Características definidoras do diagnóstico de enfermagem "desobstrução ineficaz
de vias aéreas"
INTRODUÇÃO
O sistema de classificação de diagnósticos de enfermagem (DE) da NANDA
Internacional (NANDA-I) é um dos mais divulgados e utilizados mundialmente.
Neste, encontra-se uma padronização da linguagem para que essa possa ser
utilizada no processo, no produto do raciocínio, no julgamento clínico de
problemas reais ou potenciais de saúde e sobre os processos vitais(1).
A utilização de sistemas de classificação como a taxonomia NANDA-I qualifica o
cuidado, dá visibilidade ao processo de trabalho do enfermeiro, contribui para
a organização da prática profissional e gera uma nomenclatura própria(1-2). A
NANDA-I vem constantemente refinando os diagnósticos de enfermagem, enquanto
elemento da prática de enfermagem, e incentiva a realização de estudos para
ampliar sua utilização e aumentar o grau de acurácia de seus elementos.
Em situações clínicas específicas, o processo de inferência diagnóstica pode se
tornar ainda mais complexo e sujeito a incertezas. Os diagnósticos de
enfermagem respiratórios possuem características definidoras comuns, o que pode
contribuir para inferências diagnósticas pouco acuradas(3). Estudos que visem a
melhor definição e aplicação prática destes diagnósticos podem ajudar a tornar
o processo de inferência diagnóstica mais fidedigna.
Esta proximidade entre os diagnósticos de enfermagem pode ser ponto de dúvida
entre avaliadores menos experientes e estudantes de enfermagem. Nesse ponto, a
detecção diagnóstica errônea pode comprometer o restante do processo, levando a
um plano de assistência inadequado e, consequentemente, a resultados
inapropriados para a situação clínica do indivíduo avaliado(4).
O diagnóstico de enfermagem "desobstrução ineficaz de vias aéreas (DIVA)" foi
inserido em 1980, sendo revisado em 1996 e 1998. Faz parte do domínio 11
(Segurança/proteção) em sua 2ª classe (lesão física). Este tem como definição:
incapacidade de eliminar secreções ou obstruções do trato respiratório, para
manter uma via aérea desobstruída(2).
Tal diagnóstico pode ser encontrado tanto em adultos quanto em crianças em uma
multiplicidade de situações clínicas. Uma das principais doenças que ocorre na
primeira infância e que está associada à DIVA é a infecção respiratória aguda
(IRA). A fisiopatologia das IRAs e as propriedades inerentes à população
infantil podem justificar a alta ocorrência desse diagnóstico de enfermagem.
As IRAs são a primeira causa de internação em menores de cinco anos de idade e
terceira em mortalidade, ficando atrás das afecções perinatais e septicemias.
Cerca de 40% das crianças que procuram serviço de saúde estão acometidas por
IRA, a qual é responsável direta ou indiretamente aproximadamente por dois
milhões de óbitos por ano(5). Este dado é influenciado pela condição
socioeconômica da população que se encontra mais exposta a este agravo à saúde,
uma vez que condições insalubres e estados nutricionais inadequados são
importantes fatores de risco para o surgimento, bem como para a resposta imune
inadequada à IRA.
As infecções respiratórias agudas representam variada gama de processos
mórbidos de diferentes etiologias e gravidades que acometem o trato
respiratório. A sintomatologia das IRAs engloba desde tosse, febre, dispneia,
dor de garganta, dor de ouvido, anorexia, coriza nasal, tiragem sub e
intercostal, chiado no peito e até cianose(5-6).
Os diagnósticos respiratórios apresentados por crianças com IRA representam
fenômenos de enfermagem prioritários, pois afetam diretamente a oxigenação
tissular, sendo esta uma função vital. Portanto, problemas de saúde que
acometem os processos de oxigenação tecidual necessitam de intervenções de
enfermagem rápidas e resolutivas.
Com base no exposto, o presente estudo teve por objetivo identificar as
características definidoras (CDs) mais prevalentes, verificando a força da
associação dessas características com o diagnóstico de enfermagem DIVA e
definir quais CDs em conjunto apresentam melhor capacidade de predizer a
ocorrência do diagnóstico.
