Atenuantes do efeito do compartilhamento da informação na decisão grupal: foco
na familiaridade e na discordância entre os decisores
1. INTRODUÇÃO
Grande parte das importantes decisões organizacionais são realizadas em grupo
(PARKS e COWLIN, 1995), isso porque, com base na noção de que um grupo tem mais
fontes de resolução de problemas do que uma única pessoa (HASTIE e KAMEDA,
2005), há uma forte crença de que os grupos sejam mais precisos e mais justos
do que indivíduos. Assim, pode-se compreender a crença dominante de que
decisões colegiadas são melhores do que as individuais.
Cannon-Bowers e Salas (1998) destacam que os grupos se tornaram a base das
organizações modernas, atuando como estratégia dominante, principalmente na
tomada de decisão. Esse fato está relacionado à crescente competitividade do
mercado, que exige das empresas tomada de decisões mais rápidas, sem, no
entanto, comprometer a qualidade do processo decisório nem a qualidade dos
resultados obtidos. Isso acarretou um crescente número de equipes de trabalho
dentro da organização (COHEN e BAILEY, 1997). Além do mais, Woodman, Sawyer e
Griffin (1993), após investigarem uma ampla gama de estudos sobre o tema,
concluíram que as empresas que incentivam seus funcionários a trabalhar e
decidir em conjunto são mais eficientes.
Stasser e Titus (1985), entretanto, identificaram que frequentemente grupos
tomam decisões subótimas quando há distribuição irregular da informação entre
os membros, ou seja, nem todos possuem as mesmas informações, sendo algumas
específicas a determinadas pessoas. Especificamente, a distribuição irregular
da informação relaciona-se a situações em que os indivíduos pertencentes a um
grupo possuem apenas algumas informações comuns a todos os membros, sendo o
restante das informações exclusivas de cada indivíduo, o que pode influenciar o
processo decisório grupal se essas informações não forem compartilhadas entre
todos. Isso porque há uma tendência de discutir-se e incorporar nas decisões
informações que são conhecidas por todos os membros em vez das informações
exclusivas de cada indivíduo. Normalmente, as informações comuns ao grupo são
mais discutidas e consideradas mais importantes pelos indivíduos (FRAIDIN,
2004). Essa situação pode inviabilizar a premissa de que a qualidade da decisão
tomada pelo grupo é melhor do que a individual, já que nela há a troca efetiva
de informações e conhecimento (STASSER e STEWART, 1992).
Ho (1999) destaca que bloqueios na tomada de decisão em grupo, como o
compartilhamento irregular da informação, podem ser atenuados pela
familiaridade entre os membros, ou seja, a qualidade da decisão tomada possui
relação com o grau de proximidade entre os membros. Newton e Sackney (2005)
complementam que afeto e tomada de decisão (entre outras atividades do
conhecimento) são intimamente ligados, tanto que alguns modelos de tomada de
decisão reconhecem a importância e a utilização potencial tanto de critérios
cognitivos como afetivos. Quando se têm grupos formados por pessoas entrosadas
e com maior afinidade, observa-se um fenômeno conhecido como história do grupo,
e o desempenho, a facilidade de expressão e a facilidade de resolução de
conflitos são tanto melhores quanto maior a familiaridade entre os membros do
grupo (HO, 1999).
Além da familiaridade, a discussão presente na decisão grupal também pode
contribuir para a tomada de uma melhor decisão, sob condição de
compartilhamento irregular da informação. Conforme Brodbeck et al. (2007), os
grupos podem ser vistos como elementos que combinam e integram diferentes
conhecimentos, ideias e perspectivas em decisões e inovações de alta qualidade.
Entretanto, isso só é possível quando os integrantes destacam seus pontos de
vista e divergem de conclusões convergentes. Schulz-Hardt et al. (2006) afirmam
que a discordância é um dos fatores mais fortes no sucesso da decisão do grupo,
pois, quando os membros discordam sobre a decisão, há maior partilha de
informação.
"Ao concordar em discordar, as equipes podem fazer um melhor trabalho
e colher os benefícios da sabedoria coletiva para suas empresas e
para si mesmas" (SCHULZ-HARDT et al., 2006, p.1091).
Com base nessas discussões, pressupõe-se que o compartilhamento irregular da
informação tende a gerar uma decisão de pior qualidade (STASSER e TITUS, 1985;
STASSER, TAYLOR e HANNA, 1989; STASSER e STEWART, 1992), o que deve ser
minimizado pelo efeito positivo da familiaridade (HO, 1999) e da discordância
(SCHULZ-HARDT et al., 2006). Assim, objetiva-se identificar o efeito da
familiaridade entre os membros de um grupo e a discordância deles no momento da
escolha na tomada de decisão sob condição de compartilhamento irregular da
informação. Para tanto, realiza-se um estudo quase-experimental. Como trabalhos
acerca da decisão grupal são ainda escassos no Brasil (VISENTINI e LÖBLER,
2010), espera-se que esta pesquisa venha a agregar valor e conhecimento à
abordagem dessa temática no contexto nacional.
2. COMPARTILHAMENTO IRREGULAR DA INFORMAÇÃO NA DECISÃO EM GRUPO
Parks e Cowlin (1995) afirmam que, na discussão em grupo, cada membro traz para
a resolução da tarefa um conjunto de conhecimentos relevantes e distintos que
por meio da discussão passam a ser disseminados para todo o grupo, e como
resultado há o agrupamento de um número maior de fatos do que se conseguiria
sozinho. Entretanto, tal pressuposto é discutido e contestado por alguns
pesquisadores como Stasser e Titus (1985), Stasser, Taylor e Hanna (1989) e
Stasser e Stewart (1992).
Esses investigadores têm demonstrado que a discussão do grupo tende a girar ao
redor dos fatos que são comumente conhecidos, ou seja, fatos comuns. Isso
comprova que informações conhecidas por poucos membros são relativamente raras
de compartilhar. Muitas vezes, os indivíduos não conseguem utilizar eficazmente
seu pleno potencial informacional, o que representa uma ameaça à tomada de
decisão (STASSER e STEWART, 1992). Como destacam Stasser, Taylor e Hanna
(1989), os grupos são mais propensos a discutir a informação conhecida por
todos os integrantes em vez de relatar a informação pertencente a um único
membro, visto que ele a omite no momento da discussão.
