Comprometimento, características da cooperativa e desempenho financeiro: uma
análise em painel com as cooperativas agrícolas paulistas
1. INTRODUÇÃO
Há pouca divergência quanto à importância de um elevado nível de
comprometimento entre os cooperados e sua cooperativa (STAATZ, 1987; HENEHAN,
1992; BHUYAN, 2007). Apesar dessa importância, não há consenso sobre como
definir o comprometimento dos associados, o qual pode materializar-se em três
tipos distintos de comportamento (MENSAH et al., 2012, p.3): ser ou não ser
membro de uma cooperativa; a intensidade de transações realizadas entre cada
associado e sua cooperativa; o grau de envolvimento do cooperado com os
processos coletivos de tomada de decisão. Neste artigo analisa-se empiricamente
o segundo tipo de comprometimento, mais especificamente os fatores que
influenciam a decisão de um cooperado entregar ou não sua produção à sua
cooperativa agrícola. Essa face do comprometimento é importante porque reduz
problemas relacionados ao chamado efeito carona e facilita a capitalização da
organização cooperativa de forma mais estável e previsível, seja porque aumenta
a probabilidade de os associados entregarem sua produção (ZYLBERSZTAJN, 2002;
PASCUCCI, GARDEBROEK e DRIES, 2012), seja porque possibilita aos associados
identificarem na cooperativa uma relação de longo prazo e não uma opção de
mercado de curto prazo (FRONZAGLIA, 2005; BARRAUD-DIDIER, HENNINGER e EL
AKREMI, 2012).
Apesar da importância desse tema, somente nos últimos anos foi produzido um
volume maior de trabalhos empíricos que buscam identificar quais fatores
condicionam a decisão de o associado transacionar ou não com sua cooperativa
(BIJMAN, 2002; POZZOBON, ZYLBERSZTAJN e BIJMAN, 2011; BARRAUD-DIDIER, HENNINGER
e EL AKREMI, 2012; MENSAH et al., 2012; PASCUCCI, GARDEBROEK e DRIES,2012)(1).
Ainda assim, esses trabalhos fundamentaram seus testes empíricos em dados em
cross-section, alguns com amostras pouco representativas, o que limita
sobremaneira suas conclusões. Além dessas limitações, esses estudos buscaram
identificar quais características dos cooperados são mais importantes para
explicar sua decisão de transacionar com sua cooperativa. Poucas análises foram
feitas explorando quais características das cooperativas mais influenciam a
decisão por parte do cooperado de transacionar ou não, como, por exemplo, em
Pozzobon, Zilbersztajn e Bijman (2011). A principal vantagem de analisar as
características da cooperativa, e não dos associados, sobre o nível de
comprometimento é que gestores de cooperativas e formuladores de políticas
públicas podem agir mais facilmente sobre as primeiras, do que sobre seus
cooperados.
Diferentemente das análises anteriores, neste trabalho faz-se uso de dados em
painel, ou seja, um conjunto amplo de cooperativas agrícolas acompanhadas ao
longo do tempo ' no caso, 12 anos, entre 1989 e 2000. Há vantagens em fazer
análises usando dados com essas características: a amostra torna-se mais
representativa ' no caso, para o estado de São Paulo ', o que, por sua vez,
reduz possíveis problemas de viés de seleção e de colinearidade entre as
variáveis explicativas. Adicionalmente, dados em painel permitem que as
conclusões obtidas não fiquem limitadas a um único instante no tempo; além de
ser possível observar diferenças entre as cooperativas, é também possível
captar as mudanças ocorridas em cada cooperativa ao longo do período analisado.
Mesmo as variáveis que permaneceram fixas ao longo do período são passíveis de
controle de forma a evitar problemas de endogeneidade devido à correlação entre
regressores e características não observadas.
Além de identificar quais características de uma cooperativa agrícola melhor
explicam o nível de comprometimento de seus associados, neste estudo avaliou-se
qual é a influência desse comportamento sobre o desempenho financeiro de uma
organização cooperativa. Para responder essas duas questões, foi utilizado o
banco de dados do PIDCOOP (Programa Integrado de Desenvolvimento do
Cooperativismo), cujas informações foram coletadas pelo Instituto de
Cooperativismo e Associativismo (ICA) da Secretaria de Agricultura e
Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA) em três levantamentos realizados em
1989, 1992 e 2000.
O artigo divide-se em nove seções, incluindo esta introdução. Na próxima seção,
com base na literatura dos custos e benefícios da ação coletiva, levantam-se as
hipóteses sobre os determinantes do grau de comprometimento de cooperados, bem
como de seus efeitos sobre a ação coletiva e, por conseguinte, sobre o
desempenho das cooperativas. Essas hipóteses são testadas por meio de estudo
empírico, a partir de informações de cooperativas agrícolas paulistas. Nas
seções 3, 4, 5 e 6 apresentam-se, respectivamente, a metodologia, a base de
dados, as variáveis utilizadas para o estudo empírico e os resultados
esperados. Na seção 7 apresentam-se as estimações sobre a relação entre
características das coorperativas e nível de comprometimento, e na seção 8, os
resultados empíricos sobre a relação entre nível de comprometimento e
desempenho financeiro das cooperativas. Finalmente, a seção 9 contém as
considerações finais e recomendações para estudos futuros.
2. COOPERATIVAS E COMPROMETIMENTO
Neste artigo, considera-se uma cooperativa como uma organização criada por um
conjunto de indivíduos que compartilham algum interesse comum e percebem que,
por meio de uma organização formal, esse objetivo comum é mais facilmente
atingido (CHADDAD e COOK, 2004). Em uma cooperativa, esse interesse comum é a
oferta de um bem coletivo que pode ser a aquisição de uma máquina ou
equipamento de uso compartilhado, um maior poder de barganha que viabilize a
obtenção de preço mais favorável, seja para os insumos necessários ao processo
produtivo, seja para a venda da produção final (FULTON, 1999). Portanto, é
possível tratar a cooperativa como um grupo de indivíduos que se organizam para
ofertar um bem coletivo e, dessa forma, atender a um interesse comum.
Grupos de indivíduos são formados quando ações autônomas dificilmente são
capazes de atender ao interesse comum, sendo necessária, portanto, alguma
espécie de coordenação, formal ou não, das ações individuais. A organização na
forma de cooperativas é um dos possíveis desenhos para promover a coordenação
coletiva, havendo alternativas como a coordenação tácita ou a organização
hierárquica. De um modo geral, o contrato, tácito ou explícito, entre os
membros do grupo deve ser self-enforceable, ou seja, a sobrevivência do grupo
depende de sua capacidade de gerar benefícios líquidos a seus membros, de modo
a motivá-los a permanecer no grupo e a agir em seu interesse comum. Entretanto,
mesmo se todos os indivíduos compartilharem ao menos um interesse em comum ' o
interesse que levou à formação desse grupo ' e perceberem ganhos ao agirem na
direção desse interesse, não há garantias de que o grupo será capaz de motivar
as ações de interesse coletivo. A questão que se coloca é, portanto, por que,
mesmo nessas condições, o comprometimento de cada membro do grupo pode ser
insuficiente para o sucesso da realização do objetivo comum.