MÉTODO
Estudo do tipo transversal e analítico, desenvolvido em dois hospitais públicos
pediátricos de uma capital nordestina. Foram incluídas crianças com, no máximo,
5 anos de idade e com diagnóstico médico inicial de IRA. Adotou-se este ponto
de corte para idade devido esta ser a população na qual a IRA encontra-se mais
prevalente, com maior potencial de dados à saúde global do indivíduo. Como
critérios de exclusão, estabeleceram-se: choro intenso com surgimento ou piora
de cianose, bem como comorbidades cardiovasculares e neurológicas que
influenciassem a presença de diagnósticos respiratórios ou que inviabilizassem
a avaliação respiratória. No entanto, nenhum indivíduo inicialmente
identificado para compor a amostra foi excluído do estudo.
Para determinar o tamanho amostral, utilizaram-se as frequências encontradas
para DIVA em um estudo com crianças asmáticas, nas quais DIVA estava presente
em 66,7% dos indivíduos(7). O coeficiente de confiança utilizado foi de 95%, e
o erro amostral absoluto adotado foi de 5,9%. Ao utilizar a fórmula para
cálculo amostral de população infinita, encontrou-se amostra de 249 indivíduos
(8). Estas foram selecionadas de forma consecutiva entre os meses de janeiro a
maio de 2011.
A coleta foi realizada pelo autor, por dois enfermeiros e quatro acadêmicos do
curso de graduação em Enfermagem. Uma oficina de 8 horas foi desenvolvida pelo
pesquisador, para que peculiaridades do instrumento de coleta fossem discutidas
e para que possíveis dúvidas fossem esclarecidas, com vistas a minimizar os
vieses de coleta.
Realizou-se avaliação clínica com enfoque no sistema respiratório. Os dados
gerais sobre o internamento da criança incluíram: sexo (masculino, feminino),
diagnóstico médico, número de internamentos no último ano, idade (meses), tempo
de internamento (dias), renda familiar (reais), número de membros da família,
amamentação (meses), antecedentes familiares para asma (sim, não) e frequência
à creche (sim, não). A avaliação respiratória propriamente dita foi pautada nas
características definidoras do diagnóstico de enfermagem em questão, por meio
de exame físico respiratório detalhado. As informações referentes aos dados
objetivos da avaliação respiratória foram coletadas diretamente com a criança,
ao passo que aquelas de identificação e revisão dos sintomas foram coletadas
com o pai ou a mãe. Outras informações referentes ao internamento foram obtidas
do prontuário, tais como o dia de entrada na unidade hospitalar, diagnóstico
médico e anotações dos profissionais quanto ao estado clínico da criança. Na
vigência de informações contraditórias entre prontuário e pais, foram
consideradas aquelas fornecidas pelos pais.
Foram convidados dois enfermeiros para a realização das inferências
diagnósticas. Eles eram participantes de um núcleo de pesquisas em
diagnósticos, intervenções ou resultados de enfermagem. Tais enfermeiros
participaram de treinamento com duração de 8 horas, no qual foram abordados os
seguintes assuntos: elementos que compõem os diagnósticos de enfermagem
respiratórios, pensamento crítico, raciocínio diagnóstico e inferência
diagnóstica. Após o treinamento, os mesmos foram submetidos a avaliação baseada
na resolução de 12 histórias clínicas fictícias, as quais foram aplicadas três
vezes em ordem aleatória. Ao final, foram verificadas a eficiência (E), taxa de
falso-positivos (TFP), taxa de falso-negativos (TFN) e tendência (T). Os
critérios adotados para considerar a aptidão dos enfermeiros foram: "E" > 0,8;
TFP e TFN ≤ 0,10; T entre 0,8 e 1,2(9). Os dois enfermeiros obtiveram índices
aceitáveis para todos os aspectos avaliados.
