tenha-se em vista que, na publicação desse documento,
a Enfermagem consta como ciência da saúde e com suas produções registradas como
linhas de pesquisa. Não se precisa entrar em detalhes. Como resultado final das
discussões(1), apresenta-se um quadro sistemático (Grupo III), com proposta de
pesquisas e orientações sobre cursos de ação em três áreas designadas de
Enfermagem. Apesar da principal aspiração do evento - (parece-me) - visasse
esclarecer especialmente as disposições da política dos órgãos oficiais de
apoio à pesquisa, os debates no evento culminaram com proposta de três áreas
aliadas às "Linhas de Pesquisas e Prioridades de Enfermagem", como seguem:
Área I PROFISSIONAL (com Linhas de Pesquisas vinculadas ao progresso da
profissão);
Área II ASSISTENCIAL (com Linhas de Pesquisas vinculadas ao efeito de cuidados
de enfermagem à clientela);
Área III ORGANIZAÇÃO E FUNCIONAMENTO DE SERVIÇOS (com Linhas de Pesquisas
vinculadas aos modelos de organização e funcionamento de enfermagem nos
serviços de saúde).
Segundo o Relatório(1), produto final das discussões, os resultados atenderam,
também, às disposições do III PBDCT (Decreto nº 85.118/80), de modo a que a
profissão de Enfermagemse mantivesse aliada à investigação científica e ao que
se compreendia como aliança entre pesquisa e prestação de serviços, um elo na
busca de maior capacitação científica e autonomia tecnológica de recursos
humanos da área, no âmbito do Setor Saúde.
O evento deu margem a outras discussões em grande maioria de instituições de
ensino de enfermagem no país. E, sem que se chegasse ao consenso sobre a
aplicabilidade dessas três áreas na questão de investigar respostas para os
problemas de enfermagem; e, consequentemente, na elaboração dos trabalhos da
produção científica. No que me diz respeito, existe já divulgado um texto sobre
meu envolvimento com o assunto no texto "Linhas de Pesquisa e Prioridades de
Enfermagem: Proposta com Distinção Gnoseológica para o Agrupamento da Produção
Científica de Pós-Graduação em Enfermagem"(3). Não desejo me alongar, mas
precisa-se de consideração aos resultados do assunto como obtidos em
assembleias de 1999 (Florianópolis SC) e, quando os participantes, distribuídos
em quatro Grupos de Discussão, aprovaram tópicos alinhados em um quadro
esquemático com três categorias designadas "profissional", "assistencial" e
"organização dos serviços", tópicos abrangentes de "disciplinas da formação de
enfermeiras e enfermeiros e já contemplados no documento-base da assembleia.
Na proposta aprovada eu, pessoalmente, fui responsável pela substituição da
designada categoria "organização de serviços" pela expressão "organizacional".
Não preciso de maiores esclarecimentos, salvo por me parecer um termo
categorial mais ampliado capaz de abranger não só os serviços técnicos
instrumentais, mas também os arranjos metodológicos e pedagógicos, como se dá
em espaço processual entre o sujeito investigador e o objeto de estudo em
pauta. Não foi fácil atingir o consenso. A liderança de Enfermagem encomendou-
me, então, um documento para aprovação em reunião posterior (ABEn/CAPES/CNPq -
ano 2000, Salvador BA). Nessa ocasião, foram discutidos os relatórios de
instituições representantes de Enfermagem e pelos quais, além das três
categorias, as colegas incluíram outra designada "políticas e práticas de
educação de enfermagem".
Contudo, essa incluída categoria - me parece - não atendia bem à pertinência do
quadro esquemático designado, então, esquema categorial, e de modo a promover
as Linhas de Pesquisa e Prioridades de Enfermagem, embora não se pretendesse o
dito esquema como absoluto. Por último, no 66º Congresso Brasileiro de
Enfermagem (Belém PA, 2015), encontrei-me em um Fórum de Pesquisa e
Pesquisadores de Enfermagem, onde houve uma mesa de exposição de temas e muita
discussão sobre questões substantivas e adjetivas do dito assunto. Na ocasião,
minha participação foi solicitada, na mesa de exposição, e não pude recusar
dado meu conhecido envolvimento com o tema e, mais particularmente, com
detalhes de disciplinas de ensino de enfermagem consistentes com a categoria
"profissional". Sem um bom final, a audiência sugeriu que a discussão do
assunto fosse continuada e transferida para este evento do 18º SENPE.