Antes de responder a essa questão, contudo, é necessário definir o que se
entende por comprometimento, tarefa especialmente relevante visto que não há
consenso na literatura a esse respeito. Neste artigo utiliza-se a mesma ideia
de comprometimento estabelecida por Hirschman (1970) e Henehan (1992): um
cooperado apresenta um comportamento de comprometimento quanto opera com sua
cooperativa, entregando-lhe sua produção ou transacionando com ela. Todavia, é
fácil reconhecer que essa definição é bastante limitada; por exemplo, para
Bijman (2002, p.23), comprometimento vai além de apenas transacionar com a
cooperativa; implica também entregar a produção na qualidade esperada.
A partir das ideias de Olson (1971), é possível afirmar que há quatro fatores
principais que podem afetar o comprometimento dos membros de um grupo para a
consecução de um objetivo comum:
• o quão diferentes ' ou até mesmo contraditórios ' são os outros
interesses de cada membro;
• a constatação de que o benefício percebido pela provisão de um bem
coletivo pode não compensar os custos necessários para obtê-lo;
• a percepção de que o benefício/custo de ter um comportamento
oportunista (por exemplo, comportamento de carona) pode ser menor do
que o benefício/custo para ofertar o bem coletivo;
• a inexistência de instrumentos de coerção que aumentem os
incentivos para que cada membro tenha um elevado comprometimento com
a realização do objetivo comum do grupo.
Esses fatores são condicionados por algumas características da cooperativa,
destacadamente: a natureza dos bens coletivos que estão sendo ofertados, isto
é, se são bens coletivos inclusivos ou exclusivos; o tamanho do grupo, que no
caso de uma cooperativa é o número total de associados no quadro social; a
existência de mecanismos de seleção e separação.
O tamanho do grupo ' isto é, o número de associados que a cooperativa possui em
seu quadro social ' é uma característica que pode condicionar fortemente o
comprometimento de cada membro. Os custos de coordenação das ações individuais
em direção de um propósito comum crescem à medida que aumenta o número de
participantes do grupo, seja pelos custos de negociação e estabelecimento de
acordos, seja pelos maiores incentivos ao comportamento oportunista. Este, em
particular, está diretamente associado ao tamanho do grupo, visto que os
benefícios coletivos são tanto mais privadamente apropriados quanto menor o
grupo, implicando menores incentivos ao comportamento de carona.
Na ausência de mecanismos de seleção ou de separação ' ou seja, instrumentos
que possam coagir um membro a agir na direção da realização do objetivo comum
', grupos menores apresentam maior probabilidade de conseguir ofertar bens
coletivos. Em grupos menores, é maior a fatia do benefício total que cabe a
cada membro, bem como maior será a participação de cada indivíduo no rateio dos
custos totais de provisão. Com isso, maior será a probabilidade de um bem
coletivo deixar de ser ofertado caso um membro deixe de contribuir com sua
parte para a provisão do bem. Além desse efeito direto nos incentivos, o menor
tamanho do grupo facilita o monitoramento pelos pares e, consequentemente, a
imposição de sanções variadas ao comportamento não cooperativo.
Em grandes grupos, o impacto da ação de um membro será fracamente percebido
pelo restante dos indivíduos, de tal modo que um comportamento individual
oportunista ou de lealdade terá pouco efeito sobre a percepção de custos ou
benefícios dos outros membros, tornando o monitoramento pelos pares menos
eficaz. Por outro lado, esse impacto será maior em pequenos grupos,
incentivando o comportamento de lealdade.
Em síntese, quanto maior o grupo, maiores serão os custos de coordenação para
alcançar os interesses coletivos, pois:
• menor será a fração do benefício total percebida por cada membro
e, consequentemente, menor a percepção do benefício gerado pela ação
coletiva
(2)
;
• maiores serão os custos de negociação, monitoramento pelos pares e
estabelecimento de um acordo.
Dessa forma, quanto maior o grupo, ceteris paribus, menor tende a ser o grau de
comprometimento de seus membros.
Em contrapartida, devido ao efeito escala, quanto maior o objeto da ação
coletiva (por exemplo, o tamanho do negócio gerido pela cooperativa), maiores
os benefícios da ação coletiva. O aumento da escala do negócio torna viável a
provisão de bens coletivos porque eles passam a beneficiar atividades que geram
maior valor para um mesmo custo de provisão do bem, dado seu caráter de bem não
rival para aquele grupo. Mais concretamente, uma cooperativa de grande porte
tem melhores condições de desenvolver uma marca comum para a comercialização de
produtos de seus associados, visto que os benefícios do uso da marca são também
apropriados por um volume maior de produção. Por esse motivo, espera-se que,
quanto maior o negócio gerido pela cooperativa, ceteris paribus, maiores os
benefícios da ação coletiva e, portanto, maior o nível de comprometimento de
seus membros.
É importante notar que os custos de provisão não incluem somente os custos de
aquisição e manutenção do bem coletivo, mas os custos de coordenar os processos
de tomada de decisão que tratarão dos usos e destinos desse bem (custos de
organizar o grupo, de comunicação entre os membros, de barganha, de criação, de
nomeação etc.). Da mesma forma, grupos pequenos terão, por um lado, menor
capacidade para ofertar bens coletivos, mas por outro terão menores custos de
coordenação. Em outras palavras, mantido constante o tamanho dos cooperados, o
aumento do grupo revela um trade-off entre ganhos de ação coletiva e custos de
coordenação. Como consequência, mesmo que os benefícios da ação coletiva sejam
inesgotáveis, os custos de coordenação crescentes impõem limites para o
crescimento de uma organização cooperativa.
Dado o tamanho do grupo (número de cooperados), os custos de coordenação podem
ainda variar conforme o grau de homogeneidade de interesse entre seus membros
(HENRIKSEN, HVIID e SHARP, 2011). A existência de conflito de interesse está na
base dos problemas contratuais e, portanto, na execução do contrato
multilateral entre os membros de uma cooperativa (HOLMSTRÖM, 1999). Por esse
motivo, cooperativas que reúnem cooperados com perfil de produção distinto ou
com aspirações divergentes devem apresentar menor grau de coesão de interesses
e, como consequência, menor grau de comprometimento entre os cooperados.