Os enfermeiros receberam as informações clínicas referentes a cada criança,
compiladas em uma planilha do software Excel, para que realizassem
individualmente a inferência de DIVA. Nos casos em que houve divergências, os
mesmos foram convidados a discutir os casos até que consenso fosse alcançado.
Os dados foram processados no software IBM SPSS versão 19.0 for Windows.
Análise descritiva foi realizada, explicitando-se as frequências das variáveis
nominais e valores de tendência central (média ou mediana) e de dispersão:
desvio padrão (DP) ou intervalo interquartílico (IQ) para variáveis numéricas,
respectivamente. Utilizaram-se testes de associação entre as variáveis nominais
e a presença do diagnóstico de enfermagem em questão. Para se avaliar a
normalidade dos dados, fez-se uso do teste de Kolmogorov-Smirnov. Utilizou-se o
teste de Mann-Whitney(10) para variáveis numéricas não normais, e o teste T
para diferença de média das variáveis com distribuição normal. Calculou-se a
odds ratio para medir a magnitude do efeito das variáveis independentes sobre a
ocorrência do diagnóstico de enfermagem.
Análise de regressão logística foi realizada com base nas CDs de maior
associação com DIVA. Todas as variáveis que apresentaram valores de p
inferiores a 0,2 foram incluídas no modelo inicial. A análise da adequação do
ajustamento do modelo final foi feita com base no teste de Omnibus. Foi
calculado o coeficiente de determinação do modelo com base no R2 de Nagelkerke
e os valores observados foram comparados aos valores esperados por meio do
teste de Hosmer-Lemeshow. O nível de significância adotado foi de 0,05.
Em observação aos aspectos éticos e administrativos da pesquisa, foram
encaminhados ofícios para a direção das instituições, os quais continham os
objetivos do estudo e período em que seria realizada a coleta das informações,
bem como a metodologia adotada. O projeto foi submetido à apreciação do CEP
(Comitê de Ética em Pesquisa) da instituição proponente, recebendo parecer
favorável. Os responsáveis pelas crianças que compuseram a amostra asseguraram
suas participações no estudo mediante a assinatura do termo de consentimento
livre e esclarecido.
RESULTADOS
Das 249 crianças avaliadas no estudo, 139 (55,8%) eram do sexo masculino
conforme apresentado na Tabela_1. Encontrou-se mediana de idade de 13,76 meses
(IQ = 22,28). O tempo mediano de internamento apresentou mediana de um dia (IQ
= 1,00), e somente 33 (13,3%) crianças frequentavam creche. O tempo médio de
frequência à creche foi de 9,23 meses (DP = 9,76) (dado não apresentado em
tabela).
Tabela 1 Associação entre variáveis sociodemográficas e a presença do
diagnóstico de enfermagem "desobstrução ineficaz de vias aéreas", Fortaleza,
Brasil, 2011
Desobstrução Ineficaz de Vias Aéreas
Presente Ausente Valor de p OR (IC95%)
Sexo
Masculino 124 15 0,976* 0,988(0,44-2,20)
Feminino 98 12
Frequência à creche
Sim 26 7 0,047** 0,868 (0,72-1,04)
Não 196 20
Antecedentes familiares para Asma
Sim 108 6 0,006* 1,133 (1,03-1,23)
Não 107 21
Média dos Postos Valor de p 0,147
Presente Ausente
Idade em meses 122,69 144,00
Dias de internamento 120,99 157,96 0,006
Renda familiar 122,15 120,75 0,923
Número de membros na família 122,85 138,00 0,291
Número de internamentos no último 123,88 124,94 0,929
ano
Meses de amamentação 123,88 124,94 0,631
Tempo que frequenta creche 15,77 21,57 0,169
Notas: *Teste de χ2 de Pearson;
**Teste exato de Fisher;
leste de Mann-Whitney (para média dos postos).
Das pneumopatias investigadas nos familiares até segundo grau, a asma foi a
mais prevalente (46,2%) conforme apresentado na Tabela_1. Já nas crianças
avaliadas, o diagnóstico médico de asma foi encontrado em 44 indivíduos
(17,7%). Dentre as IRAs encontradas, a pneumonia foi a mais frequente, com
79,9%.
