A posição da Estratégia Saúde da Família na rede de atenção à saúde na
perspectiva das equipes e usuários participantes do PMAQ-AB
Introdução
Recentemente, o Programa Nacional de Melhoria do Acesso e da Qualidade da
Atenção Básica (PMAQ-AB) foi proposto pelo Ministério da Saúde (MS) como
estratégia para alcançar mudanças nas condições e modos de funcionamento das
Unidades Básicas de Saúde (UBS), de forma a ampliar o acesso e a qualificação
das práticas de gestão, cuidado e participação na Atenção Básica (AB). Essa
ação faz parte das recentes diretrizes do MS para a Atenção Primária à Saúde
(APS), dentre as quais, incentivar os gestores locais do Sistema Único de Saúde
(SUS) a melhorar o padrão de qualidade da assistência na APS (BRASIL, 2012).
O PMAQ-AB é composto por quatro fases: (1) Adesão e contratualização; (2)
Desenvolvimento; (3) Avaliação externa; e (4) Recontratualização. A terceira
fase do programa, avaliação externa, inclui um conjunto de ações direcionadas
para a averiguação das condições de acesso e de qualidade das equipes de AB
participantes.
Para a realização da avaliação externa, o Departamento de Atenção Básica (DAB)
do MS, com o apoio da Rede de Pesquisa em APS, desenvolveu parceria envolvendo
mais de 40 Instituições de Ensino Superior (IES) em todo o território nacional.
As IES contribuíram para a avaliação externa, desde a construção do instrumento
de avaliação, a definição de estratégias, a organização do trabalho de campo em
nível nacional até a aplicação dos questionários nos mais de cinco mil
municípios brasileiros.
Estudos nacionais têm demonstrado que, mesmo havendo forte indução do governo
federal, os processos organizacionais da APS são muito variados entre os
municípios brasileiros, levando a crer que os diferentes contextos e formas de
gestão da saúde nos municípios têm reflexos significativos na pluralidade de
formas e resultados de processos de implementação da Política Nacional de
Atenção Básica (VIANA_ET_AL.,_2008; MEDINA;_HARTZ,_2009). Os desafios para a
consolidação da política de Atenção Básica, em parte, estão relacionados com a
melhoria dos processos assistenciais neste nível de atenção, assim como com as
condições de integração da APS à rede de serviços de saúde em seus diversos
níveis.
Este artigo tem como objetivo analisar a posição da Estratégia Saúde da Família
na rede de atenção à saúde a partir da perspectiva das equipes de Saúde da
Família e dos usuários participantes dos inquéritos do PMAQ-AB, considerando:
i) a constituição das equipes de Saúde da Família como porta de entrada
preferencial aberta e resolutiva, ii) o acesso a serviços especializados, iii)
as estratégias para integração da rede assistencial e a iv) coordenação do
cuidado pelas equipes.
Interessa para este estudo conhecer e analisar a situação atual da Atenção
Básica no país no que concerne à integração à rede assistencial e como esse
desafio se apresenta para municípios de distintos portes populacionais, na
perspectiva da efetivação de uma APS abrangente no Sistema Único de Saúde
(SUS).
Aspectos metodológicos
Trata-se de um estudo transversal, cujas informações selecionadas foram geradas
a partir do banco de dados de base nacional da avaliação externa do PMAQ-AB
realizada em 2012 pelo DAB/MS em parceria com instituições de pesquisa e ensino
superior em todo país.
O instrumento utilizado para a realização do inquérito PMAQ-AB está organizado
em três módulos: Módulo I - observação na Unidade Básica de Saúde (UBS) de
variáveis para a realização de um censo de infraestrutura das UBS; Módulo II -
entrevista com um profissional sobre processo de trabalho da equipe de Atenção
Básica (EqAB) e verificação de documentos na UBS, direcionada para a realização
da avaliação externa das EqAB; e Módulo III - entrevista com usuários na UBS
sobre sua experiência de uso, condições de acesso, utilização de serviços de
saúde e satisfação (BRASIL, 2012).
Para a definição de dimensões de análise e seleção das variáveis, parte-se do
pressuposto que a efetivação de uma concepção de APS abrangente implica que os
serviços da APS, nesse caso as UBS e EqSF, devem se constituir nos principais
serviços de primeiro contato, de procura regular, integrados à rede e com
função de organizar acesso e coordenar o cuidado no sistema de serviços de
saúde, conforme preconiza a PNAB (BRASIL,_2011).
Neste artigo, a integração assistencial é entendida como a integração vertical
entre serviços de atenção primária e especializados/secundários, ou seja, como
a "coordenação de serviços e integração da assistência em um processo único ao
longo do tempo, lugares e disciplinas/especialidades" (KODDER,_2009, P. 11).
Entende-se que os serviços de APS devem ser definidos como serviços de primeiro
contato para cada nova necessidade de saúde (novos e antigos problemas,
prevenção e recuperação), constituindo-se em uma porta de entrada preferencial
aberta e resolutiva. Para tal, devem identificar necessidades em saúde que
podem ser respondidas no âmbito da própria UBS, assim como em outros níveis de
atenção que compõem o sistema de serviços de saúde. Constituir-se em porta
aberta envolve facilitação do acesso com atendimento oportuno às demandas dos
usuários, com horários adequados de funcionamento das unidades, acolhimento e
atendimento rotineiro da demanda espontânea. A capacidade em resolver as
demandas relaciona-se à amplitude da oferta de ações pela equipe SF e do apoio
de outros profissionais.
O exercício da coordenação do cuidado pela EqSF depende da integração à rede de
serviços e supõe ações no nível da gestão dos serviços de saúde e da
organização assistencial que envolvam a garantia e favoreçam o acesso a
serviços de saúde especializados com integração dos diferentes níveis de
assistência do sistema de serviços de saúde (STARFIELD,_2002; WATSON_ET_AL.,
2004; FEO;_CAMPO;_CAMACHO,_2006; GIOVANELLA_ET_AL.,_2009). A existência de
mecanismos de coordenação assistencial com ordenamento dos fluxos e
continuidade informacional favorece a articulação na interface entre a APS e os
serviços especializados (ALMEIDA_ET_AL.,_2010).
A partir destas considerações, foram definidas três dimensões de análise e seus
respectivos componentes para o exame da posição e integração da ESF à rede
assistencial no SUS, conforme apresentado no quadro_1: (1) porta de entrada
preferencial à rede de atenção: porta aberta e resolutiva; (2) acesso aos
serviços de saúde especializados; e (3) estratégias para integração da rede
assistencial e coordenação do cuidado.
Quadro 1 Dimensões e componentes da APS para análise da posição da ESF na rede
de atenção à saúde - equipes SF participantes do PMAQ-AB, segundo municípios
por porte populacional, Brasil, 2012
Dimensões Componentes
Porta de entrada preferencial à rede de atenção
Porta aberta Horários e dias de funcionamento
Acolhimento
Atendimento à demanda espontânea
Atendimento de urgência e emergência
Organização da agenda e acesso a consultas de Atenção
Básica
Porta resolutiva
Oferta de ações pela equipe
Apoio de outros profissionais
Agendamento para serviços especializados
Acesso a serviços de saúde especializados (consultas e exames) Tempo estimado de espera para serviços especializados
Acesso a serviços específicos
Monitoramento das listas de espera
Estratégias para integração da rede assistencial e coordenação do Continuidade Informacional
cuidado Ordenamento de fluxos assistenciais
Coordenação do Cuidado Clínico
Fonte: Elaboração própria
Para cada componente da matriz de análise, foram selecionadas do banco PMAQ-AB
variáveis correspondentes ao estudo, cotejando-se informações dos profissionais
e dos usuários em cada uma das dimensões estabelecidas.
