A gestão situacional (em saúde) e a organização comunicante
Introdução
O motivo central deste trabalho é analisar a lógica da teoria
macroorganizacional do Planejamento Estratégico-Situacional (PES), na medida em
que a mesma pode informar uma dada estratégia de desenvolvimento de uma
organização comunicante. Assumimos este tipo de organização como um modelo
ideal para organizações profissionais de saúde, considerando algumas
características particulares de seus processos de trabalho e de sua estrutura
de poder. A análise, que aqui fazemos, do desenvolvimento de formas de gestão
descentralizada de estabelecimentos sanitários insere-se no âmbito empírico-
organizativo de uma investigação mais ampla, voltada para a afirmação de um
enfoque lingüístico ou comunicativo da gestão em geral.
Neste trabalho, procuramos, todavia, fazer uma primeira aproximação ao conceito
de cultura institucional, fenômeno que define, em última análise, as
possibilidades de atuação transformadora sobre uma organização. A constituição
de um tipo de organização racionalizada implica o desafio crucial de ter que se
ver com a questão da cultura. O como agir visando a enfrentar uma dada cultura
resistente à mudança estará aqui implícito. A necessidade de definir melhor
essa abordagem suscita o início de uma problematização que esperamos
sistematizar no futuro, na perspectiva de dispormos de novos instrumentos de
trabalho para uma modelagem transformadora.
Acreditamos que com estas linhas contribuiremos para a realização de uma
atualização dos conteúdos do momento tático-operacional do PES, que concernem
particularmente à implantação de um modelo de direção ou de gestão, e para
polemizar com aquelas correntes que sustentam que esse modelo é instrumental ou
muito diretivo. Uma determinada leitura, que busca captar elementos de um
paradigma comunicativo no interior dessa proposta, reposiciona essa construção,
imunizando-a contra críticas ligeiras. Os vazios de construção são também
apontados como é a questão do trabalho com cultura no intuito de definir
uma perspectiva mais abrangente de intervenção no campo da racionalização
gerencial.
Estratégia de desenvolvimento de uma organização comunicativa
A modelagem organizacional ou intervenção com vistas à mudança supõe sempre uma
situação-objetivo ou um modelo ideal de organização.
Para Carlos Matus, ideólogo do PES, o modelo de uma organização racional
corresponde, na nossa interpretação, a uma organização planejada, criativa,
participativa e responsável.
Para Bartoli (l992), essa situação-objetivo se identifica com o formato
"de uma organização comunicante de comunicação organizada".
A organização que se pretende comunicante deve apresentar determinadas
características:
· Aberta, para se comunicar com o exterior (meio), em emissão e recepção
interativas.
· Evolutiva, quer dizer, nem rotineira nem excessivamente formalista para
manejar a evolução e o imprevisto.
· Flexível, para permitir uma dose oportuna entre comunicação formal e
informal.
· Com finalidade explícita, para proporcionar um fio condutor para a
comunicação formal.
· Responsabilizante para todos, a fim de evitar a busca de um poder
artificial por parte de alguns mediante a retenção de informação.
Uma organização comunicante deve apoiar-se em uma comunicação organizada, dada
a inseparabilidade entre comunicação e organização. A comunicação deve
apresentar, nesta perspectiva, algumas características:
· Deve ter uma finalidade, ou seja, deve estar vinculada a objetivos e a um
plano de conjunto.
· Deve ser multidirecional, isto é, de cima para baixo, de baixo para cima,
transversal, interna-externa.
· Deve estar instrumentada e utilizar-se de ferramentas, suportes,
dispositivos, indicadores selecionados em função dos objetivos.
· Deve estar adaptada, integrando sistemas de informação administráveis,
administrados e adaptados às necessidades específicas de cada setor levando
sempre em conta a cultura do meio.
· Deve ser flexível, para integrar o informal e criar estruturas que o
favoreçam.
Como antecipamos, uma análise das características das organizações sanitárias,
considerando a tipologia organizacional de Mitzberg, sugere uma forma de gestão
setorial baseada na negociação e comunicação intensivas, em formas flexíveis e
descentralizadas de estrutura, no desempenho de colegiados de gestão como
lugares de consenso e em uma autonomia importante para os centros operadores.
Esta questão será analisada com maior profundidade mais adiante. Queremos aqui
apenas frisar que as características desse enfoque de gestão tendem a coincidir
com os atributos de uma organização comunicante (que não se diferenciam
significativamente das características da organização racional matusiana).
A questão que se coloca aqui é a de criar uma estratégia que permita pensar o
alcance dessa situação-objetivo. Exploraremos o PES.
Para a Teoria Macroorganizacional de Matus (l994a), os componentes básicos
(regras) de uma organização são quatro:
· A direcionalidade, que corresponde à missão, às funções de uma organização.
· A departamentalização, que equivale à transformação da direcionalidade em
formas organizativas específicas, constituídas por sistemas de produção
terminal e intermediária que se relacionam em uma determinada rede, com
mecanismos de coordenação e de comunicação definidos.
· A governabilidade, que expressa a distribuição do poder administrativo
(recursos críticos necessários ao exercício das funções atribuídas às unidades
de produção) e das competências dos vários níveis organizativos.
· A responsabilidade, que explicita a forma como são atribuídas ou
distribuídas as responsabilidades, e o modo como as mesmas são cobradas.
Tudo indica que a existência de uma forte vinculação entre as primeiras regras
(sugerindo uma inseparabilidade) leva Matus a limitar-se a trabalhar
conclusivamente com as regras de direcionalidade, de governabilidade e de
responsabilidade. Estas regras traduzir-se-iam em determinados sistemas ou
acumulações organizativos. A direcionalidade se expressaria no sistema de
agenda e nas estruturas organizativas. A governabilidade o faria através do
sistema de competências internas, do sistema de regulação e de alocação de
recursos, dos sistemas de coordenação e de informação/comunicação, das
instâncias de governo em cada nível, das metodologias e formas de gestão, enfim
daquilo que Matus engloba no(s) sistema(s) de gerência. A responsabilidade
encarnaria no sistema de petição e prestação de contas e na cultura
organizativa que lhe é pertinente.
As relações existentes entre estas regras são, para Matus, de mútuo
condicionamento, predominando em última instância a responsabilidade (regra
decisiva)
De acordo com a direcionalidade, as organizações poderiam ser adequadas ou
inadequadas, dependendo de a oferta institucional se ajustar ou não a uma
demanda social. Segundo a governabilidade, as organizações poderiam ser
centralizadas ou descentralizadas, refletindo a relação entre o valor dos
problemas e a competência para enfrentá-los (nas organizações centralizadas os
níveis periféricos não teriam a competência e o acesso aos recursos críticos
necessários ao enfrentamento de problemas de alto valor que se apresentam). E
de acordo com a responsabilidade, as organizações poderiam ser de baixa ou alta
responsabilidade, em função da clareza e organicidade da atribuição e cobrança
de responsabilidades.
A qualidade da gestão, para esse autor, depende da natureza do jogo
organizativo, definido pela situação das regras básicas.
O funcionamento destas regras configura um determinado "triângulo de
ferro" ideal ou negativo, caracterizado por um determinado tipo de formato
assumido pela interação agenda/sistema de gerência, sistema de prestação de
contas as traduções finalísticas da direcionalidade, da governabilidade e da
responsabilidade, respectivamente.
Em um sentido ideal, a petição de contas por problemas e resultados
(primariamente da ambiência externa) cria a necessidade de uma planificação
sistemática no escritório do dirigente máximo e isto contribui para uma
racionalização de sua agenda, que destaca os problemas importantes. Cria-se,
assim, uma demanda geral por planificação nos organismos públicos, que abre a
oportunidade da gerência (descentralizada) por operações como processo
criativo. A gerência por operações cria a possibilidade prática da planificação
descentralizada e a possibilidade de prestar contas por problemas e resultados.
A petição e prestação de contas motiva uma melhor qualidade da agenda, da
planificação, da gerência etc.