O DE em questão apresentou alta prevalência na população estudada. DIVA foi
encontrado em 222 crianças (89,2%). As características definidoras manifestadas
com maior frequência foram: tosse ineficaz (91,3%), ruídos adventícios
respiratórios (77,1%), dispneia (69,3%), mudança na frequência respiratória
(56,6%), ortopneia (54,2%) e expectoração (32,1%) (Tabela_2).
Tabela 2 Associação entre o diagnóstico de enfermagem "desobstrução ineficaz de
vias aéreas" e suas características definidoras, Fortaleza, Brasil, 2011
Características Desobstrução Ineficaz de Vias Aéreas
Definidoras Presente (%) n Ausente (%) Total (%) N = Valor de p OR
= 222 n=27 249 (IC95%)
Agitação
Presente 42 (16,9) 3 (1,2) 45 (18,1) 0,240**
Ausente 180 (72,3) 24 (9,6) 204 (81,9) 1,867(0,53-
6,49)
Cianose
Presente 10 (4,0) 1 (0,5) 11 (4,5) 0,661**
Ausente 212 (85,1) 26 (10,4) 238 (95,5) 1,226 (0,15 -
9,97)
Dispneia
Presente 156 (62,6) 13 (5,2) 169 (67,8) 0,020*
Ausente 66 (26,5) 14 (5,7) 80 (32,2) 2,545 (1,13 -
5,71)
Expectoração
Presente 77 (30,9) 4 (1,6) 81 (32,5) 0,017*
Ausente 145 (58,2) 23 (9,3) 168 (67,5) 4,071 (1,18 -
13,99)
Mudança na frequência
respiratória
Presente 128 (51,4) 13 (5,2) 141 (56,6) 0,346*
Ausente 94 (37,8) 14 (5,6) 108 (43,4) 1,466 (0,65-
3,26)
Mudança no ritmo
respiratório
Presente 14 (5,6) 1 (0,5) 15 (6,1) 0,499**
Ausente 208 (83,5) 26 (10,4) 234 (93,9) 1,750 (0,22-
13,85)
Olhos arregalados
Presente 1 (0,5) 0 1 (0,5) 0,892**
Ausente 221 (88,7) 27 (10,8) 248 (99,5) 0,891 (0,85-
0,93)
Ortopneia
Presente 127 (51,0) 8 (3.3) 135 (54,3) 0,006*
Ausente 94 (37,9) 19 (7,8) 113 (45,7) 3,209 (1,34-
7,64)
Ruídos adventícios
respiratórios
Presente 190 (76,3) 2 (1,0) 192 (77,3) < 0,001*
Ausente 32 (13,0) 25 (9,7) 57 (22,7) 74,219 (16,75-
328,71)
Sons respiratórios
diminuídos
Presente 28 (11,2) 14 (5,6) 42 (16,8) < 0,001**
Ausente 194 (77,9) 13 (5,3) 207 (83,2) 0,134 (0,05-
0,31)
Tosse ausente
Presente 5 (2,5) 2 (1,0) 7 (3,5) 0,169**
Ausente 217 (87,2) 25 (9,3) 242 (96,5) 0,288 (0,05-
1,56)
Tosse ineficaz
Presente 213 (85,5) 8 (3,2) 221 (88,7) < 0,001**
Ausente 5 (2,5) 16 (8,8) 21 (11,3) 85,200 (24,96-
290,74)
Vocalização
dificultada
Presente 14 (5,6) 0 14 (5,6) 0,191**
Ausente 208 (83,5) 27 (10,9) 235 (94,4) 0,885 (0,84-
0,92)
Notas: *Teste de χ2 Pearson;
**Teste exato de Fisher; OR – odds ratio; IC - intervalo de confiança.
Encontrou-se associação entre crianças que não frequentavam creche e a presença
de DIVA (p = 0,047). As crianças que não frequentavam creche apresentaram
chance 14% menor de desenvolver o diagnóstico. Ter antecedentes familiares de
asma aumentou em 13% a chance de desenvolver DIVA (p = 0,006). Além disso,
crianças com a presença de DIVA apresentaram média dos postos menor, ou seja,
menor tempo de internamento (p = 0,006). Estes dados estão detalhados na Tabela
1.