Mecanismos de seleção e de separação podem também ser importantes instrumentos
para aumentar o comprometimento de cada membro na direção da realização do
objetivo comum. Esses instrumentos têm como principal meta selecionar ou
separar os membros em dois subgrupos: aqueles que contribuíram para a provisão
do bem e aqueles que não contribuíram. Essa separação permite a construção de
incentivos seletivos, que podem ser tanto positivos quanto negativos, com o
objetivo último de tornar o comportamento cooperativo uma escolha
individualmente racional (HOLMSTRÖM, 1999).
Essas variáveis são todas mencionadas por Ostrom (1990) para sintetizar as
proposições derivadas da teoria da ação coletiva, as quais, como observa a
autora, também se prestam para explicar a emergência de instituições. Segundo
ela, "vários casos podem ser explicados tão somente por meio deste conjunto de
variáveis" (OSTROM, 1990, p.188). Entretanto, tais proposições enfocam apenas o
que a autora denomina variáveis "internas à situação", características
intrínsecas do problema de coordenação sobre as quais os grupos sociais teriam
pouca capacidade de influência (OSTROM, 2010, p.21). A autora expande a análise
da ação coletiva ao mostrar que normas sociais e o modo como se relacionam os
membros do grupo podem proporcionar um comportamento cooperativo, baseado em
confiança, para além daquele que seria esperado para uma base puramente
racional.
Esse aspecto foi mais profundamente desenvolvido pela literatura de economia
institucional, sobretudo em sua vertente que, seguindo o trabalho de Ostrom
(1990), deu ênfase aos conceitos de confiança e normas sociais (DIETZ, OSTROM e
STERN, 2003). Esses autores colecionam evidências de sociedades em que a ação
coletiva ocorre sem o uso de mecanismos formais de coação. Por meio de normas
sociais que prescrevem o comportamento cooperativo e sanções do grupo àqueles
que violam o comportamento prescrito, torna-se possível também a ação coletiva.
Entretanto, também a efetividade das normas sociais, que pressupõem
compartilhamento de crenças e modelos mentais entre todos os membros do grupo,
é reduzida à medida que cresce o número de participantes.
A história das cooperativas dinamarquesas, um caso paradigmático de sucesso da
governança cooperativa agrícola, mostra que a coesão social não foi suficiente
para assegurar a fidelidade de seus membros. O sistema legal e a utilização de
contratos formais desempenharam também papel central para o sucesso dessas
cooperativas, sobretudo na seleção e separação de cooperados (HENRIKSEN, HVIID
e SHARP, 2011)(3). Como consequência, a experiência dinamarquesa indica que
normas sociais e contratos formais têm funções complementares em promover o
comprometimento de cooperados.
De certo modo relacionada às normas sociais, a educação cooperativista também é
identificada na literatura como um importante determinante do grau de
comprometimento e fidelidade dos cooperados (STAATZ, 1987; BHUYAN, 2007). Por
tratar-se de organizações complexas, as cooperativas requerem estruturas de
governança particulares, seja em sua governança corporativa (COSTA, CHADDAD e
AZEVEDO, 2012), seja nos mecanismos de engajamento de seus membros (CANET-
GINER, FERNÁNDEZ-GUERRERO e PERIS-ORTIZ, 2010). Espera-se, portanto, que o
maior investimento em capital humano, em particular, em educação
cooperativista, esteja correlacionado com maior grau de comprometimento de
cooperados (STAATZ, 1987).
O comprometimento pode decorrer também da estratégia de relacionamento das
cooperativas com seus membros, a qual pode dar sustentação para um contrato
relacional self-enforcing. Entre as estratégias identificadas pela literatura,
pode-se destacar a distribuição de sobras (por exemplo, do resultado econômico
da cooperativa) e a participação dos cooperados na gestão. Barroso e
Bialoskorski Neto (2010), analisando o caso das cooperativas de crédito
paulistas, observam que a distribuição de sobras cumpre um importante papel de
incentivo na relação contratual entre os membros e a cooperativa. Um resultado
análogo é apresentado por Barraud-Didier, Henninger e El Akremi (2012), para
quem a participação na gestão está correlacionada com o comprometimento dos
membros, embora seu trabalho não avance na identificação da causalidade entre
essas duas variáveis. Em síntese, a avaliação dos determinantes do nível de
comprometimento dos cooperados deve observar também características da relação
contratual entre cooperativa e seus membros.
Conforme foi visto, o comprometimento do cooperado é influenciado por
características do grupo (tamanho da cooperativa e sua capacidade de ofertar
bens coletivos), dos próprios membros (grau de homogeneidade dos interesses
entre os associados), dos bens coletivos que estão sendo ofertados e dos
instrumentos de seleção e incentivo existentes entre as instituições do grupo,
o que permite formular hipóteses para subsequente estudo empírico sobre os
determinantes do grau de comprometimento em determinada cooperativa agrícola.
Além dessa pergunta principal, neste artigo também se investiga se, de fato,
cooperativas agrícolas que conseguem construir um ambiente de maior
comprometimento entre seus associados apresentam melhor desempenho financeiro.
A partir dessas reflexões, é possível elaborar um conjunto de hipóteses '
apresentadas na sequência ' relacionadas aos efeitos dos benefícios da ação
coletiva e dos custos de coordenação sobre o comprometimento dos associados com
a cooperativa e, posteriormente, avaliar se o nível de comprometimento dos
associados ajuda a explicar o desempenho financeiro da cooperativa.
Custos da ação coletiva
• Hipótese 1 O nível de comprometimento dos associados é
negativamente influenciado pelo número total de associados no quadro
social da cooperativa devido ao custo de coordenação incorrido para
ofertar bens coletivos.
• Hipótese 2 O nível de comprometimento dos associados é
negativamente influenciado pela maior heterogeneidade dos interesses
dos membros.
• Hipótese 3 O nível de comprometimento dos associados é
positivamente influenciado pelo investimento em capital humano feito
pela cooperativa para seus associados, notadamente sob a forma de
cursos sobre educação cooperativista.
Benefícios de ação coletiva
• Hipótese 4 O nível de comprometimento dos associados é
positivamente influenciado pelo tamanho da cooperativa, na hipótese
de que, quanto maior a cooperativa, maior será sua capacidade de
ofertar bens coletivos, ou seja, maiores serão os ganhos de ação
coletiva.
Efeito do nível de comprometimento sobre o desempenho financeiro da cooperativa
• Hipótese 5 Um maior nível de comprometimento influencia
positivamente o desempenho financeiro da cooperativa.
3. METODOLOGIA
Dada a carência de estudos empíricos sobre os determinantes do grau de
comprometimento de cooperados e seus efeitos sobre o desempenho de
cooperativas, neste artigo testam-se empiricamente, por meio do banco de dados
do PIDCOOP, as hipóteses levantadas na seção anterior. Mais especificamente,
são avaliados os efeitos do tamanho do grupo de associados, da capacidade de a
cooperativa ofertar bens coletivos e do grau de homogeneidade de interesses dos
cooperados sobre seu nível de comprometimento com a cooperativa.