Esse fenômeno foi denominado por Stasser e Titus (1985) como biased sampling,
sendo investigado por estudos em laboratório, por meio de hidden profile tasks,
ou seja, tarefas nas quais os sujeitos experimentais recebem um conjunto comum
de informações e algumas informações exclusivas acerca do que se está
decidindo, e que, posteriormente, deveriam compartilhar com o restante do grupo
a fim de tomar a melhor escolha. Porém, as informações predominantemente
trocadas, no momento da discussão, são aquelas que todos possuem, havendo pouca
menção às informações exclusivas (STASSER e TITUS, 1985).
A informação comum aos indivíduos é muito mais discutida do que a informação
exclusiva de cada um deles (STASSER e TITUS, 1985; WINQUIST e LARSON JR., 1998;
FRAIDIN, 2004; LARSON JR. e HARMON, 2007). Wittenbaum, Holling-shead e
Botero (2004) diagnosticaram pelo menos 23 estudos nos quais os grupos
raramente descobrem as informações exclusivas dos seus membros, pois sempre
discutem mais a informação compartilhada. Isso acarreta uma baixa qualidade da
decisão tomada pelo grupo.
Tal efeito pode ser minimizado, conforme Gruenfeld et al. (1996), quando os
grupos são formados por pessoas amigas. Eles, segundo os autores, realizam
melhores decisões, sob condições de compartilhamento irregular da informação,
do que quando os integrantes não se conhecem. Isso ocorre porque os membros do
grupo apresentam maior facilidade no processo de comunicação, verbalizando um
grande número de alternativas, o que aumenta a eficácia da decisão do grupo.
3. FAMILIARIDADE E DISCORDÂNCIA ENTRE OS MEMBROS DE UM GRUPO DE DECISÃO
Acredita-se que, em grupos compostos por pessoas conhecidas, haja maior
facilidade no processo de comunicação, o que aumenta o número de informações
trocadas pelo grupo e, consequentemente, a eficácia da decisão (DEVINE, 1999;
STASSER, 1999). Segundo van Knippenberg e Schippers (2007), a familiaridade dos
membros do grupo tende a facilitar trocas de conhecimento e perspectivas, que
podem contribuir para que a decisão do grupo tenha alta qualidade e soluções
criativas e inovadoras. Esses grupos, entretanto, agem de maneira menos
acelerada do que quando os membros não se conhecem, mas possuem membros mais
satisfeitos e atraídos pelo debate. Quando o grupo é composto por pessoas
amigas, conforme Christensen e Fjermestad (1997), tende-se a diminuir os
conflitos, o que aumenta o consenso em relação a uma solução.
Há outras situações em que o grupo tem uma forte ligação, e os participantes
vão, aos poucos, tornando-se uniformes em suas convicções, gerando soluções
pouco sábias para os problemas enfrentados pelo grupo e pressão entre os
membros para que sigam as decisões previamente realizadas (ZANDER, 1979). A
esse fenômeno, no qual os grupos presenciam decisões pobres em decorrência do
consenso imposto, Irving Janis (1971), pioneiro nessa investigação, deu o nome
de groupthink. Pengcheng, Youmin e Yiyi (2003) afirmam que o groupthink pode
resultar na busca incompleta de objetivos, na busca insuficiente de
informações, na discussão limitada de algumas alternativas e, geralmente,
significativas falhas ao examinar custos e riscos de alternativas preferidas.
Para eliminar essa interferência na decisão grupal, tem-se na estimulação da
discussão e da discordância entre os membros do grupo uma solução. Assim, ao
estimular os tomadores de decisão nos grupos a pensar divergentemente, percebe-
se melhor exploração do número de alternativas, minimizando o efeito do
compartilhamento irregular da informação, até se chegar à conformidade de
escolha, abrangendo uma decisão de alta qualidade (GONCALO e DUGUID, 2008).
Grupos que baseiam a decisão a partir de uma ampla discussão das alternativas,
advinda da maioria dos membros do grupo, têm vantagens como: decisões mais
criativas (FELDMAN e ARNOLD, 1983); obtenção de mais informação durante a
discussão (SHAW, 1981); sinergia, na qual um membro utiliza informações de uma
forma que o detentor original não a utiliza, porque esse membro tem diferentes
habilidades ou informações (NUNAMAKER et al., 1991); melhor desempenho, pois ao
trabalhar em grupo os membros podem ter maior estímulo e coragem para realizar
suas atividade (SHAW, 1981); e aprendizado, visto que os indivíduos
pertencentes ao grupo podem trocar conhecimentos durante o processo de
discussão (HILL, 1982).
4. MÉTODO DA PESQUISA
Este estudo apresenta natureza causal, caracterizando-se como um quase-
experimento desenvolvido em laboratório, pois o controle experimental e a
distribuição aleatória não puderam ser rigidamente aplicados (CAMPBELL e
STANLEY, 1979). Salienta-se, entretanto, que o termo experimento foi adotado
para definir o caráter desta pesquisa, visto sua maior disseminação e
compreensão.
Grupos de três pessoas, seguindo indicações da literatura (LARSON Jr. et al.,
1996, 1998; WINQUIST e LARSON JR., 1998; KELLY e KARAU, 1999), foram formados
para a realização da tarefa. A tarefa decisória consiste na análise de um
Mistério do Assassinato, adaptado de Stasser e Stewart (1992) e Fraidin (2004),
no qual existem alguns suspeitos e cabe aos sujeitos experimentais decidir qual
deles é o verdadeiro culpado pelo crime descrito. Essa decisão corresponde à
escolha efetuada pelo grupo entre as alternativas disponíveis. Com relação ao
compartilhamento da informação, tem-se uma divisão entre compartilhamento total
da informação, em que todos os membros participantes do grupo recebem todas as
pistas do caso; e compartilhamento parcial da informação, situação na qual os
membros do grupo recebem uma parte das pistas, comum a todos eles, e outra
parte exclusiva para cada um.
A utilização de uma tarefa genérica, que pode ser considerada um entretenimento
para os participantes da pesquisa, tem duas intenções: a primeira delas é
prender a atenção dos sujeitos experimentais, a fim de obter a participação de
todos de modo dedicado; a segunda é oferecer uma tarefa que não necessite de
conhecimento prévio, a fim de validar as relações de causa-efeito testadas.