Aqui, é importante destacar que a racionalização da agenda do dirigente é um
estímulo indireto para a descentralização de problemas não necessariamente
classificados como de alto valor para essa agenda. Por outro lado, é necessário
precisar que Matus concebe a planificação como inseparável da gestão (esta
última corresponderia à condução na conjuntura orientada por um plano
estratégico ou ao momento tático-operacional do PES). Desta maneira, a demanda
por um determinado tipo de planejamento caracterizado pela criatividade pode
significar a transmissão dessa característica ao sistema de gestão, pois este
transformaria na concepção matusiana os módulos do plano em módulos de
gerência. Criatividade é um termo-chave no autor. Ele denota o processamento
intensivo de problemas em uma rede de comunicação motivada e motivadora, um
processo sistemático (articulando vários critérios de cálculo), totalizador e
rigoroso. Conota, ainda, a definição/ou processamento de macrounidades de ação
que enfrentarão esses problemas dentro de um desenho não rígido (as operações)
e uma preocupação com a adequação estratégica do plano por operações e com a
criação de dispositivos de gestão que o viabilizem organizativamente. Este tipo
de processamento criativo é função, para o autor, de estar enfrentando
problemas de alto valor (importantes para o cumprimento de funções) e quase-
estruturados (de variáveis não completamente conhecidas ou consensuais). A arte
de dirigir, como se verá mais adiante, depende de sempre distribuir para todos
os níveis problemas de alto valor ou distribuir as capacidades de enfrentamento
dos mesmos. Isto suscitaria a necessidade de um tratamento não rotineiro.
Criatividade e descentralização assim se confundem. Por fim, não haveria, para
o autor, problemas completamente óbvios que dispensassem a criatividade, uma
espécie de pulsão elaborativa de transformação.
Em um sentido negativo, a baixa responsabilidade (traduzida por mecanismos
frouxos de atribuição e de cobrança de responsabilidades) gera um triângulo de
ferro que opera da seguinte maneira:
· Não há um sistema operativo de solicitação e de prestação de contas
(predomina a irresponsabilidade);
· não há uma conformação racional da agenda (nesta predominam a improvisação,
as rotinas e emergências);
· o sistema de gerência é tradicional, ou seja, este sistema não está voltado
para o processamento de problemas e operações, para a análise, implementação e
monitoramento de produtos e resultados prioritários, mas circunscrito ao
controle de cumprimento de rotinas processuais.
O triângulo de ferro é um instrumento conceitual que pretende dar conta das
relações que se estabeleceriam entre os principais sistemas organizativos,
reforçando sua mútua dependência, e que possibilita pensar a intervenção sobre
uma organização no sentido transformador.
Preocupados com este aspecto da extrema vinculação existente entre todas as
regras organizacionais, gostaríamos de apontar aqui algumas ilustrações:
· A departamentalização específica depende da missão, a qual define as
tecnologias ou formas de realização (organização) do trabalho, que condicionam
a estrutura organizativa;
· uma indefinição da missão implica a impossibilidade de definir as
competências internas, o que se traduz em ingovernabilidade;
· a cobrança social estimula ou permite a adequação da missão, mas a missão
determina o que vai ser objeto de cobrança internamente;
· a cobrança social gera o tipo de circuito relatado, pertinente à dinâmica
positiva do triângulo de ferro (redundando, por exemplo, em uma gerência
descentralizada);
· uma maior governabilidade (traduzida pela descentralização) facilita a
avaliação de responsabilidades;
· uma baixa responsabilidade pode anular uma missão claramente definida ou o
exercício de um sistema de competências que aponte para a descentralização.
É difícil depreender desta malha de relações as regras mais importantes. As
considerações anteriores apontam para a missão e a responsabilidade como
determinantes básicos. Matus, extremamente preocupado em explicar as
insuficiências do planejamento, opta por priorizar a responsabilidade, que
estabeleceria, em última instância, o grau de adequação da missão e uma
determinada demanda por racionalização gerencial.
Afirmamos acima que a lógica do triângulo de ferro ajuda a pensar a mudança.
Neste sentido, a estratégia globalista de transformação preconizada pelo PES,
de atacar simultaneamente todas as regras no contexto de uma reforma
administrativa vertical, é a resultante natural da compreensão das inter-
relações que caracterizam o funcionamento daquelas. Esta reforma administrativa
se opõe à reforma horizontal, definida pela tentativa de reforma de um único
sistema. Matus afirma que, dada a mútua suposição dos sistemas, a mudança em um
único sistema organizativo tende a retroagir ao estado anterior de estabilidade
medíocre, implicando apenas dados de fachada ou significando a introdução de
sistemas meramente ritualísticos.
Esta estratégia globalista é confirmada por Bartoli (1992), preocupada
basicamente com a introdução de um plano de comunicação. A inseparabilidade dos
termos comunicação e organização e a dependência de ambos de uma estratégia
política global e das características sócio-culturais da organização (poder e
sistemas de idéias e valores) sugerem um projeto abrangente que equacione todos
estes aspectos coordenadamente. Como a autora afirma: "La acción combinada
sobre organización y comunicación apunta a obtener efectos positivos en el
plano económico y en el social. Un objetivo de esa naturaleza puede traducirse
mediante elecciones explícitas de estratégia interna plasmadas en planos de
acción, mediante la mejora de los comportamientos de los principales
comunicadores (los cuadros superiores especialmente), mediante la
restructuración de sectores de trabajo para facilitar la concertación y la
creación de dispositivos de intercambio (grupos de trabajo) y mediante la
búsqueda de un mínimo de cohesión cultural para sentar la viabilidad de la
gestión en la implicación de la mayor cantidad de actores posible" (pág.
202).
A estratégia de reforma administrativa do PES implica a criação de um sistema
de direção estratégica ou de gestão, constituído por vários subsistemas
articulados em torno das três pontas do triângulo:
· O sistema de solicitação e de prestação de contas articula um sistema de
monitoramento estratégico;
· o sistema de gerência descentralizado articula um sistema de planejamento
ad-hoc e um sistema de orçamento-programa;
· o sistema de agenda articula uma unidade de processamento técnico-político
(UPTC), ligada na cúpula ao processamento de problemas do sistema de
planejamento em geral.
A estratégia de implantação desse sistema geral supõe uma seqüência geral, qual
seja: 1) a necessidade de um centro de treinamento, enquanto um sistema básico
capaz de propiciar a introdução das práticas e sistemas referidos, através da
modificação das estruturas mentais; 2) a introdução da lógica do planejamento
por problemas e, simultaneamente, da conformação racional da agenda. Uma outra
onda transformadora suporia 3) o desenvolvimento do sistema de monitoramento e
4) o desenvolvimento do sistema de prestação de contas, estes últimos baseados
nos dados do plano por problemas. Finalmente, seria enfrentada 5) a
transformação das formas organizativas.
A nossa preocupação agora passa a ser ajudar a precisar as diretrizes e
características do sistema de gerência descentralizado, que se confunde,
segundo nosso ponto de vista, com um tipo de estratégia ou de gestão voltada
para o desenvolvimento de uma organização comunicante.
Três princípios de organização do PES podem nos ajudar nesta tarefa: o
princípio da responsabilidade, o princípio da descentralização e o princípio da
subordinação das formas organizativas às práticas de trabalho e destas às
estruturas mentais.
O princípio da responsabilidade estabelece que "uma instituição está
sujeita a regras de alta responsabilidade se nela ninguém está isento de
prestar e pedir contas de forma sistemática sobre seu desempenho real em
relação aos compromissos assumidos" (Matus, l994, trad. nossa). Este
princípio determina que, sem responsabilidade, não há planificação, sugerindo
que o processo de planejamento se estabelece quando os dirigentes e
trabalhadores são submetidos a algum tipo de cobrança sistemática. Sem a
pressão da cobrança, não haveria estímulo para a planificação. A definição
inicial deixa transparecer, por outro lado, que a prestação de contas se
estabelece sobre compromissos assumidos, dando lugar à interpretação de que a
prestação de contas supõe a plena participação no processo de adoção de
compromissos por parte do sujeito-objeto da cobrança (e a constatação de que
entre planejamento e prestação de contas existe uma relação circular). Veremos
a seguir que a adoção de compromissos com base no processamento de problemas,
nos moldes do PES, é um processo orientado pela busca da criatividade inerente
ao princípio da descentralização.