O estudo empírico é realizado em duas partes. Na primeira, por meio de modelos
de painel com efeitos aleatórios, avalia-se quais são as características de uma
cooperativa agrícola que melhor explicam o nível de comprometimento dos
associados. Posteriormente, na segunda parte, é testado se o nível de
comprometimento dos associados é importante para explicar o faturamento de uma
cooperativa agrícola. Como essa estimação está sujeita a problemas de
endogeneidade, utiliza-se o método de mínimos quadrados em dois estágios e o
método dos momentos generalizados, ambos com auxílio de variáveis
instrumentais.
4. BASE DE DADOS
Os dados utilizados para testar empiricamente as hipóteses levantadas na seção
anterior foram extraídos do banco de dados do Instituto de Cooperativismo e
Associativismo (ICA) da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de
São Paulo (SAA), fruto de levantamentos realizados por meio dos Projetos de
Desenvolvimento Integrado do Cooperativismo de São Paulo (PDICOOPs).
O banco de dados com as informações consolidadas pelo PDICOOP foi constituído
por dados coletados junto às cooperativas agrícolas do estado de São Paulo em
três levantamentos realizados pela SAA, por meio da equipe do ICA, nos anos de
1989, 1992 e 2000. No total, foram entrevistadas 144 cooperativas em 1989, 136
em 1992 e 127 em 2000. Tais números correspondem aproximadamente a todas as
cooperativas agropecuárias paulistas registradas no Sistema OCB
(4)
nos respectivos anos.
5. VARIÁVEIS UTILIZADAS
5.1. Parte 1 ' características da cooperativa e nível de comprometimento
5.1.1. Variável dependente ' proporção de associados atuantes (nível de
comprometimento)
Estão disponíveis no banco de dados do PDICOOP para os três anos (1989, 1992 e
2000) informações sobre o número de cooperados atuantes em cada cooperativa
agrícola ' variável utilizada como proxy de comprometimento. Como não é
adequado utilizar o número absoluto de cooperados atuantes para medir
comprometimento, pois, nessa situação, haveria um viés a favor das cooperativas
com maior número total de associados, optou-se por utilizar como proxy para
comprometimento a proporção de associados atuantes com relação ao total de
associados da cooperativa. Embora essa variável não seja capaz de distinguir
diferentes qualidades de comprometimento de cada cooperado, como a intensidade
de sua participação, ainda assim ela separa cooperados atuantes de não
atuantes, permitindo testar as proposições levantadas na revisão teórica.
5.1.2. Variáveis explicativas
• Número total de associados
Conforme estabelecido na hipótese 1, quanto maior o tamanho do grupo,
maiores serão os custos de negociação e de tomada de decisão
coletiva, bem como maiores os incentivos para o comportamento do
carona, o que deve levar a um menor nível de comprometimento. Como
proxy para essa variável, utilizou-se o número total de associados
presentes no quadro social da cooperativa, uma vez que ele retrata
diretamente o tamanho do grupo responsável pela ação coletiva.
• Índice Herfindahl-Hirschmann para o faturamento da cooperativa
(HHI)
A fim de testar a hipótese 2, que estabelece uma relação positiva
entre homogeneidade de interesses e nível de comprometimento, optou-
se por uma medida do grau de concentração de diferentes produtos no
faturamento da cooperativa, como forma de mensurar quão alinhados ou
dispersos são os interesses dos cooperados com relação ao perfil de
sua produção. O índice de Herfindahl-Hirschmann (HHI) é um clássico
indicador de concentração amplamente utilizado em economia industrial
e em análises de mercado. No caso deste artigo, o HHI é o somatório
do quadrado da participação do faturamento de cada produto no
faturamento total da cooperativa.
sendo,
si = participação do faturamento do produto i no faturamento total
da cooperativa;
n = número total de produtos com os quais a cooperativa trabalha.
Esse índice fornece uma medida de quão concentrado é o faturamento de
uma cooperativa em determinado produto. O índice pode variar de 0 a
1, sendo tanto maior a concentração quanto maior o índice, de modo
que, quando o faturamento da cooperativa é resultado da transação de
um único tipo de produto, o índice é igual a 1.
Conforme mencionado, essa medida de concentração será utilizada como
proxy para homogeneidade de interesses, pois, de acordo com a
literatura, quanto maior a concentração da movimentação da
cooperativa em poucos produtos, isto é, quanto maior o HHI, mais
homogêneos serão os interesses dos cooperados e menores serão os
custos de coordenação (HANSMANN, 1996, p.136-140; BIJMAN, 2002,
p.52). Dessa forma, de acordo com a hipótese 2, espera-se que quanto
maior o HHI, maior o nível de comprometimento.
É importante ressaltar que a variável HHI, da forma como está
desenhada, não capta diferenças de interesse decorrentes da
heterogeneidade nas características dos produtos (POZZOBON, 2011,
p.19), tampouco se a diversificação da produção é homogênea entre
produtores, duas situações em que o HHI não traduz perfeitamente o
grau de homogeneidade de interesse entre produtores. Ainda assim,
essa variável capta uma importante fonte de heterogeneidade de
interesses entre os membros ' que pode ter origem também em suas
características pessoais (idade, nível de educação, participação das
atividades não agrícolas na receita total, objetivos comerciais,
aversão ao risco, crenças etc.) ou nas características de sua
propriedade (dimensão da tecnologia empregada, distância até a
cooperativa, diversidade de insumos adquiridos etc.) (POZZOBON,
ZILBERSZTAJN e BIJMAN, 2011, p.8).
• Investimento em capital humano (cursos e treinamentos)
A fim de testar a hipótese 3, que estabelece uma relação entre
investimento em educação cooperativista e nível de comprometimento
(STAATZ, 1987), utilizou-se como proxy a variável cursos e
treinamentos, que capta o investimento em capital humano feito pela
cooperativa para seus associados. Entretanto, a base de dados não
permite separar com precisão os cursos voltados à educação
cooperativista dos demais cursos ofertados (organização rural,
administração, produção rural, informática etc.). A presunção da
estimação aqui empreendida é de que a educação cooperativista tende a
ser maior quanto maior for o total de cursos oferecidos pela
cooperativa.
• Número de funcionários
A variável número total de funcionários será utilizada como proxy
para o tamanho da cooperativa, na suposição de que, quanto maior a
cooperativa, maior tende a ser seu número total de funcionários e
maior será sua capacidade de ofertar bens coletivos e,
consequentemente, maiores serão os ganhos de ação coletiva (hipótese
4).