Essa metodologia também foi aplicada por: Stasser e Titus (1985, 1987), que
abordaram a seleção do melhor estudante para representante dos alunos; Winquist
e Larson Jr. (1998) utilizaram a escolha de um professor para receber um prêmio
pedagógico; Kelly e Karau (1999), o melhor medicamento para se comercializar;
Larson Jr. et al. (1996, 1998), o correto diagnóstico para um caso médico; e
Stasser e Stewart (1992) e Fraidin (2004) pediam para os sujeitos experimentais
decidirem sobre qual suspeito era culpado por um assassinato, similarmente a
neste trabalho.
Para a aplicação, a tarefa passou por um processo de tradução reversa,
adaptação cultural e duas validações com amostras semelhantes à utilizada no
experimento final. O Mistério do Assassinato simula uma investigação de
homicídio com três suspeitos, devendo ser decidido quem é o verdadeiro
assassino, por meio de algumas informações (pistas) sobre cada um deles.
Stasser e Stewart (1992) elaboraram 24 pistas para incriminar um de três
suspeitos e exonerar os outros dois. Especificamente, há seis pistas que
incriminam cada suspeito, além de três pistas que exoneram o suspeito A
(André), bem como três que livram o suspeito B (Bill). Assim, por apresentarem
pistas que os absolvem, os suspeitos A e B deveriam ser desconsiderados como
culpados pelo crime na discussão do grupo, visto que o suspeito C (Carlos)
apresenta apenas pistas que o incriminam. As pistas são apresentadas no Quadro
1.
Do total de pistas há nove críticas, das quais três incriminam o suspeito C,
três absolvem o suspeito A e três absolvem o B, fornecendo ao grupo indícios de
que o suspeito C é o verdadeiro culpado (Figura_1). Cada um dos membros do
grupo recebeu um conjunto de informações exclusivas sobre um dos suspeitos e um
conjunto de informações comuns. As informações exclusivas são essenciais para
se escolher o verdadeiro assassino.
A amostra desse experimento foi não probabilística por conveniência. Conforme
salienta Cozby (2003), há procedimentos formais para determinar o tamanho da
amostra necessário para detectar um efeito estatisticamente significativo, mas
uma norma prática recomenda 20 participantes por condição. Assim, neste
trabalho abordaram-se, para cada uma das duas condições, 72 universitários,
perfazendo um total de 144 participantes. O experimento foi realizado por
turmas, uma de cada vez, obtendo-se, assim, participantes já próximos. Todos os
sujeitos experimentais foram mantidos na própria turma, garantindo-se, assim,
que todos possuíssem algum tipo de convivência. Também se descobriu que todos
cursam, ou cursaram, mais de uma disciplina em conjunto. Além disso, 80% dos
sujeitos experimentais cursam acima do segundo semestre de faculdade,
possibilitando maior convivência entre eles.
Ainda, relativamente à seleção dos sujeitos experimentais, cabem considerações
sobre o tipo de delineamento do experimento. Segundo Cozby (2003), o
pesquisador em pesquisas experimentais em ciências do comportamento pode optar
por dois tipos de delineamento, o primeiro, e utilizado nesta pesquisa, é um
delineamento de grupos independentes; já o segundo tipo seria um delineamento
de medidas repetidas. Como não foi possível um delineamento do tipo medidas
repetidas, devido ao efeito conhecimento a partir da repetição, optou-se pelo
tipo independentes, um grupo com compartilhamento total da informação e outro
com compartilhamento parcial da informação. Segundo Cozby (2003), o cuidado
nesse caso reside em utilizar sujeitos de um grupo maior homogêneo, para
retirar os dois grupos da maneira mais aleatória possível, o que foi garantido
por sorteio. Quanto à influência do perfil jovem dos grupos, pode-se afirmar
que se utilizou uma tarefa que não necessitava conhecimento prévio sobre o
assunto, conforme justificado no início da seção 4.
O estudo foi realizado em duas etapas: na primeira, os participantes foram
submetidos a uma situação de decisão individual; na segunda, foram reunidos em
grupos de três pessoas, selecionadas aleatoriamente, para discutir sobre as
pistas lidas e tomar a decisão, a partir do consenso dos membros do grupo. Os
grupos, compostos por três colegas, foram formados aleatoriamente.
Conforme as discussões teóricas apresentadas, verifica-se que a divisão
irregular da informação entre os membros do grupo origina, na maioria das
vezes, uma decisão de baixa qualidade, pois eles tendem a discutir mais as
informações comuns a todos do que as exclusivas (STASSER e TITUS, 1985).
Entretanto, dada a formação dos grupos deste experimento, nos quais os membros
já possuem intimidade, e conforme indicações de Stewart e Stasser (1995),
Gruenfeld et al. (1996), van Knippenberg e Schippers (2007) e Goncalo e Duguid
(2008) de que a familiaridade dos membros de um grupo minimiza os efeitos da
falta de informação ou da distribuição irregular da informação entre os membros
do grupo na decisão tomada, apresentam-se duas hipóteses que visam minimizar o
efeito do compartilhamento da informação:
H1 - Grupos formados por pessoas amigas apresentarão decisão de igual qualidade
independentemente do tipo de compartilhamento da informação (STEWART e STASSER,
1995; GRUENFELD et al., 1996).
H2 - Grupos formados por pessoas amigas tendem a discutir informações comuns na
mesma proporção das informações exclusivas, acarretando a melhor decisão
(SCHULZ-HARDT et al., 2006; HENNINGSEN e HENNINGSEN, 2007).
4.1. Condução do experimento
Um sistema informatizado para coleta de dados foi desenvolvido para a
realização do experimento. Tal procedimento é semelhante ao utilizado por
Fraidin (2004). A adoção desse tipo de instrumento para apoio à coleta de dados
contribuiu para que se pudesse registrar o mapeamento do processo decisório do
participante. O sistema recebeu o nome de STAR Individual x SER Grupo (STAR-
SER).
O experimento é dividido em duas etapas: a primeira, caracterizada pela decisão
individual de cada um dos participantes sobre a tarefa analisada; a segunda
corresponde à decisão em grupo, sobre a mesma tarefa, porém com cada indivíduo
carregando o rol de informações recebidas na etapa individual. Para a formação
dos grupos, os sujeitos experimentais foram distribuídos aleatoriamente, em
mesmo número, entre os grupos que participaram da resolução da tarefa com
compartilhamento total da informação e da resolução com compartilhamento
parcial da informação. Essa metodologia também foi aplicada nos trabalhos de
Stasser e Titus (1985), Stasser, Taylor e Hanna (1989) e Kelly e Karau (1999),
e é detalhadamente descrita na sequência.