Este segundo princípio da descentralização reza o seguinte: "Ningun
problema cuasiestructurado debe ser procesado en un nível en que reciba un
tratamiento rutinario, todo problema debe ser procesado creativamente. Si un
problema recibe un trato rutinario porque tiene bajo valor en ese nível, debe
descender en la estructura macroorganizativa hasta el nível descentralizado en
que tenga alto valor y pueda ser tratado creativamente. Todo problema debe ser
enfrentado en aquel nível en que tiene alto valor. Cada nível jerárquico
organizativo debe tener gobernabilidad sobre los problemas de alto valor que lo
afectan, salvo el caso de los problemas que puden disolverse eficazmente en un
espacio mayor". A complementação deste princípio, em relação aos problemas
bem estruturados, é o seguinte: "Todo problema bien estructurado debe
descentralizarse mediante normatización" (Matus, l994a).
O confronto destes dois princípios permite concluir que, sem responsabilidade,
não há planificação e que, sem planificação, não há disciplina criativa. Neste
sentido, a outra face do princípio da responsabilidade é a criatividade. Matus,
na obra citada, afirma que "a responsabilidade obriga à criatividade e a
criatividade obriga à descentralização". O manejo descentralizado de
informação e a participação no processo decisório fazem parte daquelas
condições básicas de uma organização responsabilizante para todos que evita
monopólios de poder.
O segundo princípio mencionado precisa ser complementado com definições sobre a
estrutura de poder e sobre as características do sistema de gerência por
operações, de modo a se ter uma visão mais precisa das bases do modelo
matusiano de gestão.
Na parte referente às regras de governabilidade da Teoria das Macoorganizações,
Matus (l994a) sustenta: "El poder concentrado mata la creatividad y la
capacidad de respuesta oportuna del sistema ante los cambios de la realidad y
las oportunidades. El poder concentrado enfatiza las relaciones jerárquicas de
dependencia, mientras que la distribución del poder enfatiza las relaciones de
coordinacion. A su vez, el poder concentrado acumula en la cúspide innumerables
problemas de bajo valor en ese nível, pero de alto valor en la base. En cambio,
el poder bien distribuído permite que, en cada nivel organizativo, sólo se
trabaje con problemas de alto valor. La importancia de esto es óbvia, pues la
velocidad y la criatividad en el enfrentamiento de los problemas depende del
valor que ellos tienen para qien tiene el poder de resolverlos".
No Guia Teórico do PES, Matus (l994b) define as funções e as características do
Sistema de Gerência por Operações. Este sistema objetivaria
"descentralizar o cumprimento das missões, criando espaços institucionais
de autonomia circunscrita às diretrizes superiores do sistema de direção.
Dentro deste espaço a gerência por operações tem plena liberdade para
desenvolver sua criatividade a serviço do cumprimento da missão recebida".
As características do sistema seriam as seguintes:
· É um sistema particular de gerência por produtos e resultados (gerência por
objetivos) que assume os módulos do plano por problemas como módulos de
gerência e que exige a avaliação por resultados.
· Está articulado a um Orçamento-programa.
· Permite a prestação de contas por problemas, por operações e por resultados
dessas operações.
· Exige como suporte um sistema de informação (monitoramento) por problemas e
operações.
· É um sistema descentralizado.
Propõe-se, por conseguinte, um modelo de gestão criativo (ou articulado a um
planejamento estratégico por problemas) baseado em estruturas flexíveis,
descentralizadas, intensivas em comunicação vertical e, prioritariamente, em
comunicação horizontal, lateral. Este modelo estaria indissoluvelmente ligado à
responsabilização.
É importante esclarecer que esse sistema de gerência assume como produtos as
metas das operações voltadas para determinados problemas (em um recorte
seletivo). Neste sentido, ele é a dimensão de matricialidade de um sistema mais
amplo de gerência por produtos, em que estes se confundem com as missões
assinadas. De acordo com este entendimento, os gerentes de projetos ou de
operações podem contribuir para integrar várias unidades de trabalho definidas
por produtos homogêneos, tendo em vista que os problemas das operações podem
atravessar aquelas. Os problemas a que as operações visam definem-se como
obstáculos ao cumprimento de uma missão ou de um conjunto. Nesta medida, a
gerência por problemas se confunde com o gerenciamento da produção terminal,
sobre a qual estaria concentrada a dinâmica PES.
O terceiro princípio fundamental da Teoria das Macroorganizações é o da
subordinação das formas organizativas às práticas de trabalho e destas, por sua
vez, às estruturas mentais.
Matus afirma que as formas organizativas podem ser mudadas formalmente sem que
isto importe em modificações das práticas de trabalho e vice-versa, sendo que o
mais importante é a qualidade das práticas de trabalho, concebidas como as
formas de realização dos processos de produção intermediária e terminal, os
microprocessos administrativos e as conversações organizativas (os componentes
básicos da organização do ponto de vista dos fluxos de produção social).
O autor referido sustenta que uma macroadequação organizacional implica
prioritariamente pensar os produtos organizacionais, a rede de produção
institucional. As formas organizativas devem adaptar-se ao desenho da rede de
produção, elas são formas condicionadas por esse desenho. Assim, no texto El
Método PES, Reingenieria Pública y la Teoria de Las Conversaciones, Matus
(l994c) dirá: "Una vez que el proceso está rediseñado y son claras sus
prácticas de trabajo, la forma de la estructura organizativa es evidente... Las
prácticas de trabajo que caracterizan cada processo determinan el organigrama
más eficaz y no a la inversa".
Pensando basicamente na modificação das práticas de trabalho ligadas à produção
intermediária: direção e planejamento, Matus sustenta em sua Teoria
Macroorganizativa que as estruturas mentais (que condicionam uma gerência
tradicional) podem ser mudadas através da teoria e do treinamento e que as
práticas de trabalho específicas podem mudar através da introdução dos sistemas
de direção já referidos prévio treinamento.
Duas exigências são colocadas por este princípio: a) a de pensar a organização
em termos dos seus produtos e da responsabilidade pelos mesmos; b) a de
organizar uma estratégia de treinamento formal e informal que, adscrita às
práticas de trabalho e tendo um caráter permanente, possa influenciar
decisivamente as estruturas mentais (concebidas como cultura institucional).
A análise conjugada e dinâmica desses três princípios põe em evidência o
sentido comunicativo da proposta matusiana. A centralidade assumida na proposta
de uma gerência descentralizada por uma sistemática de planejamento estratégico
concebida como um lugar de problematização em grupos de trabalho
representativos (policêntricos) define os espaços de comunicação basilares. As
palavras-chave aqui são o "processamento sistemático de problemas e
soluções" e o "processamento criativo em grupo".
Em segundo lugar, a idéia de uma responsabilização para todos implica, além da
clara assunção de compromissos gerados participativamente, um tipo de
monitoramento que se baseia em algumas características básicas definidas pelo
Manual Altadir de Monitoramento (Matus, l994d). Este sistema de informação
teria que ser:
· Em tempo eficaz, para não marchar a reboque dos fatos e permitir a
retroalimentação da ação;
· seletivo, no sentido de conter especificamente os dados necessários ao
plano de ação;
· de fluxo horizontal, no sentido de configurar um processo onde a informação
é produzida descentralizadamente, visando a um usuário específico do nível
respectivo etc.
Estas características correspondem, para nós, a um entendimento da informação
como comunicação. Nesta acepção, o sistema de informação seria uma fonte de
diálogo e um estímulo para a ação. O fluxo de informações estaria articulado a
um processo de comunicação que, diferentemente da simples transmissão
unidirecional de dados sobre fatos, representaria uma interação ou intercâmbio
de informação, onde o emissor seria também receptor e vice-versa na mesma
seqüência de comunicação, e onde o objetivo seria a mudança do comportamento
dos outros ou a mudança da ação. O "mudar o comportamento dos outros"
alude ao processo de influência que gera decisões corretivas ou novas decisões
envolvendo pessoas e processos.