5.1.3. Variáveis de controle
• Meios de comunicação com os associados (meios de comunicação)
Nos três levantamentos realizados pelo PDICOOP foram coletadas
informações sobre quais meios de comunicação as cooperativas
utilizavam para manter seus associados informados a respeito de suas
rotinas e decisões. Entre todos os canais de comunicação presentes no
banco de dados, apenas jornais, revistas, programas de TV ou de rádio
e outros estão disponíveis para todos os anos. Dessa forma, meios de
comunicação é uma variável binária que indica se a cooperativa faz
uso de pelo menos um desses canais (1) ou se não utiliza canal algum
(0).
• Ano de fundação e tempo de vida da cooperativa no momento da
entrevista
O tempo de vida da cooperativa foi calculado a partir da diferença
entre o ano em que se realizou o levantamento e o ano de fundação da
cooperativa. Essa variável apresenta vantagens quando comparada à
variável ano de fundação porque ' além de variar para uma mesma
cooperativa entre os anos pesquisados, o que permite o uso da técnica
de efeitos fixos sem que isso signifique perda da variável ' também
permite avaliar de forma mais apurada se existe um efeito de
aprendizado ou desgaste conforme a cooperativa vai se tornando mais
antiga. Embora, com a finalidade de testar a robustez da
especificação do modelo, tenham sido testadas ambas as proxies de
tempo, somente serão reportados os resultados referentes ao tempo de
vida da cooperativa.
5.1.4. Demais variáveis
Outras variáveis foram utilizadas para controlar algum outro efeito sobre a
variável dependente proporção de associados atuantes. São elas o número de
filiais da cooperativa, o número de singulares com que cada cooperativa mantém
sociedade e uma variável dummy (centrais), que indica se a cooperativa
participa de alguma central, federação ou confederação.
5.2. Parte II ' nível de comprometimento e desempenho financeiro
5.2.1. Variável dependente ' faturamento das cooperativas (faturamento por
cooperado)
O banco de dados do PDICOOP não conta com informações sobre o balanço
patrimonial das cooperativas agrícolas paulistas que pudessem representar seu
desempenho financeiro. Diante dessa limitação, foi utilizado o volume de
produção (em quantidades) desagregado por produto comercializado. Como o
faturamento é o resultado do produto entre quantidades e preços individuais,
foi possível construir essa proxy para desempenho financeiro a partir do volume
de produção ' informação disponível no banco de dados do PDICOOP para todos os
anos ' e de um vetor de preços individuais, elaborado com base em preços de
2000, coletados em diferentes fontes
(5)
. Dessa forma, todos os faturamentos foram calculados a valores de 2000,
utilizando o mesmo vetor de preços.
Embora esta não seja a única e tampouco a melhor medida de desempenho econômico
de uma cooperativa, trata-se da única disponível para um número expressivo de
cooperativas e em diferentes anos, o que permite tratamento empírico com maior
validade externa.
5.2.2. Variável explicativa
Para testar empiricamente a hipótese 5 deste artigo, a saber, se o nível de
comprometimento dos associados influencia significativamente o desempenho
financeiro da cooperativa, esta pesquisa tem como variável de interesse a
proporção de associados atuantes ' a proxy de comprometimento.
5.2.3. Variáveis de controle
Todas as demais variáveis já apresentadas, número total de associados, número
de funcionários, HHI, cursos e treinamentos, tempo de vida, meios de
comunicação, centrais, número de filiais e número de singulares serão
utilizadas como variáveis de controle.
Embora tenham sido entrevistadas 192 cooperativas no período (1989, 1992 e
2000), o que deveria fornecer 576 observações, estão disponíveis apenas 407
registros na base de dados. Essa diferença decorre do fato de que, no período,
66 cooperativas faliram (14 entre 1989 e 1992 e 52 entre 1992 e 2000) e 49
surgiram (6 entre 1989 e 1992 e 43 entre 1992 e 2000). Duas variáveis
(faturamento por cooperado e HHI) contam com apenas 295 observações, pois,
infelizmente, o banco de dados do PDICOOP não fornece informações sobre o
volume de produção de todas as cooperativas entrevistadas.
Conforme pode ser visto na Tabela_1, as medidas de dispersão (valor mínimo, 1º
quartil, mediana, 3º quartil e valor máximo) sugerem que os dados apresentam
razoável variação. A mesma conclusão pode ser aplicada às variáveis binárias
(Tabela_2), pois a frequência relativa de suas distribuições não apresenta
grande concentração em nenhum valor. Ainda sobre a variável faturamento por
cooperado, é importante ressaltar que o valor máximo observado para essa
variável chama a atenção pela sua magnitude. Tal valor sugere grande
probabilidade de presença de outliers que podem vir a distorcer os resultados a
serem obtidos e, consequentemente, demandarão um tratamento posterior mais
adequado.
No Quadro da página 230 apresenta-se uma síntese dos testes que serão
realizados.
6. RESULTADOS ESPERADOS
De acordo com a literatura, com as reflexões já apresentadas e com as variáveis
disponíveis, há um modelo teórico que sugere como algumas características de
uma cooperativa agrícola influenciam o nível de comprometimento de seus
cooperados. A partir desse modelo, acredita-se que o comprometimento do
associado (proporção de associados atuantes) seja:
• negativamente influenciado pelo número total de associados no
quadro social da cooperativa (proxy: número total de associados);
• positivamente influenciado pelo tamanho da cooperativa (proxy:
número de funcionários);
• positivamente influenciado pela maior homogeneidade dos interesses
dos membros (proxy: HHI);
• positivamente influenciado pelo investimento em capital humano
feito pela cooperativa para seus associados (proxy: cursos e
treinamentos).
Por fim, neste artigo também se propõe que um maior nível de comprometimento
(proporção de associados atuantes) influencia positivamente o desempenho
financeiro da cooperativa (proxy: faturamento por cooperado).
7. RESULTADOS EMPÍRICOS: CARACTERÍSTICAS DA COOPERATIVA E NÍVEL DE
COMPROMETIMENTO
A seguir serão apresentados os testes empíricos realizados para testar as
hipóteses 1 a 4, as quais tratam dos efeitos dos benefícios da ação coletiva e
dos custos de coordenação sobre o comprometimento dos cooperados. Primeiramente
serão apresentados os modelos estimados, suas diferentes especificações e,
posteriormente, seus resultados finais. O modelo 1 da tabela_3 foi estimado por
POLS com matriz robusta, pois, por meio de um teste de Bresuch-Pagan (chi²(1) =
9,23) foi detectada a presença de heterocedasticidade. Também foram realizados
testes de fator de inflação da variância (VIF) e não foram encontrados
problemas relacionados à multicolinearidade.