Quando chegavam ao laboratório de aplicação da pesquisa, os participantes eram
direcionados aleatoriamente, de acordo com as cores e o código dos cartões, a
um computador e aguardavam o pesquisador iniciar as instruções acerca da tarefa
e dos objetivos do trabalho. A partir desse momento, os sujeitos experimentais
começavam a utilizar o sistema e a realizar a etapa da decisão individual.
Inicialmente deveriam registrar o número e a cor de seu cartão para poder
iniciar a tarefa. Essas informações qualificavam o indivíduo a um dos dois
grupos da pesquisa, ou seja, com compartilhamento total ou com compartilhamento
parcial da informação. Em seguida, inseriam seus dados de identificação. A
etapa seguinte consistia na descrição sucinta do caso do Mistério do
Assassinato e a descrição dos suspeitos. Depois, os participantes tinham acesso
às pistas de cada um dos suspeitos, que apareciam na tela por 20 segundos. O
sujeito experimental poderia reler o caso quantas vezes quisesse. Finalizada a
leitura das pistas, os participantes deveriam decidir quem era o verdadeiro
assassino, por meio de uma questão de múltipla escolha e descrever, em uma
questão aberta, o por quê dessa escolha. Após essas duas etapas, eles deveriam
pontuar a importância de cada uma das pistas lidas para sua decisão.
Findadas essas etapas, caracterizadas como a fase de decisão individual, os
participantes eram reunidos em grupos de três pessoas e levados a uma sala para
a discussão, a fim de iniciar a fase de decisão grupal, que deveria ser tomada
por meio do consenso do grupo. Essa etapa foi acompanhada por um observador
treinado, o qual tinha papel neutro na discussão e deveria anotar a frequência
das pistas citadas e relatar o comportamento do grupo, além de gravar a
discussão para posterior análise. A forma como o grupo decide também foi
analisada pelo observador. Após dez minutos, os participantes retornavam a seus
computadores e realizavam a etapa de descrição da decisão grupal. Nela eles
deveriam apontar quem havia sido o suspeito escolhido pelo grupo, descrever o
por quê daquela escolha, em sua opinião, e pontuar a importância de cada pista
para a decisão grupal, também em sua opinião. A Figura_2 ilustra a forma como o
experimento foi conduzido.
Especificamente com relação à observação, essa técnica possibilitou aliar dados
qualitativos aos quantitativos obtidos por meio do sistema, etapa fundamental
para a condução do experimento. O procedimento observacional realizado,
conforme a caracterização de Friedrichs (1973, apud FLICK, 2009), pode ser
classificado como:
* observação pública, visto que os observados têm conhecimento da presença
do observador;
* observação não participante, pois o observador não é um componente ativo
no campo observado;
* observação sistemática, dada a aplicação de um sistema de observação mais
ou menos padronizado;
* observação em situação artificial, pois o processo analisado será
realizado em um laboratório de informática e não em uma situação real/
natural;
* observação dos outros ao invés de auto-observação, visto que o observador
manterá distância dos eventos observados, a fim de evitar ao máximo
influenciá-los.
O sistema de coleta de dados foi construído especificamente para o experimento
aqui apresentado, consistindo de duas partes distintas: uma para o
administrador do sistema, no caso o pesquisador, e outra para o usuário, ou
seja, os sujeitos experimentais. O sistema é acessível a qualquer sistema
operacional, desde que instalado algum navegador de Internet. Submeteu-se o
sistema a duas validações para que, finalmente, fosse aplicado à amostra final
do experimento.
A análise dos dados do STAR-SER foi feita de modo quantitativo, utilizando como
software de apoio o Windows Excel® e o Statistical Package for the Social
Sciences - SPSS 10.0. Complementarmente, realizou-se a análise qualitativa,
oriunda das gravações das discussões dos grupos, das anotações realizadas pelos
observadores acerca do comportamento e discussão do grupo, e das justificativas
descritas pelos participantes acerca dos motivos que levaram à decisão. Assim,
adotou-se como metodologia a análise de conteúdo que, segundo Bauer (2000, apud
FLICK, 2009), é um dos procedimentos clássicos para analisar material textual,
não importando a origem desse material, que pode variar desde produtos de mídia
até dados de entrevistas. Essa metodologia de análise de dados qualitativos
abrange as iniciativas de explicitação, sistematização e expressão do conteúdo
de mensagens, com a finalidade de efetuarem-se deduções lógicas e justificadas
a respeito da origem dessas mensagens (BARDIN, 1979).
As categorias de análise foram escolhidas a posteriori, o que se justifica pelo
fato de complementar a análise quantitativa, assim os pesquisadores avaliaram
as categorias que emergiam para que pudessem explicar o comportamento das
variáveis dessa análise. Segundo Bardin (1979), esse é um dos processos de
categorização, em que as categorias resultam da classificação analógica e
progressiva dos elementos, sendo elaboradas a partir da análise do material
recolhido. Assim, foram definidas à medida em eram encontradas no texto -
seguindo orientação da literatura do tema - tendo como critério de
categorização a análise semântica, atentando para o cumprimento dos itens que
atribuem qualidade a essa análise: exclusão mútua, homogeneidade, pertinência,
objetividade e produtividade. A partir da leitura e da análise dos relatos dos
participantes do estudo e dos observadores, elencaram-se três categorias de
análise:
* novas pistas/informações - esta categoria abarca declarações sobre
informações exclusivas de alguns membros, levadas à discussão do grupo;
* observadores - esta categoria está relacionada à descrição dos
observadores com relação ao comportamento dos grupos. Nela estão contidos
relatos do tipo de informação trocada pelo grupo, como o grupo chegou ao
consenso e as opiniões divergentes colocadas em pauta durante as
discussões;
* familiaridade - esta categoria analisa declarações dos próprios
participantes do estudo, vindo ao encontro do comportamento afetivo entre
os membros do grupo, como as características da discussão e do
relacionamento entre os colegas.