Encontraram-se as seguintes CDs com associação significante: dispneia (p =
0,020), expectoração (p = 0,017), ortopneia (0,006), ruídos adventícios
respiratórios (p < 0,001), sons respiratórios diminuídos (p < 0,001) e tosse
ineficaz (p < 0,001). Para as CDs expectoração, ortopneia, dispneia e tosse
ineficaz, as crianças apresentaram respectivamente chance de 4, 3, 2 e 85 vezes
maior para desenvolver DIVA. Crianças com sons respiratórios diminuídos
manifestaram redução na chance de manifestar DIVA em torno de 87% (Tabela_2).
A Tabela_3 apresenta o modelo de regressão logística com melhor ajuste para a
predição de DIVA. Por esse modelo, três características definidoras auxiliam na
classificação correta de 90% dos indivíduos suspeitos de serem portadores de
DIVA (R2 = 0,901): sons respiratórios diminuídos, tosse ineficaz, e ruídos
adventícios respiratórios. Este modelo apresentou bom ajuste geral (teste de
Omnibus, p < 0,001), com valores esperados similares aos observados (teste de
Hosmer-Lemeshow, p = 0,197). Segundo o modelo, a probabilidade de ocorrência de
DIVA é maior entre indivíduos que apresentam ruídos respiratórios adventícios e
tosse ineficaz, e ausência de sons respiratórios diminuídos.
Tabela 3 Regressão logística para o diagnóstico "desobstrução ineficaz de vias
aéreas" em crianças com Infecção Respiratória Aguda, Fortaleza, Brasil, 2011
Coeficiente E.P χ2 Valor de OR IC 95%
p Mínimo Máximo
Sons respiratórios -2,299 0,712 10,416 < 0,001 0,100 0,025 0,405
diminuídos
Tosse ineficaz 1,912 0,453 17,826 < 0,001 6,764 2,785 16,430
Ruídos adventícios 3,818 0,897 18,125 < 0,001 45,513 7,848 263,934
respiratórios
Teste Hosmer- Sig Teste de Omnibus Sig R2 de Nagelkerke
Lemeshow
3,253 0,197 272,586 < 0,001 0,901
Notas: χ2 - Qui-quadrado; OR – odds ratio; IC - intervalo de confiança; Coef -
coeficiente da variável; E.P - erro padrão; Sig - valor de p; R2- coeficiente
de determinação.
DISCUSSÃO
O DE em estudo apresentou alta prevalência na população de crianças com IRA
estudada. Esse achado corrobora o encontrado na literatura. A presença de DIVA
pode ser justificada pelas características da própria doença de base, em que se
tem a produção de secreção no trato respiratório. Outros fatores que podem
influenciar na maior ocorrência deste DE são características da população
infantil: via aérea mais estreita e propensão à retenção da secreção,
aumentando-se assim a potencialidade de complicação do processo infeccioso
(7,11).
Dentre os indicadores clínicos de DIVA, encontraram-se outros fatores que podem
influenciar a ocorrência deste DE em crianças com IRA, como frequência a
creche, história familiar de asma e dias de internamento. A minoria das
crianças frequentava creche (13,2%), o que pode ser justificado tanto pela
baixa idade das crianças quanto pelo nível sociodemográfico das famílias. A
frequência à creche é importante fator de risco para IRA na faixa etária pré-
escolar. Das crianças que frequentavam creche no presente estudo, estas o
faziam há 9,23 meses em média. A não frequência à creche apresentou-se como
fator protetor para DIVA, chance 14% menor(12).
Além das IRAs, observou-se que a Asma foi a segunda doença mais frequentemente
encontrada. Ressalta-se que a IRA é uma das principais causas de complicação de
um quadro asmático de base, o qual, por sua vez, é fator de complicação dos
casos de IRA. O broncoespasmo, característico das crises asmáticas, diminui a
luz das vias aéreas menores, dificultando, dessa forma, a expectoração. Inicia-
se, assim, um processo de retenção das secreções(13).