Para este estudo, foram selecionadas variáveis dos questionários respondidos
pelas 16.566 equipes de Saúde da Família (EqSF) que participaram do PMAQ-AB,
representando aproximadamente 50% do total das EqSF existentes no país no ano
de 2012. Foram selecionadas variáveis de estrutura das 13.438 UBS nas quais
atuam as EqSF avaliadas, bem como variáveis dos 62.505 questionários de
usuários vinculados às EqSF integrantes do PMAQ-AB.
O estudo baseou-se majoritariamente em variáveis do questionário direcionado
aos profissionais: foram selecionadas 36 variáveis do módulo II, 16 variáveis
do módulo III e três variáveis do módulo I. As variáveis de cada uma das
dimensões e componentes estão listadas nas tabelas de resultados
correspondentes.
A estratégia de análise utilizada no estudo parte da agregação dos dados por
estratificação dos municípios, segundo porte populacional. A utilização dessa
estratégia de análise se justifica em função do modelo de descentralização do
sistema de saúde brasileiro, onde o município é o ente federado com
responsabilidade e autonomia para executar as ações de saúde no primeiro nível
de atenção, em seus limites territoriais. O tamanho da população é um elemento
fundamental para a configuração de uma rede integrada de serviços de saúde,
aspecto fundamental para efetivar, na prática, o conceito de APS abrangente. A
organização da rede de serviços de saúde, nessa perspectiva, implica
necessariamente a definição de bases populacionais maiores, essenciais à
organização de cuidado especializado (KUSCHNIR_ET_AL.,2010)
Os resultados foram analisados nos seguintes estratos de municípios por porte
populacional: até 10.000 habitantes (2.477 EqSF em 1.643 municípios); de 10.001
a 20.000 habitantes (2.775 EqSF em 951 municípios); de 20.001 até 50.000
habitantes (3.526 EqSF em 774 municípios); de 50.001 até 100.000 habitantes
(1.785 EqSF em 252 municípios); de 100.001 até 500.000 habitantes (2.990 EqSF
em 205 municípios); mais de 500.000 habitantes (3.013 EqSF em 32 municípios).
Aspectos éticos e conflitos de interesse
De acordo com as normas éticas em pesquisa envolvendo seres humanos, o estudo
foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisas em Seres Humanos da
Ensp/Fiocruz, e recebeu o parecer Nº 32.012 em 06/06/2012.
Os autores declaram não haver conflito de interesses. Os autores pesquisadores
integrantes de uma IES participaram direta ou indiretamente da avaliação
externa do PMAQ-AB, programa financiado pelo Departamento de Atenção Básica do
Ministério da Saúde.
Resultados
Os resultados, apresentados a seguir, estão organizados por dimensão e
variáveis correspondentes.
Porta de entrada preferencial à rede de atenção: porta aberta e resolutiva
A análise da dimensão 'Porta de entrada preferencial à rede de atenção aberta e
resolutiva' tem uma complexidade de componentes que ora realçam seu caráter
aberto do ponto de vista organizacional (funcionamento, acolhimento,
organização da agenda, formas de atendimento e acessibilidade) ora seu caráter
resolutivo, com ênfase na oferta de ações pelas EqSF e seus apoios matriciais.
Sempre se leva em consideração na avaliação a perspectiva das equipes e dos
usuários como contraponto à normatividade proposta pela gestão.
Para tratar da subdimensão 'aberta', ou seja, a garantia de acesso e
acessibilidade dos serviços de AB, alguns componentes foram destacados, como
'horários e dias de funcionamento da UBS', 'existência e frequência do
acolhimento pela EqSF', 'reserva de vagas para atendimento da demanda
espontânea', 'realização e busca por atendimento de urgência e emergência',
'organização da agenda e acesso a consultas de AB'. Com isso, privilegia-se
observar o funcionamento da UBS a partir de uma avaliação por profissionais da
EqSF e usuários, das facilidades ou barreiras do acesso, em tempo oportuno, e
de acordo com as necessidades da população.
Na tabela_1, observa-se que, no Brasil, a maioria das UBS onde atuam as equipes
participantes do PMAQ-AB (83%) se encaixa no funcionamento considerado como
mais acessível - no mínimo cinco dias na semana, com a carga horária de oito
horas ou mais. Dentre os municípios com equipes que aderiram ao PMAQ-AB, quanto
maior o porte populacional do município, maior a quantidade de UBS que
funcionam dessa forma, exceto para o estrato de mais de 500 mil habitantes.
Tabela 1 Subdimensões e indicadores da APS como porta de entrada preferencial à
rede de saúde: porta aberta - equipes SF participantes do PMAQ-AB*, segundo
municípios por porte populacional, Brasil, 2012
10.001 20.001 50.001 500.001
Até 10.000 - - - 100.001500.000 hab ou Brasil
Indicadores hab 20.000 50.000 100.000 hab mais
hab hab hab
% % % % % % %
Horários e turnos de funcionamento
UBS que funcionam:
5 dias ou mais e 8h ou mais 78,6 80,1 83,3 85,9 88,8 83,5 83,1
Nos fins de semana 20,1 9,4 7,5 8,8 11,8 18,8 12,0
Algumas vezes no fim de semana 20,6 23,7 25,5 25,5 30,6 25,3 25,1
Usuários avaliam que o horário de funcionamento da UBS atende a suas 89,9 88,4 87,1 87,5 83,3 83,6 86,4
necessidades
Acolhimento
EqSF com acolhimento:
5 ou mais dias da semana 58,2 61,5 68,2 70,1 78,1 85,8 70,8
2 ou mais turnos e 5 ou mais dias da semana 59,2 61,1 66,0 66,8 73,5 78,6 67,9
Usuários responderam que não conseguem ser escutados na UBS, sem ter 12,4 14,1 15,9 17,5 20,9 22,8 17,4
hora marcada
Atendimento à demanda espontânea
EqSF reservam vagas para atendimento no mesmo dia 90,4 92,2 93,5 93,2 93,1 93,3 92,7
EqSF agendam consultas para não integrantes de grupos prioritários em 78,5 84,0 85,0 82,1 82,3 87,6 83,5
qualquer dia
Atendimento de urgência e emergência
EqSF realizam atendimento de urgência e emergência 72,8 63,2 67,5 67,5 79,6 85,3 73,0
Usuários que, em caso de urgência, procuraram a UBS e conseguiram ser 89,7 85,5 84,5 82,3 77,5 76,5 82,5
atendidos na mesma hora, sem ter consulta marcada**
Usuários que, quando precisaram, não buscaram a UBS para atendimento de 28,6 37,6 37,7 35,2 34,4 33,5 34,6
urgência***
Usuários não buscaram a UBS na urgência, porque****:
Não atende urgência 22,0 24,9 29,1 30,8 36,2 44,5 31,7
Estava fechada 44,4 42,0 39,1 35,2 29,5 22,8 35,1
Organização da agenda e acesso a consultas de Atenção Básica
EqSF agendam consulta qualquer dia da semana, em qualquer horário 53,9 54,3 54,9 52,7 49,8 64,0 55,1
Usuários marcam consulta:
Indo à UBS a qualquer hora 25,0 24,8 26,1 25,9 25,6 38,7 28,0
Indo à UBS, pegando ficha e fazendo fila antes de a UBS abrir 31,4 29,7 33,2 35,6 37,3 19,2 30,8
Indo à UBS e pegando ficha 27,9 27,3 23,6 21,8 18,1 22,5 23,5
Por telefone 4,2 2,7 1,9 1,2 2,5 0,9 2,2
Usuários relatam que a marcação de consulta pode ser feita:
Todos os dias 67,4 57,5 55,6 54,9 48,6 60,4 57,2
A qualquer hora do dia 27,4 24,8 22,2 21,7 19,6 27,1 23,8
Fonte: Banco de dados PMAQ-AB, primeiro ciclo, 2012
*Número de UBS nas quais atuam as Equipes de Saúde da Família: 13.843; Número
de Equipes de Saúde da Família: 16.566; Número de usuários: 62.505
**Número de usuários que, em caso de urgência, procuraram atendimento na UBS:
25.754
***Número de usuários que necessitaram de atendimento de urgência: 39.400
****Número de usuários que não buscaram a UBS em caso de urgência: 13.646
Essa configuração chamada de 'acessibilidade temporal' é comparável a estudo
sobre municípios brasileiros de grande porte, em que a acessibilidade
considerada adequada em um município obedecia ao padrão de atendimento de três
turnos e aos sábados. Nos demais municípios, o horário de funcionamento de 8h
às 17h era apresentado como fator dificultador do acesso da população de
trabalhadores aos serviços de saúde (ESCOREL_ET_AL.,_2007). Logo, podemos
supor, de acordo com os resultados do PMAQ-AB comparado a esse estudo, que pelo
menos 17% das UBS não possuem acessibilidade temporal. Essa afirmação é
reforçada quando se compara o funcionamento das UBS nos fins de semana, o que
ocorre em apenas 12%, com destaque para os municípios de até 10.000 habitantes
(20%) e de mais de 500.000 habitantes (19%). Observando-se o funcionamento das
UBS algumas vezes no fim de semana, esse percentual é um pouco mais expressivo,
correspondendo a 25% das unidades em nível nacional.