5. ANÁLISE DOS RESULTADOS
A amostra deste experimento foi composta por 144 acadêmicos de uma universidade
federal, sendo 76 (52,8%) do curso de Administração, 65 (45,1%) das Ciências
Contábeis e 3 (2,1%) do curso de Direito. Todos os participantes eram colegas
de aula e já tinham bastante convivência. A idade dos participantes variou de
17 a 34 anos, com média de 20,27 anos. Do total dos sujeitos experimentais, 93
(64,6%) foram mulheres e 51 (35,4%) homens.
Com relação às características dos dois grupos experimentais, há no grupo com
compartilhamento total da informação 45 mulheres e 27 homens, com idade média
de 20,43 anos. Nesse grupo, participaram estudantes dos cursos de
Administração, Ciências Contábeis e Direito. Já o grupo com compartilhamento
parcial da informação foi composto por 48 mulheres e 24 homens, com média de
idade igual a 20,11 anos, alunos dos cursos de Administração e Ciências
Contábeis.
5.1. Analisando a qualidade da decisão
Neste item visa-se identificar a qualidade das decisões dos grupos, sob
diferentes tipos de compartilhamento da informação e, assim, testar a primeira
hipótese - grupos formados por pessoas amigas apresentarão decisão de igual
qualidade independentemente do tipo de compartilhamento da informação.
Para verificar essa hipótese, buscou-se identificar se os grupos que realizaram
a tarefa com compartilhamento parcial apresentaram decisões diferentes daqueles
que realizaram a tarefa com compartilhamento total da informação. Para tanto,
procedeu-se à análise do teste exato de Fisher para Tabelas 2x2. Esse teste,
conforme Siegel e Castellan (2006, p.26), "é uma técnica extremamente útil para
analisar dados discretos (nominais ou ordinais) quando as duas amostras
independentes são pequenas". Ainda conforme esses autores, quando a frequência
de alguma célula resultante do cruzamento das variáveis for menor do que 5,
situação presente nesta análise, deve-se utilizar o teste de Fisher em lugar do
qui-quadrado. Ressalta-se que as 144 pessoas participantes de cada grupo foram
distribuídas em trios, resultando em 48 grupos. Para testar a hipótese 1, pelo
teste de Fisher tem-se:
H0 - A decisão não varia como função do tipo de compartilhamento da informação.
H1 - A melhor decisão é tomada pelos grupos com compartilhamento total da
informação.
Para a realização do teste, analisaram-se as decisões dos grupos que realizaram
a tarefa com compartilhamento total da informação, comparando-as com as dos
grupos submetidos à tarefa com compartilhamento parcial da informação. Ainda,
agruparam-se os suspeitos André e Bill, que correspondem à decisão incorreta,
para contrastar com o suspeito Carlos, relativo à decisão correta. Os
resultados do cruzamento entre os grupos, bem como o resultado do teste de
Fisher são exibidos na Tabela_1.
Dados os resultados apresentados, rejeita-se a hipótese nula (H0) do teste de
Fisher, visto que a significância encontrada foi de 0,304 (sig=0,304), podendo-
se afirmar que a familiaridade entre os membros do grupo é um dos fatores que
tende a minimizar o efeito negativo do compartilhamento parcial da informação e
favorecer a tomada da melhor decisão. Esse resultado também foi encontrado por
Stewart e Stasser (1995), em estudo que envolveu a seleção de um candidato
entre três para a presidência de um conselho estudantil, aplicado também com
colegas de faculdade. Esses autores também não identificaram diferença
significativa entre as decisões tomadas pelos grupos que participaram de
tarefas com compartilhamento total da informação e os que realizaram a tarefa
com compartilhamento parcial, corroborando os resultados deste experimento.
Acredita-se que a aceitação da hipótese 1 - grupos formados por pessoas amigas
apresentarão decisão de igual qualidade independentemente do tipo de
compartilhamento da informação - pode ser explicada pelo fato de que os
participantes da pesquisa eram colegas de faculdade, já tendo intimidade para
expor suas opiniões de maneira bastante segura e sem medo da repressão dos
demais. Assim, independentemente da condição de compartilhamento da informação,
eles sentiam-se desinibidos para discorrer sobre o máximo de informações que
lembravam e conseguiram, na maioria das vezes, chegar à alternativa correta.
Essa observação corrobora a constatação de Gruenfeld et al. (1996), os quais
afirmam que grupos formados por pessoas amigas realizam melhores decisões, sob
condições de alternativa oculta, do que quando os integrantes não se conhecem.
Cabe destacar ainda que Newton e Sackney (2005) afirmam que afeto e tomada de
decisão são inter-relacionados, e quando são utilizados em conjunto podem
contribuir para a qualidade do processo decisório.
5.1.1. Relatos dos sujeitos experimentais acerca da decisão grupal
A fim de aprofundar os resultados quantitativos, buscou-se identificar no
relato dos participantes do estudo aspectos que corroborassem esse achado.
Assim, partiu-se para a análise dos motivos pelos quais alguns grupos que
realizaram a tarefa com compartilhamento parcial da informação, selecionaram a
alternativa correta, percebendo-se que houve discussão de uma série de pistas e
informações, indicando que a discordância e a discussão dos membros tendem a
surtir efeitos positivos na decisão grupal. Uma participante do Grupo 10
relatou:
"Na conversa em grupo foram apresentadas novas pistas que
esclareceram mais o caso como, por exemplo, o fato de a mulher da
vítima ter pedido para o André ir até a casa na manhã de sábado; o
fato de que Carlos mentiu ao dizer que ouviu o carro de André, sendo
que ele tem deficiência auditiva; o fato de André ter dívidas, mas a
vitima tinha adiantado dinheiro para o André, então ele não teria
motivo explicito para cometer o crime."
Nota-se que essa participante ressaltou que o grupo chegou à decisão final
devido à troca de novas pistas e citou algumas das que considerou mais
importantes, indicando que houve uma troca bastante significativa de
informações.