Como diz Bartoli (l992): "el indicador de control debe ser pensado de
manera convencional entre los actores, pues no existe un buen indicador
absoluto. Lo esencial es que responda a un lenguaje común de análisis y
acción... El análisis de los indicadores de control se referirá, entonces, a su
existencia, al grado de participación en su elaboración, a la claridad de los
objetivos de cada indicador, a la práctica de actualización de los mismos y a
la comprensión y utilización por parte de los usuários de las indicaciones
obtenidas". Esta dimensão consensuada dos indicadores de controle e seu
caráter seletivo e prático (no sentido da ação) inscreve-se necessariamente em
uma estratégia de comunicação organizacional.
O terceiro princípio acima mencionado traz à tona a questão de se trabalhar com
cultura como possibilidade de mudança ou restrição à mesma. A definição de
cultura de Matus enquanto estruturas mentais é insuficiente. Da mesma forma, a
estratégia de desenvolvimento teórico e de treinamento, embora seja
fundamental, não esgota as possibilidades de atuação sobre a cultura. Adiante
faremos alguns comentários sobre tão importante assunto, no intuito de procurar
preencher essa lacuna e de lançar uma provocação para nós mesmos assumirmos o
desafio de palmilhar esse caminho analítico futuramente; apenas avançamos que a
comunicação enquanto prolongamento necessário da cultura é o meio
privilegiado de conformação da mesma. Daí a necessidade de um plano de
comunicação que impacte a cultura.
A questão do correto esclarecimento dos produtos organizacionais, por outro
lado, chama a atenção para a necessidade de uma boa declaração da missão e
papéis derivados. Autores como Covey (1994) realçam a importância de uma
declaração de missão que envolva todos os níveis organizacionais e que opere
como uma verdadeira constituição institucional. Esta definição não deveria ser
improvisada ou forjada pela direção, mas construída participativamente em
verdadeiras jornadas de discussão e delimitação da mesma, considerando vários
critérios, não apenas os exclusivamente econômicos. Esta declaração trabalharia
decisivamente na direção de uma maior motivação ou adesão e da coordenação
intrainstitucional.
Recentemente, o PES decidiu abraçar a teoria das conversações de Fernando
Flores e elementos do que Matus (l994c) denomina uma Reengenharia Pública.
Procede analisar de modo conciso em que medida estas contribuições permitem
alimentar uma estratégia de gestão comunicativa.
Flores, em sua tese de doutoramento: "A Empresa do Século XXI"
(1989), assenta uma nova interpretação das organizações enquanto eventos
lingüísticos. Seu marco referencial é duplo: de um lado, a filosofia analítica
da linguagem de Austin e Searle lhe ajuda a entender a organização como uma
rede recorrente de conversações onde predominam os atos diretivos (petições) e
os atos comissivos ou os compromissos; de um outro lado a hermenêutica
heideggeriana lhe fornece a idéia de mundo organizacional ou tradição enquanto
estrutura que pré-determina os compromissos. Neste particular, o autor destaca
o papel sobredeterminante da cultura. A aplicação prática imediata desta
compreensão lingüística é um programa denominado o Coordenador, um
administrador de conversações. Assentado na premissa de que o conjunto de
possibilidades de conversações organizacionais é uma rede finita, este
instrumento computacional objetiva racionalizar o processo de geração
lingüística de compromissos, possibilitando a interação comunicativa a
distância das pessoas envolvidas naquele. É, por outro lado, um instrumento de
monitoramento desses compromissos. Uma análise mais profunda desta contribuição
será feita em outros trabalhos.
Sobre este instrumento, Matus comenta: "El administrador de conversaciones
es también una revolución en la teoria de la organización y, en su breve
práctica, ha demostrado su potencia para cambiar la cultura institucional. Esta
revolución está comenzando y, gracias a la comunicación por la via inteligente
de las computadoras, es posible que se derriben barreras jerárquicas y
departamentales. Un administrador de conversaciones reduce al minimo el
contacto físico, obliga a una gran precisión y brevedad en las conversaciones,
hace transparente el incumplimiento de los compromissos, rastrea
automáticamente el cumplimiento de las directivas, democratiza la organización
jerárquica, que hace a los funcionários participantes de una red de
conversaciones igualitária" (1994c).
Flores reforça a idéia de que este administrador é um instrumento de educação,
na medida em que adestra no imperativo de assumir compromissos e traz à tona o
caráter social da ação, pois registra a rede interativa que medeia uma ação
enquanto um evento precedido de atos comunicativos.
Da Reengenharia, Matus se apropria de várias premissas:
· A necessidade da compactação de processos, reunindo as tarefas ou etapas de
um mesmo processo em uma mesma unidade organizativa, de modo a reduzir o tempo
morto entre as tarefas, aumentar a responsabilização pelo produto desse
processo e possibilitar o desenvolvimento de equipes de processos.
· A necessidade de um único contato externo (com o cliente) vis-a-vis
múltiplos pontos de contato.
· A idéia de um controle simples e global por oposição à saturação de
controles.
· A idéia de combinar de maneira inteligente a centralização e a
descentralização, só possível pela tecnologia de informação enquanto
capacitadora da reengenharia.
· A idéia de saber combinar a padronização de processos com a diferenciação
dos mesmos.
A premissa da diferenciação é uma idéia importante para a Reengenharia. Para
Hammer & Champy (1994), no mundo de hoje de produtos cada vez mais
individualizados, a padronização rígida é uma premissa ultrapassada, sendo cada
vez mais necessário um tipo de produção caracterizado pela diversidade criativa
de processos.
Algumas dessas premissas reforçam a estratégia de comunicação que trabalhamos.
Claramente, o princípio da compactação de processos aponta para equipes
criativas de processos onde a comunicação horizontal é intensa e
imprescindível. O princípio de um único contato externo se correlaciona com a
proposta de trabalhadores de caso ou generalistas que respondem a várias
exigências do cliente, em uma interação comunicativa. O princípio da
diversificação tem a ver com a necessidade de um contato cada vez mais
individualizado com o ambiente, o qual deve ser realçado quando esse ambiente é
constituído por clientes que travam uma interação produtiva e comunicativa com
os trabalhadores (caso das organizações profissionais, como as sanitárias e de
educação).
Em vários momentos, afirmamos que, dadas as características das organizações de
saúde, o modelo ideal de gestão das mesmas aproxima-se de uma organização
comunicante. Que características são essas? Como encarar sua gestão específica?
Autores como Rivera (1995a; 1995b) e Lemos (l994) procuram sistematizar alguns
traços distintivos das chamadas organizações profissionais de saúde (aludindo à
denominação de Mitzberg):
· O poder nestas organizações está distribuído; ninguém concentra todo o
poder.
· Os processos de trabalho são coordenados com base no conhecimento
especializado adquirido pelos profissionais de saúde, especialmente os médicos,
fora do sistema.
· Esses processos são extremamente diversificados, apresentam relações de
insumo-produto instáveis ou variadas, envolvem vários setores e geram produtos
e resultados de difícil precisão.
· O corporativismo profissional dificulta a dinâmica de equipe de saúde, tão
necessária a essas organizações.
· Em geral, as nossas organizações têm uma governabilidade relativa, pois
dependem significativamente da negociação de recursos controlados pelos níveis
superiores da administração pública.
· As atividades terminais envolvem relações produtivas inseparáveis de uma
relação interativa e comunicacional com os clientes, os quais participam
ativamente quase que como co-responsáveis pelo trabalho.
As exigências implícitas nesse quadro apontam para um enfoque de gestão onde:
· É necessário estabelecer ativamente formas de comunicação e de coordenação
do trabalho de vários setores e profissionais, assim como negociar o esquema de
poder;
· a padronização mecanística não tem lugar, justificando-se uma
autonormatização dos centros operadores baseada em uma disponibilidade de
autonomia importante e uma integração entre trabalho assistencial e gerencial;
· é necessário negociar critérios de avaliação de eficácia e eficiência, de
modo a garantir uma responsabilização consciente, que contrabalance eventuais
efeitos deletéreos de uma autonomia exagerada;
· os critérios de bom atendimento dos clientes precisam ser considerados como
elementos importantes de definição de metas, padrões e diretrizes de
atendimento;
· o raciocínio estratégico de barganha de recursos em um ambiente fortemente
político é um imperativo que torna o planejamento meramente normativo algo
extremamente insuficiente etc.