Ao analisar-se a percepção dos usuários, verifica-se que avaliam positivamente
o horário de funcionamento das UBS quanto ao atendimento de suas espectativas,
especialmente nos municípios de menor porte populacional (90%).
O 'Acolhimento' é considerado diretriz operacional para reorganizar a lógica de
funcionamento dos serviços de saúde na prestação do cuidado. Observa-se, na
tabela_1, que a equipes realizam a prática de acolhimento com forte
regularidade indicando integração desta atividade no processo de trabalho: 68%
das EqSF informam disponibilidade de acolhimento em todos os dias e turnos de
funcionamento da UBS. Há uma variação dessa proporção quanto ao porte
populacional dos municípios: quanto menor o porte populacional do município
menor a frequência de realização de acolhimento cinco ou mais dias na semana e
em dois ou mais turnos.
O acolhimento vem sendo, ao longo do tempo, valorizado como prática e
preconizado como característica do processo de trabalho na ESF e atribuição
comum a todos os membros da equipe multiprofissional, favorecendo a ampliação
do acesso aos serviços da APS. Todavia, encontram-se alguns desafios para a
operacionalização e qualificação do acolhimento, a depender do profissional que
o realiza, e como, por exemplo, a ausência de articulação em redes integradas
(MITRE;_ANDRADE;_COTTA,_2012).
Já o 'atendimento à demanda espontânea', tem como objetivo avaliar como a APS
atua como serviço de primeiro contato e garante o acesso oportuno e universal
dos usuários às ações de saúde, independentemente de sua condição de membro de
grupos prioritários/programáticos. De acordo com a tabela_1, 93% das EqSF
declaram que reservam vagas para atendimento no mesmo dia, comportamento
semelhante aos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), em
que 96% da população entrevistada declarou ter sido atendida na primeira vez em
que buscou atendimento (IBGE, 2008).
Nesse sentido, em menor proporção, 83,5% das EqSF entrevistadas dizem agendar
consultas para grupos não integrantes dos 'programas de saúde', destacando-se
uma variação para menos nos municípios de menor porte (78,5%) e para mais nos
de maior porte (88%). Isso indica que, nos municípios menores, o foco pode se
constituir nas atividades programadas de saúde e vigilância. O atendimento à
demanda espontânea inclui também respostas assistenciais às situações de
urgência e emergência. A realização de 'atendimento de urgência e emergência'
foi informada por três quartos das equipes (73%). Todavia, 35% dos usuários
afirmam que não buscaram atendimento de urgência e emergência nas UBS quando
precisaram. Entre os que procuraram atendimento nas UBS, 82,5% relatam ter
conseguido, em caso de urgência, ser atendidos na UBS na mesma hora e sem
consulta marcada. Observa-se, nesse caso, uma variação decrescente do menor
para o maior porte populacional, possivelmente pela ausência ou insuficiência
de serviços de urgência e emergência nas cidades menores.
Entre os usuários que necessitaram atendimento de urgência e não buscaram a
UBS, as principais razões apontadas foram: a unidade não atende a urgência
(32%) e a UBS estava fechada no momento da urgência (35%). No primeiro caso,
quanto maior o porte populacional maiores as proporções de UBS que não atendem
urgência e, em relação ao segundo, quanto maior o porte populacional, menores
são as possibilidades de a UBS estar fechada. Em suma: municípios de menor
porte atendem mais urgências, mas apresentam maiores limitações de
acessibilidade temporal.
Quanto e à organização da agenda e ao 'acesso a consultas de AB' das EqSF, 55%
dos profissionais relatam que as UBS agendam consultas a qualquer hora, em
qualquer dia, enquanto apenas 28% dos usuários relatam conseguir agendar
consulta indo à unidade a qualquer hora. Em ambos os casos, destacam-se os
municípios com mais de 500.000 habitantes, com maiores percentuais,
respectivamente, 64% no caso das respostas dos profissionais e 39 % nas dos
usuários.
Outras formas de marcação de consultas chamam muito atenção pelo grau de
dificuldades, que representam para osob usuários. O acesso a marcação de
consultas por meio de distribuição de fichas nas UBS representam 23,5% das
respostas dos usuários, sendo maiores nos municípios de até 10.000 habitantes
(28%) e nos de até 20.000 habitantes (27%). Um grau de dificuldade ainda maior
pode ser observado nas UBS onde, além de pegar a ficha, o usuário ter que fazer
fila antes da unidade abrir, resposta indicada por 31% dos usuários.
Outras duas formas de agendamento propostas no questionário PMAQ-AB foram a
marcação de consultas por telefone, extremamente incomum (2%), e a marcação
pelo agente comunitário de saúde, que abarcou 11,5% das respostas dos usuários.
Os usuários relatam que o agendamento pode ser realizado todos os dias (57%),
sendo maiores os percentuais em municípios de até 10.000 habitantes (67,5%) e
nos de 500.000 habitantes (60,5%).
Segundo a PNAD Saúde (IBGE, 2008), os usuários que relataram não ter conseguido
atendimento na primeira vez que procuraram o serviço de saúde nas últimas duas
semanas, informaram como motivos: a falta de vaga ou não terem conseguido senha
(39,6%), seguido por falta de profissionais médicos (34,6%), o que reafirma a
lógica observada no PMAQ-AB de atendimento por 'ficha, senha', i.e., quantidade
de vagas limitadas. Esses achados remetem necessariamente à discussão sobre as
limitações no acesso que ainda prevalecem nos serviços de APS do Brasil.
A subdimensão 'resolutiva' para APS como porta de entrada preferencial à rede
de saúde analisa, por um lado, a 'oferta de ações pela equipe' sob a
perspectiva dos profissionais (recebimento ou disponibilidade de procedimentos
e recursos) e dos usuários (satisfação das necessidades, facilidade de acesso a
consultas e disponibilização de recursos na unidade). Por outro lado, analisa a
'oferta de apoio de outros profissionais' à equipe de Atenção Básica pelos
Núcleos de Apoio à SF e seus especialistas selecionados e pelos Centros de
Atenção Psicossocial (tabela_2).