Como penso, a maior dificuldade abrange a aplicação - na prática de investigar
problemas de enfermagem e elaborar teses e dissertações - quiçá, em modos de
alcançar eficazes efeitos metodológicos ou resultados factíveis de assegurar
cientificidade e objetividade para contribuir ao Saber/Conhecimento de
Enfermagem. E isso, ainda, relativamente à utilização das assumidas categorias
e trato dos termos do esquema categorial fundamentalmente básico às pretendidas
"Linhas de Pesquisas e Prioridades de Enfermagem"(3).
De minha parte - mediante experiências de encontros com colegas e alunos em
salas de aula - percebo a dificuldade a persistir quanto ao conhecimento na
utilização do esquema categorial, na prática de estudar e pesquisar, e este
"esquema" como abrangente dos termos "profissional, assistencial e
organizacional". Ainda em Florianópolis SC (1999), admiti em discussão do Grupo
IV (do qual pessoalmente participei) e em assembleias conjuntas, que as
dificuldades na utilização das ditas categorias consistiam, por certo, pela
falta de compreensão e aplicação do fundamento teórico segundo Hessen(4), ou
seja, uma dificuldade pertinente ao que sucede no fenômeno do conhecimento. Os
pesquisadores de enfermagem talvez precisassem pensar em modos de "abstração da
realidade", e no modo para que as três categorias "profissional, assistencial e
organizacional" fossem consideradas em plano de estrutura cognoscitiva
conceitual, ou - como se diz em âmbito de Filosofia - plano intelectual pelo
qual se processa o fenômeno do conhecimento humano, o qual, segundo Japiassu e
Marcondes(5), "é uma função ou ato da vida psíquica, tendo por efeito tornar um
objeto presente aos sentidos ou à inteligência".
DESTAQUES FILOSÓFICOS E EPISTEMOLÓGICOS - CONSIDERAÇÕES SUBSTANTIVAS E
IMPLICAÇÕES ADJETIVAS
A base fundamental do assunto como estrutura gnoseológica e fenômeno do
conhecimento, no meu modo de ver, é consistente com a teoria do conhecimento de
Hessen(4), e não creio poder elucidar tudo aqui, de uma vez. Segundo as
proposições desse autor(4), deve-se começar com a definição do assunto em
causa. Na situação posta, o assunto é - em sua causa e implicações - a
Enfermagem. E, então, a olhos vistos já nos deparamos com muita discussão
conceitual e definitória. Isto, porque o conhecimento profissional não se
sustém, ainda, de modo inequívoco. Pela definição mais usual, na atualidade e
contingências da prática assistencial, aqui no Brasil, (como me consta)
discute-se a Enfermagem como disciplina da área da saúde submetida às
disposições de políticas públicas do Sistema de Saúde (SUS). Assim como penso,
então de modo conceitual um tanto desviado de sua peculiar definição de arte de
cuidar e habilitação profissional da enfermeira(6), tangenciando
metodologicamente o caráter utilitário e regras de uma sistemática organizativa
do tipo pragmático-assistencial. Falam-se agora de atividades de enfermeiras e
enfermeiros em consultórios ambulatoriais, em clínicas de pronto atendimento e
em ações de serviços de urgência. Porém, pela essência epistemológica, não se
deve perder o eixo epistemológico(5), pelo qual a Enfermagem é universalmente
reconhecida e difundida como profissão com raízes fincadas na sistemática
assistencial organizativa nightingaleana e, em plano de estudos para a
Enfermagem, como ciência da saúde, com modos de prestar cuidados de enfermagem
à clientela vinculada ao sistema de ensino, pesquisa e extensão.