Uma gestão comunicativa que leve em conta variáveis estratégicas de poder é uma
alternativa necessária a modelos tradicionais de planejamento/programação de
serviços e de gestão rotineira.
Como pensar especificamente o modelo gerencial de estabelecimentos complexos de
saúde, ali incluídos os hospitais? Para responder a esta questão, apoiamo-nos
no nosso marco teórico e em experiências de descentralização, como a reforma do
hospital da Fundação Santa Casa de Belém, descrita por Cecilio (1993), e de
dois casos internacionais descritos por Smith et al. (s/data): os modelos
organizacionais do John Hopkins Hospital (E.U.A.) e do Sunnybrook Medical
Centre (Canadá).
Um dos pontos de partida desse modelo estaria representado pela estruturação
dos estabelecimentos segundo desenhos organizacionais articulados por unidades
autônomas ou semi-autônomas de trabalho definidas por conjuntos de produtos
integrados. As duas experiências internacionais referidas se organizam em
termos de linhas de produtos ou de programas, segundo critérios convencionados
ou negociados. Esta organização por produtos tende a se superpor, em alguma
medida, às especialidades médicas, configurando um desenho onde os critérios
funcional e por produto se misturam.
O essencial da proposta vem a ser a descentralização efetiva do poder para
essas unidades de trabalho, incluindo o planejamento e a responsabilidade
financeira, e a forma particular de gerenciamento político das mesmas,
caracterizada por uma equipe de gestão formada por um diretor de enfermagem, um
administrador e um diretor geral da unidade clínica, sob a direção deste
último, em geral um médico. Esta equipe que opera por consenso implica a
superação da tradicional divisão funcional da organização sanitária em torno
das três categorias básicas de atores sanitários e configura um elemento
decisivo na busca de uma coordenação comunicativa intraorganizacional. Como
sustenta Smith: "Historically, by structuring along functional lines,
health services organizations have emphasized the divisiveness that exits among
the various health professions. Sometimes, the result has been a fragmented
approach to patient services, which may negatively affect patient outcomes.
Much discussions in health services today emphasizes the need for a team
approach where all health professionals work together to provide a more
continuous and enhanced quality of patient care... Explicit in the design of
the SMC model is the need for a structure which enhances multidisciplinary and
participatory approaches to the provision of patient care services. Achieving
this objective is partiality realized through the multidisciplinary management
team of physician, nurse, and administrator that manages each unit".
A integração horizontal das unidades de trabalho poderia ser estabelecida por
um colegiado geral de gestão ou por uma dinâmica de reunião periódica
envolvendo os diretores das unidades. Formas colegiadas mais amplas poderiam
ser preconizadas para operar abaixo da equipe de gestão, complementando a
estratégia de implementação de formas de comunicação/coordenação. Dizemos
formas colegiadas e não necessariamente colegiados permanentes de gestão, cuja
possibilidade de funcionamento efetivo dependeria em muito da cultura
específica e de não inviabilizar a perspectiva de atuação ágil da equipe básica
de gestão. Acreditamos, por outro lado, que respeitar em boa medida o
predomínio efetivo dos médicos na representação política dos estabelecimentos
sanitários é mais condizente com a cultura institucional do que fórmulas
populistas que podem afastar ainda mais tais profissionais da difícil
perspectiva de engajá-los na sistemática de gestão.
Uma característica importante destas experiências internacionais é a
normalização dos papéis gerenciais dos três membros da equipe, visando a uma
redução de variedade entre as unidades. Em geral, o papel da diretora de
enfermagem é administrar e supervisionar o staff de enfermagem e participar
como parte da equipe de gestão de cada unidade. O administrador daria suporte
administrativo ao diretor de unidade e garantiria a implementação dos planos e
objetivos da unidade, lidando prioritariamente com questões orçamentárias e
financeiras.
Um aspecto importante ligado à busca de uma maior coordenação intra e
interunidades estaria representado pela introdução da lógica do planejamento
por problemas e operações articuladores. A figura dos responsáveis por
operações brindaria o elemento de matricialidade à estrutura organizacional
pertinente. Uma relação comunicativa expedita e permanente entre os
representantes do gerenciamento por operações e os níveis decisórios da
estrutura mais permanente é uma condição básica para que o planejamento
estratégico não seja una mera ficção e sim uma arma de desenvolvimento
institucional ou de mudança.
O tipo de estratégia globalista de desenvolvimento organizacional preconizado à
luz do triângulo ferro matusiano é necessário e deve ser adaptado ao contexto
sanitário. Garantir a prestação de contas ou a responsabilização, uma gerência
criativa que implique o planejamento por problemas e uma racionalização da
tomada de decisão em geral são imperativos de construção simultâneos. Porém,
como "tudo está em tudo" (parafraseando Bartoli), o ponto de entrada
é discutível. O importante é deslanchar um processo desde um ponto determinado,
procurando uma abordagem de mudança global.
Como aspectos dignos de ressaltar, devemos citar a necessidade de viabilizar de
maneira estável a lógica da problematização a partir de uma metodologia
adaptada e simplificada de planejamento situacional e a obrigatoriedade de uma
estratégia de treinamento permanente e informal que possibilite a incorporação
das práticas de planejamento pelo maior número possível de sujeitos. Dada a
particularidade das organizações sanitárias, não se justificam (à luz de
Mitzberg) a separação e a hipertrofia de um nível supra-estrutural de
planejamento. Teríamos que relativizar o chamamento matusiano para a introdução
de sistemas de direção em prol de um entendimento que privilegie a maior
incorporação possível de práticas de gestão pelo maior número de atores
possível.
Como alguns consultores de gestão e especialistas sanitários recomendam métodos
de qualidade total aplicados a saúde e como constatamos não existirem
diferenças significativas de lógica entre o instrumental pertinente à qualidade
total e à metodologia do PES (vide Contraponto entre o TQC e o PES realizado
pelo autor, l995a), a "não ser" uma maior adequação do PES a
situações mal estruturadas de natureza mais política (o que não é pouca coisa),
um estímulo no sentido da utilização daqueles deve ser registrado. Se se pensa
que esse material de qualidade total é mais adequado culturalmente ao nosso
campo, que se aplique de maneira coerente. Como algumas publicações assim o
atestam, por exemplo o livro Melhorando a Qualidade dos Serviços Médicos,
Hospitalares e de Saúde de Berwick et al. (l995), a qualidade total também
enfrenta em sua aplicação o problema sistemático de envolver os médicos na
lógica de uma gestão problematizadora. Este é um problema geral que engloba
quaisquer metodologias e se constitui em um desafio cultural básico. Tudo
indica que uma boa remuneração geral dos profissionais e um mínimo de
estabilidade dos dirigentes são condições importantes para a viabilidade de
operação e de permanência de uma proposta de gestão problematizadora que aponte
para a mudança. De qualquer modo, o fundamental é a incorporação de um certo
nível de metodologia que oriente a gestão segundo a ótica de enfrentar
problemas.
A busca de uma certa constância de propósito (parafraseando Deming) depende de
um engajamento geral dos médicos. Isto nos leva a considerar a necessidade de
não violentar princípios culturais arraigados como o da criatividade no
trabalho médico e o derivado da não-padronização rígida de procedimentos. Não
atacar a cultura dos médicos de maneira desnecessária é um conselho a ser dado
a consultores de gestão sanitária que se entusiasmam facilmente com os
"fluxogramas de processo de trabalho médico" e com uma perspectiva de
controle político-econômico do trabalho desses profissionais que reincide em
variantes tayloristas. Se se argúi no sentido de que a reconstituição dos
processos envolvidos nos produtos do trabalho médico visa a apontar problemas
de descoordenação entre setores e/ou categorias, que ao nosso ver são problemas
bastante recorrentes, uma simples sessão de problematização na linha do PES ou
de um método derivado mais simples pode trazer à tona com facilidade essa
situação a nível de sua descrição e de suas causas. Não é necessário
ressuscitar o espírito da normatização de tempos e movimentos, da organização e
métodos, para lidar com problemas que implicam uma comunicação problematizadora
representativa dos setores envolvidos, como eixo básico de intervenção. Neste
sentido, questionamos más aplicações da qualidade total que deixam transparecer
um estilo excessivamente prescritivo ou controlador.