Tabela 2 Subdimensões e indicadores da APS como porta de entrada preferencial à
rede de saúde: porta resolutiva - equipes SF participantes do PMAQ-AB*, segundo
municípios por porte populacional, Brasil, 2012
10.001 20.001 50.001 100.001- 500.001
Indicadores Até 10.000 - - - 500.000 hab ou Brasil
hab 20.000 50.000 100.000 hab mais
hab hab hab
% % % % % % %
Oferta de ações pela equipe
EqSF recebem medicamentos suficientes da farmácia 69,4 66,0 68,6 66,3 68,4 66,2 67,6
básica
Usuários afirmam que quando o medicamento é
receitado:
Sempre disponível 32,0 28,7 27,9 28,6 30,2 38,2 31,1
Algumas vezes disponível 50,2 50,0 53,8 53,8 53,8 51,7 52,2
Nunca disponível 5,5 7,0 7,3 7,2 8,1 6,4 6,9
Nunca disponível ou UBS não entrega medicamento 17,8 21,3 18,3 17,6 15,9 10,1 16,7
EqSF realizam:
Coleta de material para exames 48,4 34,3 40,0 46,6 55,7 87,7 52,5
Todas as vacinas do calendário básico 84,0 75,4 77,3 81,1 83,8 91,9 82,2
Procedimentos 73,5 66,3 64,3 58,9 56,5 57,7 62,8
Usuários relatam que:
A equipe busca resolver as necessidades na própria 76,4 74,4 73,2 74,3 71,0 69,6 72,9
UBS
Têm facilidade para saber os resultados dos exames 74,5 66,8 64,5 65,3 62,9 63,0 65,9
Mulheres relatam ter feito**:
A maioria das consultas de pré-natal na UBS de 75,3 73,4 72,4 65,0 67,1 70,7 70,9
referência
Sete ou mais consultas de pré-natal 77,7 75,1 75,6 75,6 77,6 74,1 76,0
Apoio de outros profissionais
EqSF recebem apoio:
De outros profissionais 81,8 85,2 91,9 91,6 88,3 92,7 88,7
Do NASF 33,7 45,8 66,0 77,4 70,1 86,9 64,3
Do CAPS 21,3 27,0 52,3 64,8 60,2 57,4 47,7
Psicólogo 28,7 39,4 55,6 66,4 60,9 73,9 54,9
Fisioterapeuta 24,6 34,5 56,1 64,9 50,1 72,0 51,2
Nutricionista 23,2 33,0 54,4 64,9 52,5 65,8 49,7
Assistente Social 17,3 26,4 46,6 55,2 49,7 57,5 42,9
Farmacêutico 12,6 15,6 23,8 29,9 32,7 36,8 25,7
Ginecologista 6,0 12,8 18,9 20,4 14,7 20,1 15,8
Pediatra 6,5 11,1 17,5 17,9 17,0 18,4 15,1
Psiquiatra 4,7 10,0 9,1 9,3 13,7 23,7 12,3
Fonte: Banco de dados PMAQ-AB, primeiro ciclo, 2012.
*Número de UBS nas quais atuam as Equipes de Saúde da Família: 13.843; Número
de Equipes de Saúde da Família: 16.566; Número de usuários: 62.505
**Número de mulheres com filhos com até dois anos de idade: 8.252
No componente 'oferta de ações pela equipe' observa-se que 68% das EqSF relatam
receber medicamentos suficientes da farmácia básica, não havendo quanto a essa
variável diferenças substantivas entre os municípios de distintos portes
populacionais. O mesmo não ocorre quanto à realização de coleta de material
para exame pela EqSF. Observa-se que 52,5% do total de EqSF realizam coleta
para exame, com destaque para municípios de mais de 500 mil habitantes, em que
88% das EqSF realizam essa ação. Quanto à oferta de vacinas, 82% das EqSF
entrevistadas declaram que realizam todas as vacinas do calendário básico. Nas
cidades de grande porte, essa ação é realizada por 92% das equipes. O
calendário básico de vacinas é composto de treze itens imunobiológicos
preconizados pela Política Nacional de Imunização e são: BCG-ID; Dupla tipo
adulto-dT; Febre amarela; Influenza sazonal; Hepatite B; Meningocócica C;
Pneumocócica 10 e 23 valente; Poliomielite oral; Tríplice viral e tríplice
bacteriana; Tetravalente; Vacina oral de Rotavirus Humano.
A realização de procedimentos/pequenas urgências (drenagem de abscesso, sutura
de ferimentos, retirada de pontos, lavagem de ouvido, extração de unha,
nebulização/inalação, curativos, medicação injetável intramuscular e
endovenosa) pelas equipes nas UBS nos municípios alcança 63% das equipes no
país, sendo mais realizada nos municípios de pequeno porte - até 10 mil hab.
(73,5%) ou de 10 até 20 mil hab. (66%) - do que nos municípios com mais de 500
mil hab. (58%) (BRASIL, 2012).
Ao analisar-se a resolutividade da porta de entrada na percepção dos usuários,
31% deles afirmam que os medicamentos sempre estão disponíveis quando
receitados. Essa percepção é mais forte entre os usuários de municípios com até
10 mil habitantes (32%) e entre os municípios com mais de 500 mil hab. (38%).
Contudo, 73% dos usuários consideram que a equipe busca resolver suas
necessidades na própria unidade; 66% relatam ter facilidade para saber os
resultados dos exames. No que diz respeito à atenção à saúde da mulher
gestante, 71% das usuárias relatam ter feito a maioria das consultas de pré-
natal na UBS e 76% relatam ter feito sete ou mais consultas de pré-natal.
O 'apoio matricial em saúde', que se introduziu mais recentemente na APS com a
implementação dos NASF, objetiva assegurar retaguarda especializada a equipes e
profissionais encarregados da atenção a problemas de saúde das pessoas.
Caracteriza-se como um dispositivo importante para ampliação da clínica com
maior resolutividade e abrangência da ação em APS. O NASF compõe-se de oito
áreas estratégicas de apoio às EqSF, as quais correspondem oito especialidades:
atividade físicas/práticas corporais, práticas integrativas e complementares,
reabilitação (fisioterapia), alimentação e nutrição (nutrição), saúde mental
(psicologia e psiquiatria), serviço social (assistência social), saúde da
criança/adolescente/jovem (pediatria), saúde da mulher (ginecologia) e
assistência farmacêutica (farmácia). Esse dispositivo é mais uma alternativa
para ampliar o escopo das ações em APS atendendo as perspectivas de promoção,
prevenção e recuperação.
O apoio matricial pretende oferecer tanto retaguarda assistencial quanto
suporte técnico pedagógico às equipes de Atenção Básica. Sua presença também
supõe a contratação de profissionais especialistas e maior dependência da
construção compartilhada de diretrizes clínicas e sanitárias entre os
integrantes da equipe responsável pelo cuidado e os especialistas que oferecem
apoio matricial. Essas diretrizes clínicas devem prever critérios para acionar
o apoio dos especialistas e definir o espectro de responsabilidade tanto dos
diferentes integrantes da equipe de Atenção Básica quanto dos apoiadores
matriciais. Trata-se de uma metodologia de trabalho complementar aos mecanismos
de referência e contra referência e às centrais de regulação, que respondem a
uma estrutura hierarquizada do sistema. (GIOVANELLA;_MENDONÇA,_2012)
Na tabela_2, o componente 'apoio de outros profissionais' é apresentado pelo
levantamento junto às EqSF quanto a receberem apoio de outros profissionais em
geral, do NASF e do CAPS, a suas ações. Essa concepção de clínica ampliada em
APS está presente nos municípios com variações importantes nos portes
populacionais. O apoio do NASF é relatado por 64% das equipes. O apoio do CAPS
é reconhecido por 48% das equipes no país, mas ainda permanece em torno dos 20%
para os municípios de menos de 20 mil habitantes. O apoio do NASF diferencia-se
conforme se analisa a presença das oito especialidades. Destaca-se o apoio de
profissionais de psicologia (55%), fisioterapia (51%) e nutrição (50%), sendo
também expressivo o apoio do serviço social (43%). Observa-se que o apoio do
ginecologista e do pediatra do NASF é relatado por apenas 16% e 15% das EqSF,
respectivamente, no país.