A ocorrência de asma, principalmente na primeira infância, possui importante
fator hereditário envolvido. A associação encontrada entre história de asma em
familiares de até segundo grau e a ocorrência de DIVA (p = 0,006, OR=1,13) pode
ser justificada pelo próprio desencadeamento da doença em que indivíduos
asmáticos possuem maiores chances de complicações de quadros infecciosos
respiratórios(7).
Como a IRA é uma afecção aguda e o quadro clínico das crianças pode mudar
rapidamente, optou-se por avaliar as crianças nos primeiros dias de
internamento. Observou-se que, na proporção que o tempo de internamento
aumentava, a presença de DIVA (0,006) diminuía. Por se tratar de uma morbidade
aguda, muitas vezes as primeiras medidas de tratamento para a IRA são
instituídas rapidamente, e o quadro clínico das crianças melhora nos primeiros
dias, na maior parte das vezes(14).
A CD "tosse ineficaz" apresentou alta frequência no presente estudo. Nesse
ponto, vale destacar que o sistema respiratório, bem como outros sistemas, na
criança encontra-se com certo grau de imaturidade(14). Portanto, a resposta do
sistema respiratório da criança à presença de secreção na via aérea pode ser
deficiente, dificultando sua mobilização por meio da tosse.
A presença dessa CD conferiu à criança chance 85 vezes maior de manifestar
DIVA. Esse achado é confirmado na literatura, porém com variações quanto à
magnitude, a qual pode ser justificada por características próprias da
população estudada(6,9). Outra CD que apresentou alta frequência no presente
estudo e em diversos outros encontrados na literatura foi "ruídos adventícios
respiratórios". A presença dessa CD é indicativa da existência de secreção na
via aérea e pode gerar ruídos como crepitações, roncos e/ou sibilos, a depender
da característica e da localização da secreção na árvore traqueobrônquica. Essa
CD apresentou chance 74 vezes maior para a ocorrência de DIVA; outros estudos
ratificam este achado(7,11).
A CD "dispneia" foi encontrada em aproximadamente dois terços das crianças
avaliadas, configurando-se como importante indicador clínico para DIVA. Essa CD
é conceituada como dificuldade respiratória e é indicativa de vários problemas
respiratórios. Com a presença de secreção na membrana alveolocapilar, o
organismo aumenta a ventilação pulmonar para suprir a deficiência na difusão
dos gases. Esse aumento na ventilação ocorre mediante elevação da frequência e
profundidade respiratória, com acionamento da musculatura acessória da
respiração.
Assim, após o disparo desses mecanismos de compensação da função respiratória,
o indivíduo apresenta sensação de desconforto respiratório, e tais sinais são
representativos de dispneia. Muitas vezes, em crianças, a dispneia percebida é
de difícil avaliação. Nessas situações, o aspecto observado da dispneia tem
maior importância.
No presente estudo a ocorrência da CD "dispneia" conferiu risco 2,5 maior para
o desenvolvimento de DIVA. Esse achado é corroborado por estudo realizado com
crianças asmáticas, encontrando-se, ainda, valor moderado de sensibilidade e
especificidade para DIVA. Esse dado reforça o raciocínio de que tal CD é
secundária a diversas alterações respiratórias, não guardando relação
específica com doenças obstrutivas ou de comprometimento do processo de difusão
dos gases.
A ortopneia foi outra CD com frequência elevada na amostra estudada. Essa CD
constitui um tipo de dispneia em que a criança evolui com melhora do
desconforto respiratório ao assumir posição de elevação do tórax. Quando a
criança eleva o tórax diminui a carga gerada pelo peso da própria parede
torácica, facilitando assim o aumento da expansibilidade pulmonar. Achados
similares são encontrados na literatura específica(7,11,15).
A CD "expectoração" é frequentemente encontrada em crianças que manifestam
DIVA. Neste estudo, essa característica foi considerada como presente nas
situações em que a expectoração encontrava-se presente espontaneamente ou
mediante intervenções para fluidificação e atividades fisioterápicas. Vale
destacar que a minoria das crianças apresentava expectoração espontânea(11,16).