Uma outra questão que deve ser destacada como parte do esforço de
responsabilização de uma estratégia de reforma organizacional é a da prestação
de contas. Como apontamos anteriormente, não haveria indicadores ou critérios
absolutos de avaliação ou de controle de qualidade, a não ser aqueles
estabelecidos consensualmente pelos sujeitos-objetos da avaliação. Isto adquire
uma vigência particular em um meio onde a imprecisão de produtos e resultados,
de critérios de eficácia, é bastante nítida. A existência, em geral, de vários
critérios de acordo com a posição dos vários atores organizacionais, de suas
racionalidades diferenciadas, obriga a uma negociação. Longe do estilo da
hipersaturação de controles, de que fala criticamente a Reengenharia, sugere-se
um tipo de controle baseado em poucos e expressivos indicadores consensuais.
Propõe-se a idéia de pelo menos um indicador de cada produto de unidade de
trabalho, mais algum(ns) indicador(es) representativo(s) da unidade em geral.
Por exemplo, a unidade de toco-ginecologia compreenderia alguns produtos
básicos como partos normais, cesarianas, cirurgias obstétricas, internações
ginecológicas etc. Para cada produto, poderia ser estabelecido um indicador.
Fica claro que a definição dos indicadores é inseparável da referida declaração
da missão. A experiência de consultoria do grupo de planejamento do
Departamento de Medicina Preventiva da Faculdade de Medicina da Unicamp sugere
a criação de indicadores não clássicos capazes de avaliar a comunicação
lateral, como, por exemplo, percentagem de cirurgias não realizadas por falta
de roupas ou pela não-realização de exames laboratoriais, a percentagem de
exames realizados em relação aos solicitados em determinado período de tempo
etc. Estes indicadores são extremamente interessantes. Por fim, é importante
salientar a necessidade de prestar atenção aos indicadores específicos do plano
por operações, que podem ou não coincidir com os indicadores gerais de unidades
de trabalho.
Três tipos de jornadas podem ser organizadas enquanto lugares amplos de
comunicação onde a missão, os indicadores de controle e o plano a partir de
problemas seriam processados: jornadas de missão, voltadas para o
esclarecimento dos produtos de cada unidade e de suas formas de controle;
jornadas de problematização internas a cada unidade visando ao levantamento e
processamento de problemas internos; e jornadas de problematização coordenadas,
incluindo vários setores, com a finalidade de problematizar situações que
implicam a integração.
A análise das experiências internacionais referidas sugere que o fato de
descentralizar a responsabilidade financeira para as unidades de trabalho não
implica necessariamente atingir o objetivo da redução de custos e que
incentivos financeiros adicionais podem tornar-se necessários tendo em vista
esse fim, como a norma de permitir que o dinheiro economizado seja livremente
utilizado para outras finalidades (de desenvolvimento) pelas unidades.
A necessidade de uma autonomia financeira de gestão está quase implícita em um
modelo descentralizado. Dada a configuração de nossa administração pública,
cercada de controles burocráticos e fiscais, recomendamos prestar particular
atenção à figura dos contratos de gestão enquanto formas jurídicas de
gerenciamento que, baseadas em uma negociação dos recursos em função de metas e
objetivos terminais, permitem uma autonomia financeira e administrativa e um
contexto de negociação ampla de compromissos e de formas de controle, estas
últimas subordinadas à busca da efetividade.
Por fim, a necessidade de um processo de racionalização da agenda dos
dirigentes pode demandar a existência de uma equipe de assessoria da equipe de
gestão, que se responsabilize pela organização dessa agenda filtrando os
problemas que nela deságuam, restringindo-a a problemas de alto valor e bem
processados. Esta equipe de assessoria ou unidade de processamento técnico-
político assumiria a responsabilidade pelo planejamento estratégico das
unidades, divindo responsabilidades mais típicas do planejamento e da
administração com o administrador, este último mais voltado para a programação
orçamentária e para a administração normativa.
Como se vê, o grosso da problemática de gestão destas organizações se resume no
objetivo de criar formas de coordenação que operem como formas de tradução
específica da proposta da compactação de processos (freios à divisão funcional
corporativa e formas de articulação horizontal) e no desenvolvimento de uma
lógica comunicacional que, ancorada na figura da problematização, implique uma
racionalização do processo de tomada de decisão, aqui incluída a participação
ampla e a negociação de interesses.
Cultura e mudança
Motta (l991) define cultura como o conjunto de idéias, crenças, conhecimentos,
costumes, hábitos, aptidões, valores, símbolos e ritos que caracterizam a
organização. Esta definição é assumida por esse autor como imprecisa e
generalizante, ressaltando que apenas os valores, hábitos e comportamentos
resultantes de uma experiência coletiva e compartilhados pelos membros da
organização comporiam a cultura. Citando Kanter, Motta destaca que toda
história de mudança tem uma pré-história, isto é, condições organizacionais
próprias, que favorecem a identificação de problemas e o surgimento de
propostas para solucioná-los. O autor refere assim que a mudança exige
condições de cultura organizacional e que ela, antes de ser um processo
técnico, consiste essencialmente em um processo cultural de alterar valores.
Acrescenta que os indivíduos precisam de tempo para compreender, adquirir e
praticar novas habilidades, bem como para se adaptar às novas condições de
trabalho impostas pela mudança.
Dada a pouca especificidade desta conceituação de cultura, procuraremos
circunscrever melhor os eixos básicos da mesma, escorando-nos para tal em uma
análise das representações de cultura de alguns especialistas feita por Cudicio
(l992), incluindo entre aqueles o prof. Maurice Thévenet, autor de l'Audit de
la Culture d'Entreprise, o qual foi entrevistado pela autora.
Thévenet aponta que a cultura de uma empresa representa um conjunto de
evidências compartilhadas na organização ou o conjunto "das regras do
jogo" informais que seriam vivenciadas pelas pessoas dentro da mesma. Ele
afirma que o que resulta muito revelador da cultura é o sistema de remuneração,
o controle de gestão, o sistema de avaliação dos rendimentos individuais: o
verdadeiro sistema de avaliação dos rendimentos individuais e não
necessariamente o formal. Este aspecto tem a ver com a concepção da pessoa
humana vigente em uma empresa, com um conjunto de hipóteses que concernem aos
direitos e deveres das pessoas. Neste sentido, Thévenet acentua a importância
das regras de responsabilidade matusiana.
A este aspecto básico da dimensão humana Thévenet acrescenta mais dois
elementos nucleares da cultura: a percepção do ofício e o tipo de relação com o
entorno. A percepção do ofício estaria ligada a como as pessoas vivenciam o
oficio, à percepção do mesmo como tendo um papel social específico ou puramente
egocêntrico; ao valor atribuído aos produtos do ofício enquanto objetos vividos
como positivos e de grande valor ou como objetos negativos e de fraco valor; ao
conhecimento da identidade do ofício; à importância concedida à capacitação
etc. A relação com o entorno se refere a duas possibilidades extremas: um
entorno ameaçador e um entorno vivenciado como ecológico ou repleto de
oportunidades. Estas duas percepções implicariam valorações diferentes no nível
da organização. Um ambiente ecológico leva a valorar tudo aquilo que possa
criar novos recursos, tudo aquilo que vá no sentido de uma ótima adaptação ao
entorno. Quando o ambiente é percebido como uma selva perigosa, são valoradas
as condutas que apontam à proteção das aquisições, a vencer na concorrência;
neste caso, a relação é apresentada como uma luta, a qual aparece na
comunicação interna e externa da empresa. É importante entender aqui que o tipo
de relação com o entorno se expressa no tipo de organização interna e nas
prioridades definidas nas decisões institucionais. O sistema de poder também
seria afetado pela percepção do entorno. A referida autora cita a este respeito
que, em um entorno onde a comunicação é um dos valores centrais, os
comunicadores da empresa concentram um importante poder formal e informal que
se insere como um traço dominante da cultura. Em outros casos, prevalece o
poder ligado à profissão, por exemplo, o "poder dos engenheiros".