Na abordagem de apoio matricial concebe-se que a relação entre sujeitos com
saberes, valores e papéis distintos - os especialistas e a equipe de Saúde da
Família - pode ocorrer de maneira horizontal, dialógica, não hierárquica. O
apoiador matricial é um especialista que agrega recursos de saber e contribui
com intervenções para aumentar a capacidade de resolver problemas de saúde da
equipe de Saúde da Família (GIOVANELLA;_MENDONÇA,_2012). Todavia, as variáveis
incluídas na avaliação externa do PMAQ-AB não permitem analisar esses processos
de trabalho.
Acesso a serviços de saúde especializados
As condições de acesso a serviços de saúde especializados (consultas e exames)
dos usuários do SUS atendidos por EqSF foram analisadas, considerando: as
formas e facilidade de agendamento para serviços especializados de pacientes
encaminhados pela EqSF; o tempo de espera para alguns serviços especializados,
estimado pelos profissionais; o monitoramento pelas EqSF de listas de espera
para serviços especializados de pacientes encaminhados; e a garantia de acesso
a serviços específicos - mamografia e maternidade (tabela_3).
Tabela 3 Subdimensões e indicadores de acesso a serviços especializados,
equipes SF participantes do PMAQ-AB*, segundo municípios por porte
populacional, Brasil, 2012
10.001 20.001 50.001 100.001- 500.001
Indicadores Até 10.000 - - - 500.000 hab ou Brasil
hab 20.000 50.000 100.000 hab mais
hab hab hab
% % % % % % %
Agendamento para serviços especializados
EqSF relatam que usuários saem da UBS com consulta especializada agendada 24,2 17,9 23,3 25,7 29,0 36,4 26,2
EqSF relatam que usuários têm consulta especializada:
Marcada pela UBS e data depois informada 48,7 39,5 47,7 61,0 78,5 89,5 61,1
Marcada por usuário na central de marcação 39,5 51,8 44,3 35,2 17,5 13,0 33,3
Recebem uma ficha de referência para profissional/serviço especializado 32,7 36,9 41,8 41,0 29,3 27,3 34,6
determinado
Recebem uma ficha de referência para algum profissional/serviço 18,0 21,7 24,8 24,1 19,3 14,6 20,3
especializado
Usuários relatam que ao necessitar de encaminhamento a outros
profissionais:
Saem da UBS com a consulta agendada 20,1 11,3 11,9 11,5 11,0 16,4 13,7
A consulta é marcada pela UBS e data depois informada 43,7 34,9 35,2 44,3 63,7 66,9 49,0
A consulta é marcada pelo usuário na central de marcação de consultas 16,5 25,2 22,1 14,6 7,5 4,6 14,8
Recebem uma ficha de referência e procuram o serviço indicado 16,8 24,9 26,6 25,3 14,6 10,1 19,2
Recebem uma ficha de referência e procuram o serviço que desejar 2,9 3,6 4,2 4,4 3,3 1,9 3,3
Usuários relatam que, ao precisar, a EqSF consegue marcar consulta com
outros profissionais:
Sempre 75,9 69,7 66,4 66,8 66,5 66,2 68,4
Algumas vezes 15,5 17,5 18,9 18,0 19,4 21,3 18,6
Não conseguem 8,6 12,8 14,7 15,2 14,1 12,5 13,0
Mulheres relatam ter:
Precisado fazer o exame de mamografia** 33,8 31,4 30,1 33,1 39,2 43,5 35,3
Conseguido fazer a mamografia ao precisar*** 89,7 88,1 85,8 88,4 89,1 88,1 88,1
Tempo de espera estimado para serviços especializados
Cardiologia
Até 30 dias 73,3 72,4 71,8 64,4 49,6 41,1 61,2
De 31 a 60 dias 14,0 14,2 14,8 20,1 20,4 18,5 16,9
De 61 a 90 dias 5,5 5,8 6,3 5,8 10,6 14,6 8,4
De 91 a 120 dias 1,6 1,3 1,5 2,3 4,9 6,0 3,1
De 121 a 180 dias 2,6 1,3 1,3 3,1 6,2 9,7 4,2
Mais de 180 dias 3,1 5,1 4,3 4,4 8,4 10,1 6,1
Ortopedia
Até 30 dias 65,8 67,9 70,6 63,5 42,7 24,9 54,1
De 31 a 60 dias 13,0 14,9 14,5 18,5 15,0 16,4 15,2
De 61 a 90 dias 8,0 5,4 5,2 7,2 12,2 16,3 9,4
De 91 a 120 dias 2,9 3,2 2,1 3,6 5,4 7,1 4,2
De 121 a 180 dias 3,6 3,4 2,7 3,4 7,2 13,0 5,9
Mais de 180 dias 6,7 5,3 4,9 3,7 17,5 22,4 11,1
Oftamologia
Até 30 dias 63,1 61,5 57,9 54,7 43,0 34,7 51,1
De 31 a 60 dias 15,3 16,3 17,1 16,7 15,8 17,9 16,6
De 61 a 90 dias 8,3 6,8 8,4 9,3 10,4 16,2 10,2
De 91 a 120 dias 3,2 3,9 3,1 3,4 5,1 7,3 4,5
De 121 a 180 dias 4,8 4,6 4,4 5,7 7,7 8,8 6,2
Mais de 180 dias 5,2 7,0 9,1 10,3 18,0 15,1 11,4
Monitoramento das listas de espera
EqSF monitoram lista de espera para:
Pacientes com Hipertensão Arterial 49,0 45,6 49,3 49,4 49,6 53,6 49,5
Pacientes com Diabetes Mellitus 47,8 45,2 48,1 50,0 49,3 54,7 49,2
Acesso a serviços específicos
EqSF possuem maternidade definida para as gestantes acompanhadas 85,9 77,0 82,4 86,2 81,9 85,2 82,8
Mulheres relatam que receberam orientação sobre a maternidade de 70,7 61,7 64,7 67,6 62,8 75,9 66,8
referência****
Fonte: Banco de dados PMAQ-AB, primeiro ciclo, 2012
*Número de UBS nas quais atuam as Equipes de Saúde da Família: 13.843; Número
de Equipes de Saúde da Família: 16.566; Número de usuários: 62.505
**Número de mulheres entrevistadas: 47.424
***Número de mulheres que precisaram fazer mamografia: 17.453
****Número de mulheres entrevistadas com filhos até dois anos que fizeram pré-
natal na UBS: 5.848
Observa-se uma variedade de formas de agendamento para serviços especializados
de pacientes encaminhados pelas EqSF com concomitância de diversas modalidades
para uma mesma equipe. A forma mais comum é a consulta especializada marcada
pela UBS com data informada posteriormente ao paciente, relatada por 61% das
EqSF (variando de 40% das EqSF de municípios entre 10 e 20 mil habitantes a 90%
das EqSF naqueles com mais de 500 mil hab.). Essa modalidade é confirmada por
49% usuários que informam esta experiência de uso. A segunda modalidade mais
presente de encaminhamento, segundo as equipes, é a ausência de agendamento
pela UBS: o paciente recebe uma ficha de encaminhamento e deve buscar um
serviço, informada por 35% das EqSF (com maior predomínio em cidades médias,
cerca de 40%). Todavia esta experiência é relatada por somente 20% dos
pacientes. Por outro lado, 26% das equipes informam ser possível o paciente
sair da unidade com a consulta especializada agendada; forma vivenciada por 14%
dos pacientes. Outra modalidade de marcação é a consulta marcada pelo próprio
usuário na central de marcação, informada por 34% das equipes e por 15% dos
usuários. Há discrepância de resultados entre as informações prestadas pelos
profissionais e aquelas prestadas pelos usuários, com percepção de maior
dificuldade de agendamento para consultas especializadas por parte dos
usuários. Os usuários tendem a ter respostas mais críticas com base em sua
experiência e dificuldades de acesso. Por outro lado, essa discrepância pode,
em parte, ser imputada a diferenças nas perguntas dos questionários. Para os
profissionais, solicitavam-se múltiplas respostas, enquanto para os usuários,
solicitava-se resposta única para a forma mais comum de agendamento de consulta
especializada.