Quadro_1
Como os dados disponíveis estão organizados em forma de painel, foi estimado o
modelo 2 pela técnica de efeitos aleatórios, também com matriz robusta devido à
presença de heterocedasticidade e com a mesma especificação do modelo 1. O
teste de multiplicador de Lagrange de Breusch-Pagan não rejeita a hipótese da
existência de um componente fixo não observado. Dessa forma, o modelo de
efeitos aleatórios é preferível ao POLS por dar estrutura ao termo de erro
composto e, com isso, conferir maior eficiência à estimação. O teste de Hausman
não permite afirmar se o modelo de efeitos fixos oferece resultados superiores
aos de efeitos aleatórios.
De qualquer forma, em ambos os modelos irrestritos (modelo 1 e modelo 2), as
proxies para tamanho do grupo (número total de associados), tamanho da
cooperativa (número de funcionários), homogeneidade de interesses (HHI), tempo
de vida da cooperativa (tempo de vida), investimento em capital humano (cursos
e treinamentos) controladas pela participação da cooperativa em centrais,
federações e confederações (centrais) são fortemente significativas e
apresentam o sinal esperado. Em outras palavras, contribuem para explicar o
comprometimento dos associados, capturado pela proxy proporção de associados
atuantes.
No entanto, apesar dos resultados encontrados, é necessário fazer algumas
considerações adicionais sobre os dados disponíveis. Como algumas cooperativas
presentes na amostra faliram ou surgiram ao longo do período analisado (1989 a
2000), foram realizados alguns testes para avaliar a possível existência de um
viés de seleção. Isto é, foi avaliado se o fato de algumas cooperativas falirem
ou surgirem ao longo do período pode estar correlacionado com o termo de erro
da regressão e, portanto, causar viés nos coeficientes estimados. Neste artigo
foram utilizadas três técnicas para avaliar se há ou não viés de seleção.
Conforme sugere Wooldridge (2002, p.553), é possível construir uma variável
dummy (indicador) que será igual a 1 no período t se a cooperativa falir no
período t+1. Essa variável é incluída entre os demais regressores. Se sua
presença for estatisticamente significante, tem-se uma evidência de que podem
existir problemas de viés de seleção. O modelo 3 representa a especificação que
conta com a variável indicador. Como ela não se mostrou estatisticamente
significativa, diante dessa especificação, rejeita-se a hipótese de viés de
seleção.
O método utilizado no modelo 3 para testar viés de seleção é mais eficiente em
situações nas quais os indivíduos apenas saem da amostra. No caso deste artigo,
algumas cooperativas não saem da amostra, mas surgem ao longo do período. Nesse
caso, pode ser utilizada outra técnica. É possível construir uma variável que
indique quantas vezes cada cooperativa é observada na amostra. Essa variável
(número de observações) é incluída na regressão como uma das variáveis
explicativas. O modelo 4 testa a presença de viés de seleção utilizando essa
técnica. Como o coeficiente da variável número de observações não se mostra
estatisticamente significativo, mais uma vez rejeita-se a hipótese de viés de
seleção.
Por fim, foi realizado um último teste para avaliar se existem ou não problemas
de viés de seleção. Por meio de um teste de Hausman (HAUSMAN, 1978; WOOLDRIDGE,
2002, p.437; KENNEDY, 2008, p.144), foram comparados os coeficientes da
regressão que conta com todas as observações disponíveis na amostra (modelo 2)
com os coeficientes da regressão que utiliza somente as cooperativas que não
surgiram ou faliram no período em análise (modelo 5). Caso os coeficientes
possam ser considerados estatisticamente iguais, rejeita-se a hipótese de viés
de seleção. Como pode ser observado na Tabela_3, o teste de Hausman do modelo 5
sugere rejeitar, mais uma vez, a hipótese de viés de seleção.
Dado que os resultados dos modelos estimados anteriormente sugerem que não há
problemas de viés de seleção, a especificação de efeitos aleatórios é superior
à de efeitos fixos e as variáveis número de filiais e número de singulares são
estatisticamente não significativas, foi estimado o modelo de efeitos
aleatórios restrito (modelo 6), que exclui essas duas últimas variáveis.
De uma forma geral, os resultados apresentados pela Tabela_4 corroboram parte
das hipóteses já apresentadas. A hipótese 1 estabelece que o "nível de
comprometimento dos associados é negativamente influenciado pelo número total
de associados no quadro social da cooperativa devido ao custo de coordenação
incorrido para ofertar bens coletivos", sendo testada por meio da variável
número total de associados. Os resultados indicam que o efeito do número total
de associados, uma proxy para os custos de coordenação, tem um efeito
significante e consistentemente negativo sobre o nível de comprometimento de
cooperados, conforme esperado.
[/img/revistas/rausp/v48n2/a04tab04.jpg]
Uma segunda proxy para custos de coordenação é dada pela homogeneidade de
interesses dos cooperados, conforme estabelece a hipótese 2. A homogeneidade
dos interesses dos cooperados foi captada pela variável HHI, que mede o grau de
concentração do faturamento da cooperativa por produto. Conforme esperado,
cooperativas cujo faturamento é derivado de poucos ou, predominantemente, de um
produto apresentam maior grau de comprometimento, o que indica que a
homogeneidade de interesses reduz os custos de coordenação, facilitando a ação
coletiva.
A hipótese 3, mais relacionada à literatura de ideologia cooperativa, indica
que o treinamento de cooperados, sobretudo aquele voltado à educação
cooperativa, tem o efeito de elevar o grau de comprometimento dos associados.
Os resultados indicam que essa variável (cursos e treinamentos) também teve seu
sinal esperado, embora com menor grau de significância.
Finalmente, a hipótese 4 é fortemente corroborada pelos resultados empíricos
observados nas cooperativas paulistas. Conforme estabelece essa hipótese, o
nível de comprometimento dos associados é positivamente influenciado pelo
tamanho da cooperativa, controlado pelo número total de associados, uma vez que
maiores serão os ganhos derivados da ação coletiva. De fato, o tamanho da
cooperativa, tendo como proxy o número total de funcionários, tem um efeito
positivo, significante e bastante robusto sobre o comprometimento de
cooperados. Dado que o número de associados é uma variável controlada, conforme
cresce o tamanho da cooperativa, cresce o grau de comprometimento para um dado
número de cooperados. O crescimento da cooperativa pela mera agregação de
membros, portanto, não está associado a um crescimento do nível de
comprometimento.
Apesar de estatisticamente significante, o coeficiente de algumas variáveis
mostrou-se muito próximo de zero. Esse resultado pode ser uma característica da
unidade de medida de determinada variável, bem como de seu pequeno, porém
significante, poder para explicar o nível de comprometimento. Para avaliar a
contribuição de cada variável na explicação da variação de grau de
comprometimento dos associados, foi calculado o R² parcial de cada regressor do
modelo 6. Embora o R² parcial seja um método limitado para decompor a variação
da variável dependente entre as explicativas de uma regressão, seu resultado
pode trazer conclusões interessantes.