Com sua peculiar condição de "poder-saber-fazer em âmbito profissional", com
autonomia de cuidar da clientela, as enfermeiras e enfermeiros deveriam pautar-
se, primeiramente, por conceitos e princípios fundamentais da disciplina ou
carreira de Enfermagem, a qual deve ser processada, primordialmente, conforme
"O Sistema Nightingale de Enfermagem Moderna"(7). E, então, se e quando as
cogitações designativas e questionamentos conceituais sobre Enfermagem variam
de sentido, sobretudo nos programas de ensino, pesquisa e extensão, torna-se
bem difícil precisar os termos de uma expressão definitória de base
disciplinar, de caráter teórico inequívoco e critérios de implicações e
consequências atributivas. Evidentemente, não sou dona da verdade. Mas, há que
se observar, em caso de desvios de definição sobre "o que se entende por
Enfermagem", só mesmo procurando outro método (fora da proposição e perspectiva
de nosso autor aqui focalizado(4)) e que seja potencialmente capaz de assegurar
a adequada aplicação do proposto esquema categorial e critérios de apoio
teórico às Linhas de Pesquisa e Prioridades de Enfermagem(3). Como me consta,
existem outros métodos aplicados à elaboração teórica. E tenho em mente que, na
literatura profissional de enfermagem, há pelo menos uma proposição visando
precipuamente à produção de teoria consistente com a questão "Teoria – Por
que", - é o caso da posição de Demo(8), e de suas alegações afinadas com
justificativas em favor de metodologias investigativas, e de uma prática
decididamente crítica em função de produzir explicações de efeito teorizante
para a Enfermagem. Porém, esse autor se vale também de apoio fundamental em
outras proposições teóricas - caso da racionalidade e lógica da dinâmica
social.
Do meu ponto de vista, tal como penso, não sendo nos termos da teoria do
conhecimento4), fica difícil atender, antes de tudo, à definição de Enfermagem
como assunto em estudo ou em causa (ensino, pesquisa e extensão). E, se for o
caso, "prejudicando-se à compreensão inequívoca do que está em pauta
relativamente ao peculiar entendimento de conceitos empregados, é como nadar em
desvios conceituais e erro definitório equivocado"(9). Trata-se, pois, do
seguinte: - no caso dos assuntos de Enfermagem, é preciso estrita atenção, bem
séria, ao sentido profissional do que já é aceito, conceitualmente e
universalmente, para as atividades e atribuições de enfermeiras e enfermeiros,
e isso de plena consistência com o que consta em Notas sobre Enfermagem – "o
que é e o que não é"(10).
Penso não ser preciso mais alegações, aqui, em favor de conceitos e definição
da profissão de enfermeiras e enfermeiros. Se os destaques filosóficos e
epistemológicos, nas questões e termos das categorias e do esquema categorial
do referido texto "Linhas de Pesquisa e Prioridades de Enfermagem"(3), ainda
não alcançaram a devida compreensão, nem mesmo com o debate na mesa de
exposição em Belém-PA, talvez melhor passarmos diretamente à explicação de base
teórica, filosoficamente necessária ao peculiar entendimento do que seja
Enfermagem e do método do conhecimento das relações entre o sujeito pesquisador
e a realidade objetiva. Então, mesmo sem pretender exaurir o assunto, tentarei
colocar, aqui, alguns destaques filosóficos e epistemológicos para melhor
compreensão do assunto como focalizado.
Assim, em âmbito do conhecer - antes de qualquer tentativa de interpretação do
objeto de estudo ou de investigação - precisa-se de consideração às razões a
mover a abordagem ao assunto, e precisa-se antes do apoio do método
fenomenológico, o qual nos permite distinguir, essencialmente, os elementos
fundamentais do assunto. Segundo os termos teóricos de Hessen(4)
no curso regular do conhecimento, encontram-se frente a frente
consciência e objeto - o sujeito e o objeto. Chama-se ‘método
fenomenológico', porque é distinto do método psicológico. Enquanto
este último investiga processos psíquicos em seus cursos regulares, o
método fenomenológico aspira a apreender a essência geral no fenômeno
concreto(4).