A maior parte dos usuários informa facilidade no agendamento: 68% relatam que,
quando precisam, os profissionais das EqSF conseguem marcar uma consulta com
outros profissionais. Todavia, 13% dos usuários nunca conseguem marcar uma
consulta especializada quando precisam.
Para exemplificar as estimativas informadas pelos profissionais SF
entrevistados quanto ao tempo de espera, foram selecionadas três especialidades
para as quais uma maior proporção de equipes informou ter realizado
encaminhamentos nos últimos três meses: cardiologia (67% das EqSF realizaram
encaminhamentos), ortopedia (65%) e oftalmologia (65%). Para as três
especialidades, 50% ou mais das equipes estimaram tempo de espera de até 30
dias, com pior situação nas cidades com mais de 500 mil habitantes, onde mais
de 40% dos coordenadores das equipes estimaram tempo de espera maior que 90
dias para consulta em ortopedia; para oftalmologia, 32,5% das equipes estimaram
espera maior do que 90 dias. Note-se que mais de 15% das equipes estimaram
tempo de mais de 180 dias de espera para estas duas últimas especialidades.
A excessiva positividade dos resultados dessas variáveis contrasta com
resultados de pesquisas que identificam elevados tempos de espera (CARVALHO;
GIANINI,_2008) e com pesquisas de opinião que mostram os excessivos tempos de
espera como as principais queixas dos usuários do SUS (BRASIL, 2003), podendo-
se questionar a validade dessa variável. Cabe lembrar que não é uma variável
precisa, pois se refere a percepções dos profissionais e deveria ser validada
por dados administrativos dos sistemas de regulação. Ademais, pode-se deduzir
que as percepções dos entrevistados não se baseiam em acompanhamentos
específicos, pois apenas metade das equipes informa monitorar listas de espera
para pacientes com hipertensão ou diabetes mellitus, com pouca variação entre
os estratos de municípios. Menos de um terço das equipes comprovou com
documentos tal acompanhamento.
Para exemplificar o acesso a alguns serviços específicos, escolheu-se a
mamografia, para a qual 88% das mulheres relataram ter conseguido fazer.
Todavia, dada a baixa proporção de mulheres que informaram ter tido necessidade
do exame (35%), pode-se supor desconhecimento da necessidade de rastreamento.
Conforme preconizado, a partir dos 50 anos de idade, todas as mulheres deveriam
ser submetidas a uma mamografia a cada três anos.
O acesso à maternidade, como um dos fluxos mais organizados, é corroborado nos
dados PMAQ-AB: 66% das EqSF informam possuir maternidade definida para as
gestantes acompanhadas. Todavia, um terço das mulheres com filhos menores de
dois anos entrevistadas relataram não ter sido orientadas durante seu pré-natal
sobre sua maternidade de referência, o que chama a atenção, dadas as
iniciativas para conformação da rede cegonha no país pelo Ministério da Saúde.
Estratégias para integração da rede assistencial e coordenação do cuidado
Dois conjuntos de mecanismos para a coordenação assistencial são citados como
favoráveis à interação dos profissionais de diferentes pontos de atenção e,
consequentemente, à integração assistencial: (1) mecanismos normatizadores,
cujos instrumentos são os protocolos de prática clínica, mapas de atenção,
sistemas voltados para a formação continuada e a padronização de resultados; e
(2) mecanismos informais, de iniciativa dos próprios profissionais, cujos meios
de comunicação podem ser correio eletrônico, telefones, reuniões informais,
entre outros (NAVARRETE;_LORENZO,_2009).
A continuidade informacional é outro componente citado na literatura como
favorável à integração assistencial. Os prontuários eletrônicos, quando
utilizados de maneira integrada, ampliam as chances de comunicação entre a APS
e os especialistas e favorece a transmissão e compartilhamento de informações
sobre o pacientes entre os profissionais, com possibilidade de obter maior
colaboração entre os distintos níveis assistenciais (NAVARRETE;_LORENZO,_2009;
ALMEIDA_ET_AL.,_2010).
Para a análise das estratégias de integração da APS à rede assistencial e para
a coordenação do cuidado, verificou-se a existência dos seguintes mecanismos de
integração: continuidade informacional, ordenamento de fluxos assistenciais e
coordenação do cuidado clínico (tabela_4).
Tabela 4 Subdimensões e indicadores das Estratégias para integração da rede
assistencial e coordenação do cuidado - equipes SF participantes do PMAQ-AB*,
segundo municípios por porte populacional, Brasil, 2012
10.001 20.001 50.001 100.001- 500.001
Indicadores Até 10.000 - - - 500.000 hab ou Brasil
hab 20.000 50.000 100.000 hab mais
hab hab hab
% % % % % % %
Continuidade Informacional
EqSF com prontuário eletrônico implantado 11,6 7,2 6,2 5,2 10,6 41,0 14,2
EqSF com prontuário eletrônico integrado 7,6 5,5 5,4 4,0 9,6 31,6 11,1
Existência de central de regulação
EqSF dispõe de central de regulação 86,8 88,9 89,9 87,9 92,8 97,2 90,9
EqSF dispõe de central de marcação de consulta especializada 99,0 98,7 99,1 98,9 99,0 98,9 98,9
EqSF dispõe de central de marcação de exames 96,5 96,4 96,1 95,1 94,4 94,6 95,5
Ordenamento de fluxos assistenciais
EqSF possuem protocolos com definição de prioridades para 26,8 27,9 34,8 40,7 51,3 74,9 43,4
encaminhamento
EqSF possuem documento contendo as referências e fluxos do 48,3 39,5 48,3 53,4 69,7 83,9 57,8
território
EqSF com fluxos definidos para atendimentos:
Suspeita de câncer de mama 43,9 35,0 42,6 47,8 62,2 77,3 51,9
Suspeita de câncer de colo de útero 44,3 36,0 43,1 48,9 63,6 77,8 52,7
Parto (maternidade) 42,4 32,2 39,2 42,6 55,2 75,4 48,3
Coordenação do Cuidado Clinico
EqSF possuem protocolos para:
Câncer uterino 62,8 60,7 63,0 67,7 76,8 89,2 70,4
Pré-natal 67,5 66,5 70,2 70,8 84,0 92,9 75,9
Hipertensão Arterial 62,8 60,1 64,4 65,5 77,0 89,7 70,5
Diabetes Mellitus 63,3 60,1 64,8 65,2 76,9 89,6 70,6
EqSF fazem contato com especialistas:
Sempre 16,8 15,1 17,4 15,0 12,4 9,9 14,4
Algumas vezes 54,3 49,9 52,1 51,0 51,7 55,0 52,4
Nunca 28,8 34,9 30,4 34,0 36,0 35,1 33,2
EqSF são contatadas por especialistas:
Sempre 6,9 6,9 8,5 7,0 5,3 4,1 6,4
Algumas vezes 43,6 38,8 41,9 39,9 41,3 44,1 41,7
Nunca 49,5 54,3 49,7 53,1 53,5 51,7 51,9
UBS com fluxo de comunicação entre AB e AE 44,4 39,5 44,7 48,3 56,2 64,8 49,9
EqSF com ficha de referência/contra referência 76,0 78,4 82,5 84,6 88,3 84,0 82,9
EqSF discutem casos com especialistas 36,4 34,8 37,1 32,8 35,5 35,3 35,5
EqSF realizam reuniões técnicas com especialistas 14,6 19,1 27,5 28,8 32,5 29,1 26,2
EqSF com acesso a teleconferência e/ou tele saúde 30,8 21,1 16,1 13,5 11,8 20,1 18,5
EqSFque utilizam prontuários eletrônicos para se comunicar com 5,9 5,5 7,9 5,7 12,1 30,1 13,2
especialistas
EqSF com lista de contato de especialistas da rede 42,7 29,4 36,2 47,0 49,2 55,3 43,0
Fonte: Banco de dados PMAQ-AB, primeiro ciclo, 2012
*Número de Equipes de Saúde da Família: 16.566
Sobre a continuidade informacional, verificou-se que apenas 14% das EqSF
declaram dispor de prontuários eletrônicos. As diferenças percentuais se
acentuam quando se comparam as classes de municípios onde as equipes atuam. Nos
municípios com mais de 500 mil habitantes, 41% das EqSF declaram possuir
prontuários eletrônicos nas UBS, em relação a 5% das equipes das cidades entre
50 e 100 mil habitantes, por exemplo. Deve-se considerar, no entanto, que,
mesmo nos municípios com mais de 500 mil habitantes, mais da metade das equipes
não dispõem de prontuário eletrônico.