Outro especialista entrevistado por Cudicio adiciona novas dimensões do
conceito de cultura: "a razão de ser real da empresa é parte de sua
cultura, também o management... se este é autoritário ou participativo o clima
cultural se ressente de imediato... mas também se deve integrar à cultura a
qualidade e a organização da comunicação"(trad. nossa). Este especialista
refere ainda que a motivação do pessoal é sumamente necessária, na medida em
que nas organizações de cultura forte as pessoas têm a sensação de compartilhar
algo e de pertencer a alguma coisa importante. Esta sensação de compartilhar
coletivo estaria na base da formação de uma cultura e seria simultaneamente um
dado cultural.
Este especialista salienta que haveria determinados eixos de "valores de
supervivência" capazes de fazer transparecer uma cultura. A forma de
valorização do dinheiro faria parte de um primeiro eixo, assim como a ecologia
ou o respeito pelo ambiente. Este eixo expressaria em geral a vivência
particular dos benefícios implícitos na missão. Um segundo eixo estaria
representado por "uma determinada ordem e determinadas estruturas
concernentes ao poder compartilhado". Estruturas ligeiras e flexíveis que
permitissem a todos uma contribuição ótima seriam ideais, já que o excesso de
estrutura afoga a iniciativa. Um terceiro eixo apontado corresponderia ao tipo
de equilíbrio existente entre os três pólos de uma empresa: clientes, patrões e
trabalhadores. A questão a ser investigada aqui é a seguinte: sobre que
critérios vão se equilibrar esses pólos? Trata-se de um contrato social
verdadeiro ou eventualmente de uma simples relação de força entre patrões e
empregados, que exclui os clientes? Outra forma geral de colocar a mesma
questão seria: Como se equilibram os imperativos econômicos (lucro) com os
imperativos sociais, éticos e morais? O último eixo, não desenvolvido, seria o
equilíbrio dos cálculos financeiros.
É importante frisar que nesta última visão o sentimento de pertença a um
coletivo adquire um realce particular, assim como o papel da comunicação na
estruturação de uma cultura dinâmica e na gênese de uma relação contratual onde
o consenso é tido como fator de sobrevivência.
Uma das últimas representações exploradas por Cudicio diz respeito ao papel que
os quadros diretivos teriam na transmissão ao resto da organização de valores,
diretrizes e projetos. Corresponderia ao estilo de personalidade do dirigente
em sua relação com a capacidade de comunicar, com a competência comunicativa,
que definiria as possibilidades de agregação em torno de determinados
objetivos. Já que a transmissão de valores depende muito do estilo dos quadros
diretivos, pode-se considerar que a possibilidade de uma dada cultura,
especialmente de uma cultura forte, depende de capacidades comunicativas
individuais de executivos e dirigentes, sendo que estas últimas seriam
passíveis de treinamento. Nesta acepção, a comunicação é vista como o
prolongamento necessário da cultura, como seu meio de constituição e dado
intrínseco: "el aspecto de la comunicación es la prolongación
indispensable a toda definición de cultura o de filosofia de empresa a nível de
direcciones generales para que estas ideas impregnen el conjunto del
personal".
Bartoli, na obra que aqui utilizamos, aponta para uma relação dialética entre
cultura e comunicação, pois, se de um lado reconhece que a comunicação é a base
de constituição da cultura, de um outro, assume que a comunicação pressupõe um
contexto cultural comum, definindo os elementos da cultura que são
particularmente úteis na possibilitação de uma comunicação eficaz:
· Um conhecimento comum da empresa (resultado de uma política de informação);
· uma visão clara dos problemas a resolver;
· um savoir-faire comum no tocante aos métodos de trabalho;
· bases de uma linguagem comum.
Em Comunicação e Gestão Organizacional por Compromissos (Rivera, l995b), nós
assumimos uma aproximação entre o conceito de cultura organizacional e o
conceito habermasiano de mundo da vida organizacional. As três dimensões do
mundo da vida organizacional seriam: a cultura, representada pelo saber comum
da organização, incluindo o savoir-faire e a razão de ser real da mesma; a
sociedade, representada pelas formas normativas de integração social, onde
podemos incluir o estilo de management, a qualidade da comunicação, o grau de
agregação intersubjetiva definido pelo sentimento de pertença à coletividade
organizacional e pelos níveis de equilíbrio atingidos pelos atores básicos da
organização na relação de seus interesses; e a personalidade, representada
pelas capacidades comunicativas e de socialização da liderança e dos liderados.
Nesse trabalho, ainda, afirmamos que a dimensão cultural senso-lato expressa um
conjunto de regras fáticas que subordinariam ou condicionariam as regras
(formais) de direcionalidade, de governabilidade e de responsabilidade do
modelo matusiano ou que corresponderiam a seu lado real. Poderíamos dizer que
nós damos um viés culturalista às regras organizacionais daquele modelo e
destacamos a influência da comunicação.
É necessário recordar ainda que Habermas tem aquela visão dialética da cultura
e do agir comunicativo implícita acima. Ele sustenta que o mundo da vida é a
sede do agir comunicativo, na medida em que toda comunicação enquanto forma de
relação com o mundo está baseada naquela pré-compreensão definida pela tradição
ou no celeiro cultural e de evidências normativas e subjetivas, o que
corresponde ao mundo da vida dos atores. Diferentemente de uma hermenêutica
dogmática, Habermas, porém, defende a idéia de que não estamos completamente
pré-determinados pela tradição, mas que podemos reciclar permanentemente
fragmentos de mundo da vida tornados disfuncionais, graças à dimensão
discursiva do agir comunicativo. Mais do que podemos, devemos.
Melhor definido o estofo da cultura, procede abordar a questão da mudança
cultural no plano geral. Há quase que um consenso de que a cultura não é
manipulável e de que custa transformá-la, a não ser através de um processo mais
ou menos lento. Sustenta-se que antes de querer transformá-la de maneira
voluntarista é necessário prestar-lhe ouvidos para ver em que medida pode
ajudar-nos a mudar. Afinal, é possível transformar a cultura? Como?
Thévenet, na obra de Cudicio que utilizamos, sustenta que : "é possível
atuar sobre a cultura e não só é possível, mas permanentemente se atua sobre a
cultura da empresa. Uma cultura de empresa é algo que evolui, não está
coagulado. Entretanto, quando algo não está coagulado, isto pode levar a crer
que é possível agir sobre aquilo no sentido que se queira, o qual não é
verdadeiro. Não porque a cultura não esteja coagulada, é possível definir a que
estado B irá se transferir esta cultura definida em um estado A: a cultura é
algo que não se manipula. Existe uma evolução permanente da cultura que se
constrói seguindo suas adaptações a situações novas, para as quais não há uma
solução acabada, portanto há de ser criada". (trad. nossa)
Thévenet sustenta, assim, que o processo de mudança cultural, embora possível,
segue um rumo indeterminado. Em outra passagem, insinua que um determinado
projeto de empresa de caráter mudancista pode impactar ou alterar
afirmativamente o formato organizacional e cultural. Chama a atenção para o
surgimento de uma sorte de compromisso entre a cultura resistente e o projeto
de reforma: "Nociones como calidad se trivializan, pero consecutivamente a
la confrontación entre lo que quieren hacer consultores y directivos y la
realidad de la cultura de la organización se llega a una espécie de compromiso
del cual probablemente quede algo... habrá habido cambio. Resta saber si valió
la pena, pero eso es otra cuestión".