Conforme pode ser observado na Tabela_4, o tamanho do grupo (número total de
associados) responde por 2,75% da variação do nível comprometimento observado
nas cooperativas disponíveis no banco de dados do PDICOOP entre 1989 e 2000. De
maneira semelhante, o tamanho da cooperativa (número total de funcionários)
responde por 5,54%; homogeneidade de interesses (HHI), por 3,63%; investimento
em capital humano (cursos e treinamentos), por quase 2%; e o tempo de vida da
cooperativa (tempo de vida), por 1,45%. Portanto, dentre as variáveis
disponíveis e a partir desses resultados, tamanho da cooperativa, isto é, sua
capacidade de ofertar bens coletivos, é o principal elemento a condicionar o
grau de comprometimento dos associados, seguido pela homogeneidade de
interesses.
8. RESULTADOS EMPÍRICOS: NÍVEL DE COMPROMETIMENTO E DESEMPENHO FINANCEIRO
A seguir serão apresentados os testes empíricos realizados para testar a
hipótese 5, a saber, se o nível de comprometimento dos associados ajuda a
explicar o desempenho financeiro de uma cooperativa agrícola. Os modelos 1 e 2,
apresentados na Tabela_5, foram estimados por POLS e por painel com efeitos
aleatórios, respectivamente, ambos com matriz robusta
(6)
. De acordo com os resultados obtidos, o nível de comprometimento dos
associados afeta positiva e significativamente o faturamento de uma
cooperativa. Em outras palavras, quanto maior o comprometimento dos associados,
maior será o desempenho financeiro de uma cooperativa agrícola. No entanto,
como provavelmente devem existir problemas de endogeneidade entre desempenho
financeiro e comprometimento de seus associados, os resultados obtidos nos
modelos 1 e 2 podem ser viesados e inconsistentes, o que comprometeria as
conclusões anteriores. Problemas de endogeneidade surgem quando um modelo é
estimado na presença de uma variável explicativa endógena, uma variável que
está correlacionada com o termo de erro, no caso deste artigo, devido a
problemas de simultaneidade. Simultaneidade, por sua vez, ocorre quando pelo
menos uma variável explicativa ' no caso, proporção de associados atuantes ' é
determinada conjuntamente com a variável dependente (faturamento por
cooperado). No caso da hipótese 5, isso significa que, ao mesmo tempo que
comprometimento explica o desempenho financeiro, este explica o primeiro.
Para superar essa dificuldade, é necessário reestimar os modelos em dois
estágios: o primeiro para retirar a variação do regressor endógeno sobre os
demais regressores; o segundo estima o modelo original substituindo o regressor
endógeno por seus valores previstos gerados no primeiro estágio. Para utilizar
tal método, é necessário buscar variáveis instrumentais, isto é, variáveis não
correlacionadas com o termo de erro e (parcialmente) correlacionadas com a
variável explicativa endógena (proporção de associados atuantes). As regressões
anteriormente apresentadas sugerem três possíveis instrumentos (cursos e
treinamentos, centrais e tempo de vida), pois são variáveis razoavelmente
correlacionadas com a variável proporção de associados atuantes, mas não
correlacionadas com faturamento por cooperado.
Os modelos 3 a 6 da Tabela_5 mostram os resultados das estimações de modelos de
painel com efeitos aleatórios utilizando variáveis instrumentais sob diversas
combinações dos instrumentos disponíveis. O modelo 3 utiliza três instrumentos
(cursos e treinamentos, centrais e tempo de vida). Os demais modelos utilizam
combinações de todas as variáveis instrumentais tomadas 2 a 2. Em todos os
casos, o primeiro estágio foi estimado por mínimos quadrados ordinários (Tabela
6) e o segundo estágio pelo método dos momentos generalizados (GMM). Essa
técnica foi utilizada para que fosse possível calcular o teste de J-Hansen, que
avalia a exogeneidade dos instrumentos, e o teste de Kleibergen-Paap, que
avalia sua força.
Ao utilizar variáveis instrumentais para controlar os efeitos de endogeneidade,
não é possível afirmar que comprometimento (proporção de associados atuantes)
tem efeito relevante para explicar o desempenho financeiro da cooperativa
(faturamento por cooperado). Todos os modelos estimados por painel com efeitos
fixos e variáveis instrumentais, independente da combinação de instrumentos
utilizada, revelaram que a variável proporção de associados atuantes apresenta
o sinal positivo esperado, porém com elevada variância, impedindo concluir com
segurança se o nível de comprometimento de fato resulta em melhor desempenho
financeiro das cooperativas agrícolas. Uma possível explicação para a não
significância do coeficiente associado ao comprometimento em quatro dos seis
modelos é a possível precariedade dos instrumentos utilizados para correção dos
problemas relacionados à endogeneidade.
Os resultados dos testes de J-Hansen sugerem que os instrumentos são de fato
exógenos, porém os testes de Kleibergen-Paap não rejeitam a hipótese de que os
instrumentos sejam fracos. Dessa forma, é provável que a ausência de
significância, observada nos modelos 3 a 6, decorra da característica do
instrumento, de tal modo que não se pode afirmar, com base nos dados
analisados, qual é o efeito do nível de comprometimento dos associados sobre o
desempenho financeiro de uma cooperativa agrícola.
9. COMENTÁRIOS FINAIS
É consensual na literatura cooperativa associar o comprometimento de seus
cooperados com um melhor desempenho financeiro dessa organização. Embora essa
literatura já tenha sugerido como diversas características da cooperativa, dos
associados e da relação entre os dois podem influenciar o comprometimento, os
estudos empíricos com base de dados abrangente são relativamente escassos.
Fazendo uso das informações disponíveis no PDICOOP, neste artigo avaliaram-se
empiricamente os efeitos dos benefícios da ação coletiva e dos custos de
coordenação sobre o grau de comprometimento dos associados com sua cooperativa.
Secundariamente, neste estudo investigou-se se o maior comprometimento de
cooperados está diretamente associado a um melhor desempenho financeiro de uma
cooperativa agrícola.
Os resultados empíricos indicam que o nível de comprometimento dos associados
é:
• negativamente correlacionado com o tamanho do grupo, medido pelo
número total de associados no quadro social da cooperativa;
• positivamente correlacionado pelo tamanho da cooperativa, medido
pela proxy número total de funcionários da cooperativa;
• positivamente correlacionado com o maior grau de homogeneidade de
interesses entre os membros do grupo, medido pelo grau de
concentração do faturamento da cooperativa em poucos produtos;
• negativamente correlacionado pelo tempo de vida da cooperativa.