A existência de prontuários eletrônicos integrados com outros pontos de atenção
é ainda menos presente nas UBS. Entre as 16.566 EqSF participantes do PMAQ-AB,
apenas 11% declararam dispor de prontuários eletrônicos integrados com outros
pontos da rede de atenção. Destaca-se que, nas cidades com mais de 500 mil
habitantes, 32% das equipes dispõem de prontuários integrados.
Nota-se que há, na maioria dos municípios que aderiram ao PMAQ-AB, algum tipo
de sistema de agendamento de consultas e procedimentos diagnósticos e que de
alguma forma as EqSF têm acesso ao sistema para referir os usuários dos
territórios onde atuam. Dentre as EqSF entrevistadas, 91% declararam haver no
município uma central de regulação, 99% declararam existir central de marcação
de consultas especializadas e 95,5% referiram haver central de marcação de
exames. Percebe-se que quanto maior o porte populacional das cidades mais alto
é o percentual de respostas positivas para essas questões.
No entanto, em relação ao ordenamento de fluxos assistenciais, menos da metade
das EqSF (43%) referem dispor de protocolos que orientem a priorização de casos
que precisam de encaminhamento, e pouco mais da metade das equipes (58%)
declaram dispor de documentos contendo os serviços de referência e fluxos
pactuados pela gestão municipal para os atendimentos de usuários do território
da equipe.
Dentre as equipes que informaram haver referências e fluxos definidos no
município, 53% declararam haver fluxos definidos para câncer de colo de útero e
52% para os casos com suspeita de câncer de mama. Chama a atenção o fato que
apenas 48% das equipes declararam haver fluxos definidos para assistência ao
parto (maternidade), ainda que 83% das equipes tenham informado possuir
maternidade definida para as gestantes acompanhadas (tabela_3).
Sobre o uso de protocolos para a efetivação da coordenação do cuidado clínico,
observa-se que 70% das equipes dispõem de protocolos para a condução de casos
de câncer de colo uterino, 76% para pré-natal, 70,5% para hipertensão arterial
e 71% para diabetes mellitus.
Nota-se que a definição de referências e fluxos e a existência de protocolos
para a condução dos casos acima mencionados são mais frequentes entre as
respostas das EqSF que atuam nas cidades de maior porte populacional.
Com relação à interface da APS com a atenção especializada (AE), 14,5% das EqSF
declararam que sempre, e 52% algumas vezes entram em contato com especialistas
para trocar informações sobre pacientes encaminhados. Por outro lado, quando se
perguntou com que frequência o especialista entrava em contato com a EqSF para
trocar informações sobre os pacientes encaminhados, 52% declaram que os
especialistas nunca entram em contato com a EqSF.
Embora as características da relação na interface entre atenção primária e AE
sejam bem semelhantes no total de EqSF do país, pode-se dizer que nas menores
cidades há um pouco mais de possibilidade de interação entre os profissionais
dos dois pontos de atenção. Nas cidades de menor porte populacional, as equipes
foram mais positivas em suas respostas sobre as possibilidades de contato com
os especialistas do que nas cidades de maior porte, possivelmente mais
motivados por questões de proximidade e menos por iniciativas
institucionalizadas para a integração sistêmica.
Ainda assim 50% das equipes informaram haver algum tipo de fluxo de comunicação
entre AB e AE. O instrumento mais citado pelas equipes é a ficha de referência/
contra referência (83%), independentemente do porte populacional das cidades
onde atuam as equipes entrevistadas. A discussão de casos com especialista é
referida por 35,5% das equipes e 26% informaram realizar reuniões técnicas com
especialistas.
No que tange aos instrumentos para maior interação entre os profissionais da AB
e AE para a qualificação e resolutividade das práticas das equipes de SF,
apenas 18,5% das EqSF declaram ter acesso à teleconferência ou tele saúde para
comunicação com os especialistas. As equipes dos municípios com menos de 10 mil
habitantes foram as que mais referiram utilizar tais mecanismos de comunicação
(31%). Do total de equipes, somente 13% relataram utilizar o prontuário
eletrônico com essa finalidade, estando metade dessas equipes concentradas nas
grandes cidades.
Chama a atenção que apenas 43% das equipes responderam existir na UBS uma lista
de contato com os especialistas da rede SUS. Nos municípios com população entre
10 e 20 mil habitantes este percentual foi de 30%, indicando maior dificuldade
para uma possível comunicação.
Discussão
As características atribuídas a uma APS efetiva variam entre autores, mas há
certa concordância quanto a alguns componentes principais similares aos
propostos por Starfield_(2002). Kringos_et_al._(2010), em extensiva revisão
sistemática de literatura, propõem quatro dimensões essenciais para análise dos
processos em APS relevantes para o alcance de bons resultados: acesso,
continuidade do cuidado, coordenação do cuidado e integralidade ou abrangência
do cuidado (comprehensiveness). Esses autores apontam evidências relacionando
acesso a serviços de APS com continuidade, abrangência dos serviços prestados,
redução de desigualdades socioeconômicas e qualidade com menores taxas de
internação por condições sensíveis a cuidados ambulatoriais. Concordam, desse
modo, com Starfield_(2002) que essa é uma dimensão essencial de uma APS
robusta. Encontram também evidências de que a continuidade dos cuidados em APS
- em suas dimensões longitudinal, relacional e informacional - tem influência
na qualidade da atenção com melhoria nas práticas preventivas, estabelecimento
de diagnósticos mais precoces e promovem maior eficiência. Por sua vez, a
coordenação entendida como a habilidade dos prestadores de APS para coordenar o
uso de cuidados em outros níveis, o que inclui a função de porta de entrada e
filtro (gatekeeping) e a integração entre atenção primária e secundária,
apresenta relação com melhor qualidade e eficiência, segundo a revisão
realizada pelos autores. Do mesmo modo, oferta mais integral de serviços em APS
está associada à qualidade, equidade e saúde populacional (KRINGOS_ET_AL.,
2010).
A integração assistencial está fortemente relacionada com as noções de
continuidade e coordenação, havendo certa superposição nas definições destes
termos. Reconhece-se amplamente a contribuição da integração para a efetividade
e eficiência dos sistemas de serviços de saúde ao reduzir fragmentação,
paralelismo e duplicação de ações, intervenções desnecessárias (KODDER,_2009).
Os dados coletados nos inquéritos do PMAQ-AB permitem traçar amplo panorama da
APS e da atuação das EqSF em todo país. Os instrumentos aplicados englobam
variáveis referentes à: estrutura e condições de funcionamento das UBS, acesso
e qualidade da atenção, incluindo a organização do processo de trabalho,
coordenação e continuidade do cuidado na rede; e acesso e utilização para
diversas necessidades, participação e satisfação do usuário.