Na população pediátrica, o processo de expectoração é dificultado pelo
estreitamento da via aérea e pela incapacidade da criança de expelir pela boca
a secreção proveniente do trato respiratório. Muitas vezes, as crianças engolem
a secreção, que alcança a porção inferior da faringe, acarretando quadro
diarreico associado. Portanto, problemas na expectoração são importantes
preditores de gravidade, podendo indicar retenção de secreções, sobremaneira
nas crianças menores de 2 anos(14).
A presença desta CD aumenta a chance da criança desenvolver DIVA em quatro
vezes. Achado semelhante também é encontrado em estudos na literatura em que um
terço dos indivíduos avaliados apresentou essa CD(11). Já em estudo realizado
com crianças asmáticas, a expectoração estava presente em 50% dos casos e
apresentou chance seis vezes maior para a ocorrência de DIVA(7).
Outra CD que apresentou associação estatística com a presença de DIVA foi "sons
respiratórios diminuídos", porém se mostrou como fator protetor para a
ocorrência de DIVA (p <0,001; OR=0,134). Na população estudada, essa CD
encontra-se presente, principalmente, nos casos de complicação do processo
infeccioso, ocorrendo o acometimento da membrana pleural. Formam-se coleções
purulentas no espaço pleural. Tal processo é denominado derrame pleural
infeccioso.
Essa ocorrência dificulta a ausculta dos sons pulmonares de duas formas:
primeiramente, existindo líquido infeccioso no espaço pleural, a depender da
quantidade, o mesmo pode dificultar a expansibilidade pulmonar, alterando-se
assim a ausculta; e a presença de material extra na cavidade pleural, que
fisiologicamente é virtual devido à proximidade entre a pleura visceral e
parietal, impede a ausculta de murmúrios vesiculares por funcionar como
isolante acústico.
As CD "sons respiratórios diminuídos", "tosse ineficaz" e "ruídos adventícios
respiratórios", além de apresentarem associação estatística separadamente com
DIVA, também traz uma relação conjunta que aumenta a probabilidade (poder de
predição de 90%) de se classificar corretamente crianças com DIVA.
CONCLUSÃO
O diagnóstico de enfermagem DIVA apresentou alta prevalência neste estudo,
89,2% das crianças avaliadas. As características definidoras mais prevalentes e
associadas estatisticamente com DIVA foram: dispneia, expectoração, ortopneia,
ruídos adventícios respiratórios, sons respiratórios diminuídos e tosse
ineficaz. Dentre elas, sons respiratórios diminuídos, tosse ineficaz e ruídos
adventícios respiratórios compuseram o modelo de regressão logística com o
melhor ajustamento e maior poder de predição, confirmando a relevância destas
para a ocorrência de DIVA.
Conhecer como se apresentam os indicadores clínicos de DIVA em populações
específicas, como a pediátrica, pode ajudar os enfermeiros no processo de
inferência diagnóstica. Identificar o quanto cada característica definidora
encontra-se associada ou é representativa de DIVA é outro ponto de grande
relevância.
Os indicadores clínicos associados à avaliação respiratória exibem espectros
variados de ocorrência, assim como DIVA. Sugere-se, para realização de futuros
estudos, que se qualifiquem em graus variados tais indicadores, para que se
possa determinar de forma mais acurada o grau de comprometimento respiratório
da criança.
O processo de inferência diagnóstica ainda foi permeado por subjetividade,
embora se tenha realizado um treinamento em que se avaliaram aspectos
referentes à qualificação dos enfermeiros diagnosticadores.
Como citar este artigo:
Chaves DBR, Beltrão BA, Pascoal LM, Oliveira ARS, Andrade LZC, Santos ACB,
Moura KKM, Lopes MVO, Silva VM. Defining characteristics of the nursing
diagnosis "ineffective airway clearance". Rev Bras Enferm [Internet]. 2016;69
(1):92-8.