Outro participante desse mesmo grupo argumentou o motivo da escolha semelhante
ao da participante anteriormente mencionada. Além de afirmar que o grupo
decidiu a partir da reunião de informações de todos os membros, ele ainda
descreve inúmeras pistas que foram discutidas para que chegassem à decisão
final. Ele escreveu:
"Juntando as informações dos integrantes do grupo, chegou-se à
decisão de que o culpado é Carlos, pelo fato de ele ter tentado tirar
de si a culpa no momento em que disse ter ouvido o carro que parecia
ser de André acelerando, sendo que Carlos tem perda total de audição
nos dois ouvidos; outro fato que indica que Carlos pode ter tentado
tirar de si a culpa remete à pista de a carteira da vítima ter sido
encontrada vazia, pouco antes das 7 horas, podendo querer incriminar
André, que era viciado em jogos e possuía dívidas. Além disso, o
horário de trabalho de Carlos iniciava às 7 horas, mas ele já estava
na casa da vítima às 6h20 e saiu de lá com seu caminhão antes de a
vítima ser encontrada por sua esposa. [...]."
Nota-se que esse participante conseguiu descrever uma quantidade grande de
pistas, comprovando que a discussão do grupo foi bastante aprofundada.
Outro relato que colabora na compreensão foi dado por um dos participantes do
Grupo 18. Segundo ele,
"[...] no grupo havia três pessoas, das quais duas escolheram o
Carlos. As três pessoas receberam pistas diferentes que, no fim das
contas, incriminavam Carlos mais ainda. Além disso, outros motivos
que levaram o grupo a tomar essa decisão foi a pista de ter ido à
garagem (na nossa opinião, para possivelmente pegar a carteira da
vítima); ter chegado mais cedo para trabalhar naquele dia (6h20
horas, quando seu horário era às 7 horas). Vale ressaltar que havia
pistas que incriminavam mais o Carlos, como, por exemplo: André
precisava de dinheiro, mas ganhou aumento no dia anterior; Bill falou
com a vítima por telefone no sábado de manhã e saiu de casa mais cedo
que o provável horário do assassinato. Assim, o grupo acabou por
decidir que foi o Carlos quem matou Sr. Guion, e a menina que havia
julgado ser André, achou que pode ter sido o Carlos."
Novamente percebe-se uma descrição bastante detalhada das pistas que levaram os
membros do grupo a decidir pela alternativa correta, bem como da situação
vivenciada pelo grupo e que contribuíram para a tomada de decisão. Percebe-se,
pelos motivos descritos pelos participantes que realizaram a tarefa com
compartilhamento parcial da informação, que na discussão dos grupos houve a
troca de muitas informações, contribuindo para a escolha da melhor decisão.
5.2. Identificando as informações compartilhadas pelos membros do grupo
A hipótese 2 do estudo - grupos formados por pessoas amigas tendem a discutir
informações comuns ao grupo na mesma proporção das informações exclusivas,
acarretando a melhor decisão - será testada neste item. Para tanto, será
necessário um exame bastante amplo de todos os instrumentos de coleta de dados
aplicados, como as planilhas de observação, as gravações das discussões em
grupo e as descrições dos motivos de escolha dos suspeitos pelo grupo. Essa
investigação abrangente visa encontrar resultados mais contundentes e realistas
da situação vivida pelos sujeitos experimentais, aliando as análises
quantitativas e qualitativas.
O procedimento para testar a hipótese 2 foi o seguinte: nas planilhas de
observação há a descrição dos comentários e pistas citadas por cada um dos
participantes durante a discussão. Para corroborar essas observações, todas as
discussões foram ouvidas pelo pesquisador, de modo que nenhuma pista fosse
negligenciada. A codificação das pistas foi realizada de maneira manual, após a
conferência das planilhas de observação. Ao todo foram analisadas 47 planilhas,
visto que uma delas não foi preenchida adequadamente, impossibilitando a
correta identificação das pistas discutidas e do grupo ao qual se referiam.
Após ter-se certeza das informações trocadas entre os participantes dos grupos,
elas foram codificadas, tabuladas e analisadas de modo quantitativo, para que
se pudesse testar a hipótese 2. Na Tabela_2 são exibidos (a) o número de vezes
que a pista foi citada pelos participantes para cada uma das situações de
compartilhamento, (b) o número total de pistas comuns e exclusivas discutidas e
(c) a proporção entre o número total de pistas apresentadas aos participantes e
a quantidade de pistas discutidas.
Pelas proporções apresentadas na Tabela_2, percebe-se que há grande semelhança
entre a quantidade de pistas comuns e exclusivas discutidas por ambos os
grupos. Em vista desses resultados, buscou-se verificar se a pequena diferença
encontrada entre as proporções de pistas comuns e exclusivas discutidas foi
significativa. Para tanto, procedeu-se à realização do teste de postos com
sinal de Wilcoxon, apresentado na Tabela_3. Segundo Siegel e Castellan (2006),
quando são obtidas por eles mensurações ordinais para as variáveis estudadas, o
teste de Wilcoxon-Mann Whitney pode ser utilizado para testar se os dois grupos
independentes foram extraídos de uma mesma população. Esse é um dos testes não
paramétricos mais poderosos, sendo uma alternativa muito útil para o teste
paramétrico "t", ressaltam os autores.
O teste de Wilcoxon apresentou significância igual a 0,564 (sig.= 0,564),
indicando que não há diferença entre a proporção de pistas comuns e exclusivas
discutidas pelos participantes do experimento durante as discussões dos grupos.
Dessa forma, aceita-se a hipótese 2, pois identificou-se que os grupos formados
por pessoas amigas tendem a discutir informações comuns ao grupo na mesma
proporção das informações exclusivas. O fato de mencionarem na mesma frequência
as pistas comuns e exclusivas pode ter colaborado para que boas decisões fossem
tomadas em grupo, independentemente do compartilhamento da informação.
Pelas codificações dos observadores e das gravações, per-cebeu-se que os
participantes tendiam a discutir e a discordar bastante sobre as informações e
pistas mencionadas pelos colegas, o que pode estar aliado ao fato de se
conhecerem pre-viamente e terem intimidade para expor suas opiniões.
Segundo Schulz-Hardt et al. (2006), esse é um aspecto que pode ter justificado
a boa decisão tomada pelos grupos e, até mesmo, a discussão das pistas
exclusivas. Para os autores,
"pistas sob condição de alternativa oculta (pistas exclusivas) são
mais propensas a ser reveladas em grupos cujos membros expressam seu
desacordo sobre quem acreditam ser a melhor decisão. [...] a
discordância ajuda o grupo a tomar melhores decisões, impactando em
sua dinâmica e interação. Quando os grupos discordam sobre a decisão,
há maior partilha de informação. Além disso, o desacordo interno
produz discussões mais intensas, possibilitando que as pistas
exclusivas sejam mais prováveis de ser notadas. [...] grupos precisam
aprender a expressar o desacordo de maneira a promover uma nova
compreensão ao invés de cada um fazer sua parte" (SCHULZ-HARDT et
al., 2006, p.1091).