A chave para a mudança, implícita na expressão "quanto mais igual, mais
muda", consiste, para esse autor, em explorar traços da cultura que podem
ser pertinentes ao projeto de mudança, ao enfrentamento de determinados
problemas: "dicho de otra forma, el proceso de cambio debe más bién tratar
de reforzar lo que existe de pertinente respecto de los problemas concretos
existentes, en lugar de querer insuflar otros valores sabiendo que no se sabe
hacerlo". Thévenet dá o exemplo da auditoria de um banco, na qual ficou em
evidência um traço que dominava a cultura, relativo a como as pessoas percebiam
sua atividade. Esta era, acima de tudo, percebida como baseada na relação com a
clientela. Thévenet argüiu, perante a direção, que esse traço pode ser
considerado um ponto forte, pois os bancos adquirem suas margens de lucro e
garantem seu desenvolvimento na relação com a clientela. Mas também esse traço
pode ser considerado um ponto fraco, acrescentou o autor, já que em algumas
situações apareceu que a relação com o cliente era mais forte que a qualidade
do serviço. Concretamente, se o banco comete um erro, o responsável tende a
minimizá-lo, alegando que conhece o cliente e que consertará o erro telefonando
para ele mais tarde. Este traço de cultura é um ponto fraco, pois a relação do
cliente com o seu banco muda no contexto atual, em face da concorrência
ampliada da Europa. Assim, o autor afirma: "Por lo tanto todo el trabajo
consiste en explotar lo que funciona bien y debilitarlo planteando cuestiones
concernientes a los problemas que atañen a un banco, la evolución del
comportamiento de los consumidores. Esa es la lógica del cambio,y no decir
piensen calidad de servicio y no relación con el cliente".
A lógica da intervenção da auditoria de cultura consiste, para aquele autor, em
interrogar-se participativamente sobre o funcionamento de uma organização. Esta
interrogação visa a nomear os traços culturais e eventuais problemas, de
maneira não culpabilizante. As coisas nomeadas são, então, confrontadas com os
dois problemas básicos de uma organização: a interação constante com o entorno
e a manutenção da coesão interna. Esta é, segundo Thévenet, a essência do
trabalho cultural. Fazer o diagnóstico cultural e confrontá-lo com as duas
questões básicas aludidas. Deduzimos que deste confronto poderão surgir
definições que apontem para a correção de comportamentos ou de traços culturais
inadequados, que seriam aqueles que não responderiam às exigências colocadas
pelos problemas básicos. Esta lógica de "exploração do que é"
constituiria um processo amplo de discussão de formas de readaptação da cultura
existente, que evitaria os problemas de desestabilização e de incoerência que
podem advir da pretensão de impor de início o modelo de um novo projeto de
empresa.
Este princípio do "quanto mais igual, mais muda" encontra na nossa
proposta de modelo gerencial uma expressão: uma das questões básicas do enfoque
de gestão das organizações profissionais de saúde nos parece ser, junto com
autores como Dussault (1992), preservar o princípio da autonomia profissional,
especialmente dos médicos, debilitando-o, simultaneamente, ao apontar dois
problemas básicos que deveriam ser enfrentados e que resultam de uma autonomia
exagerada, quais sejam, a necessidade de responsabilização e a necessidade de
coordenação dos membros da equipe de saúde e dos vários setores. Não se trata
aqui de propugnar pelo fim da autonomia, mas de encontrar saídas para problemas
eventualmente derivados, resgatando aquele princípio e aprimorando-o no sentido
de corrigir os desequilíbrios imanentes, isto em um sentido participativo ou de
não-exclusão.
Conclusivamente, a questão da mudança em geral implica a necessidade de saber
apoiar a mesma em determinados traços culturais que lhe podem ser positivos e
assumir em relação àqueles uma postura crítica necessária que possa redundar na
sua reciclagem ou aperfeiçoamento.
Bartoli, por outro lado, também adota o ponto de vista de que um projeto
organizacional pode impactar a cultura e promover sua transformação:
"...la cultura não es maleable fisicamente. Sólo evoluciona por efecto
indirecto, vinculado al desarrollo de estrategias, comportamientos, acciones
estructurales y otras facetas de la organización". Esta colocação evoca a
idéia de uma sorte de compromisso entre o projeto e a cultura em que o saldo é
algum tipo de mudança pouco determinada.
A autora concede especial importância a um plano de comunicação/organização que
impacte a cultura. Coerente com a sua visão globalista de atuação, ela sugere
reajustes organizacionais no sentido de estruturas matriciais e de uma maior
coordenação horizontal, novas formas de organização do trabalho, por exemplo, o
enriquecimento de tarefas, formas de racionalização de procedimentos e
propostas no sentido de uma redução do isolamento das unidades e de uma maior
possibilidade orgânica de consertação ou negociação entre os vários níveis
organizacionais. Está consciente de que a abertura de canais de comunicação
através de dispositivos e lugares de comunicação orgânicos é a melhor forma de
reciclar a cultura, ao possibilitar uma redefinição da missão e dos projetos de
trabalho e ao gerar um senso amplo de participação e de pertença social.
Nesta linha geral de pensamento, concluímos que entre a cultura e um projeto de
reforma dominado pela busca do desbloqueio comunicativo e da descentralização
racional se estabelece uma dinâmica interativa, que se caracteriza pela
possibilidade geral de uma mudança inestruturada, onde os fatores estabilidade
da liderança e a vontade persistente de impulsionar um processo demorado se
constituem em requisitos indispensáveis. Desta maneira, as diretrizes de
estratégia que constam do item anterior podem, no seu conjunto, ajudar a mudar
as estruturas de uma cultura conservadora que mesmo assim muda como necessidade
até de sobrevivência. No entanto, esta mudança de cultura virtual deve ser
"pensada" a partir de elementos já inscritos na cultura
"anterior", que podem potencializar e garantir a mudança. Mudar de
dentro de uma cultura estabelecida ou mudar a cultura a partir da própria
cultura, em um processo nitidamente comunicativo, parece ser a fórmula
contraditória que resume o potencial de transformação organizacional.
De qualquer maneira, uma postura distanciada da cultura tradicional é possível
e necessária. Se acreditarmos no potencial do agir comunicativo habermasiano, a
evolução cultural deve ser assumida como uma realidade. O contrário
significaria a impossibilidade de toda mudança.
Comentários finais
O PES de Matus é particularmente útil no que diz respeito aos aportes de sua
Teoria Macroorganizacional ao desenho de modelos de gestão comunicativos. Nosso
objetivo foi extrair daquela elementos que ajudam a pensar uma reforma
administrativa que aponte para a descentralização e a racionalidade de gestão.
Descentralização, responsabilização e planejamento criativo se articulam como
uma necessidade interna ao modelo do autor.
A não-focalização específica da racionalidade das organizações sanitárias pelo
PES obriga, no entanto, a lançar mão de referenciais específicos, como a
tipologia organizacional de Mitzberg e todo o material de autores citados neste
trabalho, que discutem a especificidade de seus processos tecnológicos e
políticos e suas implicações sobre a gestão necessária.
A reconstrução que fazemos de Matus implica a aplicação da teoria do agir
comunicativo habermasiana, particularmente trabalhada em conexão com trabalhos
mais estritamente gerenciais de autores que nos permitem articular aquela
teoria geral com o campo mais pragmático da gerência.
Surge a necessidade, ainda, de uma revisão de experiências de gestão
descentralizada de estabelecimentos sanitários de maneira a captar novos e
específicos elementos que a prática da gestão real pode acrescentar
decisivamente à reflexão teórica, condicionando-a.
A necessidade de trabalhar com um referencial sobre cultura viria complementar
as metodologias de gerência a partir de problemas, incluindo o modelo
matusiano. Os dados apresentados aqui, bastante incipientes, terão que ser
complementados mais adiante. Esses dados, porém, sugerem um roteiro mínimo de
informação capaz de orientar uma auditoria de cultura e uma abordagem
problematizadora da mesma. Sentimo-nos fortemente inclinados a pensar que nossa
investigação deveria se desdobrar nesse sentido específico no futuro, pela
intuição de que, sem essa preocupação, a possibilidade de reformas a partir de
metodologiais racionais de gestão fica bastante comprometida. E esta
preocupação se insere com particular exclusividade no campo que vimos assumindo
como o nosso objeto: a Comunicação e a Gerência.