Nesse caso, conforme o referido autor(4),
com o método fenomenológico, o conhecimento apresenta-se nos termos
de uma relação entre os dois elementos sujeito e objeto, os quais, na
relação permanecem eternamente separados - um do outro. Então, em
representação de pretendido dualismo ‘sujeito e objeto', fica sob
consideração estrita, [na atividade intelectual], a pertinência do
método (fenomenológico) com a significativa essência do conhecimento
(4).
Nesse sentido, a relação entre os dois elementos [sujeito e objeto] é ao mesmo
tempo uma correlação. O sujeito só é sujeito para um objeto e o objetosó é
objeto para um sujeito. Ambos eles, sujeito e objeto só são o que são enquanto
o são um para o outro. E esta correlação não é reversível, isto é, ser sujeito
é algo completamente distinto de ser objeto. "A função do sujeito é apreender o
objeto, a função do objeto é ser apreendido pelo sujeito"(4).
Com tais tipos de designadas apreensões, podemos pensar o fenômeno do
conhecimento, como situado em duas esferas distintas, na ilustração, a seguir:
Figura 1 Esferas do ConhecimentoNota: Representação Gráfica / Elaborada por
Vilma de Carvalho.
Então, podemos depreender, pelo lado do sujeito, "conhecer se expressa pela
tentativa de saída do próprio sujeito para fora de sua esfera". Isto é, a
consciência como que tenta invadir a esfera do objeto a fim de proceder à
recolha das propriedades deste. Mas, enquanto sempre situado no locus do real
concreto, pode-se dizer, o objeto não pode ser arrastado para fora de sua
própria esfera para situar-se na esfera do sujeito e, assim, ele, "o objeto
permanece transcendente e fora da esfera do sujeito". Assim, o que sucede: "não
no objeto, mas sim no sujeito alguma coisa se altera em função do fenômeno do
conhecimento". Ou seja, "no sujeito surge algo contendo as propriedades [traços
essenciais] do objeto, surge uma imagem do objeto. E essa imagem mantém-se como
que situada em espécie de mais uma esfera, presuntivamente intermediária, entre
as duas esferas já descritas como a esfera do sujeito e a esfera do objeto(4),
como na ilustração a seguir:
[/img/revistas/reben/v68n4//0034-7167-reben-68-04-0723-gf02.jpg]
Figura 2 Esferas do ConhecimentoNota: Representação de Esquema-Contexto com
esfera da Imagem / Elaboração de Vilma de Carvalho.
Então - pode-se dizer - "ao que transcende do sujeito para a esfera do objeto
corresponde ao que transcende do objeto para a esfera do sujeito". E, então,
pelo lado do objeto, o conhecimento é como a transferência das propriedades do
mesmo objeto para o sujeito; e, ao que transcende do sujeito para a esfera do
objeto corresponde ao que transcende do objeto para a esfera do sujeito. Porém,
ambos são somente destacados aspectos teóricos - filosóficos e epistemológicos
- que, embora assim destacados e distintos, são aspectos do mesmo ato.
Contudo, "no ato de conhecer, cabe ao objeto o predomínio sobre o sujeito. O
objeto é o determinante, o sujeito é o determinado". No ato, o conhecimento
pode ser definido como determinação do sujeito pelo objeto. Não que o sujeito
seja pura e simplesmente determinado, mas, apenas a "imagem" do objeto nele
contida. "A imagem é objetiva, então, na medida em que "ela contém os traços do
objeto". Porém, sendo distinta do objeto, essa imagem encontra-se entre o
sujeito (o pesquisador) e o objeto (dado ou assunto investigado), e assim
constituindo-se no plano de imagem como instrumento pelo qual a consciência
cognoscente apreende seu objeto"(4).