Com isso, é possível concluir que, de fato, o comprometimento responde aos
custos e benefícios envolvidos na coordenação para a realização de uma ação
coletiva. Em síntese, os resultados obtidos permitem afirmar que, quanto maior
a cooperativa (maiores os ganhos de ação coletiva) e menor o número total de
associados (menores os custos de coordenação), maior tende a ser o
comprometimento de cada cooperado. Esses resultados revelam a dificuldade
relativamente maior da ação cooperativa nos casos em que os produtores são de
menor porte, justamente a configuração em que a cooperação é o principal
mecanismo de obtenção de escala para o provimento de bens coletivos. Tais
resultados, adicionalmente, endossam a política de crescimento da cooperativa
por meio de crescimento de seus cooperados, em vez de crescimento do número de
cooperados.
Os resultados ainda confirmam que a homogeneidade de interesses também é um
fator importante para determinar o nível de comprometimento dos associados.
Esse resultado pode ser explicado pelo fato de que, em ambientes com maior
homogeneidade de interesses, os custos do processo de tomada de decisão
coletiva (HANSMANN, 1996; 1999) e os custos de coordenação (OLSON, 1971) são
menores, ampliando a identificação de cada membro com o grupo e aumentando a
probabilidade de este proporcionar benefícios para seus membros.
A implicação dessa conclusão para a política de fomento ao cooperativismo é
estimular a adoção de mecanismos de autosseleção de cooperados, de modo a gerar
composições mais homogêneas de interesses entre seus membros. Além disso,
sugere-se que é preferível a cooperativa crescer em uma linha de atividades que
reflita os interesses de seus cooperados correntes a incorporar novas
atividades que possam atrair cooperados com interesses conflitantes. Isso
significa que cooperativas devem ser cautelosas ao utilizar estratégias de
fusões e aquisições como meio de crescimento, visto que esse processo pode
gerar a incorporação de cooperados e atividades conflitantes com os interesses
dos membros vigentes, implicando maiores custos de coordenação no momento pós-
fusão.
Por fim, os testes empíricos também revelaram que o tempo de vida da
cooperativa é importante para explicar o comprometimento dos associados. De
acordo com os resultados obtidos, quanto mais antiga se torna a cooperativa,
menor o comprometimento dos associados. Esse resultado pode ser explicado por
Hansmann (1996), que afirma que quanto mais antiga for a cooperativa, maiores
serão os conflitos entre os que querem sair e os que permanecerão na
organização, pois a saída/perda de um membro da cooperativa representa perda de
capital. Diferentemente de uma empresa de capital aberto ' em que, quando um
acionista resgata seus direitos de propriedade via mercado de capitais, o
tamanho do capital total da empresa permanece praticamente inalterado, mudando
apenas o proprietário desses direitos ', o resgate do capital investido na
cooperativa reduz seu total de recursos disponível.
Um resultado inesperado foi o fato de não ser conclusivo o efeito do
comprometimento para explicar o desempenho financeiro da cooperativa. O
possível problema de endogeneidade entre as variáveis proporção de associados
atuantes e faturamento por cooperado exigiu a utilização de variáveis
instrumentais. No entanto, testes também sugerem que os instrumentos
utilizados, embora exógenos, não são suficientemente fortes para permitir
resultados conclusivos sobre o efeito do comprometimento sobre os resultados
financeiros da cooperativa. A limitada qualidade da variável faturamento por
cooperado também pode ter contribuído para tornar inconclusiva a análise entre
desempenho financeiro e comprometimento.
Uma vez que há poucos dados disponíveis sobre o funcionamento das cooperativas
e que os dados existentes são precários, desatualizados ou apresentam pequena
abrangência, há grande demanda por novas pesquisas de campo e coleta de
informações junto às cooperativas e, se possível, junto aos próprios
cooperados. Todo esse quadro explica, ao menos em parte, a escassez de
trabalhos empíricos sobre o assunto. Neste trabalho sugere-se uma nova agenda
de pesquisa, com a finalidade de identificar os instrumentos adequados para se
estimarem os efeitos do comprometimento sobre o desempenho financeiro de
cooperativas. Isso demandará novas pesquisas de campo e enriquecimento da base
de dados.
Cláusulas de fidelidade estão presentes com frequência nos estatutos, mas,
geralmente, raramente são executadas. Nessa direção, também seria interessante
levantar informações sobre a aplicação das cláusulas de fidelidade, bem como a
existência de políticas de fidelização e seus desenhos particulares. Por fim,
seria interessante replicar esta metodologia em outros estados e em outros
tipos de cooperativa (trabalho, saúde etc.) para avaliar se os resultados
encontrados neste artigo são consequência de características particulares das
cooperativas agropecuárias paulistas ou se estas conclusões podem ser
estendidas a todo universo cooperativista brasileiro.
NOTAS
(1) Uma exceção é o trabalho de Zeuli e Betancor (2005), que concluem que
cooperados tendem a ser mais fieis (isto é, manter o suprimento para suas
cooperativas) do que não cooperados. Este trabalho, contudo, não investiga as
características das cooperativas que levam a maior ou menor nível de fidelidade
de seus cooperados.
(2) Por outro lado, quanto maior o grupo, ceteris paribus, o tamanho de cada
cooperado, maior a probabilidade de que o benefício total gerado seja maior e,
dependendo da existência de retornos crescentes de escala, o benefício médio
também seja maior.
(3) Para o trabalho aqui empreendido, o sistema legal, que dá suporte aos
contratos, é o mesmo para toda a amostra, composta de cooperativas paulistas.
Dessa forma, não é possível testar tal hipótese nem sequer necessário controlar
seus efeitos. Seria necessário um estudo em múltiplas jurisdições para poder
explorar o efeito dessa variável em profundidade.
(4) Sistema OCB é o sistema de representação das cooperativas reconhecido pela
Lei n.5764/71. É composto pela Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB) e
pelas Organizações de Cooperativas Estaduais.
(5) Foram utilizadas as seguintes fontes: preços calculados a partir do
cruzamento de informações coletadas no levantamento do PDICOOP em 2000; preços
médios mensais recebidos pelos agricultores no estado de São Paulo divulgados
pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA); preços de produtos agropecuários
negociados na Companhia de Entrepostos e Armazéns Gerais do Estado de São Paulo
(Ceagesp); preços médios pagos pela agricultura divulgados pelo IEA; preços
médios mensais no varejo divulgados pelo IEA; preços médios mensais recebidos
pelos produtores da FGV/Agroanalysis.
(6) A utilização de dados de desempenho financeiro exigiu a exclusão de nove
cooperativas outliers, cujos dados de faturamento sugeriam haver problemas de
mensuração.