Sabe-se que, no ano de 2012, 95% dos municípios brasileiros contavam com um
total de 33.404 equipes implantadas, com potencial para abranger 55% da
população brasileira. Entretanto, os dados analisados sinalizam haver
disparidades importantes no acesso e na oferta de cuidados nas UBS dos
municípios visitados. Essas disparidades, em parte, espelham as condições de
desigualdade social do país, com repercussões importantes no acesso e uso dos
serviços de APS. A oferta de cuidados de uma EqSF pode ser mais ou menos
acessível, resolutiva, abrangente e integrada, a depender do lugar onde as
equipes atuam. Dados de contexto são cruciais para compreensão desses
resultados. As diferenças encontradas nos distintos portes populacionais dos
municípios podem significar diversidades no processo de institucionalização da
Estratégia de Saúde da Família em razão do histórico dos municípios quanto à
capacidade de gestão da AB, condições para articulação regional no que se
refere ao conjunto de recursos em saúde ou mesmo em relação às condições de
vida e saúde das populações.
Deve-se considerar que, no Brasil, é muito diversa a configuração dos 5.565
municípios em termos estruturais e quanto ao tamanho da população. Segundo o
Censo 2010 (IBGE,_2011), 2.513 municípios brasileiros (70,4%) são de pequeno
porte, com população até 20.000 habitantes, onde vivem 17,1% da população (32
milhões). Nas cidades consideradas de médio porte (1.368 municípios entre 20 e
100 mil habitantes) vivem 28,1% da população, o que corresponde a 53,6 milhões
de pessoas. Nas cidades com população maior do que 100 mil até 500 mil
habitantes (245 municípios) vivem 25,5% da população (48,5 milhões). As 38
cidades com mais de 500 mil habitantes concentram 29,3% da população (56
milhões).
Limites relacionados à seleção das amostras de equipes e usuários implicam
cautela na generalização dos resultados. As informações derivadas do banco de
dados correspondem ao conjunto de EAB que aderiram voluntariamente ao PMAQ-AB.
Pressupõe-se um viés de seleção positiva das equipes e de acentuação da
positividade das respostas. O Programa vincula o resultado da avaliação de
desempenho das equipes a repasses de recursos financeiros para o gestor
municipal. Há interesse tanto do gestor municipal como das equipes
participantes em fornecer respostas para o alcance dos melhores resultados. Do
mesmo modo, a amostra de usuários dos serviços de AB apresenta limitações e
vieses de seleção que aumentam a positividade dos resultados, posto que não
ocorreu seleção aleatória. Os usuários se encontravam na unidade básica de
saúde no momento da avaliação externa e tinham experiência anterior de uso.
Em relação à condição de porta de entrada preferencial, os resultados apontam
uma percepção das EqSF em geral mais positiva que a dos usuários. Pela visão
dos profissionais, as UBS apresentam a condição de uma porta aberta, com
destaque para alguns componentes do funcionamento: organização da agenda,
atendimento da demanda espontânea e acesso às consultas de AB. Por outro lado,
as respostas dos usuários, 'consumidores' diretos desses serviços de saúde,
apontam a importância de realizar avanços quanto à organização funcional, mais
visíveis no que tange ao acolhimento, à disponibilidade da UBS para consultas
de urgência e às formas de acesso às consultas. Os usuários identificaram que
para marcar consulta precisam fazer fila e pegar ficha antes da UBS abrir, a
despeito de as equipes atuarem nos moldes da Estratégia Saúde da Família.
Conclui-se que os profissionais e a gestão precisam ter escuta mais ativa no
que se refere à característica da APS como porta aberta e serviço de primeiro
contato, de forma a garantir a universalidade do acesso e uso contínuo e
adequado aos serviços de APS.
No que se refere à oferta de serviços e à resolutividade das ações realizadas
nos serviços de APS, são visíveis os espaços para o desenvolvimento de ações
que favoreçam a posição da APS como porta de entrada preferencial, com oferta
de cuidados regulares e resolutivos. Entre 20% e 45% das UBS não dispõe de
alguns dos serviços selecionados para verificação de sua resolutividade, dentre
eles vacinação e coleta de material para exames. Analisando o grupo materno-
infantil, aproximadamente 71% das mulheres entrevistadas mencionaram ter
realizado a maioria das consultas de pré-natal na UBS de referência e 76%
realizaram sete ou mais consultas de pré-natal, o que indica certa qualidade em
relação à resolutividade. Questões relacionadas a acesso, vínculo e qualidade
do cuidado devem ser consideradas nesse conjunto de serviços de APS.
Sobre o apoio de outros profissionais às EqSF, ficam evidentes as diferenças
entre as equipes que atuam nos distintos perfis de municípios. Apenas 34% das
equipes contam com equipe de apoio assistencial/matricial nos municípios com
menos de 10 mil habitantes. Pode-se dizer que, neste caso, a oferta de cuidados
na APS tende a ser restrita e com menor capacidade resolutiva se comparada à
condição das EqSF que contam com apoio de outros profissionais em contextos
municipais mais favoráveis.
Em relação ao acesso aos serviços especializados por intermédio dos serviços de
APS, ainda se constitui em desafio para a ampliação do escopo dos serviços de
APS e a superação da oferta restrita de cuidados. Embora haja diferenças
percentuais entre os municípios, ficam evidentes as dificuldades de articulação
da APS com a AE. Pouco mais de 1/4 das EqSF referem que seus usuários saem da
UBS com consulta especializada agendada e 1/5 dos usuários relatam que quando
necessitam ser encaminhados ao especialista recebem uma ficha de encaminhamento
e devem procurar pelo serviço indicado.
Os resultados analisados sobre as estratégias para integração da rede
assistencial e coordenação do cuidado apontam que ainda são incipientes as
ações nessa direção. A continuidade informacional entre AB e AE por meio de
prontuário eletrônico compartilhado está presente no processo de trabalho de
apenas 11% das equipes participantes do PMAQ-AB. Somente metade das EqSF dispõe
de referências/fluxos definidos para os atendimentos dos casos de suspeita de
câncer de colo do útero, mamas e para maternidades, no caso das gestantes
acompanhadas no pré-natal, a maior parte sem comprovação documental. Menos de
1/3 das equipes declararam nunca contatar o especialista para trocar
informações e discutir casos relativos aos pacientes encaminhados.
Tal condição afeta diretamente a capacidade de resposta resolutiva da APS,
i.e., a realização de cuidado adequado e oportuno dentro do SUS. Contudo, os
elementos associados à integração da APS são dependentes de ações sistêmicas,
extrapolam os limites da APS, mas têm implicação direta na sua condição de
serviço de procura regular e base para a ordenação da rede.
As diferenças encontradas nas condições de oferta e uso de serviços de APS,
principalmente nos municípios pequenos localizados em área rural e remota,
coloca em discussão a condição da gestão municipal de, isoladamente, responder
pelo conjunto de ações próprias da APS, conforme proposto na PNAB.
A formulação de políticas direcionadas para a conformação das redes
regionalizadas e hierarquizadas deve, sobretudo, enfrentar o problema da
qualidade e resolutividade das unidades básicas de saúde, ampliando serviços
ofertados e acesso oportuno - porta aberta e resolutiva - para que, desde o
primeiro contato do cidadão com os serviços de saúde do SUS, esteja presente a
perspectiva da garantia do atendimento equânime e integral.
Em conclusão, os resultados indicam que as equipes atuam cada vez mais como
porta de entrada preferencial, atendendo a demandas diversas e exercendo a
função de filtro para a atenção especializada. Contudo, persistem importantes
barreiras organizacionais para acesso, os fluxos estão pouco ordenados, a
integração da APS à rede ainda é incipiente e inexiste coordenação entre APS e
atenção especializada.