Assim sendo, o sujeito, no fenômeno do conhecimento, se conduz, pois,
receptivamente perante o objeto no mesmo fenômeno. Mas, não se pense tratar-se
de uma receptividade passiva. Pelo contrário, pode-se falar de uma atividade
decisivamente espontânea do sujeito no âmbito do conhecimento; porém, uma
atividade decisiva do sujeito frente à imagem do objeto, no que a consciência
(como sujeito/subjetividade) pode muito bem participar, contribuindo de certo
modo para a elaboração da imagem. Assim, a receptividade do sujeito frente ao
objeto e sua espontaneidade frente à imagem do objeto são perfeitamente
compatíveis, no âmbito do fenômeno do conhecimento e na investigação de
problemas em estudo(4).
No caso de pesquisas em Enfermagem, tomando-se a categoria profissional como
equivalente à posição do sujeito (pesquisador), então, há que se compreender a
posição profissional (subjetividade) em atitude decisiva, como entendida no
processo investigativo, tentando avançar ativamente para apreender os traços
essenciais do objeto em mira, e com isso, o sujeito pesquisador também
contribui na elaboração da imagem (do objeto entendido) como real em causa.
Todavia, o caráter transcendente é próprio de todos os objetos do conhecimento,
independentemente se são reais ou ideais; os reais são todos os objetos como
dados na experiência externa ou interna, ou tais como dela inferidos; os ideais
apresentam-se como irreais, ou meramente pensados, a exemplo dos objetos da
ciência da Matemática - os números e as figuras geométricas. A implicação é que
mesmo os objetos ideais possuem um ser em si, pelo que são também
transcendentes à apreensão da imagem pela consciência, no sentido
epistemológico, a exemplo das leis dos números e regras matemáticas que são
independentes do pensamento subjetivo, no mesmo sentido em que o são os
considerados objetos reais. Entretanto, apesar de sua irrealidade, os objetos
ideais comportam-se como se fossem objetos reais e, assim, fazem frente à
consciência [tipo face a face] tanto quanto os objetos reais; e eles (objetos
ideais) atuam, então, como determinados em si e autônomos(4).
Parece uma contradição entre a correlação "sujeito/objeto", anteriormente
referida, e essa agora nomeada transcendência do objeto frente ao sujeito. Mas,
diga-se de pronto: a contradição é somente aparente, posto que só enquanto
fenômeno do conhecimento, eles, o sujeito e o objeto se encontram inclusos na
correlação; fora do fenômeno do conhecimento, cada um dos dois termos,
separadamente, possui um ser em si. O sujeito no plano do agir - a exemplo do
plano da organização pragmático-assistencial - na área da Enfermagem, além de
conhecer, sendo compreendido como dado sujeito em ação, ele tem sensações e
sensibilidade - ele sente, ama e quer(11). Portanto, já em âmbito de ação, "o
objeto pode não ser o determinante, mas sim o sujeito", a exemplo do que sucede
no âmbito da prestação de cuidados de enfermagem, se e quando enfermeiras e
enfermeiros se posicionam, atuam expressando-se na sistemática função de cuidar
e em plano da categoria organizacional de ajudar, instruir e determinar a
vigilância de enfermagem, essa invocativa conduta tão necessária à clientela.
Nesse sentido, "o conhecimento e a ação apresentam-se, pois, em estrutura
completamente oposta"(4).
Neste ponto, um esclarecimento é imprescindível quanto ao conceito de verdade,
o qual tem relação íntima com a essência do conhecimento, e a ver com aspectos
de como afeta a posição e função de enfermeiras e enfermeiros nas etapas do que
se compreende por processo do diagnóstico de enfermagem(12). Tem a ver,
precipuamente, com o sentido das categorias epistemológicas - profissional,
assistencial, organizacional, e como já mencionadas para o assunto das "Linhas
de Pesquisa e Prioridades de Enfermagem"(3). A verdade é, então, a meta visada
na trama processual e metodológica - cognoscitiva/instrucional/pedagógica - do
sujeito nas buscas de respostas no interesse da investigação das questões em
estudo.