Sobre as discussões dos grupos, que podem ter colaborado na tomada de decisão,
algumas constatações foram realizadas pelos observadores nas planilhas. Algumas
delas serão listadas a fim de ilustrar o comportamento dos grupos participantes
da pesquisa.
5.2.1. O comportamento dos grupos na visão dos observadores
Sobre o Grupo número 10, formado por dois homens e uma mulher, que decidiu
sobre o suspeito correto (Carlos), o observador relatou que:
"[...] no grupo apenas um integrante tinha opinião diferente dos
demais. No entanto, como os outros membros trouxeram informações
novas, o membro que estava divergindo acabou aceitando."
Com relação ao fato de o grupo ter apresentado alguma forma de conflito durante
a resolução da tarefa, o observador salientou que esse existiu durante a
discussão das pistas e na fundamentação das opiniões, reforçando a existência
de discussão nos grupos.
No Grupo de número 15, também formado por dois homens e uma mulher, que
escolheu o suspeito correto, o observador destacou os seguintes aspectos:
"O grupo decidiu através de um consenso. O grupo começou a discutir
as pistas, foi levantando as pistas que eram diferentes para cada um
e com base nas discussões chegaram à conclusão. As pistas críticas
(exclusivas) foram discutidas."
Ainda acrescentou que houve maior debate do grupo no momento de discussão das
pistas.
Já no Grupo de número 96, formado por três mulheres, anteriormente à discussão
todas as participantes já haviam escolhido o suspeito Carlos. Mesmo assim,
conforme o observador, muitas pistas foram discutidas.
"O grupo entrou em consenso ao acusar Carlos. Todas o acusaram
individualmente, mas discutiram as pistas reafirmando a decisão. As
meninas tentaram lembrar todas as pistas e discuti-las."
Nota-se, assim, que a proporção de pistas comuns e exclusivas discutidas pode
ter sido bastante semelhante, visto que as participantes buscaram discutir o
maior número de pistas que lembravam, para chegar ao consenso.
No Grupo 97 também se observou discussão entre os membros, a qual contribuiu
para que chegassem à escolha da melhor decisão. A observadora relatou que:
"Num primeiro momento duas pessoas votaram no Carlos e uma votou no
André, mas, discutindo as pistas, principalmente as que não eram
comuns a todos, chegaram à conclusão de que foi Carlos [o
assassino]."
Nesse grupo, formado por um homem e duas mulheres, nota-se que a decisão foi
aprimorada pela discussão das pistas exclusivas de cada um dos integrantes.
Esses são alguns dos relatos feitos pelos observadores acerca do comportamento
dos grupos durante as discussões para a escolha do verdadeiro suspeito.
Percebe-se claramente que os participantes comentavam as pistas críticas,
contribuindo na boa decisão do grupo. Para enriquecer esta análise, foram
selecionadas algumas descrições dos próprios participantes, sobre os motivos
que contribuíram para a decisão grupal.
5.2.2. Motivos que contribuíram para a decisão grupal
Uma das participantes do Grupo 33 afirmou:
"Em um debate bem legal, chegamos a esta conclusão [por Carlos]. Em
um primeiro momento acreditei que tivesse sido o Bill,[...]. Porém,
tive de concordar com os colegas de que o tempo teria sido muito
curto para ele executar o assassinato. E algumas pistas realmente
acusam diretamente Carlos, como, por exemplo, o fato de em seu
depoimento ter relatado que havia escutado barulho do carro do outro
suspeito, realmente podia estar querendo safar-se da culpa, pois
possui problemas de audição."
Percebem-se nesse comentário alguns aspectos interessantes, como o fato de a
participante mudar de opinião devido aos argumentos dos colegas do grupo e, a
partir da discussão, chegarem à resposta correta. Ainda, nota-se que elas
compartilharam pistas de mais de um suspeito, demonstrando que realmente o
debate entre o grupo aconteceu e enriqueceu a decisão.
Outra participante, que pertencia ao Grupo 57, o qual também tomou a decisão
acertada descreveu:
"As três componentes do grupo, na pesquisa individual, apontaram
Carlos como o culpado, e as pistas foram unidas, pois duas delas não
sabiam que Carlos tinha perda auditiva total nos dois ouvidos e isso
fortaleceu a opinião das três. Ele era empregado com provável acesso
total à residência e André era apenas o jardineiro. Carlos chegou 40
minutos antes no serviço e ele ia trabalhar às 7 horas e a esposa da
vítima ouviu o caminhão de Carlos sair minutos depois da morte do Sr.
Guion, sendo que ele teria que trabalhar às sete horas da manhã."
Nesse relato também se observa a troca de informações entre as participantes e
a discussão de uma série de pistas e conclusões. Interessante o fato de as três
componentes do grupo terem, previamente, decidido pelo suspeito Carlos e, mesmo
assim, discutirem e fortalecerem a opinião para a decisão do grupo.
A análise qualitativa do comportamento dos grupos na percepção dos observadores
e dos próprios participantes permite que se faça uma relação direta entre os
achados deste trabalho, com foco na hipótese 2, e o ponto de vista de Schulz-
Hardt et al. (2006), sobre o valor e a importância da discussão e da
discordância entre os membros do grupo para obter-se uma decisão relevante.
Ainda, cabe salientar que no estudo de Henningsen e Henningsen (2007) também
não se observou diferença entre a quantidade de informação comum e exclusiva
que foi compartilhada pelos membros do grupo durante a discussão, assim como
neste trabalho.
Testadas as hipótese 1 e 2, apresenta-se o Quadro_2 em que se sintetizam os
resultados encontrados no estudo, considerando tanto a etapa quantitativa
quanto a qualitativa. Esse quadro possibilita ao leitor uma ideia global das
relações de causa e efeito identificadas no estudo.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Quando a decisão é tomada em grupo, há maior exigência de tempo e esforço entre
as pessoas envolvidas. Assim, para justificar esse investimento, ela tem de
produzir um valor adicional em relação às formas mais simples de decisão
(GREITEMEYER et al., 2006). Segundo McGrath (1984), duas hipóteses frequentes
sobre o que poderia ser um valor adicional referem-se aos ganhos de
conhecimento entre os membros do grupo e à melhoria da qualidade de decisão.