Assim, na teoria do conhecimento, expressando-se sobre o conceito de verdade e
como aliado ao conhecimento, afirma o referido autor(4)
verdadeiro conhecimento é somente o conhecimento verdadeiro; um
conhecimento falso não é propriamente conhecimento, mas sim erro e
ilusão. Se o conhecimento tem a ver com a produção da ‘imagem' do
objeto, a verdade do conhecimento condiz com a concordância dessa
imagem com traços essenciais do dito objeto(4).
Na área da Enfermagem, o conceito de verdade, interessando às Linhas de
Pesquisa e Prioridades de Enfermagem(3), pode encontrar-se aliado ao processo
de enfermagem(11), e é o conceito da relação "sujeito/objeto", exprimindo a
relação do conteúdo da "imagem" com o objeto tal como pensado. Ele (objeto) de
nosso interesse em nível de estudo investigativo, - caso do cuidado de
enfermagem -, pode encontrar-se para mais além da verdade e da falsidade(4).
Não sei se me explico bem. É o caso de podermos dispor, em certa investigação,
de representação inadequada de cuidado de enfermagem, a exemplo de se e quando
conclamamos vários sujeitos profissionais a se colocarem do ponto de suas
perspectivas sobre o cuidado que prestam ou que é prestado por outros. As
respostas obtidas podem variar e o consenso resultar em representação
verdadeira ou não. Porém, no plano investigativo, a ideia geral mesmo que
incompleta poderá ser exata, desde que se e quando os aspectos destacados -
filosoficamente e epistemologicamente - para o cuidado de enfermagem, nas
respostas dos profissionais, compreendidos como "sujeitos-objeto",
corresponderem aos traços essenciais do objeto real em estudo e tal como
investigado(13). O que se quer dizer, aqui, tem a ver, ainda, com tarefas de
elaborar tópicos de trabalhos de produção e divulgação científicas, como os de
experiências na Graduação de Enfermagem ou fora dela, e ainda, principalmente
nos termos investigativos de orientação e confecção de dissertações e teses
(Mestrado e Doutorado de Enfermagem).
Em tal contexto, com vista aos desafios da investigação de problemas de
enfermagem a ver, especialmente com a categoria profissional, - compreendendo
disciplinas de Enfermagem - ou, com quaisquer outras categorias como
assistencial e organizacional, há que se ter estrita atenção a tudo que compõe,
formalmente, com questões teóricas como a causalidade e princípio da
substancialidade(4), bem como com traços essenciais ou atribuições subjetivas
no interesse do assunto critérios de verdade, no fenômeno do conhecimento e na
busca de respostas para conhecer a realidade concreta de um objeto em estudo
(4). Então, assim, cabe decisiva atenção a registros e assentamentos de tópicos
de "quadros referenciais"(14). Tais quadros, nos termos de fundamental apoio
bibliográfico, com efeito, podem atender às questões temáticas e problemáticas
e de interesses com a causalidade e princípio de substancialidade como autoriza
Hessen(4), mormente em casos de dificuldades com os preconizados métodos
investigativos, quer seja para a definição do assunto em estudo ou para
efetivar processos de pretendidas abordagens do sujeito investigador ao objeto
investigado - a exemplo de casos e assuntos de Enfermagem.
DA NECESSIDADE DE UMA CONCLUSÃO
Debaixo da consideração fenomenológica, o conceito de verdade deverá ser
entendido, então, como conceito transcendente de verdade. Um conceito a ver,
principalmente, com a questão dos critérios de verdade(4). Porque não é
necessário apenas que um juízo seja verdadeiro, é preciso a certeza de que seja
verdadeiro. Mas a verdade pode ter, antes de tudo, um caráter imanente, segundo
o qual a essência da verdade não assenta na relação do pensamento com algo que
se encontra fora e face ao próprio pensamento; encontra-se a verdade, sim, com
algo de substancialmente dado no objeto e que, como dado objeto em estudo,
reside dentro do conteúdo do próprio pensamento.
Pode parecer uma contradição. Então, como conhecer se um juízo é verdadeiro? E
que esteja aliado à causalidade – e em tal caso: quais as causas do
conhecimento? Como nos havermos com o assunto pelo lado da esfera do objeto? E
quanto à questão da substancialidade: como saber se o assunto do princípio da
substancialidade é visto em sua significação distintiva - qual a essência do
conhecimento das coisas no interesse da Enfermagem? E, portanto, como pensar o
fenômeno do conhecimento visto só pelo lado da esfera do sujeito ou apenas pelo
lado da esfera da imagem?
Assim, dois aspectos teóricos, efetivamente destacados, se colocam em foco: os
que dizem respeito aos critérios de verdade e os que clamam à necessidade de se
compreender as implicações relativas às atribuições adjetivas no que tange ao
papel da consciência compreendida no pensamento do sujeito (subjetividade)
frente à causalidade e princípio da substancialidade e em plano correlativo ao
papel do objeto (objetividade) na esfera do real concreto. No fenômeno do
conhecimento, não se pode dispensar tais questões tipo critérios de verdade,
pois é donde decorrem implicações com as atribuições adjetivas e, posto que, aí
mesmo subscrevem-se questões que importam ao fenômeno do conhecimento(4), que
são questões que se relevam nos destacados aspectos filosóficos e
epistemológicos tão consistentes com o assunto das Linhas de Pesquisa e
Prioridades de Enfermagem.
Se como percebemos, o conhecimento apresenta três elementos principais: "o
sujeito, a imagem e o objeto", então, pelo lado do sujeito o conhecimento
condiz com a esfera psicológica, que tem tudo a ver com a dimensão substantiva
da categoria profissional, categoria dos interesses e expressões da
subjetividade do pesquisador; pelo lado da imagem o conhecimento toca a esfera
da lógica, que tem tudo a ver com a dimensão da categoria organizacional de
gerenciamento e instruções organizativas; e pelo lado do objeto, o conhecimento
corresponde à esfera ontológica, que tem tudo a ver com a dimensão da categoria
assistencial, categoria relativa ao real do que é concreto na assistência de
enfermagem.
E, assim, chegamos ao ponto terminal e nos deparamos, ainda, com a necessidade
de precisarmos refletir sobre a utilização dos termos categoriais no interesse
das "linhas de pesquisa" e, também, do "fenômeno do conhecimento", em plano
gnosiológico, e de como se dá, em si e por si, o conhecimento de um assunto em
estudo. E, é quando se coloca em causa e em questionamento a inerência do
conceito de Enfermagem: saber acerca do que é fundamental, se possível
advogando o mesmo conceito como inequívoco, no sentido essencial de sua
pretendida definição em termos de primaz assunto profissional, e como assunto
de questões objetivamente colocadas em plano de estudo investigativo.
Interessa, aqui, e em tais termos, sobre os modos que nos desafiam como
temática e problemática a serem solucionadas, e de tal sorte a atender aos
objetivos de uma dada investigação. Interessa, ainda, e sempre saber, acima de
tudo, de que se trata?
Em que pese o valor do que nos cabe saber-fazer e poder-fazer e da nossa
capacidade hábil na utilização do método de como poderemos nos haver com termos
categoriais na abordagem do assunto, é sem dúvida um propósito e grande desafio
profissional. E, mais importante, é ter sempre em mente a decisiva atenção
sobre como pretendemos enfrentar a causa de nosso espanto, de como contornar a
perplexidade ou motivação da urgente necessidade que nos imprimem as ideias e
as concepções de Enfermagem - seu saber e sua história.
Será que ainda falta alguma coisa, ou mais algum destacado aspecto de nosso
tema em causa? Só Deus sabe! De minha parte, espero ter atendido às
expectativas dos colegas da alta liderança da Enfermagem Brasileira. Agradeço o
convite.
Como citar este artigo:
Carvalho V. Research lines in nursing: phylosophical and epistemological
highlights. Rev Bras Enferm. 2015;68(4):723-9.
*Texto Base para as discussões do "Fórum de Pesquisa e Pesquisadores de
Enfermagem sobre Subsídios para Revisão de Proposta de 2001" – 18º SENPE, –
ABEn Nacional (Fortaleza CE, 30 e 31/05/15).