Entretanto, Stasser e Tittus (1985) afirmam que os membros do grupo tendem a
tomar decisões erradas quando toda a informação disponível não é discutida,
afetando também o compartilhamento do conhecimento. Segundo Ho (1999), tal
efeito pode ser minimizado quando os membros do grupo apresentam alta
afinidade, estando dispostos a discutir mais abertamente e discordar sobre o
problema de decisão (SCHULZ-HARDT et al., 2006). Como consequência, cada membro
do grupo tende a aprender novas informações sobre o problema e,
independentemente de como o grupo decidir, poderá se beneficiar disso mais
tarde.
Essas constatações incitaram o desenvolvimento deste trabalho, que objetivou
identificar o reflexo que a familiaridade entre os membros de um grupo e a
discordância deles no momento da escolha têm sobre a tomada de decisão. Para
atingir esse objetivo, realizou-se um quase-experimento com 144 participantes,
divididos conforme o tipo de compartilhamento da informação (total/parcial).
Para garantir que os sujeitos experimentais já fossem íntimos previamente à
realização do estudo, abordou-se, principalmente, turmas de cursos
Administração e Ciências Contábeis de uma instituição federal. Uma abordagem
quanti-qualitativa foi proposta para aprofundar os resultados encontrados.
A verificação do objetivo do estudo foi realizada a partir de duas hipóteses
testadas e corroboradas. A primeira delas (H1) afirmava que "grupos formados
por pessoas amigas apresentarão decisão de igual qualidade independentemente do
tipo de compartilhamento da informação". O que se identificou, pelo teste de
Fisher aplicado às decisões tomadas pelos grupos com compartilhamento total e
parcial, é que não houve diferenças entre a qualidade da decisão de ambos os
grupos, e, independentemente do tipo de compartilhamento da informação, boas
decisões foram tomadas. Esse resultado corrobora os encontrados por Stewart e
Stasser (1995).
A partir desse resultado e da análise qualitativa da descrição dos motivos que
levaram os grupos a tomar a decisão, observa-se que a proximidade e a
familiaridade existentes entre os participantes contribuiu para que tomassem
melhores decisões, sob condições de compartilhamento irregular da informação
(GRUENFELD et al., 1996; HO, 1999; NEWTON e SACKNEY, 2005). Tal constatação
incita a investigação de pesquisas futuras, principalmente em ambiente real,
dada a importância que se observa na relação entre os membros de um grupo e a
qualidade da decisão que tomam. No contexto organizacional, por exemplo, a
integração entre os gestores, bem como o desenvolvimento de maior proximidade
entre eles e o sentimento de pertencer ao grupo podem contribuir para que
melhores e mais corretas decisões sejam tomadas. A familiaridade entre os
membros possibilita que se sintam mais à vontade para discutir opiniões
divergentes, mencionando assim um maior número de informações úteis à tomada de
decisão final.
Já a segunda hipótese (H2) testava se "grupos formados por pessoas amigas
tendem a discutir informações comuns ao grupo na mesma proporção das
informações exclusivas, acarretando a melhor decisão". A partir da codificação
das anotações dos observadores e das gravações das sessões de discussão dos
grupos, procedeu-se à contagem do número de vezes que as pistas comuns e
exclusivas haviam sido citadas. Com base nessa contagem, realizou-se a
proporção entre o número total de pistas fornecidas aos participantes e o
número total de pistas discutidas. Para verificar se houve diferença de médias
na proporção de pistas comuns e exclusivas mencionadas, realizou-se o teste não
paramétrico de Wilcoxon, o qual não foi significativo (sig.≥0,050), indicando
que não há diferença entre a quantidade de pistas comuns e exclusivas
discutidas pelos membros dos grupos.
A fim de compreender melhor esse resultado, aliou-se a esses achados uma
análise qualitativa dos relatos dos observadores acerca do comportamento dos
grupos, e dos próprios participantes sobre os motivos que contribuíram para que
o grupo tomasse a decisão. Com base nessa investigação, percebeu-se que havia
uma discussão bastante profunda sobre as pistas do mistério, bem como a
discordância entre os membros acerca das alternativas, o que ocorreu,
principalmente, em virtude de os sujeitos experimentais já serem pessoas
próximas. Conforme Schulz-Hardt et al. (2006), a discordância faz com que o
grupo troque uma quantidade maior de informação e, consequentemente, consiga
melhor qualidade na decisão.
Com base nesses resultados, percebe-se que o objetivo do estudo foi atingido.
De modo geral, o compartilhamento irregular da informação não afeta a qualidade
da decisão do grupo, desde que haja uma substancial troca de informações por
parte dos integrantes. Acredita-se que essa troca de informações seja motivada
pelo comprometimento dos membros do grupo, que se dispõem a discutir as
informações obtidas, e pelo sentimento de pertencer a ele.
Algumas limitações foram verificadas no decorrer da pesquisa, como a tarefa
realizada não envolver uma situação real, em contexto organizacional, por
exemplo, o que poderia trazer maior credibilidade ao estudo. Também, a
aplicação desse experimento em ambiente de laboratório não abrange todas as
características apresentadas em um ambiente natural, impossibilitando a
inferência dos achados para o contexto real. Finalmente, o fato de não se ter
realizado o estudo com grupos de pessoas que não se conheciam, ou não tinham
intimidade, impossibilitou que fosse realizada uma análise comparativa de
resultados.
Essa limitação surge também como uma proposição de pesquisa futura, sugerindo
que estudos sejam realizados de modo a comparar a qualidade da decisão de
grupos de pessoas com intimidade e grupos de desconhecidos. Ainda, poder-se-ia
replicar este estudo em um ambiente não presencial, com o suporte de um sistema
de apoio à decisão em grupo, e identificar se a discussão e a discordância dos
membros permanece elevada, como presenciado nesta pesquisa. Esses achados
poderiam fomentar substancialmente a teoria acerca da decisão em grupo. Também
seria interessante reaplicar este estudo com tarefas voltadas ao campo da
Administração, como a contratação de um funcionário, o que poderia parecer mais
real e despertar interesse em grupos com diferentes características.